Vende-se Santos! Tratar na prefeitura municipal. Falar com Paulo Alexandre.
Os empresários dos setores da saúde, educação e esporte e lazer, entre outros, receberam um antecipado e generoso presente de natal do prefeito de Santos, o tucano Paulo Alexandre Barbosa, e seus fiéis escudeiros, os vereadores da cidade. Num terrível pacote de projetos de leis, foram aprovadas, nos meses de novembro e dezembro, a instituição das Parcerias Público-Privadas (PPPs), das Organizações Sociais (OS) e das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Em outras palavras, Executivo e Legislativo entregam, de mãos dadas e de mão beijada, os serviços públicos do município para o setor privado.
A cidade de Santos foi berço de greves no setor portuário lideradas por comunistas e anarquistas no início do século XX, chamada de “Porto Vermelho”, “Cidade Vermelha” e “Moscouzinha”. Ousou eleger um operário para o cargo de prefeito em pleno regime militar e por conta disso foi governada por quase 20 anos por prefeitos interventores, sendo o último deles o próprio pai do atual prefeito Paulo Alexandre Barbosa.
Esta cidade, que inovou na gestão da saúde no início dos anos 90 do século passado, sendo pioneira na Luta Antimanicomial, no avanço dos serviços de Atenção Primária, de Saúde do Trabalhador e de Saúde Mental, no enfrentamento da AIDS e do uso prejudicial de drogas, agora fará “acordos” e “parcerias” com o setor privado e as odiosas fundações de universidades, que funcionam como verdadeiras empresas, lucrando, contratando de forma precária e demitindo quando bem entendem, e ajudando a eleger qualquer político que se comprometa a manter a política de entrega.
As OSs e OSCIPs são verdadeiras epidemias na Baixada Santista, e parecem crescer como pragas por todo o país, principalmente no setor saúde. Já se tornou quase corriqueiro na região que a gestão de hospitais, ambulatórios, prontos-socorros e unidades de saúde estejam nas mãos da SPDM, Fundação ABC, Fundação São Camilo, Pró-Saúde e outros. Pouco importa o partido do governo: a política tem sido terceirizar. Se, por exemplo, o PT é contra as Organizações Sociais em Santos, não tem a mesma preocupação na vizinha Cubatão, em que o hospital modelo está sob a gerência da Pró-Saúde.
O tucano Paulo Alexandre Barbosa foi eleito com bastante folga (quase 58% dos votos válidos) e tem ampla maioria na Câmara de Vereadores. Filho de prefeito interventor escolhido pela ditadura, e membro de um dos partidos que mais vendeu o patrimônio público, sempre a troco de banana, ele parece seguir à risca a cartilha do Estado Mínimo – leia-se mínimo na construção de políticas públicas, mas máximo para pagar religiosamente os juros da dívida pública, para financiar obras e projetos com o BNDES ou perdoar dívidas de poderosos. É a conta do financiamento da campanha sendo paga.
De que tratam os projetos de lei?
O PL 242/2013, que institui o Programa de Parcerias Público-Privadas (PPPs), aprovado na Câmara dos Vereadores em 18/11/2013, diz que “pode ser objeto de parcerias público-privadas: I – a implantação, ampliação, melhoramento, reforma, manutenção ou gestão de infraestrutura pública; II – a prestação de serviço público; III – a exploração do bem público; IV – a construção, ampliação, manutenção, reforma e gestão de bens de uso público em geral, incluindo os recebidos em delegação do Estado ou da União; V – a execução de obra para alienação, locação ou arrendamento à Administração Pública Municipal; VI – a exploração de direitos de natureza imaterial de titularidade do município de Santos, tais como marcas, patentes, banco de dados, métodos e técnicas de gerenciamento e gestão, resguardada a privacidade de informações sigilosas”. Os contratos durarão entre 5 e 35 anos, e a remuneração se dará por meio de tarifas, recursos orçamentários, cessão de créditos do município, cessão de direitos relativos à exploração comercial de bens públicos, transferências de bens móveis e imóveis e títulos da dívida pública. Cinicamente, diz que os ganhos econômicos decorrentes serão compartilhados com o parceiro público. Acredite quem quiser…
Já o PL 282/2013, aprovado em 16/12, institui Programa Municipal de Publicização e dispôs sobre a qualificação das Organizações Sociais – OS –, que são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, e que se destinariam ao “aprimoramento e ampliação dos serviços e das atividades desenvolvidas pelo Poder Público em prol da população”. Atuariam em 7 áreas: I – ensino, pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico; II – direitos humanos e defesa da cidadania; III – proteção e preservação do meio ambiente; IV – cultura; V – saúde; VI – assistência social; VII – esporte e lazer.
O PL fala que as OS “poderão obter recursos financeiros provenientes de: I – dotações orçamentárias; II – subvenções sociais; III – receitas originárias do exercício de suas atividades; IV – doações e contribuições de entidades nacionais e estrangeiras; V – rendimentos de aplicações de seus ativos financeiros; VI – outros recursos”. Isso é, estão liberadas a entrada de capital estrangeiro e o investimento do recurso repassado. Adivinhem quem paga a conta depois… Para piorar, A OS poderá absorver atividade e serviços desativados dos órgãos e unidades administrativas da administração pública municipal. Como a cereja de um indigesto bolo, os servidores da unidade desativada serão cedidos à OS, que usará inclusive o nome do antigo serviço! Não nos surpreendamos se futuras gerações de santistas nem se lembrarem de que um dia, a rede de NAPS (Núcleos de Atenção Psicossocial) ou os CRAS (Centro de Referência em Assistência Social) faziam parte dos serviços públicos municipais!
Finalmente, o PL 286/2013, votação e aprovado em 1ª discussão no dia 17/12, que trata da parceria com as OSCIPs, fala em formação de “vínculo de cooperação” entre as partes para o fomento e a execução das atividades de interesse público, sendo elas: promoção da assistência social; cultura; educação e saúde; segurança alimentar e nutricional; desenvolvimento sustentável; voluntariado; desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza; da ética, paz, cidadania, dos direitos humanos, da democracia e outros valores universais; estudos e pesquisas; desenvolvimento de tecnologias alternativas; defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; defesa, conservação e proteção do meio ambiente; e experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas de produção, comércio, emprego, entre outras.
Uma prova significativa do componente ideológico presente na decisão da corja de vereadores, que desprezam e pretendem acabar com o serviço público, pode ser verificada na justificativa do conjunto de Comissões da Câmara de Vereadores para o seu parecer favorável ao Projeto de Lei das Organizações Sociais, que simplesmente diz: “Com relação ao mérito do projeto, cabe uma consideração relevante. É sabido e propagado que o Poder Público sozinho é incapaz de suprir todas as demandas sociais. Tais demandas crescem quase que geometricamente, enquanto que a capacidade dos entes públicos em supri-las cresce, apenas, em ritmo aritmético, resultando em um descompasso que se reflete diretamente na precariedade dos serviços prestados à população. A estrutura atual de prestação de serviços públicos, onde somente ao Estado é dada a tarefa de suprir as demandas sociais está, indubitavelmente, falida. Alternativas como a do projeto em questão se apresentam, hodiernamente, como uma solução importante a esse descompasso. Qualificar pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como organizações sociais, certamente irá preencher um espaço na prestação dos serviços públicos há muito tempo necessário.” Só esqueceram de colocar que o financiamento desses serviços “incapazes” tem sido estrangulado pela Administração Pública nos últimos 20 anos. Em saúde, por exemplo, apesar de ser a cidade mais rica da Baixada Santista, é das que investe a menor proporção do orçamento municipal.
Quais as consequências disso?
As notícias e informações de mau uso do dinheiro público entregue, e da farsa da “modernização” da gestão com a utilização de OS, OSCIPs ou PPPs estão disponíveis em abundância, para quem quiser ver. De modo geral, podemos esperar:
Contratação de trabalhadores para atuar em serviços públicos pela CLT, e não como estatuários;
Fim da estabilidade dos trabalhadores de serviços públicos (contratados pelas Organizações Sociais), com aumento de rotatividade de profissionais;
Aumento dos casos de assédio moral e perseguições aos trabalhadores;
Ausência de controle social, pois os Conselhos Municipais de saúde, educação ou cultura são substituídos pelo Conselho de Administração e por um Contrato de Gestão;
Leilão de editais de obras públicas para os financiadores de campanhas eleitorais;
Fragmentação dos serviços públicos, dificuldades na construção de redes de atenção à população;
Ausência de transparência na definição de Organizações Sociais como “parceiros”;
Falta de mecanismos de controle de processos administrativos públicos, como a obrigatoriedade de licitação em compras de grande valor, por exemplo;
Desmantelamento do serviço público, com piora da qualidade dos serviços oferecidos.
A votação não ocorreu sem luta…
Uma série de atos organizados pelo Sindserv – Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Santos – realizados na Prefeitura e na Câmara tentou barrar a votação dos PLs, em especial o das OS. Manifestações, debates, entrevistas, panfletagem e propaganda nas redes sociais foram utilizados para mobilizar os trabalhadores santistas. Do outro lado, o Legislativo, de forma vergonhosa, evitava colocar o Projeto de Lei em pauta das sessões extraordinárias convocadas, transformando-as em sessões inúteis, mas pagas com dinheiro do povo, e buscava minar a resistência dos manifestantes. No dia 13/12, sexta-feira, às 10h, a porta do plenário foi ocupada pelos manifestantes, bloqueando a entrada dos vereadores e obrigando o cancelamento da sessão.
No dia 16/12, em plena segunda-feira, às 14h, cerca de 200 servidores, sindicalistas e militantes se aglomeraram na entrada da Câmara Municipal da cidade. A partir daí, uma série de ações repressivas tentou impedir o acesso e a manifestação das pessoas durante a sessão. Exigência de credenciamento e retirada de senha, barramento da entrada principal da “Casa do Povo”, das escadarias e elevadores de acesso e das portas do plenário tornaram o clima ainda mais tenso. A Guarda Municipal, que tem como chefes um tripé de oficiais da Polícia Militar, respondia às ordens e impedia a tentativa de barrar a votação que também a prejudicaria.
Apesar disso, as pessoas forçaram as entradas e ocuparam o setor superior da Câmara com gritos e palavras de ordem. Nada, porém, deteve a corja de vereadores que ajudaram o Executivo a entregar os serviços públicos às organizações sociais. A quadrilha do Legislativo ainda aguardou o esvaziamento completo da Câmara, para só aí saírem e voltarem para suas casas. No final, foram 14 votos a favor do PL das OS e 5 contrários.
…E a luta não acaba após a votação!
A história de Santos já indicou o caminho. Foi por suas lutas que a cidade tornou-se referência em saúde em tempos passados. Passados quase 30 anos, em um processo duro de sucateamento e desmonte dos serviços, esses projetos representam mais um passo na entrega da saúde publica ao setor privado, algo que representa uma perda para toda a população. É urgente que o debate seja ampliado e mais pessoas se envolvam com essa luta. Cabe ao SINDSERV e demais sindicatos envolvidos, ao Fórum Popular de Saúde do Estado de São Paulo e o da Baixada Santista, aos movimentos sociais organizados e à população em geral manter a ampliar a organização e o combate aos desmandos da administração comprometida com a entrega, reverter o processo de privatizações e construir um estado que atenda às necessidades de uma sociedade justa e digna.