Junho deu uma lição de Bom Senso no futebol?
Emblemático. Esta palavra define a atual articulação dos jogadores de futebol na últimas rodadas do Campeonato Brasileiro. Ressalvadas as justas homenagens ao Cruzeiro e ao Palmeiras, campeões das séries A e B respectivamente, os demais times foram notícia não pelo seu desempenho nos gramados, mas pela sua articulação e reivindicações fora dos campos, com reflexos práticos para além dos minutos iniciais das partidas que disputaram.
O movimento Bom Senso Futebol Clube, timidamente iniciado em setembro com a adesão de 75 profissionais da bola, teve sua atuação mais orquestrada e marcante na 34 rodada do Brasileirão em 13/11, onde já contava com mais de 1000 jogadores o apoiando, e pôde de fato mostrar para que veio.
Nesta rodada, além das faixas em campo, cobrando diálogo por parte da CBF, seria respeitado 1 minuto de braços cruzados após o apito inicial em todas as partidas e assim foi feito. No jogo televisionado entre São Paulo X Flamengo, realizado em Itú, houve a ameaça de punição por parte do arbitro Alício Pena Junior, orientado pela CBF para que distribuísse cartões amarelos para todos os jogadores caso protestassem.
Alertados disto, após o silvo inicial do apito, os jogadores de ambos os times ficaram rolando a bola de um lado para outro sem sair de seus lugares, até que o juiz percebeu que estava sendo driblado. Resultado? Jogadores deram um chocolate na CBF e seu representante em campo. O protesto do movimento Bom Senso, realizado nos jogos da Série A, ganhou repercussão internacional. Inclusive inspirando jogadores paraguaios no jogo de 16/11 entre Nacional e Desportivo Capiatá. Repetiram os braços cruzados em solidariedade aos jogadores do Cerro Portenho do Presidente Franco que não recebem salários há vários meses.
A motivação para o surgimento deste movimento no “país do futebol” foi a divulgação do calendário de competições de 2014, ano da copa do mundo, que dentre outras implicações diminui o período de pré-temporada e de férias. Após o lançamento do BSFC, as federações estaduais e a Rede Globo, que detém os direitos de transmissão, definiram que as competições começarão uma semana depois do que foi divulgado pela CBF. Mas não é só isto, o Bom Senso apresenta outras reivindicações: 7 jogos no máximo por mês, punição aos clubes que atrasam salários e impostos – chamado fair play (jogo limpo) financeiro – participação nos conselhos técnicos das entidades e que regem o futebol, e avisam: “enquanto não obtivermos um retorno oficial as manifestações aumentarão a cada rodada”.
Desde a última semana de julho o Brasileirão, a Copa do Brasil e a Sul Americana tem rodadas no meio das semanas, para além do domingo . Segundo o fisiologista do Flamengo, Claudio Pavanelli, “70% dos jogos do ano estão concentrados após a parada para a Copa das Confederações”. Soma-se a isto o fato de que o Campeonato Brasileiro impõe um ritmo de viagens que também desgastam muito o jogador, neste país de dimensões continentais.
Os afastamentos por lesões e contusões se acentuam no segundo semestre em jogadores com mais de 30 anos, muitos já considerados velhos, mas que carregam uma carga de experiências necessária para o conjunto do time e por isso são também mais cobrados. Acontece que os treinamentos estão acima dos limites de tolerância e da resposta individual e diferenciada de uma recuperação psicofísica, conforme estudo sobre controle estatístico de lesões no futebol, publicado no site www.futebolinterior.com.br
O motivo das contusões tem sido: músculos demasiadamente rígidos, fadiga muscular, intensidade de treinamentos e jogos e até características dos gramados e chuteiras, ou seja, há muito bom senso na reivindicação destes jogadores. A posição vergonhosa da federação nacional dos atletas é dizer que estas reivindicações não tem sentido e já foram superadas através do diálogo e de proposta de lei, mas não obtiveram êxito. Sobre o excesso de jogos apenas dizem que Brasileirão e Libertadores são obrigatórios, mas a Copa do Brasil e a Sul Americana são opcionais, que os próprios jogadores terão de convencer seus clubes a não estarem em todas as competições, e deseja sorte a todos. Simples assim.
O fato é que nos últimos ano tem se pensado e moldado o futebol na perspectiva de expansão da indústria do entretenimento e do marketing. Alguém ainda tem dúvida de que são os cartolas que mandam nos times e nos campeonatos? Alguém ainda duvida da influência da Fifa sobre a CBF e sobre o governo brasileiro, com sua lei de exceção durante a copa das confederações e o mundial de clubes de 2014?
Neste episódio temos mais uma vez a dicotomia capital x trabalho sendo questionada, nem que seja sem querer. Não é novidade este movimento dos jogadores por melhorias na sua condição de atleta profissional. A estrutura administrativa do futebol no Brasil é questionada desde 87 com a criação do Clube dos Treze, passando pela articulação da Lei Pelé, hoje conhecida como Lei do Passe, pois do seu conjunto de artigos o que de fato traz novidade é a liberdade que o jogador tem de permanecer em um time ou não, claro que depois de acertada a multa contratual. Desde o início esta Lei sofreu alterações no seu projeto original por influência de lobistas dos grandes clubes e seus dirigentes, mas tem alguns avanços do ponto de vista das relações trabalhistas que não são observados e nem cobrados pelas entidades que representam a classe profissional. E até os jogadores já perceberam isto. O Art. 28 da Lei Pelé (Lei 9.615/98), reza que o atleta profissional de futebol empregado em uma entidade desportiva, deve ter seu contrato regido pela CLT, art. 3, no entanto se percebe uma clara indiferença com as ocorrências de acidentes e doenças do trabalho, imposição de horários e trabalhos por contratos comerciais dos clubes, vida útil laboral curta e péssima remuneração, afinal nem todo jogador ganha o mesmo que o Neymar!
Com muito pé no chão, afirmamos que junho deixa uma lição, e as conclusões são cada vez mais sensíveis pelos que presenciaram aquele momento que ainda se faz presente. Quando se poderia imaginar o anuncio de greve por parte dos jogadores? Nem que seja blefe, que seja para 2015, mas os integrantes do Bom Senso não descartam mais esta possibilidade, ainda mais após a tentativa de censura na histórica partida da 34 rodada entre São Paulo X Fluminense, dois gigantes da série A, pelo menos por enquanto para o Flu, já que neste momento (17/11) vence o São Paulo e respira mais um pouco. A empolgação das ruas, chegou até os gramados. A afirmação de que “não vai ter copa” amedronta os governos, as polícias e agora os cartolas. Ignorar não irá adiantar. Aceitem, não são só por 0,20. Bom Senso não faz mal a ninguém.