Alemanha: Merkel reeleita… mas um período instável a aguarda
Apesar do sucesso eleitoral da coalizão conservadora de Angela Merkel, a CDU/CSU (União Democrata Cristã da Alemanha e a União Social Cristã da Bavária), a eleição geral de 22 de setembro na Alemanha reflete uma alienação de grandes setores da população perante os partidos estabelecidos e as instituições da democracia capitalista. Dada a aguardada intensificação da crise do euro e da recessão econômica mundial, o novo governo enfrentará crescente instabilidade, e os ataques aos padrões de vida dos trabalhadores voltará à agenda.
O aumento dos votos para a CDU/CSU não pode disfarçar o fato de que a coalizão “preta e amarela” da CDU/CSU com o liberal Partido Democrático Livre (FDP) perdeu, entre eles, 735 mil votos. Isso foi ofuscado pela percepção pública do triunfo de Merkel ao quase assegurar uma maioria absoluta no Bundestag (parlamento nacional), mas terá consequências para os futuros eventos na Alemanha.
O FDP por mais de sessenta anos foi considerado um grupo lobista dos capitalistas na forma de um partido político. Foi sempre o mais ruidoso na exigência de ataques aos padrões de vida e direitos dos trabalhadores. Seu fracasso na eleição de 2013 representa um sério problema para a classe capitalista. É uma consequência do fato de que os liberais cada vez mais são incapazes de esconder seu caráter abertamente neoliberal por trás da propaganda pseudo-direitos civis. Muitas pessoas responsabilizam o FDP pela polarização social na sociedade alemã. Quando ficou claro que esse “pequeno partido do grande capital” não iria voltar para o Bundestag pela primeira vez na história da República Federal da Alemanha, muitos se regozijaram. O futuro dele agora está em aberto. O partido agora só possui uma fraca representação em parlamentos e governos estaduais. Contudo, não está descartado que o FDP se mova em uma direção mais nacional-liberal, adotando um caráter populista de direita para sobreviver.
O aumento dos votos em Merkel reflete a relativa estabilidade econômica em um país cercado por Estados que estão falindo por causa da crise do euro. Ela também fez algumas pequenas concessões, como abolir taxas para consulta médica. “Os alemães votaram pela segurança” foi como um comentarista de TV explicou o resultado eleitoral. Isso é verdade na medida em que o aumento de votos para a CDU/CSU reflete o sentimento de muitas pessoas de que Merkel impediu que o pior acontecesse numa época de crise econômica mundial. Mas o resultado não significa um apoio positivo, muito menos qualquer euforia, para Merkel. Um indicativo de que o sentimento é diferente quando se chega a questões políticas concretas foi mostrado em um referendo em Hamburgo no mesmo dia das eleições: uma estreita maioria na cidade votou pela renacionalização da rede local de eletricidade.
A vitória de Merkel é apenas um lado do resultado eleitoral. O outro lado é que nunca antes uma parte tão grande do eleitorado não se viu representada no parlamento. O comparecimento apenas subiu marginalmente da baixa histórica, de 70,8%, durante as últimas eleições federal do ano passado, para 71,5% esse ano, que é o mais baixo na história alemã pós-1945. Mais de 15% dos votos foram para partidos que não atingiram o mínimo de 5% para entrar no parlamento. Nunca antes se teve tão poucos votos – 43% para se formar um governo. Isso é apenas 30% do eleitorado. Mesmo um governo de “grande coalizão”, em relação à população total, representará apenas um governo minoritário. Mais de 40% do eleitorado, os que se abstiveram ou votaram em pequenos partidos, não estão representados no Bundestag.
Houve grandes giros nas eleições nos últimos anos. Isso reflete o afrouxamento dos laços dos eleitores com os partidos políticos. Grandes sucessos eleitorais, como os do FDP e dos Verdes no passado, são rapidamente esquecidos e o cenário eleitoral continua volátil.
‘Alternativa para a Alemanha’
Merkel conseguiu manter a questão da crise do euro fora da campanha eleitoral. Mas o sucesso do “Alternativa pela Alemanha” (AfD) – um partido de direita que pede o fim do euro – mostra, ao lado do potencial dos votos de protesto, que essa questão é importante para parte da população. Isso irá aumentar. Com esse pano de fundo, foi um erro do Die Linke (A Esquerda) não enfatizar mais em sua campanha eleitoral a rejeição do partido aos pacotes de resgates de bancos. O fato de que também o Die Linke perdeu muitos votos para a AfD deve ser visto como um alerta. Mesmo que o futuro do AfD esteja em aberto, é possível que ele não seja um fenômeno temporário. Ele ocupou um espaço político que terá mais importância, dada a probabilidade de uma intensificação da crise do euro. Ele conseguiu construir uma organização partidária nacional e tem dinheiro. A AfD também foi muito hábil ao evitar uma imagem racista ou nacionalista agressiva, embora ainda seja capaz de mobilizar votos de extrema direita. O partido tem uma boa chance, com um aumento de votos, de entrar no parlamento europeu nas eleições eurpeias do próximo ano. A AfD também pode capitalizar o crescente ceticismo com o euro, que provavelmente aumentará, em especial se o Die Linke não formular uma clara crítica de esquerda e internacionalista da crise do euro.
Salários, condições de trabalho e previdência são as questões mais importantes para os eleitores. Isso parece paradoxal, já que a CDU/CSU é um partido dos grandes negócios, contrário a um salário mínimo legal e pela manutenção do aumento da idade de aposentadoria para 67. Com a escolha sendo entre os líderes dos principais partidos, muitas pessoas podem ter concluído que Merkel é mais capaz que outros líderes políticos de impedir que a crise do euro produza uma crise social na Alemanha. Isso além do fato que o SPD (socialdemocratas) e os Verdes não apresentaram qualquer alternativa. Sua tentativa de se apresentarem nesta eleição como mais interessados em questões sociais e justiça, e de esquerda, não foi levada a sério por muitos. Sua introdução da “Agenda 2010” neoliberal, em 2003, não foi esquecida, nem perdoada, por muitos. O resultado dos Verdes mostra o quanto eles se tornaram um partido burguês de classe média. Mas a importância de questões como salários, condições de trabalho e previdência na consciência popular dos trabalhadores reflete também o potencial de lutas sindicais e sociais. É por isso que o sucesso da CDU/CSU é frágil. O novo governo irá planejar novos cortes e implementar programas de privatização e, cedo ou tarde, o sentimento popular pode se voltar contra ele.
Perspectivas para um governo de coalizão?
Merkel perdeu seu parceiro de coalizão, o FDP. Seu resultado eleitoral tornará mais difíceis as negociações de coalizão com o SPD ou os Verdes. Ambos os partidos têm pesadelos com a perspectiva de terminar como parceiros menores num governo do CDU/CSU. A experiência do SPD como parte da “grande coalizão” de 2005/09 abriu feridas que ainda não foram sanadas. Portanto, ouviremos muitas declarações relutantes dos líderes do SPD sobre a questão. Mas o enfraquecimento dos Verdes torna a opção de uma coalizão “preto-verde” menos provável. Isso torna uma grande coalizão o resultado mais provável. O SPD claramente vai tentar arrancar algumas concessões, o que irá mostrar como vitória. Isso pode ser até um salário mínimo legal ou medidas semelhantes. É improvável que as negociações falhem e novas eleições sejam chamadas, porque isso pode levar a uma maioria total da CDU/CSU.
Die Linke
A direção do Die Linke está satisfeita com o resultado e enfatiza que o partido agora é a 3ª maior força do país. Vendo do ponto de vista dos índices desastrosos das pesquisas de opinião de um ano atrás, o partido foi estabilizado e recuperou apoio. Isso não foi só por que as lutas internas pararam por enquanto. Sob a nova direção de Bernd Riexinger e Kátia Kipping, tem havido uma crescente orientação do partido rumo aos movimentos sociais e disputas sindicais. Isso motivou uma camada de ativistas do partido a se envolver mais. Declarações claras em cartazes do partido ajudaram a criar uma campanha eleitoral muito ativa entre a base. Quinhentos novos membros se filiaram ao longo da campanha. Isso mostra que, apesar da atual situação objetiva, há um potencial para fortalecer o partido.
Mas o fato de que o Die Linke perdeu mais de 1,4 milhões de votos em comparação com as eleições de 2009 (o voto foi também inferior ao resultado em 2005), que não pôde atrair pessoas que normalmente não votam e até perdeu eleitores para a AfD, mostra o quanto o partido está pouco enraizado nas comunidades de trabalhadores. Além disso, a credibilidade do Die Linke é repetidamente posta em questão por causa do seu envolvimento em governos de coalizão a nível regional e pelas permanentes ofertas de alguns líderes partidários para se unirem a uma coalizão nacional.
Agora, o Die Linke recebeu outra chance, a questão é se vai aproveitar as oportunidades que se abriram. Se houver uma grande coalizão na qual o SPD será responsável cedo ou tarde por cortes sociais, o Die Linke estará numa boa posição para aumentar seu perfil como oposição anticapitalista. Mas, para se fortalecer em tal situação, o partido tem que se tornar uma força combativa e abandonar sua orientação de formar governos de coalizão com o SPD e os Verdes. É provável que as disputas dentro do Die Linke aumentem. O próximo ano verá inúmeras eleições estaduais na Alemanha oriental, que é a base mais forte do Die Linke no momento, onde a questão de formar governos de coalizão com o SPD mais uma vez se colocará concretamente. No momento, o Die Linke está em coalizão com o SPD no estado oriental de Brandenburgo.
Alguns da direita do Die Linke, incluindo o líder do grupo parlamentar, Gregor Gysi, recentemente publicaram um livro que põe em questão o princípio partidário de rejeitar todo o emprego de tropas alemães no exterior (porque, sem abandonar essa posição, participar em um governo nacional é impossível). Isso pode se tornar outro foco de debate e divisão dentro do Die Linke. Gysi se fortaleceu pessoalmente com sua performance na campanha eleitoral, e tentará usar isso contra os elementos mais anticapitalistas do partido, que estão principalmente na Alemanha ocidental.
Hessen
Neste contexto, as estaduais federais no Hessen, que ocorrem simultaneamente a eleição para o Bundestag, são importantes. A volta do Die Linke ao parlamento por aqui é de grande importância para a esquerda do partido. O Die Linke em Hessen é conhecido por suas fortes conexões com movimentos sociais e sindicais.
Mas a líder partidária regional, Janine Wissler (membro da corrente “Marx21”, a organização irmã do SWP britânico) enfatiza que sob certas condições ela está preparada a formar um governo de coalizão com o SPD e os Verdes. Embora Wissler possa dizer que isso é para expor o SPD e os Verdes, ela infelizmente passa a impressão que o Die Linke agora está mais interessado em entrar no governo. Ao invés de discutir opções de coalizão, a direção do Die Linke em Hessen deveria dizer que seu sucesso eleitoral é principalmente um sucesso dos movimentos de resistência social e que eles devem ser fortalecidos.
O Die Linke em Hessen, reconhecendo que agora há uma chance de derrotar o Primeiro Ministro da CDU, Bouffuer, deveria dizer que o partido está preparado para derrubar a CDU ajudando um governo minoritário do SPD-Verdes a chegar ao poder. Mas como o SPD e os Verdes operam dentro do sistema capitalista, preparados a fazer ataques aos trabalhadores, o Die Linke deveria deixar claro que faria isso sem assinar qualquer acordo de coalizão ou “tolerância”, e pelo contrário votaria no parlamento caso a caso separado. O Die Linke deveria dizer claramente que apoiaria qualquer legislação progressista e votaria contra qualquer outra.
A perspectiva?
Apenas um dia depois das eleições federais, a mídia começou a publicar vozes de alerta sobre a intensificação da crise do euro e um colapso do sistema financeiro mundial.
Os próximos quatro anos não serão para a Alemanha como os últimos três, uma época de recuperação econômica depois de uma crise profunda. Serão marcados por uma crescente desestabilização econômica e novas crises. Todo novo governo na Europa será pressionado a fazer a classe trabalhadora pagar pela crise do sistema capitalista. Lutas e movimentos de massa podem surgir disso. O Die Linke pode crescer e se fortalecer, se ficar firme ao lado desses movimentos.