Portugal: cresce a crise no governo – é urgente construir uma alternativa dos trabalhadores

A situação política em Portugal é explosiva. A decisão do Tribunal Constitucional (TC) de declarar 4 medidas do Orçamento de Estado ilegais, num montante que chega aos 1,3 mil milhões de euros, só confirmou o que muitos já diziam: era um orçamento impossível de implementar. Mas, disseram, o governo tinha de o avançar. A Troika exigia-o. Os capitalistas portugueses exigiam-no. Eles não tinham um plano B. Agora o governo parece estar a desmoronar.

O braço-direito de Passos Coelho, Miguel Relvas, demitiu-se, e o governo substituiu por duas vezes em pouco mais de uma semana ministros e secretários de estado. O ministro das finanças, perdendo o estatuto construído de “salvador das finanças” e sentido o seu “reino” chegar ao fim, declarou o que se pode definir como um “Lockout de Estado” suspendendo qualquer despesa pública sem a sua autorização expressa. Isto ameaça todos os Serviços Públicos fundamentais de colapsar: escolas sem comida, hospitais sem medicamentos etc. A Faculdade de Medicina Dentária já está a cancelar aulas por falta de materiais.

Instabilidade no aparelho repressivo do Estado

A máquina do Estado não está estável, o governo sabe que não tem o seu apoio claro numa situação socialmente explosiva, e essa é uma das razões porque vemos reações de pânico sempre que algo importante acontece ou está para acontecer. O desespero e isolamento do governo são claros, e eles disparam em todas as direções (exceto contra o grande capital claro) o que só torna a situação ainda pior. É como atirar gasolina a um incêndio.

É o caso da irritação crescente no seio das Forças Armadas e das restantes forças de segurança. As Associações militares, face às medidas governamentais de cortes sociais já declaram que a reforma que o governo quer implementar é ilegal. Temos visto os militares mostrarem a sua raiva, aos milhares, nas ruas em várias ocasiões. Também mostraram uma solidariedade aberta com os protestos populares em várias ocasiões, dizendo que estão do seu lado e não do governo. Sectores da polícia têm-se juntado a grandes manifestações. Isto não significa contudo que haja condições para um pronunciamento militar, tipo 25 de abril. Aliás, a estrutura profissional das Forças Armadas de hoje, nada tem a ver com o exército de trabalhadores em armas que existia em abril de 74. Ainda assim, sendo as Forças Armadas o último bastião de defesa da classe dominante, a presente instabilidade neste sector pode ser, potencialmente, favorável a ações de massas mais radicais e amplas por parte dos trabalhadores e dos jovens.

O governo nunca esteve tão fraco

Os protestos de massas e a greve geral do final do ano passado, o 2 de março e agora a decisão do TC lançaram o governo na sua maior crise até ao momento. O CDS, como é seu apanágio, dá sinais de estar a tentar saltar do barco que se afunda. Mas nem Passos, nem Portas, sabem exatamente como resolver este problema. Nem tão pouco Cavaco e os seus experts. Não têm medidas alternativas para além de cortes mais brutais na despesa pública, lançando os já degradados Serviços Públicos e Segurança Social no caos completo. Aliás, é esse um dos seus objetivos: a destruição do que resta do Estado Social, a redução do custo do trabalho e a manutenção das taxas de lucro e das rendas aos bancos, grupos financeiros e grandes grupos económicos. Enquanto isso, o buraco financeiro continua a avolumar-se, com a revelação de perdas financeiras na casa dos milhares de milhões, em empresas públicas de transportes que jogaram na bolsa especulativa das SWAPS e que levou à substituição de dois secretários de Estado. É evidente que as medidas que estão a ser anunciadas para contornar a decisão do Tribunal Constitucional, são elas próprias de uma legalidade mais que duvidosas.

Mas a Constituição nada significa perante os interesses da Troika, dos especuladores e das grandes empresas. Votada há 38 anos num contexto e relação de forças favorável aos trabalhadores, é uma Constituição progressista que todos os governos constitucionais têm tentado subverter ano após ano. Este governo, apoiando-se numa conjuntura completamente diferente, procura de facto, estilhaçá-la, em nome da crise e da Troika, particularmente nos domínios sociais.

O PS e a crise

Nos últimos dias a coligação governamental procura desesperadamente um entendimento com a direção do PS para alcançar um “largo consenso”. Isto é uma clara tentativa de constituir um governo de “salvação nacional” forte o suficiente para atacar o Estado Social definido na própria Constituição. Mas a direção do PS está hesitante, sabendo que isso significará uma enorme perda de popularidade para as próximas eleições autárquicas. No entanto, também não dizem um Não claro, e muitos dos seus líderes também apontam na direção desse “consenso”. Na realidade, é agora mais uma questão de tempo para essa grande coligação de Direita estar em cima da mesa, com ou sem eleições. Resta saber o que farão as bases e o eleitorado do PS face a essa nova “Santa Aliança”. E as bases e eleitorado do PS nada farão a não ser que a Esquerda saiba construir uma alternativa politica e social ao governo, à Troika e ao seu sistema.

Derrubar o governo, claro! Mas como?

No seguimento da saga do TC, uma coisa ficou clara para todos verem. A luta puramente institucional provou-se incapaz de parar este massacre social e de derrubar o governo. Se por um lado o recuo imposto de alguns cortes para trabalhadores e desempregados foi uma boa notícia, por outro a decisão do TC não foi o suficiente para impedir que o governo e a Troika continuem a fazer “mais sangue”. O Governo e a Troika já têm em mira uns cosméticos cortes nas PPP, para “inglês ver” mas principalmente mais cortes nas pensões e subsídios sociais, nomeadamente o do desemprego, despedimentos em massa na Administração Pública, etc.

Fala-se agora, e com cada vez maior insistência, na reestruturação da dívida e em planos de emprego e crescimento económico. Não porque as classes dominantes tenham aderido às propostas do BE e do PC. Mas porque alguns dos sectores da classe dominante mais esclarecidos vêm o potencial perigo para a sobrevivência do próprio sistema capitalista da manutenção de políticas de austeridade que forçam ao brutal empobrecimento de vastas camadas da sociedade. É que na verdade a crise que começou a ser sentida brutalmente na Grécia, no nosso país e, em geral, no Sul da Europa, está a alastrar-se à França, Bélgica e outros países. E cientes do perigo que correm, querem, em certa medida, não melhorar as condições de miséria a que nos sujeitam, mas atenuar o perigo de explosões que os podem liquidar.

Na verdade, o que se passa em Portugal, na Europa e no Mundo, não é uma crise política que seja resolvível no quadro do atual sistema. Quem assim o julga ou está a enganar-se a si, ou a enganar os outros.

Foi o sistema económico capitalista que gerou esta crise e é a própria natureza desse sistema que faz com que não exista solução no seu seio.

Dados todos estes grandes eventos, a resposta da Esquerda e dos Sindicatos tem estado muito aquém do necessário e do potencial de revolta que grassa entre as pessoas comuns. Enquanto o governo “grita”, eles “suspiram”. Apesar de continuarem a clamar pela queda do governo cada vez “mais alto”, falham em dar respostas eficazes em termos de luta concreta para alcançar esse objetivo! Depois de mais de 1 milhão de pessoas ter tomado as ruas no 2 de março, a maior manifestação em termos de população de sempre, onde a classe trabalhadora e os jovens portugueses demonstraram a sua vontade de resistir, e apesar de quase diariamente se estarem a realizar lutas, manifestações, concentrações e outras ações de protesto, eles continuam a recear apresentar um plano concreto e amplo de resistência e luta que vise efetivamente derrubar o governo.

Unir e ampliar as lutas para derrubar o governo

O governo está determinado a manter-se no poder a qualquer custo, e tem o apoio do Presidente da República. Exigir a sua resignação e a expulsão da Troika, como os líderes da CGTP, PCP e BE têm feito, é positivo. Mas dizê-lo não é suficiente. Convocar um grande protesto de vez em quando também não é suficiente, como se viu com a Manifestação de 2 de março. Ações simbólicas como a “Moção de Censura Popular” levada ao parlamento não são suficientes, propostas e moções no parlamento que nunca irão passar, devido à maioria de Direita, não são suficientes. Apenas a luta nas ruas, locais de trabalho, universidades e comunidades será capaz de tornar estas palavras realidade. Acreditamos que apenas amplas mobilizações da classe trabalhadora e da juventude o podem fazer. Mas para que surjam essas mobilizações, é também necessário um Programa de Ação Amplo, Democrático e Combativo. E para isso, é necessário que a Esquerda parlamentar e extra parlamentar, os sindicatos e os movimentos sociais se entendam e construam uma alternativa política de poder. Todos os que rejeitam o modelo de exploração e saque que nos está ser imposto pelo Governo e a Troika, têm a obrigação de estabelecerem uma plataforma mínima comum para ampliar a luta extraparlamentar, nas ruas e efetivamente derrubar este governo através da luta de massas. Para derrubar o governo precisamos de o “impedir de governar”. Isso requer uma mobilização crescente e constante, uma enorme campanha de esclarecimento e informação, a promoção da participação democrática de todos nas decisões e nas ações, na construção e condução de lutas, greves e greves gerais, que mobilizem todos, trabalhadores e desempregados, jovens e reformados, portugueses e imigrantes.

Um tal plano incluiria também grandes manifestações, ocupações e boicotes ao assalto fiscal que é imposto ao povo trabalhador, que o governo já diz que vai agravar com a decisão do TC. Este plano de luta deve continuar até que o governo caia, a Troika deixe o país, e um governo dos trabalhadores e jovens o substitua, que implemente políticas no interesse da maioria. O governo está no seu momento mais fraco, se lhe dermos um forte empurrão ele cairá.

A recusa ao pagamento do IMI – à semelhança da campanha que na Irlanda leva milhares e milhares a recusarem-se a pagar imposto idêntico -, a organização da resistência aos despejos de desempregados e famílias que não podem pagar a usura bancária dos “empréstimos” à habitação ou que viram as rendas disparar com a nova “Lei dos Despejos”, o boicote a aumentos de preços em bens essenciais, como transportes, a luta contra a super-exploração dos precários e pelo fim da criminalização dos desempregados são ações que dirigidas num permanente debate democrático podem construir a confiança necessária para aprofundar a luta contra o governo e o regime. Depois de quatro greves gerais de 24 horas, é preciso prepararmo-nos para uma ação grevista mais longa, que mostre aos trabalhadores o seu verdadeiro poder: que eles podem parar este caminho desastroso.

É necessário construir uma nova Greve Geral

Um tal plano devia começar com uma Greve Geral de 48 horas, que unifique a radicalização e mobilização do 2 de março e das milhares de lutas dispersas que se travam diariamente numa luta concreta e consequente.

Tal como a crise é internacional, a nossa resistência também tem de ser cada vez mais articulada com outros povos em luta, e à semelhança da iniciativa da CGTP em articular com as Confederações Sindicais Espanholas, chame à resistência, luta e solidariedade os trabalhadores de toda a Europa.

A próxima Greve Geral pode e deve não só ser mais longa mas, ser coordenada internacionalmente como a 14 de novembro. No País Basco está já convocada uma greve geral para o dia 20 de maio. O Reino Unido está cada vez mais próximo de organizar uma greve geral, a primeira desde a greve revolucionária de 1926. Devia ser organizada através de assembleias públicas nos locais de trabalho e nas ruas, para poder mobilizar os 1,5 milhões de desempregados, transformando-os num exército organizado que lutará ao lado dos trabalhadores.

Um governo dos trabalhadores e a alternativa socialista

Tendo em conta que a crise que hoje vivemos não é uma mera crise “cíclica”, mas uma crise estrutural do capitalismo, onde as suas maiores contradições são cruamente expostas, onde o capitalismo é incapaz de resolver a sua crise sem condenar milhões de pessoas à miséria. Isto significa que a solução para a crise passa por questionar o próprio sistema capitalista. Medidas keynesianas foram postas em prática no início da crise em 2008 e não funcionaram, agora a austeridade é a única forma que a classe governante tem de passar o custo da sua crise para os trabalhadores e a juventude, por toda a Europa, e em particular no sul.

Isto significa que derrubar o governo está longe de ser suficiente para resolver os nossos problemas. Os movimentos, sindical e sociais, têm de se armar com uma alternativa clara ao Capitalismo, com uma alternativa socialista. O plano de ação tem também de ser baseado num programa alternativo que possa responder a todas as grandes questões que trabalhadores e jovens enfrentam hoje. Esse Programa poderia facilmente integrar as propostas já formuladas quer pelo BE quer pelo PCP, mas muito especialmente as Propostas apresentadas pela CGTP.

Este programa tem em primeiro lugar de declarar que não podemos nem queremos pagar esta dívida. Não podemos pagar uma dívida criada por especuladores, que condena nações inteiras à pobreza, apenas para que estes continuem a lucrar e a alimentar-se de todos os recursos públicos que ainda nos restam. A restruturação da divida, como se pode provar pelos acontecimentos, significa ampliar ainda mais uma lógica de endividamento e, portanto, de austeridade. Precisamos de nos libertar do sufoco da dívida e nacionalizar o sistema bancário sob a gestão democrática de trabalhadores e consumidores, para que possamos gerar e alocar os fundos necessários para um plano de investimento público que posso reerguer dos escombros os nossos Serviços Públicos devastados, um plano de investimento na economia para criar emprego real e decente para os 1,5 milhões de desempregados. Precisamos nacionalizar todos os sectores estratégicos da economia para os gerir democraticamente sob o controlo dos trabalhadores, para que os recursos do país, que são de todos, não sejam geridos no interesse do lucro privado, mas na base das reais necessidades da sociedade. Um Governo que leve à prática essas medidas, viradas para a satisfação das necessidades de milhões e não dos milionários seguramente congregaria à sua volta uma ampla maioria dos trabalhadores e jovens em Portugal.

Um tal plano de ação e programa alternativo, em contraste com as tímidas medidas de “renegociação com os credores” avançadas pelos líderes de esquerda, e a luta fragmentada implementada pela liderança sindical, pode dar uma perspectiva real a todos os trabalhadores e jovens radicalizados, que sentem o punho de ferro dos “mercados”, de que podem derrotar o governo, a Troika e as suas políticas e lutar por uma clara alternativa a este caminho desastroso. Luta pela Democracia Socialista em alternativa à Ditadura dos especuladores e do Mercado. 

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