Egito: Manifestações massivas de protesto no Cairo e em Alexandria
Manifestantes exigem a queda de Mubarak e o seu regime
Enormes manifestações ocorreram esta semana no Cairo, Alexandria e em outras cidades do Egito, quando os manifestantes se mobilizaram para forçar a derrubada do presidente Hosni Mubarak e de seu regime podre. A revolta de massas que já dura uma semana resultou no fechamento dos bancos e empresas e fez com que grande parte da economia ficasse paralisada.
No momento em escrevemos este artigo há relatos de mais de um milhão de manifestantes no Cairo, em uma demonstração de força contra o regime. Os manifestantes foram amparados pela declaração do poderoso exército do Egito – o 10 ª maior do mundo – afirmando que não usará a força contra os manifestantes e que considera as suas reivindicações como “legítimas”. A declaração foi um duro golpe para Mubarak, que depende muito do exército. Os EUA se distanciaram de seu aliado de longa data, apelando por uma “transição ordenada” e “eleições livres e justas”. Um embaixador aposentado dos EUA foi rapidamente despachado por Washington ao Cairo para exortar o regime de Mubarak a “aceitar mudanças econômicas e políticas profundas”. Ele pode muito bem ter privadamente “avisado” Mubarak para deixar o cargo e permitir que um novo governo apoiado pelo exército assuma.
“Fora! Fora! Fora!”
Mubarak reorganizou de forma desesperada seu gabinete novamente nesta segunda-feira para tentar evitar os protestos. Seu novo vice-presidente, Omar Suleiman disse que vai manter “negociações com os partidos” sobre a “reforma constitucional”. Mas para as massas, tudo isso é muito pouco e tarde demais. Como um jovem manifestante exigia: “Queremos que Mubarak e os seus homens vão embora. Qualquer coisa que não seja isso não é suficiente” (Guardian, 01/02/11).
O Egito está num ponto de inflexão decisivo. Por mais de uma semana, protestos da população ocorreram nas ruas do Cairo, Alexandria, Suez e outros lugares, exigindo o fim dos 30 anos da presidência de Hosni Mubarak. Os manifestantes estão lutando por direitos democráticos, emprego, alimentos mais baratos, e pelo fim da opressão e corrupção do Estado. Pressionaram o regime de Mubarak e causaram enorme alarme em Washington e Downing Street, que consideram o Egito como um importante aliado regional.
A classe média, estudantes, trabalhadores, pobres nas cidades e até mesmo juízes, todos aderiram à onda de oposição à ditadura. Durante dias, confrontando a brutalidade policial, centenas de milhares de egípcios enviaram uma mensagem clara – “Fora! Fora! Fora!”. Do alto de seus apartamentos, pessoas mais idosas oferecem água para os manifestantes abaixo nas ruas. Em resposta, a polícia usa gás lacrimogêneo, balas de borracha e munição real. Até agora existem pelo menos 150 mortos e milhares de feridos.
Em cidades como Alexandria e Suez, o movimento de oposição alcançou proporções insurrecionais, com as forças policiais e de segurança retiradas de partes das cidades.
Existem elementos de poder e controle popular em algumas áreas do país. Os manifestantes instintivamente se confraternizaram com os soldados rasos. No entanto, no momento em escrevemos este texto, Mubarak ainda se agarra ao poder. Não se pode excluir que um Mubarak desesperado ainda possa tentar ordenar uma repressão sangrenta, um último e desesperado lance de dados, talvez usando suas odiadas tropas de choque e polícia de segurança. Mas as consequências de fazê-lo seriam incalculáveis para o Egito e para a região, provocando indignação em massa e profundas divisões, até mesmo conflitos dentro do aparato estatal egípcio.
A declaração da cúpula do exército indica que eles estão tentando se apresentar como “mediadores” entre Mubarak e as massas, para supervisionar uma “transição ordenada”, manter a máquina do Estado e garantir a continuação dos interesses gerais da classe dominante, possivelmente sem Mubarak.
As fileiras do exército, que são em grande parte recrutas com laços estreitos com os trabalhadores e os pobres, podem ser ganhos para o movimento de massas com um programa socialista claro. Isto incluiria um chamado em defesa dos direitos sindicais e outros direitos democráticos, salários que garantam condições mínimas, a criação de comissões democráticas de soldados rasos e para a eleição de seus oficiais.
As massas estão pressionando para remover Mubarak e seus comparsas do poder, enquanto a elite dominante está a tentando restabelecer-se, provavelmente em torno de um “governo” novo e remendado.
O regime tentou fazer um jogo de “gato e rato” com os manifestantes, colocando e retirando a tropa de choque e o exército das ruas ordenando caças da aeronáutica a fazer voos baixos para intimidar os manifestantes. Eles esperam que tais táticas façam os manifestantes chegarem ao esgotamento, perderem o impulso e que assim o movimento comece a refluir. Embora este seja um perigo real diante da ausência de uma alternativa poderosa da classe trabalhadora, até o momento porém os protestos estão crescendo. O chamado para a realização de manifestações com um milhão de participantes esta semana poderia ter o potencial para levar à renuncia não apenas de Mubarak, mas também de outros comparsas seus.
O regime procurou passar a ideia de que sua queda só provocaria mais instabilidade e caos, para tentar assustar as pessoas e levá-las a tolerarem a sua existência. Em algumas áreas, houve ondas de saques e roubos violentos. Camadas sociais despossuídas poderiam estar envolvidas, mas também, de acordo com relatórios independentes, estavam policiais à paisana e detentos deliberadamente libertados da prisão.
As pessoas têm organizado a segurança das suas próprias casas e bairros, principalmente nas áreas mais abastadas, formando grupos locais para patrulhar ruas e fazer o controle de tráfego, armados com tacos de madeira e facões.
Nesta situação, comissões democraticamente eleitas de luta de massas e de defesa, contra a repressão do Estado e saques, precisam ser estabelecidas, em todos os bairros, locais de trabalho, escolas e faculdades, estabelecendo-se vínculos em escala local, regional e nacional.
O regime de Mubarak tem sido o maior receptor de ajuda dos EUA na região, além de Israel. Estes recursos tem ido para o financiamento da monstruosa máquina de segurança utilizada contra os trabalhadores e a juventude por muito tempo. Mubarak tem sido um seguidor servil da política dos EUA no Oriente Médio, inclusive na qualidade de carcereiros dos palestinos da Faixa de Gaza e como um aliado contra o Irã. Washington teme que um Egito pós-Mubarak poderia ver a sua política na região desvendada, com a chegada ao poder da Irmandade Muçulmana ou outro regime que não esteja disposto para ser tão subserviente.
Enquanto as potências ocidentais reconhecem que a mudança é inevitável no Egito, eles relutam em ver Mubarak removido por uma revolta em massa, tendo em conta a mensagem que isso envia para as massas oprimidas de toda a região. A secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, que descreveu o regime egípcio como “estável” há poucos dias atrás, agora fala de “uma transição ordenada” do poder – quer dizer, que salvaguarde os interesses da classe dominante egípcia, bem como do imperialismo na região.
Sob a “orientação” de Washington, um “governo provisório” pode ser montado, mesmo incluindo vários líderes de pequenos partidos da oposição pró-capitalista, nenhum dos quais têm o apoio das massas. É possível que tentem manter Mubarak formalmente no cargo durante algum tempo, enquanto a influência real ficasse com Suleiman ou outra figura de proa do regime. Se Mubarak é forçado a sair, Mohammed ElBaradei ou alguma outra figura pode ser usada para dirigir um governo “de transição” pró-ocidental e pró-capitalista.
A maior força de oposição política, a Irmandade Muçulmana, não deu apoio aos protestos num primeiro momento. “No início, o movimento mostrou pouco interesse nos protestos e anunciaram que não iriam participar, mais tarde, eles foram ultrapassados pelos acontecimentos e forçados a se envolver ou o risco de perder toda a credibilidade”, escreveu al-Khalil Anani, um especialista em assuntos relacionados ao Islã político no Egito (Guardian, 01/02/11). Os líderes da Irmandade Muçulmana indicaram ElBaradei para negociar com o regime de Mubarak e depois com o exército sobre a formação de um “governo de salvação nacional”.
O fato de que, até agora, o movimento de massas é principalmente um “protesto secular contra a ditadura” (The Guardian, 31/01/11), mostra o potencial para uma alternativa não-sectária da classe trabalhadora, com uma alternativa socialista, à frente dos oprimidos. Mas esta alternativa, com uma base de massa, precisa ser construída. Na sua ausência, outras forças, incluindo a Irmandade Muçulmana – que apesar de sua retórica tem uma agenda pró-capitalista – e apesar do seu apoio limitado aos protestos populares recentes, pode começar a crescer, aproveitando o vácuo político.
O movimento de massas tem demonstrado características de uma revolta popular. Em seus primeiros estágios, após décadas de ditadura, os protestos são, compreensivelmente, principalmente centrados em reivindicações democráticas. Até agora a classe trabalhadora não tem tido uma influência decisiva sobre os acontecimentos. Para fazer isso plenamente é necessário um partido de massas da classe trabalhadora, com uma independência de classe e um programa socialista.
A rede Al Jazeera noticiou em 29 de janeiro, que 1,7 mil funcionários públicos em Suez entraram em greve por tempo indeterminado exigindo a derrubada de Mubarak. Dirigentes sindicais independentes anunciaram em 30 de janeiro, a organização da nova ‘Federação dos Sindicatos Egípcios’, apelando para a formação de comissões em todas as fábricas e empresas para segurança e para definir a data para uma greve geral. Contudo, ainda não está clara a dimensão das forças representadas nestes processos.
Uma greve geral poderá unir todos os segmentos das classes média e da classe trabalhadora, com a juventude e os protestos de rua. Tal ação decisiva – paralisando todo o país, o que poderia significar o fim de Mubarak e de seu regime – requer planejamento e organização, através de comitês democraticamente eleitos nos locais de trabalho, universidades e outros lugares.
A remoção de Mubarak seria um passo enorme para os trabalhadores egípcios. Mas só isso não será suficiente para satisfazer as suas necessidades e as aspirações da classe por um melhor padrão de vida. Um programa socialista de estatização de todas as grandes empresas e bancos sob o controle democrático dos trabalhadores significaria lançar as bases para o planejamento do uso dos recursos do Egito para atender às necessidades de todos aqueles a quem se tem negado uma vida decente sob o regime corrupto e cruel de Mubarak.
O potencial de um movimento de massas em toda a região que pode conquistar os direitos democráticos e promover mudanças sociais radicais é indicado pelo pavio aceso pelo movimento na Tunísia. Déspotas no Norte da África e do Oriente Médio têm medo de protestos de massas em seus países e manifestações já estão ocorrendo no Iêmen, Sudão, Jordânia, Síria, Líbia e outros países. Um regime após o outro é forçado a correr para fazer concessões às massas que começam a se movimentar, particularmente, sobre os preços elevados dos alimentos. As repercussões do “Tunisi-ami” da luta de massas populares pelos verdadeiros direitos democráticos e uma transformação dos padrões de vida continuarão por muito tempo.