1 milhão de mortes pela Covid-19

A culpa é do sistema que coloca o lucro acima da vida

Enquanto o mundo está prestes a passar a marca de um milhão de mortes pela Covid-19, a pandemia segue mostrando a pior face desse sistema: políticos negacionistas, empresas que colocam o lucro acima da vida, aumento das riquezas ao lado do crescimento da miséria e da fome, junto com a contínua falta de investimentos na saúde diante da grande quantidade de contagiados.

Após pouco mais de 6 meses de pandemia, o número de novos casos no mundo ainda está em ritmo acelerado, com 283 mil novos casos diários na última semana, segundo a Organização Mundial da Saúde. O número de mortes na última semana segue acima de 5 mil diariamente.

O epicentro da pandemia segue sendo as Américas. Na primeira semana de setembro, 60% das mortes ocorreram no continente. Mas o país mais afetado no momento é a Índia, com uma média de 90 mil novos casos e 1 mil novas mortes diariamente. Vendo alguns dados:

Número de novos casos nos últimos sete dias

Índia614265
EUA298461
Brasil209341
Argentina74836
França70702

Número de novas mortes nos últimos sete dias

Índia7951
EUA5166
Brasil4989
México2670
Argentina2042

Número de mortes acumuladas por milhão de habitantes:

Peru957
Bélgica859
Bolívia659
Espanha652
Brasil650
Chile646
Equador633
Grã Bretanha616
Estados Unidos603
Itália591
Desconsiderei aqui os países europeus minúsculos como San Marino (34 mil habitantes) e Andorra (77 mil habitantes).

Segunda onda na Europa

A Europa, que foi o principal epicentro da pandemia em março/abril, está vivenciando uma segunda onda. Na França e Espanha os casos estão superando o da primeira onda. 

Na França houve registro de 66,9 mil casos na terceira semana de setembro, mais que o dobro da pior semana de abril, quando foram registrados 30,6 mil casos. Porém, ainda são poucas mortes registradas (360 na terceira semana de setembro, comparado com 6,3 mil na pior semana de abril).

Essa queda na mortalidade se deve a vários fatores. Um fator importante é que o contágio agora tem sido principalmente entre os jovens. O setor de saúde está mais preparado para lidar com os casos mais graves, com uma queda de mortalidade nos casos mais graves. Também não houve a mesma sobrecarga nos hospitais comparado com a primeira onda, pelo menos não ainda. Algumas cidades na França estão alertando que as vagas de UTI estão se esgotando. 

Após um lockdown, a maioria dos países conseguiram reduzir o número de casos e mortes durante um tempo. Mas a reabertura da economia e um relaxamento geral, levou a um novo aumento de casos. O período de férias, com pessoas viajando e se aglomerando, ajudou a acelerar o processo.

Na  Espanha, uma das regiões mais afetadas além da capital Madri, foi Aragão. Isso está ligado aos milhares de trabalhadores sazonais, muito deles imigrantes, que vieram para colher frutas na região. Há muita crítica, justificada, contra as empresas por não fornecerem condições mínimas a esses trabalhadores, que moram em barracos em condições insalubres. 

A grande preocupação agora é a reabertura das escolas junto com a chegada do outono, quando as pessoas ficam mais tempo em espaços fechados. O outono é também a temporada da gripe. Uma continuidade do aumento de casos pode levar um novo aumento no número de mortes.

Os governos estão implementando novas medidas para restringir aglomerações, com o fechamento mais cedo de bares, mas querem evitar um novo lockdown, pelo efeito na economia.

Israel foi o único país até agora a voltar a implementar um lockdown generalizado na sociedade. Na Espanha, por outro lado, as medidas de quarentena tem sido implementadas por região ou bairro, o que evidencia as injustiças sociais, já que na maioria dos casos são bairros mais pobres e de imigrantes que sofrem o confinamento.

Essa segunda onda na Europa e o forte aumento de casos em países onde a primeira onda veio tarde, como Índia ou Argentina, e a persistência de altos níveis de contágio nos EUA e Brasil, mostra que a pandemia ainda pode perdurar por bastante tempo, pelo menos até que uma vacina esteja disponível mundialmente.

A África subsaariana, que provavelmente estará entre os últimos na fila da vacina, ainda tem sido relativamente poupada, menos a África do Sul, e ainda pode chegar a ser um novo epicentro da pandemia.

Vai ter vacina para todos?

Segundo a Oxfam, os países mais ricos estão comprando a maioria das vacinas das principais farmacêuticas com vacina na última fase de testes. Países com 13% das população mundial já abocanharam 51% das doses que das 5 principais empresas. 

Mesmo se as 5 vacinas se provarem eficazes, o que não é provável, quase dois terços da população mundial (61%) só terão acesso à vacina em 2022. Enquanto apenas algumas empresas se comprometeram a reservar parte da produção para países pobres, a Moderna dos EUA, que recebeu US$ 2,5 bilhões em dinheiro público para desenvolver a vacina, só vai vender para países ricos. A empresa vai cobrar até US$35 por dose (R$190), e será necessário duas doses, para garantir um bom lucro. Totalmente fora de alcance para países pobres.

Ainda segundo a Oxfam, a Grã Bretanha já tem contratos que garante 5 doses por habitante, enquanto Bangladesh só tem uma dose por cada 9 habitantes!

Além disso, o mais provável é que a vacina só dará imunidade por um ano e precisará ser renovada anualmente, como a vacina da gripe. Nunca foi tão evidente a necessidade de estatizar as empresas farmacêuticas sob controle e gestão de trabalhadores. A nossa sobrevivência não pode ser mercadoria!

O setor farmacêutico é altamente lucrativo. A BBC mostrou em 2014 como as grandes farmacêuticas tem uma lucratividade que se iguala a dos bancos. Enquanto isso, 9 das 10 maiores empresas do setor gastava mais com propaganda e marketing que com pesquisa! Para não falar das doenças tropicais, como malária, que matam milhões por ano, mas que não há pesquisa, já que não é um mercado lucrativo.

Crescente desigualdade

A crise econômica e a pandemia não só revelam as desigualdades no mundo, eles são usadas como ferramentas para aumentar as riquezas de uma pequena elite.

Um pesquisa da Oxfam mostra como 32 das maiores empresas do mundo projetam um crescimento nos seus lucros, em meio de profunda crise mundial, em US$109 bilhões esse ano (R$600 bilhões). 

As grandes empresas nos EUA gastaram quase um bilhão de dólares em lobbying para moldar as medidas anticrise a seu favor. Garantiram que suas empresas puderam se manter em funcionamento. As empresas de petróleo e gás conseguiram uma parcela desproporcional dos cortes de impostos. 

Uma análise da Reuters mostrou que grande parte (40%) das grandes empresas que receberam ajuda para pagar salários durante a crise, não pagaram nada em impostos no ano passado, enquanto outras continuavam pagando dividendos para seus acionistas ao mesmo tempo que recebia ajuda do governo.

Esse é caso em todo o mundo. Na Nigéria, a maior produtora de cimento demitiu 3 mil trabalhadores sem aviso prévio enquanto pagava 136% do lucro para os acionistas!

Aqui no Brasil, Paulo Guedes está fazendo de tudo para usar a crise como pretexto para implementar uma das medidas prediletas dos neoliberais: diminuir os impostos das empresas, pagando com aumento dos impostos para quem trabalha (ainda tentam implementar a CPMF).

Usam o pretexto de geração de emprego como desculpa para a “desoneração”. Mas nos últimos 10 anos as empresas ganharam R$2 trilhões em desoneração e redução de impostos, sem que isso levasse a uma queda no desemprego, pelo contrário. Esse dinheiro poderia ter gerado milhões de empregos se investidos em saúde, educação, infraestrutura, moradia, etc.

O resultado dessa política é que no meio da crise as grandes empresas continuaram a crescer em valor e ricos ficam mais ricos. Recentemente, a Apple se tornou a primeira empresa a valer mais que US$2 trilhões e Jeff Bezos, dono da Amazon, se tornou o primeiro a ter uma riqueza acima de US$200 bilhões. Durante janeiro até agosto, a riqueza de Jeff Bezos cresceu US$321 milhões por dia! Um trabalhador da Amazon precisaria trabalhar 11,4 mil anos para ganhar isso!

Enquanto isso, a Organização Internacional do Trabalho estima que o conjunto de trabalhadores perderam 10,7% de suas rendas durante a pandemia, US$3,5 trilhões no total. Houve uma perda de equivalente 495 milhões de empregos no mundo nesse período.

Isso vem junto com o aumento da miséria, com 270 milhões de pessoas correndo o risco de morrer de fome esse ano, segundo a Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO).

Educação sem investimentos

O tema da educação também mostra com toda a evidência a perversidade desse sistema. A pressão é alta no mundo inteiro pelo retorno às aulas, para garantir que os pais possam voltar ao trabalho, enquanto há muita preocupação com o que isso pode implicar como consequência em forma de novos surtos da pandemia.

O problema é que são os filhos e filhas de trabalhadores, especialmente dos setores mais pobres e marginalizados nessa sociedade (negros e negras no Brasil, imigrantes em muitos países da Europa, etc.) que sofrem mais de qualquer forma.

São esses que correm o maior risco de saúde com a volta precoce sem condições. Mas também são esses que perdem mais com a falta de ensino, aumentando a desigualdade e deixando esses mais em desvantagem.

Isso é muito evidente no Brasil, onde as condições para volta as aulas são péssimas. Há milhares de escolas no país sem esgoto ou até mesmo água. E em nenhum lugar está sendo feito o investimento necessário em reformar as escolas para preparar para o retorno às aulas. Agora com meses com elas vazias, seria o momento certo.

Pior ainda, ao invés de discutir como fazer os enormes investimentos para minimizar as perdas de ensino no ano que vem, com a contratação de mais professores e professoras, o governo propõe cortes na educação!

Luta pela saúde

A pandemia também deixou evidente o papel da saúde, ao mesmo tempo que revelou as consequência nefastas das políticas neoliberais de cortes e privatização na saúde. Mas apesar de todos os governos rasgarem elogios às trabalhadoras e aos trabalhadores, há pouca real mudança em forma de investimentos e valorização salarial.

Por isso, esse ano tem sido um ano de luta no setor de saúde, onde as mulheres, que são maioria no setor, estão na linha de frente. Nos EUA, em junho, enfermeiras da maior rede de hospitais privados com fins lucrativos fizerem um greve de 10 dias contra o corte de funcionários e por equipamento de proteção em meio da pandemia. 

Houve greves em Zimbábue, Quênia, África do Sul e Nigéria nos últimos meses sobre salários, falta de equipamento e condições de trabalho. Na Índia houve greves em várias regiões do país. Os médicos da Coréia do Sul fizeram uma greve de 3 dias em agosto. 

Na França, trabalhadoras e trabalhadores da saúde que se manifestavam por melhores condições em junho foram fortemente reprimidas (os) pela polícia nas ruas de Paris.

Na Grã Bretanha houve uma manifestação nacional no dia 8 de agosto contra o fato que o governo de direita de Boris Johnson excluiu o setor da saúde do aumento salarial do setor público!

Na Bélgica, o coletivo “Saúde em luta”, onde militantes da ASI no país (PSL/LSP) organizou um ato com 7 mil trabalhadoras e trabalhadores da saúde em Bruxelas exigindo investimento na saúde, salários e condições dignas de trabalho para quem trabalha na saúde.

Um problema sistemático

Alguns comentaristas têm argumentado que essa profunda crise deveria ser encarada como uma chance de dar um “reset” no sistema capitalista, para tornar ele mais humano. Mas o sistema não só permaneceu o mesmo, como se tornou mais desumano ainda.

Com décadas de cortes e privatizações, o setor de saúde estava totalmente despreparado para a pandemia. Os governos também mostraram incapazes de implementar medidas de lockdown para conter o contágio, garantindo as condições para as pessoas ficar em casa e fechando tudo que não fosse essencial.

Pelo contrário, manteve boa parte da economia em funcionamento, ou voltando ao “normal” rapidamente para garantir os lucros das empresas. Assim, o crise se estendeu e levou ao um cansaço na população, que nem aguenta e nem tem as condições de ficar mais em isolamento.

Mas pior ainda, as empresas continuaram colocando o lucro acima da vida, tomando todas as chances de avançar suas posições em uma situação onde muitas vezes o povo trabalhador não conseguia revidar, por causa do isolamento.

Mas esse ano mostrou também muita resistência ao redor do mundo. E também mostrou a força da solidariedade. A classe trabalhadora vai aprendendo a lutar sobre as novas condições. Precisamos sim de um “reset”, um novo começo, que tem que começar colocando abaixo esse sistema capitalista perverso. Como dizia uma das faixas da “Saúde em lutas” em Bruxelas, “Vocês contam seus lucros, nós contamos nossos mortos” e outro “Nenhum lucro sobre nossas vidas”. A luta pela vida é uma luta contra o capitalismo, é uma luta pelo socialismo.

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