Campanha para parar a matança tâmil no Sri Lanka realiza um grande comício

Declaração da escritora Arundathi Roy recebe cobertura nacional e internacional

Em 30 de março, sentia-se que a cidade de Chennai esperava com intensa expectativa que a famosa escritora Arundhati Roy fizesse seu discurso em um comício público condenando a guerra no Sri Lanka. As opiniões dela sobre globalização, imperialismo e guerra foram todos muito claros. Mas ela causou dúvidas e irritou muitas pessoas com sua forte condenação dos métodos dos Tigres de Libertação de Tamil Eelam, chamando-os de uma organização terrorista.

Compartilhando a plataforma com ela estaria Siritunga Jayasuriya, membro dirigente de um partido político do Sri Lanka (o Partido Socialista Unido, afiliado ao Comitê por uma Internacional Operária).

Que linha os oradores seguiriam? Quais seriam suas demandas? Qual é o caráter dessa campanha que os levou à plataforma? Estas eram as questões candentes de muitas pessoas.

Tamil Nadu, com seus estreitos laços étnicos com os tamis do Sri Lanka, sempre tem sido uma forte base de apoio (moral, política e material) aos rebeldes tamis. Fortes tendências nacionalistas dominam a cena política, levantando demandas para um Tamil Eelam separado, sem reconhecer as complexidades da questão. Há, de outro lado, uma significativa minoria que acredita que qualquer apoio a Eelam é um apoio não-declarado e indireto ao LTTE, que consideram uma organização terrorista com atitudes fascistas.

A campanha (stoptheslaughteroftamils.org) atraiu muitas críticas de grupos ligados a essas duas posições extremas. Alguns grupos políticos chegaram a fazer campanha contra a participação no comício. Mas estávamos certos de que seríamos capazes de convencer os críticos com nossas idéias. As demandas da campanha, baseadas em fortes valores humanitários e plenamente democráticos, foram resultado de uma aguda compreensão da situação com base na experiência que vem da longa história de nossa luta internacionalmente. Estávamos seguro de nosso sucesso.

Poderosa declaração de Arundathi Roy

O dia amanheceu com a notícia desanimadora de que Arundhati Roy, a principal oradora, não poderia comparecer pessoalmente ao comício. Mas, ao pedido da campanha, ela soltou uma forte e severa condenação do regime Rajapakse. Pedindo por um fim imediato da carnificina, ela a chamou de uma guerra racista que estava tomando proporções genocidas. Publicado na íntegra pelo Times da Índia, a declaração já é um marco. Ele atraiu quase 100 comentários poucas horas depois de sua publicação (transcrevemos a declaração abaixo, conforme publicado no jornal inglês Guardian, em 1º de abril).

Aproximadamente 600 pessoas reuniram-se para o comício muito antes da hora marcada. Estudantes e trabalhadores, ativistas políticos e cidadãos preocupados vieram ouvir os oradores. O Professor A. Marx, o organizador da seção de Tamil Nadu da Campanha, apresentou suas demandas com um esclarecimento da natureza da campanha e de sua necessidade vital.

Sudha Gandhi, ativista estudantil, enquanto chamava pelo fim imediato da guerra, disse muito claramente que um cessar-fogo permanente era impossível sem uma solução política justa e que era ridículo pedir a um lado para abaixar suas armas enquanto outro continua a empunhar as mesmas com impunidade.

Sathya Sivaraman, jornalista e ativista dos direitos humanos, apresentou todas as ramificações da guerra, reconstituindo a geopolítica deste conflito e a necessidade dos povos de todo o sul da Ásia responder contra essa guerra injusta. Sua insistência na demanda por uma solução política baseada no direito inalienável da autodeterminação do povo tamil clarificou nossa posição. Ele foi interrompido por aplausos várias vezes.

Siritunga Jayasuriya do USP detalhou como o atual regime do Sri Lanka preparou a guerra sistematicamente e destruiu constantemente qualquer oposição democrática. Concluindo, ele chamou o mais de um bilhão de indianos a se levantar em uma voz unificada contra essa guerra injusta.

(Desde o comício, o primeiro-ministro da Índia, Sonja Ghandi, parece ter sido forçado pela publicidade em torno dele de fazer uma declaração sobre as relações com o Sri Lanka. Eds.)

Levando a campanha adiante

Enquanto o comício chegava ao fim havia uma grande excitação entre a audiência, com pequenos grupos informais se formando em torno dos oradores para maior esclarecimento e mais discussões. Houve argumentos e críticas a nossa posição, mas defendemos com sucesso nossas demandas e chamamos por uma luta internacional unificada contra o governo do Sri Lanka. A questão se espalhou por todo o país e o impacto do comício pode ser medido pelo fato de que a Embaixada do Sri Lanka rapidamente rascunhou uma resposta a Arundhati Roy, afirmando toscamente que ela não conhece todos os fatos e que sua guerra era apenas contra o LTTE.

Nas barbas da crítica e da oposição de alguns setores dos movimentos políticos, a campanha conseguiu apresentar com sucesso nossas demandas. A campanha deu um ímpeto à nossa luta constante pelos direitos inalienáveis dos tamis, assim como à luta da classe trabalhadora cingalesa contra um regime burguês antidemocrático. Estamos indo adiante com a esperança de que os dias à frente fortaleçam, ampliem e aprofundem a campanha e a luta para que a guerra chegue a um justo fim e o povo do Sri Lanka seja libertado das garras de regimes que sobrevivem através do terror.

Também estamos ansiosos para ver o impacto do dia internacional de protestos no dia 8 de abril.

 

Artigo do Guardian, 1º de abril de 2009
Esta não é uma guerra contra o terror.
É uma guerra racista contra todos os tamis

Uma tragédia humanitária colossal está ocorrendo no Sri Lanka, e o silêncio da Índia é vergonhoso. O mundo precisa intervir.

O horror que está se desdobrando no Sri Lanka se torna possível por causa do silêncio que o cerca. Quase não há nenhuma reportagem no mainstream da mídia indiana – ou da imprensa internacional – sobre o que está acontecendo lá. Porque pode ser assim é uma questão de séria preocupação.

Da pouca informação que nos chega filtrada, parece que o governo do Sri Lanka está usando a propaganda da “guerra ao terror” como uma folha de figueira para desmantelar qualquer aparência de democracia no país, e cometer crimes inenarráveis contra o povo tamil. Operando com o princípio de que todo tamil é um terrorista a menos que possa provar o contrário, áreas civis, hospitais e asilos estão sendo bombardeados e transformados em uma zona de guerra. Estimativas confiáveis apresentam o número de civis presos na zona de guerra em mais de 200.000. O exército do Sri Lanka está avançando, armado com tanques e força aérea.

Enquanto isso, há reportagens oficiais de que várias “aldeias de bem estar” foram criadas para alojar os tamis expulsos nos distritos de Vavuniya e Mannar. De acordo com uma reportagem no Daily Telegraph, estas aldeias “serão centros de ocupação compulsórios para todos os civis fugindo do combate”. Isso é um eufemismo para campos de concentração? Mangala Samaraveera, antigo ministro das relações exteriores, disse ao Telegraph: “Há poucos meses o governo começou o registro de todos os tamis em Colombo com base de que eles poderiam ser uma ameaça à segurança, mas isso pode ser explorado para outros propósitos, como com os nazistas nos anos 1930. Eles basicamente estão pondo sobre toda a população civil tamil o rótulo de terroristas em potencial”.

Dado seu objetivo declarado de “eliminar” os Tigres de Libertação de Tamil Eelam, essa malévola identificação de civis com “terroristas” parece o sinal de que o governo do Sri Lanka está às vésperas de cometer o que poderia terminar em genocídio. De acordo com uma estimativa da ONU, várias milhares de pessoas já foram mortas. Outras milhares estão criticamente feridas. As poucas reportagens oculares que nos chegam são descrições de um pesadelo vindo do inferno.

O que estamos testemunhando, ou deveríamos dizer, o que está acontecendo no Sri Lanka – e o que está sendo efetivamente escondido do escrutínio público – é uma guerra descarada e abertamente racista. A impunidade com que o governo do Sri Lanka está sendo capaz de cometer esses crimes realmente revela o preconceito racista profundamente arraigado, que é precisamente o que levou à marginalização e alienação dos tamis no Sri Lanka, em primeiro lugar. Esse racismo tem uma longa história – de ostracismo social, bloqueios econômicos, pogroms e tortura. A natureza brutal das décadas de guerra civil, que começou como um pacífico protesto, tem suas raízes nisso.

Por que o silêncio? Em outra entrevista, Samaraveera diz que “uma imprensa livre é praticamente inexistente no Sri Lanka hoje”. Ele fala dos esquadrões da morte e “sequestros em vans brancas”, que deixaram a sociedade “congelada de medo”. Vozes dissidentes, incluindo vários jornalistas, foram seqüestradas e assassinadas. A Federação Internacional de Jornalistas acusa o governo do Sri Lanka de usar uma combinação de leis anti-terrorismo, desaparecimentos e assassinatos para silenciar os jornalistas.

Há relatos perturbadores mas não confirmados de que a Índia está emprestando apoio material e logístico ao governo do Sri Lanka nestes crimes contra a humanidade. Se os relatos forem verdadeiros, é ultrajante. E os governos de outros países? Paquistão? China? O que eles estão fazendo para ajudar ou piorar a situação?

No estado indiano de Tamil Nadu a guerra no Sri Lanka acendeu paixões que levaram mais de 10 pessoas a se imolarem. A raiva e angustia públicas, em sua maioria genuinas, em alguns casos uma cínica manipulação política, se tornaram uma questão eleitoral.

É extraordinário que essa questão não tenha alcançado o resto da Índia. Por que há silêncio aqui? Não há “sequestros em vans brancas” – pelo menos não sobre essa questão. Dada a escala do que está acontecendo no Sri Lanka, o silêncio é indesculpável. Ainda mais por causa da longa história do governo indiano de interesse irresponsável no conflito, primeiro tomando um lado e depois o outro. Vários de nós – incluindo eu mesma – que deveriam ter falado muito antes não o fizeram, simplesmente por causa da falta de informação sobre a guerra.

Assim, enquanto a matança continua, dezenas de milhares de pessoas estão sendo encurraladas em campos de concentração, enquanto mais de 200.000 enfrentam a fome, e um genocídio espera para acontecer, há um silêncio mortal deste grande país.

É uma tragédia humanitária colossal. O mundo precisa intervir. Agora. Antes que seja tarde demais.

Arundhati Roy é uma escritora e ativista que ganhou o Prêmio Booker Prize por seu romance O Deus das Pequenas Coisas. 

 

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