Afeganistão: o pântano do “Nobel da Paz”
No final de 2009, Barack Obama anunciou o envio de mais 30.000 soldados para reforçar as tropas em guerra no Afeganistão. Ao mesmo tempo fora agraciado com o Nobel da Paz. A hipocrisia da Academia de Oslo, em homenagear Obama, não esconde a encruzilhada na qual os EUA estão envolvidos com o conflito afegão.
Para o professor de História da USP, Osvaldo Coggiola, o Afeganistão está no cruzamento político mais “quente” do planeta. Os vizinhos Paquistão e Índia, detentores de armas nucleares, disputam a Caxemira desde 1947, e o primeiro está no limiar do abismo político. “É nessa zona cheia de armadilhas que Obama embrenhou ainda mais os EUA”.
Desde o início da guerra, em 2001, cerca de mil soldados estadunidenses morreram. Os governos de Bush e agora de Obama já gastaram cerca de um trilhão de dólares nas guerras pós 11/09 (Iraque e Afeganistão). Todo esse montante saiu e sai do bolso do contribuinte dos EUA e de outros países. Os conflitos dentro do próprio EUA, como o do plano de saúde, são potencializados pelo uso do orçamento governamental prioritariamente para as guerras em curso.
O elemento econômico é, portanto, um dos fatores que, em médio e longo prazo, certamente, poderá “dilacerar” o governo de Obama em sua própria casa. Contudo, a tal fator, agrega-se à resistência histórica dos afegãos às invasões imperiais que sofreram.
Ao longo de sua história, o Afeganistão foi ocupado pelo império de Alexandre, o Grande, por Gengis Khan, e, nos últimos 150 anos sofreu, com as invasões do império Britânico, da ex-União Soviética e, agora, dos EUA, com apoio de seus aliados. Todos esses impérios sucumbiram na árida geografia afegã. Esse histórico rende a aquele país a fama de “túmulo dos impérios”.
Apesar da fama de “túmulo dos impérios”, o fato é que o resultado de tantas invasões configurou um país com os piores indicadores sociais do mundo (ver Box com radiografia do país). Esse quadro foi agravado quando, nos anos de 1980, os EUA treinaram grupos internos, como os talebans, milícias de maioria sunitas e da etnia pashtu, para lutar contra o exército soviético. Os talebans venceram essa disputa e assumiram o poder. Apesar de reacionária, a organização não conquistou a plena confiança dos EUA. Com o ataque às torres gêmeas, em setembro de 2001, o governo Bush obteve o argumento para invadir o país e derrubá-lo do poder. Nesse processo, a infraestrutura afegã foi toda destruída.
Atualmente, 70% da população não têm acesso à água potável. Milhões de afegãos sofrem de inanição. Metade da população tem menos de 15 anos. De acordo com dados da Unicef, a taxa de mortalidade infantil é a maior do mundo. Cerca de 30% das crianças estão envolvidas em algum tipo de trabalho, e 43% das meninas casam antes de completar 15 anos.
- Área: 652.230 km² (sem saída para o mar)
- População: 33 milhões
- Urbanização: 24% da população é urbana
- Taxa de fertilidade: 6,5 crianças nascidas por mulher (4º maior do mundo)
- Mortalidade infantil: 151 mortes por 1000 nascimentos (3º maior do mundo)
- Expectativa de vida ao nascer: 44,5 anos
- Grupos étnicos: pashtu (42%), tajik (27%), hazara (9%), usbeque (9%) e outros
- Religião: sunitas (80%), xiitas (19%), outros
- Alfabetização: homens, 43%; mulheres, 12%
- Taxa de desemprego: 40%
Fonte: CIA World Factbook 2009
No lugar do taleban assumiu um governo aliado dos EUA, encabeçado por Hamid Karzai. Atolado em corrupção e nepotismo, o governo de Karzai provocou o aumento da resistência interna contra as tropas dos EUA e de seus aliados.
Obama avança em uma encruzilhada já experimentada pelos ex-militares soviéticos. Em dezembro de 2009, o ex-general soviético, Igor Rodionov, um dos comandantes da invasão soviética ao Afeganistão, declarou ao Financial Times que as notícias que chegam do atual conflito são perturbadoramente familiares. “Os Estados Unidos e os seus aliados precisam entender que não existe nenhuma forma de se alcançar o sucesso militarmente. A única solução é política. E Karzai não goza de popularidade junto ao povo, ele simplesmente administra uma máfia”.
Em seu depoimento, Rodionov deu um conselho nada otimista para àqueles que estão seguindo as suas pegadas no Afeganistão: “Tudo já foi tentado”.
Ainda em entrevista ao Financial Times, outro ex-oficial soviético enxerga uma futilidade similar nos esforços dos Estados Unidos no Afeganistão. “Mais soldados simplesmente significará mais mortes”, advertiu Gennady Zaitsev, ex-comandante da tropa de elite Alfa, da KGB, que participou da maioria das operações mais críticas da guerra.
Alguns analistas políticos internacionais corroboram com as opiniões dos ex-militares soviéticos. Afirmam que o Afeganistão será o cemitério das tropas estadunidenses caso Obama não assuma que a saída é se retirar daquele país.