Crise e resistência no mundo em 2019

O dia 15 de janeiro de 2019 marcou 100 anos do assassinato de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht. Uma das frases mais conhecidas atribuídas à Rosa é de 1916, quando ela escreveu durante a Primeira Guerra Mundial que a sociedade burguesa estava numa encruzilhada, entre o socialismo ou a barbárie.

Hoje podemos ver como, sob os efeitos da crise do capitalismo mundial desde 2008, elementos de barbárie se acumularam no mundo e ganharam novas caras, como Donald Trump nos EUA e seu primo dos trópicos, Bolsonaro.

Vemos isso pelo nível de desigualdade no mundo, que começa a superar o do começo do século XX, com um número inédito de refugiados, efeito das guerras travadas pelo imperialismo e seus aliados, a pobreza e os crescentes efeitos da devastação ambiental causadas pelo capitalismo.

Ao mesmo tempo, vimos resistência e luta com grandes expressões nesse início do ano, incluindo a maior greve geral da história: 200 milhões em uma greve de 48 horas na Índia nos dias 8 e 9 de janeiro. 

Crise do sistema e a nova direita

Em geral vemos uma crise das instituições e do sistema político, a qual abriu para uma polarização política e social, e também para essa nova direita, da qual Trump e Bolsonaro fazem parte, cresce na esteira da rejeição ao sistema político, especialmente onde não há uma alternativa de esquerda forte.

O mundo se tornou mais instável. Isso se expressa no ascenso de figuras como Trump, que adota uma política de romper com as estruturas e acordos estabelecidos depois da Segunda Guerra Mundial, o que tem aumentado as tensões nas relações mundiais. Trump retirou os EUA do acordo de controle nuclear com o Irã e recentemente anunciou que vai retirar o país do acordo que limita armas nucleares de médio alcance assinado em 1987 com a então União Soviética. Agora ele ameaça intervir na Venezuela.

Trump tem prometido uma nova era de crescimento econômico para os EUA, prometendo trazer de volta milhões de empregos e garantir fortunas melhorando as condições de comércio com outros países. Ao invés disso, uma nova crise está em gestação e pode ter como estopim o aprofundamento da guerra comercial com a China. 

Nessa situação, Trump tem focado mais no populismo nacionalista e xenófobo, em torno da promessa de um grande muro na fronteira com o México. Após a derrota nas eleições de novembro do ano passado, em que os Democratas conquistaram maioria na Câmara dos Representantes, Trump provocou o fechamento parcial por mais de um mês do governo federal, deixando 800 mil funcionários públicos sem salário, para tentar extorquir 21 bilhões de reais para a construção do muro. Após fracassar nisso, Trump declarou “emergência nacional” para poder usar fundos de emergência contra catástrofes naturais para construir o muro.

Brexit e a crise da União Europeia

A crise da União Europeia ao redor do Brexit mostra outro aspecto dessa crise das instituições. A votação pela saída da UE foi principalmente uma rebelião da população contra a elite, mas na campanha do referendo não havia uma alternativa grande e forte que expressasse uma alternativa de esquerda e a campanha foi liderada por uma ala mais retrógrada da elite britânica. Se Theresa May, que vem acumulando derrotas em sua proposta de acordo com a UE, não conseguir adiar o prazo para um acordo até o final de março, existe a possibilidade de um caos econômico se instalar.

As elites no mundo conseguiram evitar uma crise mais profunda após 2007-08 injetando enormes quantidades de crédito no mercado, fornecido a juros baixíssimos e até negativos. O preço disso foi um gigante crescimento das dívidas governamentais e em cima disso formaram-se novas bolhas especulativas.

A recuperação que houve foi extremamente desigual. Em 2017, 82% do aumento da riqueza foi para os 1% mais ricos. A recuperação dos lucros foi garantida com uma repressão salarial e retirada de direitos. Por exemplo, na última década, a Grã Bretanha teve o menor aumento de salários em 200 anos!

Nova crise em gestação

Agora, o Banco Mundial alerta que “as nuvens de tempestade se formam para a economia mundial”. Países centrais como Alemanha, Japão e Itália já tiveram crescimento negativo no terceiro trimestre. Grandes países como Turquia, África do Sul e Argentina têm problemas econômicos.

Um fator central para o aumento do pessimismo sobre a economia mundial é a desaceleração na China. A venda de veículos caiu no ano passado pela primeira vez em 28 anos no maior mercado de carros do mundo. A recuperação desde a última crise foi em cima de um enorme crescimento de crédito. O total de dívidas do país aumentou de 171% para 299% do PIB desde 2008! 

Diante da perspectiva de uma nova crise, há dois fatores agravantes. Primeiro, não será possível repetir os enormes pacotes de resgate da última crise sem arriscar uma crise inflacionária. Segundo, essa nova crise virá em um contexto de governos mais autoritários, nacionalistas e protecionistas, o que aumenta o risco de guerras comerciais.

Sementes de resistência

Mas a crise também gera as sementes para a superação do sistema, por meio da luta da classe trabalhadora e da juventude ao redor do mundo. Um dos movimentos mais impressionantes do último ano tem sido os Coletes Amarelos na França contra o presidente Macron. As manifestações forçaram ele a recuar de um novo imposto de combustível, mas também prometer aumento do salário mínimo e outras medidas. Porém, o movimento quer mais, inclusive sua queda. No começo de fevereiro, centenas de milhares voltaram às ruas da França a chamado dos sindicatos, em apoio às demandas do movimento.

O início de 2019 foi marcado por uma grande quantidade de protestos ao redor do mundo. Além da mencionada greve geral na Índia contra os ataques do governo de direita de Modi, houve grandes protestos por salários e direitos em vários países.

Na Tunísia houve o maior dia de greve desde 2013 no dia 17 de janeiro. Na Argentina, houve uma grande paralisação pelos salários que aconteceu em 50 cidades no dia 13 de fevereiro. No mesmo dia houve uma greve geral na Bélgica. Em Bangladesh, dezenas de milhares de operárias das fábricas têxteis conseguiram aumento de salário em janeiro. Nos EUA, a onda de greve de professores chegou à Califórnia, onde dezenas de milhares fizeram uma greve de 6 dias e obteve vitórias. Na Hungria, dezenas de milhares protestaram por semanas a partir de dezembro contra a lei implementada pelo governo de Viktor Orbán, que dá aos patrões direito de ordenar 400 horas de hora extra por ano.

Na África também tivemos lutas importantes contra a austeridade. No dia 19 de dezembro começaram protestos contra a retirada de subsídios da farinha, exigência do FMI, que levou a uma triplicação do preço do pão. Em Zimbábue uma greve geral de 3 dias foi organizada nos dias 14-16 de janeiro contra o aumento preço de combustível de 150%.

Houve também uma crescente onda de luta de estudantes pelo mundo a favor de medidas contra as mudanças climáticas, que cobrimos em um outro artigo.

Um aspecto importante das lutas nos últimos anos foi o avanço da luta das mulheres e o papel destas nas luta gerais: desde os protestos contra Trump, o chamado de greve internacional no 8 de março, o papel das mulheres em grande parte das greves, as greves contra assédio sexual no McDonald’s dos EUA e a greve internacional da Google, além da tremenda vitória na Irlanda, onde dois terços votaram no referendo em maio para revogar o artigo da constituição que proibia o aborto.

Falta um fator decisivo

Trump, Bolsonaro, Orbán etc., representam a decadência política do capitalismo atual. Mas por mais disfuncional que o sistema e seus líderes possam ser, eles não vão cair de podre, eles têm que ser derrubados. Eles cumprem um papel, mesmo que colocando em risco a estabilidade do sistema, de retirar direitos e aumentar a exploração dos trabalhadores. 

Como já vimos, há muita disposição para a luta ao redor do mundo. Vemos um avanço da tomada da consciência, que teve um grande ímpeto a partir da crise de 2008. Movimentos como a primavera árabe, “ocupe”, “indignados” são exemplos disso, assim como as novas alternativas de esquerda que surgiram ou cresceram, como Syriza, Podemos, e figuras como Corbyn, Mélenchon e Bernie Sanders.

É uma consciência contraditória, incipiente. Ainda pagamos um preço pelo o que foi o stalinismo, mesmo 30 anos após sua queda, além do papel recuado dessa novas formações, que não estão preparadas a ir além dos limites do sistema. 

Precisamos urgente forjar novas alternativas de esquerda, enraizadas nas lutas do povo trabalhador e armadas com um programa socialista que mostre uma saída pela positiva dessa crise, que ponha um fim à barbárie do sistema capitalista.