Sucateamento e mordaça no ensino superior
Não são poucas as histórias que retratam o ingresso do primeiro membro da família de trabalhadores na Universidade. A expansão do acesso ao ensino superior possibilitou um crescimento no número de matriculados no país que antes de 2005 não chegava a 10%, mas ainda manteve um imenso abismo entre o ensino público e o privado.
A oferta entre o ensino superior público e privado é extremamente desigual. O Censo da Educação Superior 2017 aponta que 823 mil vagas foram da rede pública, enquanto 9,95 milhões de vagas foram da rede privada. Essa realidade implementada na última década reforçou um abismo entre quem paga pelo seu curso ou mesmo assume dívidas por ele, e quem consegue passar pelo funil do vestibular das universidades públicas. Parte dessa desigualdade é usada agora contra a defesa do ensino público de qualidade.
As políticas do Estado de financiamento de vagas no setor privado foram fundamentais para o enriquecimento das grandes empresas do setor educacional, a exemplo da gigante da educação no país, a Kroton. A empresa teve mais de 50% de sua receita na modalidade curso presencial oriunda de alunos do FIES.
Universidade só para a elite?
Enquanto o Brasil tem apenas 18,1% dos jovens de 18 a 24 anos matriculados no ensino superior, o atual ministro da educação Ricardo Vélez Rodríguez afirma que a “universidade para todos não existe” e que o ensino superior deve se reservar à “elite intelectual” do país. Essas são justificativas para afirmar que este ensino não será a prioridade dessa gestão do MEC.
O governo Bolsonaro não apenas é de falas polêmicas e medidas que retrocedem nos direitos conquistados. Há um plano em trânsito de maior desmantelamento do ensino e uma grande ameaça de censura e perseguição ideológica. Desde a candidatura à presidência, já anunciava que um dos focos de sua política é a educação, dizendo mentiras sobre um “kit gay” distribuído em escolas, argumentando que professores que ensinam “ideologia marxista e de gênero” eram parte dos problemas da população, entre outros.
Além disso, Bolsonaro indicou pelo menos seis militares para cargos em secretarias do MEC, inclusive Brito FIlho que já compôs o governo Lula em 2007. Estes ocupam cargos que gerenciam o financiamento estudantil, a regulação do ensino superior presencial e a distância e o gerenciamento de hospitais universitários federais.
Já no início do ano, um decreto assinado por Bolsonaro criou a Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares que tem como principal objetivo ampliar o número de escolas cívico-militares no país e ainda, propõe a adesão de escolas municipais e estaduais a este modelo.
O ministro da Educação, além de afirmar que “marxismo cultural” no ensino “faz mal a saúde”, também toma medidas para analisar o conteúdo ideológico como critério para conceder bolsas de pesquisas para estudantes de pós-graduação. Mais recentemente, também foi anunciado um plano de “regulamentar” a educação domiciliar que será proposta pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Isso ocorrendo sem estar vinculado ao Ministério da Educação, isso poderá reafirmar a ausência de uma concepção de educação para além do marco conteudista.
A este cenário, somam-se a já aprovada PEC dos gastos públicos (a PEC do Fim do Mundo) e a reforma do ensino médio de Temer. Será um combo de mais destruição da educação a qual já passava por seguidos cortes e retirada de conquistas, triplicando a instabilidade existente.
Construir a luta!
A saída para a crise do ensino público passa pela capacidade de funcionários e estudantes organizarem lutas ainda maiores do que as dos últimos anos. Mas cabe reconhecer que da expansão do ensino com sua precariedade, em que muitas universidades foram cenários de greves e ocupações (de bibliotecas, restaurantes e até prédio com salas de aula), cresceu uma camada de lutadores que também travaram lutas por pautas além das universitárias. Esse saldo foi vivido nas lutas contra os ataques do governo Temer e deverá se somar a outras lutas para construir nossas trincheiras contra Bolsonaro.
A experiência de luta dos estudantes, sejam secundaristas (2015), sejam das universidades (2016), mostraram a capacidade de superar sua direções burocráticas que não acreditam na luta radicalizada. Mas precisamos estar mais atentos este ano, não há espaço para crer em pequenos progressos.
A estudante de História da Arte Cristina Fernandes é representante no CONSU e coordenadora do DCE da Unifesp e conta como essa sequência de cortes no ensino afetou estudantes e a perspectiva do movimento para 2019.
Como é sentido os cortes da educação na Unifesp?
As primeiras questões que mais sentimos é a piora nas políticas de permanência estudantil. O anúncio do corte nos repasses para as universidades dado pelo MEC em 2017 foi sentido pelos estudantes no início do ano de 2018 quando a reitoria avisou que na ausência do repasse, estavam comprometidas as políticas de permanência estudantil. Anunciaram para estudantes que os restaurantes universitários subiriam de preço e imediatamente cortaram 315 bolsas de auxílios permanência de estudantes com maior dificuldade de se manterem na graduação.
Nós, estudantes, organizamos uma luta importante que parou dois campi com greve, organizamos paralisações em outros campi e até ocupamos o Conselho Universitário. Com tais lutas, conseguimos o reivindicado, como a recontratação da empresa com redução do custo do bandejão e manutenção das bolsas auxílios.
Ainda assim, houve impactos, como casos de intoxicação alimentar no restaurante universitário e várias demissões de funcionários, que antes eram contratados via CLT e agora possuem contratos de trabalho intermitente, reflexo da Reforma Trabalhista do Temer. E ainda, com a contenção dos repasses há obras paradas, como projetos de novos prédios, melhorias de antigos e moradia estudantil da UNIFESP.
Outro ponto que também prejudicaram nosso ensino foi referente às verbas para bolsa de extensão, que hoje são quase nulas, e a única que nos é oferecida é da iniciativa privada, do banco Santander. Mesmo outros projetos que já haviam sido cortados no governo Dilma são quase inexistentes, como o Ciências Sem Fronteiras, que teve impacto na possibilidade de mobilidade acadêmica e hoje não temos tantas t parcerias com universidades estrangeiras para programas mais comuns como de intercâmbio.
Quais são as preocupações com o novo governo?
A nossa preocupação já se expressou no período eleitoral quando existia uma sensação coletiva, geral, de que esse governo era contra a universidade pública com todas as declarações de Bolsonaro sobre a juventude ter uma “tara” por ensino superior, desqualificando o ensino.
Mas também as intervenções de TREs em várias universidades públicas com a retirada de faixas expostas com dizeres de “Marielle Vive”, “Contra o fascismo” ou que mencionava propostas de campanha eleitoral mas que não tinham nenhum nome das chapas ou candidaturas, desrespeitaram a autonomia dos estudantes e da própria instituição.
Já estava ali a expressão do que seria de fato esse governo para o movimento estudantil.
Recentemente, o novo ministro da educação se referiu às universidades como espaços de doutrinação marxista desconsiderando a autonomia universitária e curricular. Outra ameaça que sentimos é a proposta de cobrança de mensalidade, que privatiza o ensino e somada a falta de investimento e ao escola sem partido impacta as cátedras e os direitos básicos, direitos de pesquisa.
Quais os próximos passos necessários dos estudantes para esse período?
Nossos próximos passos será fortalecer o movimento estudantil como um todo, seja nas representações da instituição, seja nas assembléias e espaços de debates, e também fortalecer outros espaços que dialoguem com as demais categorias e movimentos sociais.
É preciso entender que além das pautas e reivindicações imediatas da educação e das universidades, há ataques que irão nos afetar futuramente, por exemplo, a reforma da previdência que hoje afeta diretamente nossos professores e demais servidores da Unifesp, mas também afetará nós, como futuros trabalhadores. Por isso, unificar com demais lutadores será um passo importante.
Agora nas calouradas é o momento de construir nossa unidade para o dia 8 de março como um dia nacional de luta contra o feminicídio, exigindo respostas para a morte de Marielle e também contra a reforma da previdência do governo Bolsonaro porque há mulheres na universidade, há desigualdade, machismo e opressão. As lutas estão vinculadas.