Mianmar – O desastre do ciclone
Riqueza e privilégio são colocados antes do socorro
Os terríveis efeitos do ciclone que atingiu o vasto delta do rio Irrawaddy, chocaram as pessoas por todo o mundo. Mas isto foi agravado pela completa incapacidade do regime militar em auxiliar as vítimas. A devastação, os mortos e os feridos provavelmente são maiores do que aqueles causados pelo Tsunami no oceano Índico em 2004.
Mais de cem mil pessoas podem ter morrido até agora, sendo que mais 1,5 milhão estão em situação de risco. Trabalhadores e camponeses já estavam lutando para sobreviver sob a privação e a repressão do regime militar e agora, nas áreas atingidas pelo ciclone, milhões também estão sofrendo com a ausência de abrigo, fome e a epidemia de doenças.
Este país era conhecido como a “tigela de arroz”, mas agora as principais áreas de plantio de arroz foram atingidas. Foi mencionado no programa de TV britânico “Newsnight” que algumas das plataformas de petróleo e gás no Mar de Andamão, também podem ter sido danificadas pelo ciclone, o que estaria preocupando os generais militares.
Estes generais vinham sendo financiados principalmente pela exploração dos campos de gás natural e de outros recursos naturais. No último ano, a Tailândia importou o valor de US$2,7 bilhões em gás natural de Mianmar, o que seria 45% do total das exportações do país e o investimento tailandês em Mianmar já alcançou US$1,34 bilhões e está crescendo.
Escrevendo na Far East Economic Review antes do ciclone, o ativista de direitos humanos, Benedict Rogers, afirmou que o primeiro-ministro tailandês, após assinar um novo contrato de investimento com os generais de Mianmar em março, descreveu-os como “bons budistas”, porque eles “meditaram”, apesar de eles terem massacrado monges budistas em setembro do ano passado.
Em fevereiro, o líder da União Nacional Karen, o maior grupo étnico armado birmanês, foi assassinado na Tailândia sob ordens do regime de Mianmar, provavelmente com o acordo das autoridades tailandesas. Em seguida, em março, a polícia tailandesa atacou 14 organizações Karen exiladas na Tailândia.
Portanto, o governo tailandês tem “melhorado as relações” com os generais de Mianmar e agora está sendo procurado pelos governos ocidentais para convencer os generais – que estão energicamente resistindo à intervenção estrangeira – a permitirem que trabalhadores de assistência ocidentais organizem a distribuição de necessidades e serviços que são desesperadamente necessários.
É interessante destacar que o Ministro de Relações Exteriores tailandês afirmou no Newsnight que os generais de Mianmar estão preocupados com a ajuda ocidental, por causa das invasões do Iraque e do Afeganistão. Em setembro passado, um dos “comentários” do governo de Mianmar condenou “as potências globais que buscam hegemonismo” e a chamada nova constituição de Mianmar, que está sendo elaborada para preservar a ditadura militar repressiva, inclui cláusulas proibindo a fixação de tropas estrangeiras em Mianmar.
Governos por todo o mundo condenam a falta de democracia do regime de Mianmar, mas não são os interesses do povo de Mianmar que os preocupam, mas a forma que os generais de Mianmar tentam limitar a influência e a exploração das potências imperialistas mundiais para defender seus próprios privilégios e interesses. E embora estes governos estejam apelando para seus próprios trabalhadores – que estão sendo atingidos pela trituração do crédito – para doarem recursos para reduzir o ciclone, eles estão acalmando o regime de Mianmar.
A Rússia está fornecendo treinamento, tecnologia, equipamentos e armas nucleares. A Índia continua a investir, o Japão controla 19,3% do campo de gás natural em Yetagun e outros projetos importantes, enquanto a Singapura é o lugar preferido para bancos, investimentos, compras, tratamento médico, educação e negociações armamentistas dos generais.
China
Os grandes negócios na Inglaterra, nos EUA e na França também investem em Mianmar, mas o principal apoio econômico dos generais de Mianmar é a China, que também é o país que lhes provém acesso ao Oceano Índico.
Antes do ciclone, o secretário-geral da Federal de Sindicatos de Mianmar comentou: “Quando o regime estava sobre seus joelhos em 1998, as companhias de petróleo Chevron e Total colocaram ele novamente em pé. É a mesma situação hoje – politicamente, o regime está mal. Mas é o dinheiro da Chevron e da Total que está permitindo que ele continue rastejando. Ou seja, é a política das corporações que está apoiando o regime e é a política das corporações que está impedindo que os governos enfrentem Mianmar em todas as frentes”.
É uma tarefa do povo de Mianmar remover seu regime repressivo; eles mostraram muitas vezes, especialmente em 1988 e no ano passado, sua capacidade e sua vontade de superar todos os obstáculos para melhorar a sua situação. E está claro que eles só podem contar com a ação dos trabalhadores e do auxílio internacional destes, e não da “ajuda” dos governos capitalistas.
Após a devastação do ciclone, enquanto são urgentes todas as tentativas genuínas de alcançar suprimentos para as necessidades básicas daqueles que mais precisam, também é necessário reconhecer, tal como um entrevistado da Radio 5 apontou: “a resistência e a capacidade do povo de Mianmar de trabalhar enquanto uma comunidade para ajudar uns aos outros”. Isto já é evidente duas semanas após o ciclone e será o caso em uma mudança de regime.
Lucros contra os direitos humanos
O petróleo e o gasoduto de gás natural de Yadana atravessam Mianmar do Golfo de Andamão até a Tailândia. O gasoduto, cujos parceiros são a Total e a Chevron, demandou trabalho forçado massivo e outros abusos dos direitos humanos, cometidos pelo exército pelo bem das companhias petrolíferas.
Durante os protestos a favor da democracia do último ano, liderados pelos monges budistas e brutalmente reprimidos pelos generais de Mianmar, um porta-voz da PTTEP da Tailândia, uma das parceiras do projeto da Total em Yadana afirmou: “É um negócio como qualquer outro. Eu não vejo qualquer impacto no futuro próximo” proveniente das manifestações. “Quando nós temos um contrato com o governo, não importa quem é o governo”.