Eleições nos EUA: Extremamente desgastados, os dois partidos se arrastam até a linha de chegada
Seja quem for o vencedor amanhã, assumirá o cargo enfrentando níveis sem precedentes de hostilidade popular
Nesta eleição entre os dois candidatos presidenciais menos populares na história moderna, quem ganhar amanhã assumirá o cargo enfrentando níveis sem precedentes de hostilidade popular. Hillary ainda mantém uma estreita liderança na maioria das pesquisas. Mas, com as últimas semanas apresentando um fluxo constante de revelações da Wikileaks e a notícia surpresa de um novo inquérito do FBI sobre seus e-mails, a capacidade de Trump de explorar a profunda desconfiança de Clinton e do esquema político como um todo, manteve sua campanha viva.
Se Trump for derrotado amanhã, dezenas de milhões de trabalhadores vão respirar um profundo suspiro de alívio. Por razões muito diferentes, esse alívio será compartilhado pelo esquema político e corporativo, incluindo grande parte da liderança do Partido Republicano. Enquanto trabalhadores, mulheres, negros e latinos progressistas temem o racismo, o sexismo e a agenda autoritária de Trump, a oposição ao candidato republicano no establishment corporativo surge do medo da revolta social e da instabilidade política que a presidência de Trump desencadearia. A eleição de 2016 já causou sérios danos à legitimidade da “Maior Democracia no Mundo”, mas uma Casa Branca errática com Trump ao leme do capitalismo estadunidense seria desastrosa para Wall Street e as grandes empresas.
A corrida estreita está diminuindo o apoio para os candidatos alternativos, incluindo Gary Johnson dos Libertários e Jill Stein do Partido Verde, que a Alternativa Socialista apoiou. Dezenas de milhões de trabalhadores e jovens progressistas que se opõem completamente à agenda corporativa de Clinton, no entanto, votam pela democrata como um “mal menor”, para barrar Trump. Porém, centenas de milhares de outros eleitores apoiarão Stein, permanecendo firmes em seu apoio para a construção de uma alternativa esquerda independente. Estes votos serão uma aposta na grande tarefa que os trabalhadores enfrentarão nos próximos anos: a criação de um partido novo viável e amplo dos 99%.
Durante a maior parte da história dos EUA, as eleições presidenciais serviram para fortalecer a legitimidade do governo, proporcionando a aura de um mandato democrático, mesmo quando as grandes empresas continuaram a dominar a política estadunidense. As eleições de 2016 foi o oposto. Ao longo do ano passado, começando com as sangrentas batalhas primárias até a campanha de “guerra total” entre Clinton e Trump, essa eleição prejudicou profundamente a confiança popular na democracia estadunidense e nos dois principais partidos.
Nas últimas semanas da eleição, Trump aumentou seus ataques à “Hillary mentirosa” e repetidamente alertou que a eleição está sendo manipulada pelos aliados de Clinton nos meios de comunicação e no establishment. A surpreendente decisão do diretor do FBI, Comey, de anunciar que retomaria seu inquérito sobre os e-mails de Clinton, desencadeou um debate feroz que reforça tanto o profundo cinismo popular em relação a Clinton quanto a desconfiança pela suposta “neutralidade” do FBI. Diante de uma pressão extrema, Comey anunciou que Clinton novamente estava livre de qualquer suspeita, mas isso não desfez o dano causado.
Enquanto os socialistas têm apontado há muito tempo o papel político oculto de todas as instituições governantes sob o capitalismo – particularmente os tribunais, a polícia e as várias forças de “segurança” – o mito do seu papel não político e da neutralidade nas eleições é um pilar de sustentação para a classe dominante manter a legitimidade de seu sistema.
O alarme está crescendo entre os setores da classe dominante que pensam de forma mais estratégica. O New York Times citou o ex-senador de New Hampshire, Gregg Judd (republicano), que explicitou a preocupação: “O que estamos vendo nessa eleição, com Trump dizendo que as eleições são manipuladas e agora esse ataque de Hillary e seu povo ao FBI é basicamente um ataque à nossa forma de governo constitucional. Eles estão minando os principais elementos que dão a credibilidade ao nosso governo.” William Cohen, ex-secretário de Defesa de Bill Clinton, alertou que o país está “cambaleando em sentido da mútua assegurada destruição de nosso sistema político” (31/10/2016 ).
As divisões e debilidade de ambos os partidos corporativos minam sua capacidade de realizar a agenda política das grandes empresas. Refletindo esse medo dentro do establishment governante, o principal assessor de Obama, David Axelrod, alertou contra uma maior politização das investigações do FBI sobre Clinton: “Tudo agora se torna uma arma… Mais uma instituição é arrastada para este pântano partidário. No curto prazo, são dois candidatos que tentam ganhar uma eleição, mas no longo prazo, alguém tem que governar, e torna-se mais difícil quando tudo é visto como uma extensão da política” ( New York Times, 31/10/2016 ).
Em última análise, a disfunção profunda do sistema político e as lutas internas partidárias dentro do establishment são um reflexo da crescente divisão de classes e da incapacidade do capitalismo estadunidense em crise de levar a sociedade a diante. A ira popular e a desconfiança no sistema estão minando a liderança de ambos os principais partidos e fornecendo oportunidades para desafiar a sua dominação, tanto na direita como na esquerda.
Ira popular e desconfiança
Mais de seis em cada dez estadunidenses não se sentem representados por nenhum dos principais partidos, e 74% acreditam que o país está no caminho errado, em comparação com apenas 57% antes da eleição presidencial de 2012, de acordo com a “Pesquisa de Valores Americanos” anual pelo PRRI (TheGuardian.com, 25/10/2016 ).
Outras pesquisas mostram consistentemente que a maioria dos eleitores não confia em Clinton ou Trump, mas isso é tanto um reflexo de uma desconfiança mais ampla para com o sistema político como com o histórico desonesto de ambos os candidatos. Apesar dos liberais rejeitarem as alegações de Trump de que as eleições são manipuladas contra ele, ele recebe um amplo respaldo, evidenciado pelo fato que apenas 43% das pessoas dizem que têm uma grande confiança que o seu voto será contabilizado adequadamente (PRRI).
As alegações específicas de Trump de fraude de eleitoral em ampla escala em áreas urbanas são completamente infundadas e seu apelo a seus apoiadores para monitorar os locais de votação urbanos equivale a intimidação racista e a exclusão de eleitores. Na verdade, as pesquisas também mostraram que há um pouco mais de preocupação sobre a exclusão de eleitores do que sobre fraude eleitoral. A exclusão de eleitores, fortemente praticada pelo Partido Republicano, é de fato a principal forma de “fraude eleitoral” nas eleições nacionais. No entanto, o quadro geral que Trump pinta de que todo o sistema está sendo manipulado em favor do establishment parece ter o ajudado a retomar apoio nas pesquisas após o escândalo da gravação comprovando assédio sexual.
Comentando a mesma pesquisa, o New York Times adicionou que “a maioria diz que seu voto não importará de qualquer forma porque o processo político é muito dominado pelos interesses corporativos” (25/10/2016).
Os apoiadores progressistas de Clinton só enfraquecem a sua própria posição ao reproduzir argumentos do Partido Democrata expressando “choque” quando alguém se atreve a questionar a sagrada santidade das instituições democráticas estadunidenses. O próprio Trump tem sido rápido em lembrar aos defensores de Sanders como a mídia corporativa e a direção nacional dos Democratas usaram todos os truques desonestos disponíveis para descarrilar a “revolução política contra a classe bilionária” de Bernie Sanders nas primárias democratas.
Se Clinton ganhar a eleição, a sombra da mídia corporativa enviesada e o processo primário distorcido minará sua legitimidade, mesmo entre milhões de pessoas que votaram segurando os narizes para barrar Trump. Mas, a longo prazo, seu verdadeiro problema será menos as várias alegações de irregularidades específicas em torno das eleições e mais a influência corruptora de Wall Street e das grandes empresas que guiarão as políticas do governo Clinton. Enquanto Bernie Sanders depois da primária se transformou em um dos principais patrocinadores de Clinton, já nas últimas semanas da campanha ele enviou vários sinais de alerta, prometendo lutar se Clinton nomear representantes de Wall Street para órgãos reguladores ou tentar impulsionar o acordo de comércio Parceria Transpacífico.
A batalha pelo Partido Republicano
O que também é claro é que as forças de extrema-direita em torno de Trump não desaparecerão mesmo se ele perder amanhã. “O maior beneficiário [da campanha de Trump] pode muito bem ser a chamada ‘direita alternativa’, o outrora obscuro e agora ascendente movimento nacionalista nacional com laços estreitos com Breitbart News, o site operado pelo coordenador de campanha do Sr. Trump, Stephen K. Bannon” (New York Times, 07/11/2016 ). Trump, Breitbart e outros grupos de extrema direita poderiam continuar a travar uma luta séria pelo controle do Partido Republicano, desestabilizando profundamente um pilar fundamental do controle do grande negócio sobre a sociedade.
Um nova importante reportagem de Bloomberg Businessweek (27/10/2016), que recebeu acesso especial ao “interior do bunker de Trump”, relata que, embora permaneçam publicamente otimistas em relação à vitória na Casa Branca, o círculo íntimo de Trump está se preparando ativamente para construir sua influência após a eleição sob a presidência de Clinton. Notavelmente, Trump efetivamente invadiu o sistema de dados da direção nacional do Partido Republicano, em que o partido investiu milhões para construir nos últimos quatro anos, e acumulou uma enorme lista de mais de 13 milhões de doadores e eleitores.
Segundo a reportagem de Businessweek: “A infâmia final para um partido republicano já humilhado por Trump é de que os seus próprios esforços digitais podem prejudicar o seu futuro … Se os resultados das eleições causarem uma ruptura partidária, Trump vai ser melhor posicionado do que a direção nacional do Partido Republicano para atingir essa massa de eleitores, porque ele mesmo vai possuir a lista.”
Steven Bannon, licenciado de Breitbart para atuar como coordenador da campanha de Trump, explicou: “Trump é um construtor. E o que ele construiu é o aparato subjacente para um movimento político que vai nos impulsionar para a vitória em 8 de novembro e dominar a política republicana depois disso.” Trump talvez não ganhe a presidência, mas a batalha pelo Partido Republicano promete ser longa e suja.
É necessária uma alternativa de esquerda
A ameaça do populismo de direita ressalta a necessidade urgente da esquerda construir uma poderosa alternativa anti-establishment, a fim de minar o apoio à política de ódio e divisão e oferecer soluções genuínas para a classe trabalhadora. Se nossos sindicatos e movimentos sociais permanecerem ligados ao Partido Democrata e comprometidos com a agenda pró-corporativa e pró-guerra de Clinton, as forças de direita poderão continuar explorando a raiva anti-establishment entre grandes setores da classe trabalhadora.
Infelizmente, Bernie Sanders não concorreu à presidência como um candidato independente, algo que a Alternativa Socialista e centenas de milhares de seus apoiadores defendiam. Sua decisão de participar no processo de prévias dentro do Partido Democrata e respeitar os resultados fraudulentos delas significava que não havia uma alternativa de esquerda nas eleições gerais, abrindo um espaço enorme para Trump expandir sua base de apoio. Como alertamos, a campanha de Clinton foi completamente incapaz de canalizar o descontentamento generalizado e desejo de mudança. É por isso que a Alternativa Socialista fez campanha por Jill Stein, como a candidata de esquerda independente mais forte.
O Super PAC [comitê de arrecadação de fundos para campanha eleitoral que é isento dos limites legais] de Clinton gastou milhões para minar o apoio a Stein e outros candidatos alternativos. Stein foi submetida a um fluxo infinito de ataques unilaterais, com apoiadores de Clinton na mídia se utilizando de citações fora de contexto para minar sua credibilidade. Eles invocaram o espectro da campanha eleitoral de Ralph Nader de 2000 e o mito de que ele “estragou” a eleição para os democratas e garantiu a vitória de Bush.
Na realidade, esses ataques revelam a fraqueza do Partido Democrata e de Clinton, e sua incapacidade de motivar um entusiasmo real à sua campanha. Em vez disso, o Partido Democrata tem sido forçado a confiar mais do que nunca em campanhas de ataque puramente negativas contra qualquer desafio à sua agenda corporativa. O voto de Stein pode muito bem ser reduzido, mas sob a superfície há um crescente apoio para construir uma política esquerda independente. Nos meses e anos que se avizinham, à medida que as crises e as divisões dentro dos dois grandes negócios se aprofundem, a ideia de construir um novo partido dos 99% deve ganhar impulso.