8 de março dia de luta!

“Para o burguês, sua mulher não passa de um instrumento de produção. Ouve dizer que os instrumentos de produção devem ser de uso comum e, naturalmente, não pode chegar a outra conclusão que o mesmo vai ocorrer com as mulheres no socialismo. Não suspeita de que se trata justamente de acabar com essa situação da mulher como simples instrumento de produção.”

Este trecho do Manifesto do Partido Comunista, escrito por Marx e Engels em meados do século XIX, se faz ainda muito atual. As vésperas de mais um 8 de março, em plena crise econômica, a condição de vida das mulheres, sobretudo as trabalhadoras, está piorando rapidamente.

A leitura de que somos “simples” e necessários instrumentos de produção, se faz presente ao encarar os dados atuais. No 2º trimestre de 2015, o nível da ocupação dos homens, no Brasil, foi estimado em 67,1% e o das mulheres, em 46,2%. Ainda recebemos os menores salários, e nos mantemos com a dupla ou tripla jornada de trabalho. A escassez de serviços públicos, com cortes e ajustes, joga o fardo nas nossas costas de exercer o papel do cuidado: dos idosos, das crianças, da família. A previsão para 2016 da OIT e de outros órgãos é que a situação vai piorar. Mais desemprego, mais cortes e mais ajuste fiscal.

A violência contra a mulher assume situação de barbárie social. O feminicídio é uma triste realidade. Os dados oficiais indicam que a cada 2 horas uma mulher é morta no Brasil. A situação é tão alarmante que o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), com mais de 7,7 milhões de pessoas inscritas trouxe como tema da redação a Violência contra a Mulher.

Recentemente, milhares de mulheres, incluindo grávidas, estão contraindo o Zika vírus. O número de bebês nascendo com microcefalia cresceu muito no último período. Relacionadas ao Zika vírus ou até mesmo, como tem sido levantado, aos larvicidas usados no combate ao próprio Aedes Aegipty, o fato é que nos casos de microcefalia são as mulheres que sempre serão culpabilizadas, responsabilizadas e abandonadas. Os governos e a grande mídia noticiam como se fosse um caso de epidemia incontrolável da natureza. Na verdade é mais uma amostra clara de como a saúde pública está em colapso, além de denunciar a inexistência de saneamento básico para mais da metade da população brasileira. A média nacional é de 38,7% de esgoto tratado. Tudo isso revela para onde está indo o nosso dinheiro: pagamento da dívida pública, copa do mundo, olimpíadas.

A modernidade do século XXI não foi capaz de superar a leitura das mulheres como mero instrumento de produção, necessária ao capital para baratear o valor da força de trabalho, e descartável em momentos que seu retorno a esfera do privado é necessário para exercer as tarefas que o Estado não garante mais.

A primeira presidenta mulher, Dilma Rousseff, responde a este quadro de calamidade com medidas que agradam o capital, que ataca os direitos dos trabalhadores e que joga as mulheres em situação de maior marginalidade. As ditas “reformas estruturais” fazem parte do seu legado. Na realidade, são contrarreformas, que evidenciam seu caráter machista e reacionário.
 

As respostas de Dilma e seus comparsas: a velha e a nova direita

A “Reforma da Previdência” é um duro ataque para o conjunto da classe trabalhadora, mas mais brutal ainda em relação às mulheres e trabalhadores e trabalhadoras rurais. Ao equiparar o tempo de contribuição para todos, em todas as frentes, ignora as condições de trabalho distintas no setor rural em relação ao urbano, assim como joga no lixo a constatação de que as mulheres trabalham mais que os homens nas atividades domésticas. A dupla jornada de trabalho, fato reconhecido pela legislação, fruto de muita luta, é ignorada e transformada em lei ultrapassada. Todavia a quantidade de horas de trabalho das mulheres em casa tem aumentado nos últimos anos, reforçando o argumento de que a crise econômica piorou as nossas condições de vida, aumentando o tempo de trabalho não remunerado. Segundo o IBGE, em 2014, a dupla jornada das mulheres passou a ter cinco horas a mais dentro de casa, chegando a 21 horas e 12 minutos por semana, mais que o dobro da dos homens.


Reforma da previdência

A reforma da Previdência é um claro exemplo de retirada de direitos e cortes de verbas, mas não a única resposta do governo e da velha direita à situação em que nos encontramos. Recentemente, neste espírito de ataques, oito ministérios foram cortados, dentre estes os que lidavam com os temas das opressões. As secretarias de Política para as Mulheres, de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e de Direitos Humanos foram extintas e fundidas para criar o Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos. Concretamente os recursos prometidos em 2013 para a construção da Casa da Mulher Brasileira, uma em cada capital, já certamente insuficiente, mal saíram do papel. Esta era a estratégia do Programa Mulher Viver sem Violência, que não apenas não avançou, como cruzou os braços diante do aumento de casos de violência contra a mulher no Brasil.


“PL do Cunha”

O recente PL5069, intitulado “PL do Cunha”, representa um duro ataque aos casos de aborto legal no Brasil. Apesar de ser um PL do Cunha e não da Dilma, é importante lembrar que o PMDB no poder, na presidência da Câmara, é fruto das alianças petistas em nome da governabilidade. Este PL prevê que o exame de corpo delito seja condição para aplicar o aborto legal, em casos de estupro, algo já retirado da lei por entender que a vítima não necessita passar por mais este constrangimento, assim como criminaliza o incentivo ao uso da pílula do dia seguinte, e aumenta a pena aos profissionais da saúde que tratarem ou mesmo informarem essas pessoas de como proceder em caso de desejo de abortar após estupro.

Este PL assume uma maior gravidade num cenário em que mulheres grávidas, atingidas pelo vírus zika, não podem tomar uma real decisão sobre o que fazer diante desta constatação. A legalização do aborto assume nova centralidade, provocando um novo debate sobre o tema no STF (Supremo Tribunal Federal). Um grupo de advogados entrou com ação que argumenta que a mulher não deve ser punida por uma falha das autoridades em controlar o mosquito transmissor da doença, o Aedes Aegypti. Todavia, é importante precisar que a responsabilidade é do Estado, inclusive em garantir toda a assistência médica, psicológica e financeira, à mãe que queira dar continuidade a gravidez. Cabe a mulher o direito de decidir: manter ou não a gravidez. Neste sentido, a descriminalização e legalização do aborto é condição para esta tomada de decisão.

Lutar hoje pela vida das mulheres, contra a violência, pelos nossos direitos, é lutar contra a crise, os cortes e o ajuste fiscal. A resposta de Dilma e seus comparsas tem sido a retirada de direitos. Dilma e a velha direita, no “frigir dos ovos”, estão de acordo na aplicação destas políticas e em jogar a fatura da crise nas costas da classe trabalhadora e, principalmente, das mulheres.


Só a luta muda a vida!

Os últimos anos, desde as jornadas de junho de 2013, serviram para reforçar que o caminho das lutas são as ruas. A única forma de garantir nossos direitos e a ampliação destes é através da nossa organização, juntas e juntos somos fortes e capazes de enfrentar a repressão policial e os desmandos desta elite no poder. Só a luta de massas será capaz de indicar o caminho para a superação desta condição de precarização, exploração e opressão.

A Primavera Feminista, ao final de 2015, colocou milhares de mulheres nas ruas contra o PL do Cunha, pela legalização do aborto. Nas principais capitais, Rio de Janeiro e São Paulo, chegamos a ter 10 mil mulheres lutando pelo direito de decidir pelo seu corpo. Isso foi só o começo!

Neste 8 de março, mulheres em todo o país tem se organizado para colocar nossas pautas na rua. O processo de construção tem gerado muito debate, e as pautas têm sido construídas, em alguns lugares, de modo unitário em torno da luta contra a reforma da Previdência, pela legalização do aborto, denunciando o fato de que querem nos fazer pagar por esta crise. A situação concreta obriga a construção da unidade, autonomia da luta e denúncia dos governos.

Todavia a luta não para aí, o 8 de março será só o início destas lutas em 2016. A luta contra a Reforma da Previdência está na agenda e atos em todo o país estão sendo construídos. Nós mulheres temos que nos localizar na primeiras colunas e lutar para impedir o retrocesso.

A briga contra o vírus Zika é a luta contra o ajuste fiscal, por mais dinheiro para a saúde, saneamento básico, pesquisa e serviço público. Contudo, de imediato, serão necessárias campanhas concretas, exigindo dos postos de saúde repelentes gratuitos, licença gravidez às mulheres trabalhadoras e condições de um bom pré-natal e acompanhamento médico.

Necessitaremos trazer ao centro do debate e reacender a Primavera Feminista na luta pela legalização do aborto. Esta deve ser uma luta constante, mas sobretudo agora, precisamos garantir o direito da mulher de decidir sobre seu próprio corpo.  Lutar pela legalização do aborto é lutar pela vida das mulheres, principalmente as mulheres trabalhadoras e negras que, em situação de maior vulnerabilidade, não podem recorrer às clínicas clandestinas existentes. Lutar pela vida das mulheres é denunciar o feminicídio e indicar o verdadeiro responsável, o Estado capitalista que transforma diferença em desigualdade, para melhor explorar e acumular capital.

Ou seja, nossas pautas e lutas não são poucas. Não podemos deixar de mencionar a luta por creches, salário igual para trabalho igual, contra o assédio moral. Todavia, nossas fileiras crescem, pois a cada dia há menos espaço para soluções paliativas e a classe trabalhadora se mostra mais disposta a sair às ruas e lutar pelos seus direitos.

Não somos favoráveis a consigna de “quanto pior melhor”. Achamos que para nós mulheres trabalhadoras, “quanto pior, pior para nós”, quanto mais crise, mais opressão, mais violência, menos direitos. Todavia, a luta tem se mostrado o único caminho possível para nós que não temos outra escolha, senão vender a nossa força de trabalho para nos reproduzir. Não estamos descobrindo a roda, mas dando continuidade a muitas lutas que já vieram.


As lutas de ontem e hoje, no Brasil e no mundo!

Recentemente, o lançamento do Filme ”As Sufragistas” provocou um debate interessante em um setor da vanguarda sobre a importância da luta das mulheres pelo direito ao voto. Apesar de opiniões divergentes, é inegável o potencial do filme ao mostrar, na perspectiva de uma mulher operária inglesa, como se deu o processo de tomada de consciência e a luta pelos seus direitos – que só começava pelo voto.

Apesar de uma luta de caráter liberal, o filme conseguiu retratar como que para as trabalhadoras, lutas pontuais são capazes de revelar várias outras demandas, assim como movimentar fileiras de lutadoras que tomam consciência da sua condição a partir do trabalho e da luta pela sobrevivência. Lutar pelo direito ao voto era lutar pelo direito de ser mãe, de receber um salário igual, de ser reconhecida como sujeito, contra o estupro e o assédio. Ainda que isso significasse prisões, isolamento, afastamento da família. Contudo, para nós socialistas, é evidente que a luta pelo voto, como constatamos hoje, não foi capaz de superar o machismo e nossa condição.

Para nós, o capitalismo não possui condições de garantir a emancipação da mulher, em nenhum nível, ainda que por conta de lutas concretas, conseguimos avanços em direitos que hoje estão sendo retirados pelas políticas de austeridade no Brasil e no mundo.


Questão de classe

Neste sentido é importante precisar que temos mais proximidade com as mulheres irlandesas que lutam pela legalização do aborto e por direitos reprodutivos, com as mulheres norte-americanas que lutam por um salário mínimo de 15 dólares a hora, com as mulheres indianas que dirigem a luta das trabalhadoras da indústria de chá, ou ainda com as mulheres nigerianas que saem as ruas para lutar contra os cortes na saúde e a politica de criminalização das lutas e movimentos sociais, do que com a Dilma, Kátia Abreu, Hilary Clinton, Michelle Bachelet, Angela Merkel.

Trata-se de uma questão de classe, as mulheres trabalhadoras de qualquer lugar do mundo são nossas irmãs em luta, e as únicas capazes de buscar soluções profundas e reais à opressão sexista.

Superar a condição de simples instrumento de produção: pelo socialismo

Em pleno século XXI, o Manifesto Comunista, escrito em 1847, não poderia ser mais atual. A superação da condição de mero instrumento da produção, aquela responsável por nivelar por baixo as condições de salário e vida, pelo cuidado e tarefas domésticas, pelo trabalho não remunerado e reprodução das relações capitalistas de produção, ainda é nossa meta.

Para nós da LSR, buscar esta meta é construir a revolução socialista, e este não é um debate abstrato. Enquanto a sociedade se mantiver com foco no lucro, na acumulação de capital, na garantia dos privilégios dos 1% da população, as microcefalias, os feminicídios, a violência, o desemprego em massa, a miséria não cessarão.

Neste sentido, é nossa tarefa construir um movimento organizado, que comece hoje, que fortaleça as lutas e que, sobretudo nos fortaleça enquanto mulheres para dirigir este processo. Pois sem uma compreensão clara do fim das opressões (contra o machismo, racismo, homofobia e transfobia), não será possível construir uma nova sociedade.


Neste 8 de março, parte importante deste processo, sairemos às ruas para lutar:

  • Contra a reforma da previdência que iguala tempo de contribuição de homens e mulheres, ignorando a dupla jornada de trabalho
  • Contra os cortes, ajustes fiscais e programas de austeridade
  • Pela descriminalização e legalização do aborto – pela vida das mulheres
  • Por medidas emergências contra o vírus Zika e a ação deste nas mulheres grávidas: pelo direito à licença-gravidez; pela distribuição de repelentes gratuitos; por um pré-natal de qualidade no SUS
  • Basta de violência: por mais segurança pública; por centros de referência da mulher, casas abrigos e delegacias especializadas 24 horas, assim como profissionais qualificados no atendimento.

    

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