O que a visita de Jean Wyllys a Israel pode contribuir para a esquerda?
A situação dos trabalhadores no Oriente Médio é vital para os socialistas e revolucionários. A importância geopolítica da região para o sistema imperialista a torna vítima de todos os tipos de intervenções diretas, ditaduras religiosas e grupos mercenários criados e financiados pelas grandes potências. Esse quadro extremamente complexo torna necessária a discussão sobre a estratégia e táticas que possam evitar a armadilha da divisão sectária e construir uma ponte para a unidade de todos os oprimidos.
A questão de Israel e Palestina, com a duradoura opressão do povo palestino, que vive em virtuais campos de concentração impostos pelo governo israelense, dessa vez ocupou as discussões nas redes sociais e na esquerda aqui no Brasil. O motivo foi o deputado federal pelo PSOL, Jean Wyllys, ter feito uma viagem a Israel. O deputado fez alguns relatos e gerou diversas opiniões publicamente, das quais não devemos nos abster de comentar, pois é um dever de todos os marxistas contribuir para politizar a discussão.
Sobre o boicote
A primeira polêmica gerada foi por Jean Wyllys ter aceitado o convite feito pela Universidade Hebraica de Jerusalém, junto ao professor James Green.
As críticas feitas por ativistas, inclusive militantes do PSOL, seriam de que o parlamentar estaria desrespeitando a campanha BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções) contra o Estado de Israel – campanha que o PSOL apoia desde seu 3º Congresso Nacional. De acordo com a carta feita pela Frente em Defesa do Povo Palestino, direcionada a Jean Wyllys, “a campanha não é de boicote a indivíduos, mas contra os vínculos institucionais e a cumplicidade com os crimes israelenses”.
A campanha de boicote pauta o fim da ocupação, derrubada do muro do apartheid, direitos iguais aos palestinos e cumprimento do legítimo direito de retorno às terras de origem.
Em que pese a experiência de diversas campanhas de boicote construídas em processos de luta anteriores, como durante o apartheid na África do Sul nos anos 1970 e 1980, é importante ressaltar que elas possuem muitos limites. Só são efetivas no contexto de uma luta generalizada dos setores oprimidos junto com seus aliados internacionais. Mas o fator decisivo deve ser a mobilização do povo palestino, armado com um programa e tática corretas, que consiga abalar os fundamentos da dominação da burguesia israelense – a exemplo do que fez a classe trabalhadora negra da África do Sul, com suas greves, passeatas e paralisações da produção.
Porém, é desastrosa a posição de Jean Wyllys de incentivar que a esquerda brasileira deixe de encampar o BDS, utilizando a notícia de que Netanyahu desistiu de indicar o governador das colônias de Israel na Palestina como embaixador no Brasil e que, em troca, o Itamaraty se pronunciaria contra o boicote a Israel. O deputado misturou elementos que não constroem o debate político, dizendo que haveria um “linchamento” contra ele na internet, pois as pessoas que o criticam “têm inveja de sua vida com pensamento e liberdade”. Uma forma liberal de que as opiniões individuais se sobrepõem ao coletivo.
O problema não é a aceitação em si do convite para palestrar em Israel. Dependendo das circunstâncias, isso pode ser usado para a defesa do povo palestino e de denúncia do programa israelense de limpeza étnica. Mas não foi assim que Jean Wyllys se comportou. Pelo contrário: usando um aspecto da política interna de Israel (a relativa liberdade para a população LGBT), Jean faz, na prática, uma defesa em bloco de Israel, comparando-a favoravelmente ao resto da região, em sua maioria ditaduras ou monarquias reacionárias. A reação dele, ao dizer que todas as críticas provêm de sentimentos antissemitas ou homofóbicos, ecoa o discurso oficial do governo de Israel, que historicamente usa o argumento de “autodefesa” e da memória do holocausto para justificar a opressão dos palestinos.
Por outro lado, ao mesmo tempo em que denunciamos a política israelense, é preciso discutir francamente qual a estratégia para a libertação nacional do povo palestino. Infelizmente, a maioria da esquerda adota uma atitude equivocada nessa questão, considerando, de forma franca ou velada, o conjunto da sociedade israelense como inimiga, o Estado Israelense como um “enclave” imperialista a ser destruído. Essa posição, a mesma do conjunto da esquerda na época da criação de Israel em 1948, e que concordamos naquele período, não tem mais nada a ver com a realidade atual. Israel é uma sociedade enraizada, com mais de três gerações de pessoas nascidas e considerando aquela como a sua terra.
Além disso, não é verdade que toda a sociedade israelense é um único bloco reacionário, racista e xenófobo. Israel é uma sociedade de classes, na qual muitos trabalhadores judeus estão dispostos a buscar uma saída para o conflito com os palestinos. A palavra de ordem de parte da esquerda, de “Fim do Estado de Israel”, além de ultrapassada, é profundamente reacionária, pois repele o conjunto dos trabalhadores israelenses e ajuda a reforçar o discurso belicista do governo de seu país.
Aliás, a classe política israelense, com os políticos de vários partidos e militares, passa por uma profunda desmoralização. Após processos de privatização e desmonte nos serviços públicos nos anos 1990, o único discurso que lhe resta para garantir legitimidade é, justamente, a retórica belicista contra os palestinos. Assim, a guerra perpétua é apresentada por ela como a única forma de garantir a sobrevivência física dos judeus que, de outra forma, poderiam sofrer um novo holocausto nas mãos dos “árabes fanáticos”.
A LSR e o Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores (CIT) consideram que processos de boicote podem construir parte de uma luta mais geral, que una os trabalhadores israelenses e palestinos contra as burguesias desses países. Para isso, é preciso levantar as demandas mais urgentes, como o fim do bloqueio a Gaza, o direito de retorno dos refugiados, igualdade de direitos, com lutas específicas contra a precarização das condições de vida, pela igualdade salarial e resistência conjunta contra a ofensiva do capital. Nesse sentido, é preciso valorizar as lutas e os processos políticos protagonizados pelos trabalhadores da região de Israel/Palestina.
Exemplo disso foi a importante disputa política que o Movimento Luta Socialista (MLS, organização-irmã da LSR e sessão do CIT em Israel/Palestina) e outros candidatos da esquerda levantaram ao conquistar a eleição do Sindicato de Assistentes Sociais de Israel em 2013, num cenário de privatizações e arrocho salarial e num processo eleitoral que contou com 90% de participação dos eleitores, que tinham o sentimento de renovação da direção sindical. Além disso, as militantes do MLS pautavam claramente o fim da discriminação racial no orçamento e alocação da força de trabalho nas cidades e comunidades palestinas e árabes.
Ou como em julho de 2015, quando o jovem palestino Mohammed Abu Khdeir, de 16 anos, foi sequestrado e queimado vivo por nacionalistas israelenses e, dias seguintes, houve vários ataques racistas contra trabalhadores palestinos no país. Esses ataques causaram uma grande reação dos moradores palestinos de Israel. Em cidades como Haifa, Tel Aviv e Jerusalém, houve protestos antirracistas e vários atos, protagonizados por árabes e judeus, contra a ofensiva militar israelense. Iniciativas como essas devem ser apoiadas e nossos camaradas do MLS interviram nestas lutas.
Libertação nacional e nacionalismo
Nessa sua visita, Jean Wyllys apontava a necessidade de construir uma solução pacífica para o conflito que envolve os Estados de Israel e Palestina. Ele compartilha a visão de uma ONG chamada “Cidade dos Povos”, que se diz oposição ao atual governo de Netanyahu e dizem ser solidários ao povo palestino. Essa solução pacífica aponta um acordo definitivo de paz que restabeleça as fronteiras e uma coexistência pacífica entre ambos os povos, com dois estados soberanos.
Uma das estratégias da classe dominante israelense para ganhar legitimidade para sua política de limpeza étnica é contrapor a relativa liberdade civil e social dentro de Israel (condicionadas aos imperativos de “segurança”) com as ditaduras e monarquias religiosas dos países da região. Mas o surgimento do islã político de direita, com suas táticas de terrorismo indiscriminado, foi em grande medida resultado da ação de Israel e do imperialismo em aliança com a monarquia reacionária da Arábia Saudita, que impulsionou e criou as condições para a existência de partidos e organizações religiosas como o Hamas e a Al-Qaeda.
A questão aqui não é de valores democráticos contra ditaduras, mas relações de poder e os meios para mantê-lo.
Mesmo que fosse viável politicamente (e a evolução política desde os acordos de Oslo nos anos 1990 mostra que não é), a solução de dois Estados apenas perpetuaria a opressão do povo palestino, pois uma Palestina capitalista independente, nas fronteiras atuais de Gaza e Cisjordânia, não passaria de um Estado débil, dependente de Israel, parecido com os bantustões da África do Sul. Tal solução já é defendida por setores da classe dominante israelense, que enxergam que a longo prazo os palestinos ultrapassariam os judeus em número dentro de Israel, e propõem essa meia medida como saída para manter sua hegemonia. Setores da esquerda “liberal” sionista dentro de Israel também são partidários dessa proposta, apontada como uma solução “pacífica” – mas que, na verdade, não acabaria com a opressão nacional e manteriam acesos os ressentimentos nacionalistas e religiosos. Por isso, defendemos uma Palestina Socialista ao lado de uma Israel Socialista, no quadro de uma confederação socialista democrática na região.
Tarefas dos socialistas
Os únicos atores sociais que podem romper o ciclo vicioso de opressão nacional, com seu acompanhamento de violência e fanatismo religioso, são os trabalhadores e pobres judeus e árabes de Israel e da Palestina. A construção de um movimento social e político que consiga satisfazer as demandas nacionais de palestinos e israelenses, ao mesmo tempo em que contemple as necessidades sociais dos trabalhadores de ambas as nacionalidades, apostando em sua auto-organização, é a única possibilidade de solução para o conflito da região, apontando a construção de uma confederação socialista democrática do Oriente Médio.
Só a mobilização de amplas camadas dos palestinos na luta, organizadas democraticamente, pode conceder-lhes libertação nacional e social. Um esforço para organizar marchas de protesto em massa e ações contra a ocupação nos territórios palestinos e contra o racismo e a discriminação em Israel, pode abrir o caminho para a construção da luta necessária para a mudança.
Diante da divisão nacional alimentada, é extremamente importante promover manifestações – especialmente manifestações conjuntas de judeus e árabes, palestinos e israelenses – contra a escalada que é liderada pela política do governo. Essas lutas devem apresentar exigências para pôr fim à ocupação e assentamentos, e com um claro apelo contra ataques a civis e contra assassinatos arbitrários e prisões sem julgamento. Essa mobilização para as manifestações podem ajudar as trabalhadoras e trabalhadores a se protegerem de ataques, para destacar sua mensagem e deixar claro para as camadas mais amplas da necessidade de amarrar as mãos do governo e de que é preciso uma mudança política profunda.
A construção das forças socialistas em ambos os lados da Linha Verde, incluindo um partido socialista em Israel, as forças que irão organizar a juventude, os trabalhadores e os pobres em ambos os lados da divisão nacional de luta contra o governo de direita capitalista e para a paz e a mudança socialista – tudo isso é condição essencial para uma saída real dos ciclos viciosos do conflito sangrento.
O Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores é parte dessa luta, e o Movimento Luta Socialista, sessão de Israel/Palestina, defende as seguintes demandas para a organização do ativismo e dos movimentos:
- Por manifestações, marchas de protesto e greves contra a escalada que é alimentada pelo governo de Netanyahu, e contra a ocupação e os assentamentos.
- Pela luta conjunta de judeus e árabes, israelenses e palestinos, por justiça social e paz. Não aos ataques contra civis, não ao terror.
- Pela luta de massas dos palestinos por libertação nacional e social. Pela luta de cidadãos palestinos de Israel contra a discriminação e por igualdade. Estabelecimento de comitês de ação democráticos para ajudar na organização de protestos e manifestações de defesa.
- Promover a criação de partidos socialistas de esquerda dos trabalhadores e pessoas pobres em ambos os lados da Linha Verde.
- Abaixo com a política de “gestão de conflitos”, que só promete mais episódios de derramamento de sangue.
- Acabar com as execuções e prisões arbitrárias por parte das forças do exército e da polícia e com as detenções sem julgamento. Pelo fim da detenção administrativa.
- Basta de punição coletiva: sem demolições de casas, sem multas sobre os pais.
- Basta de nutrir guerra religiosa ao redor do complexo do Monte do Templo/Haram al-Sharif. Acabar com a pobreza em Jerusalém e acabar com a ocupação e assentamentos no leste da cidade.
- Estabelecer duas capitais em Jerusalém, bem-estar garantindo, direitos nacionais e religiosos a igualdade, a liberdade de culto em ambos os lados da cidade.
- Abaixo à ditadura da ocupação e dos assentamentos nos territórios palestinos. Acabar com o cerco a Gaza.
- Basta de pobreza e discriminação! Por investimento maciço em habitação, educação, saúde, infraestrutura e emprego com salário digno para todos. Que se aumentem os impostos sobre as grandes corporações.
- Pelo direito de retorno dos refugiados que estão espalhados pela região.
- Estabelecimento de um Estado palestino independente e igual, democrática e socialista, ao lado de um Estado de Israel democrático e socialista, em uma confedereção socialista, como parte da luta por um Oriente Médio socialista e pela paz regional.