Islã e a Esquerda Revolucionária

O seguinte é um extenso artigo escrito em fevereiro de 2002. O estamos publicando agora porque as questões que ele analisa, da guerra, Islã e a abordagem dos marxistas, são relevantes para a nova situação mundial de crescente intervenção imperialistas no mundo neo-colonial, após a invasão estadunidense no Iraque. O artigo foi motivado pela invasão ao Afeganistão.

Introdução

A guerra é um ácido teste para o programa, perspectivas, estratégias e táticas de todas as formações políticas, especialmente daquelas que se posicionam à esquerda. Tudo o que é positivo, que em ação mostra o caminho a seguir para a classe trabalhadora, é revelado. Pelo contrário, tudo o que é podre, falso, é também descoberto. Assim foi na guerra do Golfo, no conflito em Kosovo e agora também na guerra no Afeganistão.

O Taliban e a al-Qa’ida de Osama bin Laden sofreram uma severa derrota militar e política A escala de sua derrota é realçada pelo fato de que virtualmente não houve resistência no solo aos imperialistas e a Aliança do Norte. Nós analisamos isto em outro lugar (veja as declarações anteriores do CIO) e desejamos aqui comparar as posições adotadas pelo CIO e suas seções com as de outras organizações, especialmente daquelas que se posicionam na esquerda revolucionária. Esta abordagem, o método de contraste, foi empregada por Leon Trotsky, especialmente nos anos 30, como um meio de educar os quadros revolucionários. A maioria da esquerda revolucionária errou, e algumas vezes muito grosseiramente, durante a guerra. Alguns foram oportunistas; em geral contudo elas foram ultra-esquerdistas e algumas vezes combinaram tanto o oportunismo quanto o ultra-esquerdismo.

Emprego incorreto dos escritos de Trotsky

O embasamento teórico para as posições de algumas destas organizações durante esta guerra é, de acordo com elas, ironicamente, comentários feitos por Trotsky sobre guerras e conflitos armados nos anos 30 em particular. Uma abordagem marxista para eles é repetir meramente de cor frases de Trotsky. Seus comentários fragmentados e não-desenvolvidos, especialmente em relação ao Brasil, Etiópia e a guerra entre Japão e China nos anos 30 são usados para justificar seus argumentos. Eles usam a letra dos escritos de Trotsky sem entender seu espírito ou seu método. Acima de tudo, eles ignoram completamente o contexto histórico no qual estes comentários foram feitos.

Trotsky, talvez antecipando o mal emprego futuro de seus escritos, apropriadamente comentou em relação à guerra sino-japonesa nos anos 30: “O genuíno internacionalismo não consiste em repetir frases estereotipadas em cada ocasião mas pensar sobre as especificas condições e problemas”, especialmente aqueles trazidos por guerras e revoluções, se pode adicionar. A lei mais importante da dialética é que a verdade é concreta. Uma análise total envolve a compreensão das condições específicas, acima de tudo o pano de fundo histórico contra o qual a guerra ocorre, e os fatores objetivos envolvidos, que para nós inclui a consciência da classe trabalhadora, tanto no mundo industrializado quanto do neocolonial.

O mundo passou por mudanças colossais desde que Trotsky escreveu. A realidade que nós enfrentamos é inteiramente diferente hoje. Portanto, seria completamente mecânico aplicar simplesmente comentários feitos nos anos 30 para a situação atual. A correlação mundial e especialmente a correlação entre os países imperialistas ‘avançados’ e as áreas neocoloniais do mundo passaram por imensas mudanças. No passado, o imperialismo exerceu a direta dominação militar de muitas – mas não todas – áreas do que hoje é o mundo neocolonial. Isso foi largamente substituído por controle econômico indireto. Sem dúvida, os efeitos disso são, em geral, não menos opressivos para as massas. Não obstante, a independência para as antigas ‘colônias’, o desenvolvimento de novos estados e com isso uma consciência nacional, assim como o relativo fortalecimento destas regiões vis-à-vis o imperialismo – pelo menos nos maiores estados – mudou consideravelmente a posição.

Os marxistas têm que se opor implacavelmente à continuada dominação imperialista e o uso obsceno do esmagador poder militar para manter sua dominação contra as massas no mundo neo-colonial, como é o caso do Afeganistão. Mas as profundas mudanças que ocorreram significa que é ridículo comparar, por exemplo, o regime do ‘imperador’ da Etiópia Haile Selassie, em 1935 com o fenômeno atual da al-Qa’ida de bin Laden e o Taliban. O desenvolvimento colossal dos meios mundiais de comunicação – TV, rádio, jornais, Internet, etc. – é uma das mais óbvias diferenças entre o antes e o agora. Em conseqüência, há uma consciência intensificada do que está acontecendo internacionalmente.

As massas nos anos 30 entendiam pouco sobre o detalhe preciso do regime de Haile Selassie. Além disso, a Etiópia estava sob ataque do regime fascista de Benito Mussolini na época que Trotsky escreveu. Dado as ilusões democráticas da classe trabalhadora da Europa ou dos EUA em particular, junto com o recente exemplo sangrento do que o fascismo significava para eles com a chegada ao poder de Adolf Hitler e Mussolini, era natural que as simpatias das massas nos anos 30 fossem para a Etiópia contra a Itália fascista. A burguesia britânica e européia em sua maioria, junto com a dos EUA, por seus próprios interesses estratégicos imperialistas, também botaram sua simpatia para a Etiópia. É absurdo implicar, como as organizações sectárias fazem ao citar estes escritos de Trotsky, que a massa das populações dos países mais industrializados deveriam ter a mesma atitude hoje em relação à bin Laden e ao Taliban.

Consciência

Isso não significa dizer que temos que revisar as posições passadas do marxismo, em particular as elaboradas por Lênin e Trotsky. Nós claramente diferenciamos entre os países imperialistas avançados e os do mundo colonial ou neo-colonial. Ainda apoiamos os povos no mundo neo-colonial na luta contra a dominação imperialista, especialmente quando isso toma a forma, como no Afeganistão, de uma intervenção militar. Neste caso nós estamos claramente do lado do povo afegão e nos países imperialistas nos opomos à guerra. Apoio para o povo afegão e sua resistência contra as excursões armadas do imperialismo não é o mesmo que apoio para o Taliban, mesmo se este apoio é ‘crítico’, como algumas organizações de esquerda têm posto.

Além disso, chamar cruamente pela ‘derrota do imperialismo dos EUA’ e seus aliados de coalizão como uma palavra de ordem agitativa, é errado. Quando Lênin usou este termo, “derrotismo revolucionário”, como Trotsky subseqüentemente explicou, foi na tentativa de delinear claramente o marxismo revolucionário do oportunismo após a traição da social-democracia alemã e seus correligionários internacionais oportunistas no inicio da I Guerra Mundial. Foi primariamente uma política para os quadros, para criar uma linha clara de separação entre os revolucionários e o oportunismo. Não era uma política que pudesse ganhar as massas para a bandeira do bolchevismo ou da revolução. Foi o programa dos Bolcheviques e tudo o que se sacava deste, incluindo a tomada do poder pela classe trabalhadora em aliança com o campesinato, que garantiu o sucesso da Revolução Russa.

Muitas organizações ultra-esquerdistas são organicamente incapazes de entender a abordagem de Lênin, Trotsky e os Bolcheviques. Elas tomam o que tem sido essencialmente formulações usadas dentro do movimento marxista para resumir, delinear e claramente diferenciar uma idéia ou concepção de outra como uma expressão do que deve ser declarado publicamente. Conseqüentemente elas têm sido incapazes de passar de uma mentalidade de círculo e intervir com sucesso nos movimentos de massa. Pior ainda, eles têm deseducado uma camada de jovens e ocasionalmente trabalhadores, que de outro modo poderiam jogar um importante papel no fortalecimento e construção do marxismo.

Como relacionar a consciência, que pode ser diferente no mundo industrializado comparado ao mundo neocolonial, enquanto ainda mantêm uma posição principista marxista, é a chave para encontrar um caminho para a classe trabalhadora e a juventude. Não é uma tarefa fácil; uma posição correta pode apenas ser alcançada através da análise e discussão, algumas vezes do modo mais caprichoso. Tal abordagem é, contudo, estranho para muitas organizações da esquerda revolucionária. Para elas é meramente uma questão de apresentar um ‘programa’, normalmente chupado do folhear dos escritos de Trotsky ou Lênin de um período diferente, e mecanicamente aplica-los à situação, indiferentes ao ir e vir dos sentimentos e compreensão das massas.

Essa não era a abordagem de Lênin, Trotsky e dos Bolcheviques na Revolução Russa. O sentimento das massas era uma questão vital que era crucial em determinadas táticas nos diferentes pontos de inflexão dos nove meses entre as Revoluções de Fevereiro e Outubro. Por exemplo, em julho Lênin se opôs à tomada do poder pela classe trabalhadora de Petrogrado que estava pronta para tomar este passo porque isto era prematuro, dado que a consciência estava para trás pelo resto da Rússia e especialmente entre as massas camponesas que formaram o grosso dos exércitos czaristas naquele estágio. Uma tentativa séria de tomar o poder arriscaria o esmagamento da classe trabalhadora de Petrogrado, e portanto da vanguarda da revolução, com o possível completo descarrilamento da revolução. Na ocasião, a decisão dos Bolcheviques de ir junto com a manifestação, mas parar à beira de uma insurreição, diminuiu a repressão que inevitavelmente seguiu is eventos de julho. Cuidado similar em medir o sentimento da classe trabalhadora nos três meses antes da Revolução de Outubro foi uma questão chave, acaloradamente disputada dentro das fileiras do Partido Bolchevique.

Sempre temos levado em consideração a consciência da classe trabalhadora, que não é uma coisa estática, ao formular demandas e uma abordagem em questões como a guerra. Isso não é uma tarefa fácil e mesmo em uma organização marxista saudável pode provocar controvérsias e diferenças.

A Guerra do Golfo e o 11 de Setembro

Na Guerra do Golfo alguns tomara a posição na primeira e inicial fase da guerra de que seria necessário dar ‘apoio crítico’ para Saddam Hussein na intervenção do Kuwait. Nesta guerra estivemos do lado dos povos do Oriente Médio, iraquianos, kuwaitianos e outros contra a subseqüente brutal intervenção armada do imperialismo americano na região. Contudo, nos países industrializados, onde a consciência era diferente da que existia no mundo árabe, por exemplo, então nosso apoio não poderia tomar a forma de apoio para o regime de Saddam e sua intervenção armada no Kuwait. Implacavelmente nos opomos aos EUA, Grã-Bretanha e seus aliados na guerra contra o Iraque. Exigimos o fim da guerra, a retirada das tropas americanas, britânicas e outras e colocamos o slogan de deixar o povo iraquiano, os curdos e até mesmo os kuwaitianos decidirem decidir seu próprio destino.

Quando nossos representantes públicos foram desafiados na TV e rádio nas linhas de ‘Vocês estão a favor da retirada ou saída forçada das tropas iraquianas que interviram no Kuwait contra os desejos do povo daquele estado,’ não poderíamos responder de um modo sem tato, de maneira crua. Nossa resposta, em geral, era dizer ‘sim, mas não pelas baionetas britânicas e americanas, mas através de uma insurreição vitoriosa dos trabalhadores e camponeses do Iraque contra Saddam, que poderia efetuar tal retirada e permitir aos povos da região decidir seu destino democraticamente’. Este era o único modo que poderíamos abordar tal questão nos países capitalistas industrializados, dado as características repulsivas, antidemocráticas e violentamente ditatoriais do regime de Saddam, especialmente do que foi a brutal supressão do povo curdo no norte e dos xiitas no sul. Não poderíamos ter qualquer responsabilidade durante a Guerra do Golfo por Saddam Hussein, seu regime ou ações. Procuramos separar isso de nosso apoio aberto dos povos do Iraque e da região na resistência que eles punham à ‘guerra por petróleo’ na região.

Ao mesmo tempo, a diferença na perspectiva sobre o conflito no Golfo significava que os revolucionários marxistas no mundo neocolonial teriam tarefas um tanto diferentes, teriam que por as coisas diferentemente do modo como estas eram postas nos países industriais avançados. Haviam uma posição comum de todos os membros e seções do CIO em qualquer esfera do mundo que operávamos em expressar oposição e luta contra os ataques imperialistas ao Iraque. No mundo neocolonial, enquanto havia uma aversão para as características ditatoriais do regime de Saddam, não obstante a hostilidade para o imperialismo significava que havia uma grande simpatia para o Iraque no principio de ‘o inimigo do meu inimigo é meu amigo’.

Isso era enormemente intensificado no mundo Árabe onde as ações de Saddam também eram vistas como um golpe não apenas contra o imperialismo mas aos seus aliados locais na forma da classe dominante israelense. Além disso, a justificação de Saddam para a tomada do Kuwait – um legado de balcanização artificial da península arábica pelo imperialismo – achou um certo eco. Isso sem dúvida tendia a empurrar a inquietação sentida pelos regimes árabes ditatoriais para o fundo da consciência de massas. Havia, em certo sentido, ‘apoio crítico’ para Saddam porque ele parecia estar desferindo um golpe contra o imperialismo. Por exemplo, mísseis foram atirados do Iraque que atingiram Israel. Isso era o reverso do que normalmente acontecia no Oriente Médio até então, com Israel devastando as áreas palestinas e alvos árabes com seus armamentos superiores.

A apresentação da propaganda, as demandas agitacionais que seriam levantadas nesta situação seriam diferentes do modo que os marxistas a abordariam nos países industriais avançados. Mesmo no mundo neocolonial, contudo, incluindo o Oriente Médio, seria errado ter dado dar um apoio absoluto a Saddam, que era visto por setores das massas árabes como um ‘ditador progressivo’, neste conflito.Seria ainda pior fazer isso no caso de bin Laden e do Taliban, que não podem nem mesmo ser descritos como ‘capitalistas’. Para falar a verdade, eles são tribais ou feudais em sua perspectiva, programa e fantásticos esquemas para o mundo. Apesar disso, uma atitude um tanto diferente existia em relação ao ataque das torres gêmeas no mundo neocolonial comparado à Europa, Japão e EUA. Mesmo em alguns países industrializados como Grécia, que em certo sentido por causa de seu passado e sua localização entre os países industrializados e o mundo neo-colonial, a atitude frente ao 11 de setembro foi diferente.

Atitude com a classe trabalhadora dos EUA

O lamento pela perda de vidas inocentes veio junto com um sentimento de que a arrogante classe dominante americana ‘tomou do seu próprio remédio’. Os marxistas entendem que as razões para isso, a opressão e superexploração das massas no mundo neo-colonial, mas não podemos sancionar esta atitude. Precisamos re-enfatizar o fato de que não foram os capitalistas americanos, na maioria, as vitimas do 11 de setembro. Foram trabalhadores americanos comuns e pessoas de classe média que pereceram. Nossos camaradas no mundo neocolonial também tiveram que responder à atitude que existia entre setores de trabalhadores e camponeses na África, Ásia e América Latina, de que a população dos EUA é uma massa reacionária, que a classe trabalhadora não existe ou se existe, é cúmplice dos crimes do imperialismo mundialmente. Os atos terroristas de 11 de setembro forneceram o pretexto para o imperialismo ocupar o Afeganistão, se preparar para uma possível invasão do Iraque, e reafirmar seu poder e prestígio feridos com o apoio, pelo menos no inicio, da maioria da população estadunidense.

Contudo, os marxistas nesta guerra não podem ter um programa em um país ou esfera do mundo e um diferente em outro. Na Grã-Bretanha, Europa, EUA ou no Afeganistão nós nos opomos à guerra. No Afeganistão é necessário, é claro, resistir aos ataques militares dos imperialistas. A resistência dos trabalhadores e camponeses seria separada do Taliban e mesmo contra ele. A abordagem, a ênfase da propaganda pode diferir, de acordo com a consciência diferente que existe em diferentes países.

Depois do ataque às Torres gêmeas, o imperialismo manipulou o medo da população americana de bin Laden e da al-Qa’ida. Ela sentia que estas organizações ameaçavam sua existência. Além disso, esta idéia foi reforçada por uma entrevista feita por bin Laden a um jornalista paquistanês, reproduzida pela imprensa Ocidental durante a guerra, na qual ele atribui à toda população dos EUA os crimes da sua classe dominante. “Como sempre [bin Laden] negou, e não negou, envolvimento nos seqüestros de 11 de setembro, dizendo que todos os americanos são responsáveis pelo ‘massacre’ de muçulmanos na ‘Palestina, Chechênia, Cachemira e Iraque’ e que os muçulmanos tem o ‘direito de atacar… em represália’. ‘O povo americano deve lembrar que eles pagam impostos a seu governo, eles elegem seu presidente, suas manufaturas de armas governamentais e as dão a Israel e Israel as usa para massacrar os palestinos. O Congresso Americano endossa todas as medidas do governo e isso prova que toda a América [sic] é responsável.’” [The Observer, 11 de novembro 2001]
Bin Laden e a al-Qa’ida foram pintados por Bush e cia como uma ameaça mortal à própria existência dos EUA. Contudo, a mera propaganda da burguesia não é suficiente para formar a opinião pública. As ações e declarações de bin Laden e da al-Qa’ida reforça nas mentes da população dos EUA que eles realmente são tal ameaça. Conseqüentemente, houve uma onda patriótica profunda durante a guerra. Mas em sua conseqüência, como previmos, tem havido um crescente questionamento que a política externa dos EUA e as ações de seu governo, e por implicação os capitalistas dos EUA, criaram as condições que levaram à catástrofe do 11 de setembro. Sem dúvida, este sentimento crítico irá crescer, mas de modo algum haverá simpatia ou apoio para a al-Qa’ida ou o bin Ladismo. Eles são vistos como um terrível e assustador resultado da política dos EUA no mundo neocolonial.

Mas pequenos grupos ultra-esquerdistas procuram nos convencer que durante esta guerra os marxistas deveriam advogar ‘apoio crítico’, incluindo ação militar comum, com a al-Qa’ida e o Taliban, para enfrentar o imperialismo. Eles podem dizer que esta é uma política a ser aplicada no mundo neo-colonial mas esta idéia é advogada em seus jornais que são vendidos principalmente, no caso de alguns, nos países industrializados avançados. Além disso, é também errado de um ponto de vista marxista advogar isto no mundo. Este é um programa não para as massas, não para alcançar os trabalhadores e convencê-los das idéias do marxismo, mas para afastá-los do trotsquismo. É um programa para pequenas (geralmente muito pequenas) salas de reunião e não para alcançar e convencer trabalhadores.

Guerra e Marxismo

O que é preciso hoje não é uma simples repetição de idéias que preenchiam as condições de 60 anos atrás ou mesmo de 20 anos atrás. O desenvolvimento de estados independentes e regimes burgueses nacionais é uma grande mudança comparada à época em que Trotsky escreveu sobre estas questões. Alguns deles, como o de Saddam Hussein, tem as mais repulsivas e horrorosas características de ditaduras. Eles reprimem a classe trabalhadora e negam direitos nacionais e étnicos. Isso mudou as circunstâncias, em grande medida, nas quais os marxistas trabalham hoje. Significa que não podemos simplesmente imitar a abordagem de Trotsky da época da guerra sino-japonesa nos anos 30, na Etiópia em 1935 ou nos basear-mos na situação hipotética esboçado por Trotsky em relação ao Brasil. Comentaremos sobre estas questões mais adiante, mas elas estão relacionadas com a abordagem que adotamos na guerra, especificamente a guerra no Afeganistão, assim como o islã em geral.

O marxismo não tem uma posição ‘geral’ sobre guerras. Nunca colocamos todas as guerras no mesmo plano. Há guerras ‘justas’, nas quais os marxistas e trotsquistas têm dado apoio crítico a um lado contra outro no curso de uma guerra. Karl Marx e Friedrich Engels apoiaram a luta revolucionária dos irlandeses contra o imperialismo britânico no século 19, assim como na luta dos poloneses contra o czar russo. Isso apesar do fato de que, nas palavras de Trotsky, “Nestas duas guerras os líderes nacionalistas eram, na maior parte, membros da burguesia ou mesmo parte da aristocracia feudal… em todos os eventos, católicos reacionários”. Nós mesmos demos apoio, político e material, à Frente de Libertação Nacional (FLN) na guerra nacionalista contra o imperialismo francês na Argélia, que culminou em sua libertação e saída das forças francesas em 1962.

Mas não há nada ‘progressivo’ ou ‘justo’ na brutal guerra dos EUA, Grã-Bretanha e a ‘coalizão’ que lideraram contra o povo afegão sob a falsa bandeira de travar uma ‘guerra contra o terrorismo’. Os alegados ‘objetivos de guerra’ de eliminar bin Laden e a al-Qa’ida ainda não foram conseguidos no tempo que escrevemos. Nossa posição foi explicada muito claramente no material do CIO que produzimos sobre a guerra. Foi primariamente uma guerra para restaurar o prestigio ferido e poder do EUA e do imperialismo mundial. Além disso, dada a capitulação do Taliban (se não mais dos ‘árabes Afegãos’) o imperialismo teve sucesso temporariamente em fortalecer sua própria posição e alterar a relação mundial de forças para sua própria vantagem (isso foi mostrado pelas belicosas palavras e ações de George W. Bush, Donald Rumsfeld e até mesmo do antes ‘pomba’ Colin Powell em dar luz verde a Ariel Sharon e da classe dominante israelense em lançar sua ofensiva de 2001 contra o povo palestino. O objetivo desta era minar seriamente a já frágil autoridade de Yasser Arafat e da Autoridade Palestina (AP). [Veja documentos anteriores do CIO sobre o Oriente Médio.])

Isso foi seguido por funcionários dos governos dos EUA declarando que o Iraque seria o próximo alvo, e operações do tipo ‘militar-policial’ estavam em preparação contra a Somália e possivelmente o Sudão. É uma guerra para erradicar e alegadamente esmagar a al-Qa’ida de uma vez por todas. Na sangrenta equação da guerra, não é possível prever precisamente o resultado exato. Contudo, o resultado de um conflito militar entre o imperialismo dos EUA, a maior potência militar que o mundo já viu, e o fraco Taliban, é desde o início equivalente a uma briga entre um elefante e uma pulga, com o elefante não podendo perder. Contudo, o que não poderia ser previsto era o tipo de reservas sociais que o Taliban poderia chamar no caso de uma intervenção estrangeira no Afeganistão. Os eventos ilustraram a base muito estreita do regime, que assegurou a vitória para o imperialismo principalmente através do uso do poder aéreo apoiado pelas ‘tropas terrestres’ do imperialismo.

O que não era esperado de todos os lados era a rápida capitulação do Taliban no norte e a mínima resistência no sul. Isto teve importantes conseqüências. A vitória do imperialismo, combinada com a completa capitulação sem luta real do Taliban, teve grandes repercussões mundialmente, especialmente no mundo neocolonial. Entendeu-se que o imperialismo foi mais uma vez vitorioso militarmente. Foi a 3ª vitória militar em pouco mais de uma década – as guerras do Golfo, de Kosovo e agora Afeganistão. Contudo, até mesmo mais que nos dois conflitos anteriores, o excessivo triunfalismo do imperialismo é aberto e sem restrições, com um de seus representantes declarando abertamente, “Estamos rufando”.

Equivocadamente, o imperialismo agora acredita que pode impor seu poder com mínima resistência em qualquer lugar do globo. Em última instância, todos os seus problemas serão agravados. Ele foi sem dúvida fortalecido temporariamente enquanto a confiança da classe trabalhadora mundial e do movimento trabalhista, especialmente no mundo neocolonial, sofreu um golpe. Quanto tempo pode durar e quão severo isso será não é possível dizer neste estágio. É por todas estas razões que nos opomos implacavelmente ao imperialismo e à guerra. Despida de toda fraseologia e camuflagem ‘democrática’ e o que temos é uma nova versão de uma guerra imperialista, não apenas contra o Afeganistão mas todo o mundo neo-colonial e, portanto, a maioria da humanidade.

Não é uma tradicional guerra colonial

Mas não foi, como o ‘Secretariado Unificado da 4ª Internacional’ (SUQI) argumenta, simplesmente uma nova versão de uma tradicional guerra colonial, motivada principalmente por razões econômicas: “Uma guerra por petróleo”. A realidade dos objetivos imperialista no Afeganistão é mais complexa do que isso. Em última instância, é claro, o poder econômico, a aposta financeira do imperialismo e a fonte de seus lucros e renda são importantes, até mesmo decisivos, fatores. Foi por estas razões que as companhias petrolíferas dos EUA saudavam o Taliban e os levaram em viagens pródigas para os EUA nos anos 90. Sua percepção do Afeganistão neste estágio era de uma importante área para um possível gasoduto para as ainda largamente inexploradas riquezas de petróleo e gás no Mar Cáspio e a Transcaucásia. Contudo, dada a instabilidade orgânica do Afeganistão, deixando de lado a região da transcaucásia, o lugar deste país como um possível gasoduto era problemática para dizer o mínimo. Mesmo na situação pós-guerra, tal é o provável caos e anarquia, que seria uma aposta muito grande para as companhias petrolíferas se engajar em tal aventura arriscada.

Os recursos da Transcaucásia e do Cáspio podem ser questões importantes para o imperialismo a longo prazo. Eles não são, contudo, a causa imediata desta guerra. Antes do 11 de setembro uma grande luta estava ocorrendo entre o capitalismo russo de Putin, que ainda considera o Cáucaso como um componente vital de sua ‘esfera de influência’, e as companhias petrolíferas dos EUA, apoiadas pela administração Bush, que estão lutando para suplantá-lo.Depois do ataque às torres gêmeas, que revelou o envolvimento de nacionalistas sauditas e também de algumas figuras do regime saudita, pelo menos financeiramente, muita discussão ocorreu na imprensa burguesa americana sobre mudar os interesses dos EUA da Arábia Saudita para um possível fornecimento alternativo no Cáucaso. Contudo, isto ainda é música para o futuro, dada a crescente dependência do imperialismo do petróleo do Oriente Médio, especialmente saudita, desde a guerra do Golfo. O fator determinante, portanto, em primeiro lugar, para a intervenção dos EUA foi restaurar seu poder é prestígio, que foi severamente amassado pelos ataques do 11 de setembro. Qualquer aumento de rendimentos vindo desta vitória está para vir de um estágio futuro.

Se, portanto, percebemos esta guerra como completamente reacionária da parte do imperialismo, isso não significa que devemos nos lançar, embora ‘criticamente’, com aqueles que alegadamente ‘resistem’ à jamanta dos EUA, isto é, bin Laden, sua al-Qa’ida e o governo do Taliban? Inacreditavelmente, esta é a posição de alguns pequenos grupos trotsquistas, como o Workers Power e a morenista LIT. A última é grandemente baseada na América Latina. Sua abordagem não encontrará absolutamente nenhum eco entre a classe trabalhadora mundial, especialmente o proletariado nos países capitalistas desenvolvidos. Não obstante, por que eles utilizam alguns dos escritos passados de Trotsky para justificar sua posição durante a guerra, eles podem, e fizeram em algumas instâncias, confundir e desorientar alguns jovens e trabalhadores que entram em contato com eles. É necessário, portanto, lidar com seus argumentos aqui como um meio de clarificar as questões dentro de nossas próprias fileiras. Eles também mostram absoluta confusão sobre os desenvolvimentos dentro do ‘Islã’.

Islã – radical e de direita

Portanto, antes de proceder para analisar suas posições, é necessário clarificar nossa atitude com o ‘islã político’. O que é algumas vezes é chamado ‘fundamentalismo’ é quase sempre se referido dentro do mundo muçulmano como ‘islã político’. Isso é adequado para professores e comentaristas burgueses, assim como alguns da esquerda, mas para o CIO isso não descreve com precisão os antecedentes políticos, assim como a posição de diferentes grupos islâmicos dentro do atual espectro político.

Algumas das tendências e organizações dentro do movimento de massas que levaram à revolução iraniana e a derrubada do Xá foram exemplos do que chamamos de ‘islã radical’ ou ‘fundamentalismo islâmico radical’. Aqueles que apoiavam estas idéias quando questionados sobre que tipo de sociedade eles lutavam, normalmente diziam que queriam uma ‘república dos pobres’. Contudo, o pano de fundo mundial contra o qual a revolução iraniana ocorreu era inteiramente diferente do presente. Então, os estados stalinistas – com uma economia planificada e o regime totalitário – existiam. Isso, junto com a bancarrota evidente do latifúndio e do capitalismo no mundo neocolonial, radicalizou o movimento oposicionista à tirania do Xá e a elite iraniana que engordava a ela mesma com as enormes reservas de petróleo iraniano. Esta oposição era grandemente baseada entre os pobres urbanos em Teerã em particular, assim como as semifamintas massas camponesas. O ‘modelo’ de uma economia planejada no pano de fundo deu ao movimento um pronunciado caráter radical e de ‘esquerda’.

Tão poderosa era esta tendência que obrigou o regime iraniano do Ayatollah Khomeini num primeiro momento a adotar uma fraseologia muito radical de esquerda e uma virulenta hostilidade ao imperialismo, especialmente dos EUA. Isso foi combinado por ações que levaram à tomada pelo estado da maioria da industria. Parecia num momento a possibilidade do Irã criar um estado operário deformado à imagem de Moscou, com economia planificada, embora com um regime político totalitário onde o poder era concentrado nas mãos dos mullahs e do clero muçulmano. Contudo, a revolução estancou. Uma incipiente guerra civil estourou entre diferentes facções do clero muçulmano. O centro de gravidade gradualmente se moveu para a direita. Isso por sua vez levou à privatização de antigos setores nacionalizados.
Hoje, no Irã, há uma luta feroz entre diferentes alas do islã. Na base disto está um conflito entre um clero de direita que está determinada a se elevar nos níveis do poder do estado e setores da burguesia, provavelmente apoiados agora por uma maioria da população e que desejam se mover para uma direção mais ‘moderna’, que é do Ocidente capitalista. Os jovens em particular estão em aberta revolta com as sufocantes condições impostas a eles pelos mullahs e sua polícia ‘religiosa’.

Em contraste com a primeira fase radical da revolução iraniana, a ascensão do islã e do que é agora chamado ‘islã político’, especialmente no mundo árabe, na última década é principalmente um fenômeno de direita. O desenvolvimento destas organizações, e sua adesão por mais e mais setores da população, incluindo grandes setores da classe média em países como Egito, é parcialmente um reflexo da falência dos antigos movimentos árabes, e parcialmente um esforço consciente de parte do imperialismo e de seus sátrapas locais – os regimes árabes feudais e ditatoriais – para usar o islã contra a esquerda e forças radicais dentro do Oriente Médio.

Num penetrante artigo no New York Times (publicado no International Herald Tribune em 3 de dezembro de 2001), Saad Mehio deu uma descrição gráfica de como o uso passado do Islã por estes regimes, totalmente apoiado pelo imperialismo dos EUA em particular, rebateu neles com conseqüências fatais. Pondo a questão do que viria depois de bin Laden e do Taliban, ele concluiu: “Provavelmente mais Talibans e novos Osama bin Ladens.” E a razão para este fenômeno “envolve a imoral, inescrupulosa e irreligiosa exploração do islã como uma arma política – por todos. O Ocidente, os EUA, as tiranias árabes e outras muçulmanas, todos usaram a arma do islã. E todos eles estão pagando seus diferentes preços por isso.”

Ele descreve como o islã foi convocado para combater o ‘comunismo’ – uma ampla definição para incluir qualquer um de esquerda ou socialista, não apenas stalinistas – durante a Guerra Fria. A capacidade do imperialismo e seus agentes árabes locais foi facilitada enormemente pela falência do nacionalismo árabe e do stalinismo. Os partidos comunistas de massa, em países como Iraque e o Sudão, tiveram a oportunidade de tomar o poder mas falharam por cauda de suas falsas políticas stalinistas. Isso junto com o colapso do ‘modelo socialista’ na União Soviética e Leste Europeu, simbolizado pelo colapso do Muro de Berlim em 1989, levou à ascensão do islã de direita. Mehio comenta: “A política de usar o islã político como uma ferramenta anticomunista foi uma razão crucial por que a maioria do mundo muçulmano veio a ser dominado por governos estagnados, anti-democráticos mas estáveis (ou assim parecem) e adequadamente pró-Ocidentais, de um lado, e as tradicionais forças do islã político reconfiguradas para a última metade do século 20, de outro”
Ele continua: “A realização que coroou isto foi a derrota da alternativa modernizante: os movimentos que esperavam evitar se alinhar com a União Soviética ou com a América para desenvolver suas sociedades por linhas seculares por, idealmente, meios ainda mais democráticos e substituir pelo nacionalismo a humildade colonial e o tradicionalismo islâmico. Tais movimentos foram algumas vezes chamados Nasseristas, depois do presidente Gamal Abdul Nasser do Egito. Ele lutou contra a Irmandade Muçulmana a maior parte de sua vida política. O espaço Nasserista foi se encolhendo nas três décadas após sua morte.”

O herdeiro de Nasser, Anwar Sadat, e a classe dominante egípcia como um todo, decidiu se mover num caminho diretamente oposto de seu patrão e predecessor. Conscientemente, ele fomentou o crescimento do Islã, como contrapeso ao nacionalismo e à esquerda, e também procurou abraçar o imperialismo dos EUA. O regime egípcio é sustentado com $3 bilhões de subsídios dos EUA todo ano. As ações de Sadat rebateram nele da forma mais mortal; ele pereceu nas mãos dos mesmos fundamentalistas que ajudou a fomentar, por causa de seu acordo com Israel.

Israel fomenta grupos islâmicos

Em maior ou menor extensão as elites árabes seguiram os passos de Sadat em nutrir seu próprio tipo nativo de fundamentalismo islâmico, exemplificado no financiamento (com petrodólares) de cerca de 7.500 escolas religiosas no Paquistão, Índia e no Mundo Árabe. Estas escolas ensinam a mais retrógrada e isolacionista interpretação do Corão e do Islã e foram as bases das quais o Taliban se espalhou para causar tais estragos nas vidas do povo afegão, que resultou na catástrofe presente. Até o ditatorial regime de Pervaiz Musharraf, depois de testemunhar os deletérios efeitos das madrassahs obscurantistas dominadas pelos mullahs, fez barulho sobre a necessidade de deduzi-las. Mehio comenta: “O sistema regional [no mundo árabe] que Washington nutriu durante a Guerra Fria para deixa-lo à sua própria sorte depois de 1989, tem sido visto voltando como uma onda de mísseis humanos e raiva suicida dirigida contra os próprios Estados Unidos.”

Contudo, não foi apenas os EUA mas seu próprio agente local no Oriente Médio, a classe dominante israelense, que também fomentou grupos islâmicos, como o Hamas e a Jihad Islâmica, como contrapesos ao que era percebido nos anos 70 e 80 como as organizações palestinas seculares mais radicais, como a Fatah ou a PFLP. Robert Fisk sublinhou este ponto quando escreveu no The Independent: “Hamas, o principal alvo da ‘guerra ao terror’ de Sharon, foi originalmente patrocinado por Israel. Nos anos 80, quando o sr. Arafat era o ‘super-terrorista’ e o Hamas era uma pequena e agradável instituição muçulmana de caridade, embora venenosa em sua oposição a Israel, o governo israelense encorajou seus membros a construir mesquitas em Gaza. Algum gênio no exército israelense decidiu que não havia melhor meio de minar as ambições nacionalistas da OLP nos territórios ocupados do que promover o Islã.

“Mesmo depois do acordo de Oslo, durante uma desavença com o sr. Arafat, altos oficiais do exército israelense anunciaram publicamente que estavam conversando com funcionários do Hamas. E quando Israel ilegalmente deportou centenas de homens do Hamas para o Líbano em 1992, foi um de seus líderes, escutando que eu viajava para Israel, que ofereceu-me o telefone da casa de Shimon Peres de sua agenda” [5 de dezembro de 2001].

O Hamas e a Jihad Islâmica na Cisjordânia e Gaza tem uma pronunciada opinião política de direita. Eles são muito diferentes dos militantes islâmicos que combateram o Xá do Irã e que existiam no período imediato após a revolução iraniana. O mesmo vale para o grosso das organizações políticas islâmicas pelo Oriente Médio – no Egito, Argélia, Jordânia e, acima de tudo, Arábia Saudita. O crescimento do ‘islã político’ de direita nestes e outros países árabes é devido, pelas razões descritas acima, à falência de outros modelos, mas é também um resultado direto do envolvimento de estimados 30.000 árabes que lutaram com os mujaheddin na luta contra as forças soviéticas no Afeganistão entre 1983-89.

Muitos destes acreditavam que seu apoio para os mujaheddin era crucial em criar um movimento que culminasse na derrota do ‘comunismo’ e a humilhação de um ‘superpoder’, a União Soviética. Muitos estrategistas americanos da Guerra Fria reforçaram esta idéia e estão agora pagando o preço nas atividades da al-Qa’ida contra todos os aspectos e símbolos do poder dos EUA. Contudo, não foram os mujaheddin ou os 30.000 árabes que lutaram com eles que levou à derrota da União Soviética no Afeganistão.

Foi o resultado da atrofia, do lento declínio, da ‘União Soviética’. A tendência nos anos 70 e 80 era da economia planificada se desintegrar sob a obsoleta direção burocrática stalinista. Contudo, o apoio do imperialismo mundial, especialmente dos EUA, foi o fator militar crucial. Foi facilitado pelos massivos carregamentos aéreos de armamento, fornecidos pelos EUA e financiados por $2 bilhões dos fundos sauditas e americanos. Aos lutadores árabes também foram oferecidos descontos nas linhas aéreas saudistas na rota Riad-Peshawar.

Esta ‘legião estrangeira’ árabe não tinha nada em comum, em sua composição social e ideologia, com a Brigada Internacional que lutou do lado dos republicanos na Espanha durante os anos 30. Um expert na al-Qa’ida comentou no Financial Times: “Alguns foram [para o Afeganistão] com a intenção de ficar um mês. Muitos sauditas vieram para suas férias. Se você passasse algum tempo com uma prostituta em Bangkok, poderia vir lutar na jihad e se purificar.”

As origens sociais do grupo dirigente que formou a al-Qa’ida são cruciais por causa do papel que jogou em sustentar e organizar o Taliban. Por sua vez isso é importante devido a idéia errada, perpetuada por alguns da esquerda, que de algum modo o Taliban e a al-Qa’ida refletem a luta de libertação nacional do povo afegão e dos povos árabes.

Mas, como foi bem documentado, bin Laden veio de uma rica família Saudita/iemenita. Ele herdou $300 milhões com a idade de dez – com a morte de seu pai – assim como uma parte de $36 bilhões dos negócios da família, o grupo saudita bin Yadin. Algo da sua fortuna pessoal foi usada na guerra contra a União Soviética para financiar os lutadores árabes. Junto a isso, as organizações islâmicas ligadas à bin Laden podem hoje contar com fundos estimados entre $5-16 bilhões. O Financial Times comentou: “Muito disso foi doado, especialmente dos sauditas e do Kuwait, uma fonte de milhões por mês.”

Este dinheiro não vem dos estratos mais oprimidos do mundo árabe mas da elite islâmica. De novo, o Financial Times comenta: “Um monte deste dinheiro vem de comerciantes sauditas descontentes.” Um antigo banqueiro do golfo, Jean-François Cesnec, um expert em política e finanças árabes, também pontuou: “Uma ‘mula’ atrairá mercadores solidários em Jeddah, coletando $5.000 de cada. Eles nunca dão mais de $5.000 por vez, já que se vai vê-los regularmente.”
Al-Qa’ida – não é um genuíno movimento de libertação nacional
Isso é parte de um requisito sob o islã para muçulmanos ricos, o da zakkat – doações beneficentes calculados em 2% da renda pessoal – que é feito para ‘boas causas’. Isso tem redundado em benefício para bin Laden. E não são apenas ricos sauditas ou iemenitas que forma o grupo dirigente da al-Qa’ida, mas tipos similares levados a suas fileiras de movimentos islâmicos nacionalistas no mundo árabe e outros lugares. Deste modo Ayman al-Zawahari er um cirurgião de uma rica família egípcia em Alexandria. Ele lutou no Afeganistão e se tornou líder da Jihad, o grupo islâmico egípcio que foi responsável pelo assassinato de Anwar Sadat em 1981.

Depois da derrota da União Soviética no Afeganistão, muitos dos árabes vitoriosos voltaram ao Oriente Médio e África do Norte, onde foram saudados como ‘heróis Islâmicos’. Isso por sua vez levou ao crescimento de organizações islâmicas de caráter direitista, como a Frente Islâmica de Salvação (FIS) e o Grupo Islâmico Armado (GIA) na Argélia, assim como o Grupo Islâmico e a Jihad no Egito. Seu fogo era agora dirigido contra seus próprios governos, os ‘companheiros de cama ateus dos supremos inimigos, os EUA e Israel, os cruzados e os judeus’. Contudo, uma política repressiva impiedosa foi perseguida por estes regimes e, especialmente, pelo exército e seus serviços secretos, tipificada pela brutal guerra civil na Argélia, que resultou em mais de 100 mil pessoas sendo assassinadas.

Estes fatos sublinham as conclusões feitas em declarações anteriores do CIO de que Bin Laden e a al-Qa’ida não representam um genuíno movimento de libertação nacional, mesmo de um modo distorcido e mutilado. Eles são da elite rica e semifeudal na Arábia Saudita e do mundo árabe e seu ‘programa’, se eles têm algum, significa voltar a roda da história para o século 7. Sua marca obscurantista particular do Islã, o Salifismo (também conhecido como Wahabismo), que se desenvolveu no século 18, vê como ‘infiéis’ todos os que não compartilhem de sua estreita definição do islã, incluindo outros muçulmanos. Estes são, portanto, candidatos a ‘eliminação’.

Um dos primeiros mentores de bin Laden foi o palestino Abdul Assam, que via o Afeganistão como o vórtice do islã militante. Era uma obrigação, de acordo com ele, que cada muçulmano devesse lutar lá. Mas este era apenas o primeiro passo: “A Jihad irá permanecer como uma obrigação individual até que todas as outras terras que foram muçulmanas retornem a nós, logo que o islã reine de novo; antes que nós descansemos na Palestina, Bukhara, Líbano, Chade, Eritréia, Somália, as Filipinas, Birmânia, Iêmen do Sul, Tashkent e Andaluzia.” Como Justin Marozzi comenta: “Não importa se as pessoas destes países querem de fato um retorno do islã. Porque consultar quando Alá está do seu lado?”

Esta filosofia messiânica, quase pré-medieval, está no coração de bin Ladism e da al-Qa’ida. Em último caso, é claro, bin Laden é uma expressão da opressão do mundo árabe nas mãos do imperialismo, que até mesmo afeta, psicologicamente pelo menos, pessoas das camadas privilegiadas. Mas seu movimento não é um verdadeiro movimento burguês de libertação nacional.

Em certo sentido seus ideais e receitas para o ‘futuro’ são um retorno às formas pré-capitalistas de sociedade. Sua oposição à Casa de Saud, membros destacados da seita islâmica Wahhabi, e sua determinação de derrubar o regime saudita tem o objetivo de substituir o atual regime saudita teocrático ‘fundamentalista’ com um ainda mais ‘fundamentalista’.

Quando as forças de Saddam Hussein invadiram o Kuwait, por exemplo, em 1990 bin Laden ofereceu seus militantes armados para a família real saudita para defender o reino se o Iraque invadisse sua ‘terra natal’. Ao invés disso, tropas estrangeiras – americanas em sua maioria – foram estacionadas no ‘solo sagrado do islã’, que contêm as cidades sagradas de Meca e Medina. O regime saudita patrocinou bin Laden nos mais altos níveis de ajuda militar e especialmente de inteligência, mas seu movimento inevitavelmente se virou contra eles: “A política saudita de realpolitik pretendia escorar a legitimidade do reino com a consolidação de grupos militantes islâmicos. Desde que estas mesmas organizações estão dedicadas à derrubada da família real saudita, que eles consideram culpada de apostasia, esta tem sido uma política tão vazia quanto o governo que a abraçou. Quanto tempo antes da turba derrubar os portões do palácio em Riad e além.” [Financial Times, 17 de novembro de 2001]

Islã ‘político’ de direita

A oposição do CIO às idéias do ‘islã político’ de direita, e especialmente a variante do bin Ladismo, é absolutamente clara. Contudo, isso por si mesmo não resolve o problema de como alcançar e convencer trabalhadores que estão atualmente sob a bandeira do islã. Muitos destes trabalhadores em áreas chaves do mundo árabe ou no Paquistão, Indonésia e as Filipinas são atraídos para o ‘fundamentalismo’ islâmico. Mesmo a derrota e morte de bin Laden, ou a capitulação ignominiosa do Taliban, não irá diminuir automaticamente ou imediatamente a atração das idéias islâmicas sobre grandes setores das massas e, especialmente, sobre a juventude assolada pela pobreza.

No sul da Ásia, lar de 40% dos 1-1.2 bilhões de muçulmanos no mundo, milhões de jovens estudantes estão absorvendo os ensinamentos que ajudaram a dar ascensão ao Taliban no começo dos anos 90. Realmente, o número de madrassahs no Paquistão, que abasteceram ideologicamente o movimento Taliban, é superado em muito pelas mais 15 mil madrassahs – de apenas 9 mil nos anos 60 – espalhadas pelo mundo.

Contudo, ao abordar as massas influenciadas por estas idéias, como em todas as questões, os socialistas e marxistas precisam evitar as armadilhas do oportunismo ou ultra-esquerdismo. Nossa abordagem, seguindo a de Lênin e Trotsky, não é atacar o islã ou outras religiões em nosso trabalho diário de um ponto de vista filosófico, mas apontar para as contradições de classe nas ‘sociedades muçulmanas’. Um quadro das divisões de classe na sociedade pode ser tirado do Corão, tanto como da Bíblia.

De outro lado, devemos evitar uma adaptação oportunista aos ‘líderes’ islâmicos, especialmente os auto-intitulados ‘líderes comunitários’ em muitos países no mundo industrializado e nas ‘sociedades muçulmanas’, que são quase sempre vêm das camadas privilegiadas, mercadores, a classe média e elementos burgueses. Também nos opomos a aspectos e interpretações do islã que mantêm e justificam a opressão desumana e subordinação das mulheres aos homens, mesmo se isso nos leva a um confronto com muçulmanos comuns, assim como líderes islâmicos.

Guerra e a esquerda revolucionária

Esta certamente não é a abordagem do britânico Socialist Workers Party (SWP). Por exemplo, no movimento antiguerra na Grã-Bretanha, por medo de enfrentar alguns dos preconceitos da população muçulmana, incluindo simpatia para as idéias ‘fundamentalistas’, eles inicialmente e erradamente se recusaram a condenar o ataque às Torres Gêmeas. Eles tentaram justificar isso com argumentos como: “O resto da esquerda tem um entendimento antidialética da religião na prática [que] está resultando na condescendência com a islamofobia, eles estão mais fixados no ‘fundamentalismo islâmico’ do que o imperialismo dos EUA.” [boletim pré-congressual do SWP, 2001, p5]

Na realidade, o SWP tem procurado oportunistamente se adaptar à consciência existente dos trabalhadores na Grã-Bretanha e outros lugares que estão sob o domínio das idéias islâmicas. Eles dizem o seguinte no mesmo boletim: “Ele [Islã] pode ser uma força motivadora para as massas para lutar contra o imperialismo e a pobreza.” Esta afirmação é completamente inábil, sem qualquer evidência para mostrar quando e como as organizações islâmicas preenchem as tarefas ‘anti-imperialistas’ dadas a elas pelo SWP. Querem dizer que as diferentes organizações e partidos islâmicos no Oriente Médio, ou o Taliban, efetivamente combatem o imperialismo? Eles pensam que os métodos empregados pelas organizações islâmicas palestinas, Hamas ou Jihad, são efetivos na luta contra o imperialismo?

O SWP e o Islã

No passado, o SWP, em muitas ocasiões, saudou acritícamente organizações que usaram os métodos do terrorismo, como o IRA na Irlanda do Norte. Hoje, por exemplo, eles apóiam e reportam acritícamente os métodos de terrorismo suicida usados contra os israelenses dentro de Israel. Entendemos que as horrendas condições sociais nas áreas palestinas, pioradas enormemente nos últimos anos e especialmente desde o 11 de setembro (agora reforçadas pela ocupação israelense), têm produzido um sentimento de absoluto desespero entre grandes setores da juventude. Isso é aumentado pela posição de Yasser Arafat e da Autoridade Palestina. Eles estão preparados paar curvar o pescoço ao imperialismo e prendem lutadores islâmicos enquanto Israel despeja o inferno nas cidades da Cisjordânia e Gaza. Ao mesmo tempo, o Hamas, que começou como uma organização de caridade, tem emergido quase como uma administração paralela à AP, fornecendo a mais completa rede de seguro social na Cisjordânia e Gaza. O sentimento de vingança contra os crimes de Israel, junto com o descrédito da AP, tem levado a um rápido aumento no apoio ao Hamas e outros grupos islâmicos para estimados 27% no final de 2001, enquanto o apoio para a Fatah e Arafat diminui.

Isso é um dado para entender porque setores da juventude são levados a empregar métodos terroristas, que eles vêm como uma parte legitima da resistência contra a ocupação de Israel das terras árabes. É inteiramente diferente para os marxistas dar apoio, por omissão assim como por encargo, a tais métodos. De um modo sensível, é necessário explicar aos jovens atraídos para este curso de ação que ele faz o jogo da classe dominante israelense. Lança setores da população israelense nos braços de seus piores inimigos, a burguesia israelense. Isto é usado para introduzir mais repressão e o resultado é mais, quase sem fim, ciclos de violência nos quais a classe trabalhadora de ambos os lados, e especialmente os palestinos, pagam o preço principal.

O minúsculo grupo Workers Power também cometeu asneiras no curso da guerra, assim como um remanescente dos morenistas, a LIT na América Latina. Na verdade, seus erros são de um tipo mais grotesco do que os do SWP. Basicamente envolvem dar ‘apoio critico’ ao Taliban na guerra. Por exemplo, o seguinte conselho que o Workers Power deu ao movimento trabalhista mundial em meados da guerra: “Sem dar uma gota de apoio ao arqui-reacionário governo do Taliban no Afeganistão ou ao movimento de Osama bin Laden, nos chamamos e apoiamos uma ação unida de todas as forças afegãs – incluindo as forças islâmicas – para repelir o assalto imperialista.” [Stop Bush and Blair’s Bloody War! Defend Afghanistan! Defeat Imperialism]

Seu ‘conselho’ não foi registrado na tela do radar do movimento trabalhista mundial, mas confundiu alguns poucos jovens. Eles não dão “uma gota de apoio” ao Taliban, mas chamam os trabalhadores e camponeses no Afeganistão a se engajarem numa “ação unida” com eles. Por que não apoiar também, sob o título de “forças islâmicas”, a Aliança do Norte, que está separada apenas por um degrau do Taliban, como nós vimos subseqüentemente após a sua vitória. Qual é a força progressista aqui? Meramente colocar a questão mostra o quanto é absurda a abordagem destes grupos. Ambas são forças reacionárias. O Taliban deseja forçar as massas afegãs de volta ao passado. A Aliança do Norte são as tropas de campo que o imperialismo usou em sua investida contra o Taliban.

Mas a LIT também declara: “De nosso ponto de vista, neste confronto [a guerra afegã] o ‘bárbaro’ Taliban representa o progresso precisamente porque ele desafia a barbárie imperialista. Se o imperialismo ganhar esta guerra, ele se sentirá livre para colonizar o mundo.” [carta da LIT criticando o Partido Trabalhista do Paquistão sobre a guerra afegã.]

Mas, para falar a verdade, a Aliança do Norte, na questão das mulheres, por exemplo, em palavras pelo menos, é mais ‘progressista’ que o Taliban. Porque não apoiar então estes ‘bárbaros’ também? O humor inconsciente da LIT é mostrado quando declara: “Esta não é uma simples discussão [táticas na guerra], mas não é fácil enfrentar os fundamentalistas diariamente, sabendo que eles em várias oportunidades… resolvem seus conflitos com a oposição com o simples recurso do assassinato dos oponentes. Este fato, contudo, não pode se tornar um obstáculo no caminho das políticas e análises marxistas.”

Em outras palavras, qualquer tentativa de se unir ‘militarmente’, como sugerido pela LIT, com o Taliban resultaria no massacre de qualquer força de esquerda, quanto mais trotsquista ou marxista, que tentasse perseguir esta tática. E isso não é um acidente porque, como argumentamos acima, nem o Taliban nem bin Laden são genuínos lutadores pela libertação nacional. Nem são antiimperialista, como a mudança da massa das forças do Taliban mostrou, de oposição ao apoio à Aliança do Norte, e portanto, também se tornando os ‘procuradores’ do imperialismo. O Taliban, a al-Qa’ida e a Aliança do Norte são forças contra-revolucionárias que os marxistas devem se opor completamente.

Marxismo e o Taliban

A LIT, o Workers Power e muitos outros na esquerda revolucionária argumentam que se o Taliban ganhasse isso teria enfraquecido o imperialismo e encorajado enormemente os povos no mundo neocolonial e semicolonial, acima de tudo no Oriente Médio. Esta é também a razão por trás da atitude do SWP. Este, de fato se opôs a qualquer crítica aos realizadores dos ataques às Torres Gêmeas. Foram obrigados a abandonar isso por causa da pressão daqueles, como o CIO, dentro do movimento antiguerra na Grã-Bretanha. Seu método de raciocínio não é uma abordagem marxista, que toma os fenômenos e eventos e os analisa de todos os lados.

Eles nem mesmo colocaram a questão se o Taliban poderia ter ganhado militarmente a guerra. A luta desde o início era uma contenda desigual. Poderia haver apenas um resultado da guerra, a vitória militar do imperialismo dos EUA e seus aliados. A Guerra do Vietnã era inteiramente diferente. Esta era uma guerra por libertação nacional e social, que significou que um país com uma pequena população derrotou o maior poder militar do globo. Contudo, o que não poderia ser predeterminado era qual caráter a guerra afegã poderia assumir, o grau de resistência das massas do Afeganistão, o quão longa e sangrenta seria e qual o efeito que teria na opinião pública mundial.

Mas no evento improvável de uma vitória do Taliban, isto teria sido uma vitória para a classe trabalhadora mundial e camponeses pobres? Pelo contrário, teria enormemente fortalecido as idéias religiosas retrógradas e teocráticas, o que teria mantido o Afeganistão, e outros que seguiriam seus passos, sob a dominação do islã político de direita.

Mesmo no Irã, onde as idéias islâmicas inicialmente tomaram uma cor de esquerda ou radical na luta contra o Xá e no primeiro período da revolução iraniana, a posição do Partido Comunista do Irã, o Tudeh, sob a influência das idéias stalinistas, representou um triste exemplo do apoio precisamente ‘critico’ para as forças do ‘bárbaro’ Khomeini. As conseqüências foram absolutamente desastrosas para a revolução iraniana. Nenhum alerta foi dado à esquerda e à classe trabalhadora pelos stalinistas sobre a arraigada hostilidade de Khomeini e seu movimento à eles. No Irã foi correto participar no movimento de massas ao lado de todos os tipos de forças islâmicas radicais, mas sem dar uma sombra de apoio aos líderes deste movimento, como Khomeini. Não havia nenhum movimento parecido no Afeganistão. As pequenas forças de esquerda que existiam desdenharam a idéia de que deviam lutar ao lado do Taliban.

No dia seguinte à derrubada do Xá, a supressão da esquerda começou no Irã, levando ao enforcamento do líder do Tudeh e o subseqüente massacre de muitos dos melhores militantes do Partido Comunista Iraniano e outros da esquerda. Sem dúvida o Workers’ Power e a LIT podem objetar que, diferente do Tudeh, eles são críticos ao Taliban e bin Laden. Contudo, não há justificação, dado o contexto em que estas forças agiam e o caráter do movimento descrito acima, dar até mesmo ‘apoio crítico’ a estes movimentos.

Conflitos anteriores

Trotsky sobre a Etiópia e Brasil

Na tentativa de justificar sua falsa posição eles citam alguns comentários fragmentários de Trotsky sobre o conflito italiano/Etíope em 1935. Fazem isso sem explicar o contexto histórico inteiramente diferente no qual esta luta ocorreu. Além disso, eles são incapazes de entender a atitude diferente das massas na época daquele conflito e a visão inteiramente diferente sobre o Taliban e bin Laden. Não iremos patinar ou ignorar o que Trotsky disse nos anos 30. Daremos toda a citação do que ele disse sobre a Etiópia e também seus comentários sobre o Brasil em 1938.

Sobre a Etiópia Trotsky escreveu: “Muito pouca atenção tem sido dada ao conflito Ítalo-Etíope por nossas seções, especialmente pela francesa.Esta questão é altamente importante, primeiro por si mesmo, e segundo do ponto de vista do giro do Comintern. É claro que nós somos pela derrota da Itália e a vitória da Etiópia, e portanto precisamos fazer todo o possível para atrapalhar por todos os meios possíveis o apoio ao imperialismo italiano pelas outras potências imperialistas, e ao mesmo tempo facilitar a entrega de armamentos, etc, à Etiópia o melhor que pudermos. Contudo, queremos enfatizar que esta luta é dirigida não contra o fascismo, mas contra o imperialismo. Quanto guerra está envolvida, para nós não é uma questão de quem é ‘melhor’, Negus ou Mussolini; pelo contrário, é uma questão da relação de classes e a luta de uma nação subdesenvolvida por independência contra o imperialismo. Os camaradas italianos podem nos dar um pequeno sumário histórico indicando o quanto a derrota de Crispi teve um efeito positivo nos desenvolvimentos futuros da Itália.” [The Italo-Ethiopian Conflict in Writings of Leon Trotsky (1935-36)]

Sobre o Brasil ele escreveu: “No Brasil reina agora um regime semifascista que todo revolucionário pode apenas olhar com ódio. Deixe-me supor, contudo, que amanhã a Inglaterra entre em conflito militar com o Brasil. Pergunto a você de que lado do conflito a classe trabalhadora deve estar? Respondo por mim pessoalmente – neste caso estarei do lado do Brasil ‘fascista’ contra a Grã-Bretanha ‘democrática’. Por quê? Porque o conflito entre eles não será uma questão de democracia ou fascismo. Se a Inglaterra for vitoriosa, ela irá colocar outro fascista no Rio de Janeiro e irá por duplas correntes sobre o Brasil. Se o Brasil, pelo contrário, for vitorioso, isto dará um poderoso impulso à consciência nacional e democrática do país e levará à derrubada da ditadura de Vargas. A derrota da Inglaterra irá ao mesmo tempo desferir um golpe no imperialismo britânico e dará um impulso ao movimento revolucionário do proletariado britânico.” [Anti-Imperialist Struggle is Key to Liberation, in Writings of Leon Trotsky (1938-39).]

A clara implicação das palavras de Trotsky, contidas numa entrevista com ele em 1938 e não em um artigo dele, era que no evento de um ataque armado ao atrasado e semi-colonial Brasil pelo imperialismo britânico ele estaria do lado do primeiro e não do último. Ele apoiaria o povo do povo do Brasil contra o ataque imperialista a eles e seu território, apesar do regime político. Este é o significado das palavras de Trotsky. A guerra das Malvinas/ Falklands era diferente e muito mais complexa. Se, na guerra das Malvinas/Falklands, um ataque à Argentina tivesse sido feito pelo imperialismo britânico, nas linhas sugeridas por Trotsky em seu artigo sobre o Brasil, todos os marxistas teriam se oposto a isso. Estaríamos do lado da ‘Argentina’, do povo, não do lado do odiado regime Galtieri, contra o imperialismo britânico.

Mas a presença de 2000 ilhéus das Falkland, e não argentinos, fez este conflito muito mais complexo do que a situação hipotética esboçada por Trotsky sobre o Brasil. Seus direitos democráticos tinham que ser levados em consideração pelos marxistas.Nos opomos à guerra mas não podíamos dar uma carta branca de apoio à invasão do regime de Galtieri.

As Malvinas e o CIO

E mais, esta citação de Trotsky sobre o Brasil foi usada erradamente pela LIT, para justificar sua adaptação oportunista à ditadura Argentina de Galtieri na guerra de 1982 com a Grã-Bretanha sobre as Malvinas/Falklands. Nos opomos ao imperialismo britânico nesta guerra e a enviada da “força tarefa britânica”. Os genuínos marxistas na Argentina ou na América Latina como um todo também tinham que se opor à ditadura de Galtieri na condução da Argentina para a guerra sobre as Malvinas/Falklands em 1982, como nos opomos à preparação de guerra de Thatcher na Grã-Bretanha. Contudo, uma vez tendo começado a guerra, os marxistas Argentina deveriam ir para o exército se chamados, ao mesmo tempo advogando um programa revolucionário. Eles teriam exigido a expropriação dos investimentos britânicos. Mas porque parar aqui? Todos os bens imperialistas deveriam ser nacionalizados, o que por sua vez poria a necessidade do estado encampar o capital argentino. Nenhum átomo de apoio – ‘critico’ ou qualquer outro – deveria ser dado à ditadura Galtieri, o que a LIT infelizmente fez. De fato, uma guerra revolucionária contra os britânicos deveria ser advogada por verdadeiros marxistas argentinos.

Este era o programa advogado por nós na época do conflito das Malvinas/Falklands. Este não era um conflito clássico entre uma potência imperialista e ‘colônia’ na qual os marxistas eram chamados a dar apoio ‘critico’ ao último. A Argentina era um país capitalista relativamente desenvolvido. Não era uma regime feudal ou semifeudal no qual uma revolução democrático-burguesa precisa ser completada (fora libertar a Argentina do vício econômico do imperialismo dos imperialismo dos EUA, que é uma tarefa socialista). Era por si mesma ‘imperialista’ com outros países da América Latina – exportando capital e explorando-os – ao mesmo tempo sendo ‘explorada’ pelas maiores potências imperialistas. Além disso, tinha uma estrutura capitalista mais desenvolvida do que a Rússia pré-1917, por exemplo.

Esta, de acordo com Lênin e Trotsky, era tanto uma ‘semicolônia’ do imperialismo anglo-francês e, ao mesmo tempo, um opressor ‘imperialista’ de 57% da população do império czarista que eram não-russos. Lênin e os bolcheviques nunca apoiaram a Rússia, uma ‘semicolônia’, na guerra contra o Japão em 1905, por exemplo, ou o imperialismo alemão na Primeira Guerra Mundial.

É verdade que o passado de superexploração da América Latina pelo imperialismo britânico e então pelo imperialismo dos EUA tem intensificado a sensibilidade entre as massas sobre qualquer incursão de fora, especialmente intervenção militar direta. Foi o caso do conflito das Malvinas/Falklands, com esmagadora oposição da América do Sul ao envio da ‘força tarefa’ militar britânica à região. Os marxistas latino-americanos, e especialmente os argentinos, eram obrigados a levar isso em consideração, ser sensíveis ao sentimento em sua abordagem, propaganda, demandas apresentadas, etc. Mas isso não envolveria apoiar a guerra que era uma aventura da ditadura Galtieri numa tentativa desesperada mais fútil de evitar sua derrubada por meio de um ataque militar vitorioso às Malvinas/Falklands. A abordagem da LIT era se curvar à pressão do nacionalismo argentino e apoiar a guerra do regime de Galtieri, embora ‘criticamente’.

Eles confessaram livremente que, nesta época: “Nossa tendência internacional publicou a declaração intitulada No Campo Militar da Ditadura que, entre outras coisas diz: ‘De acordo com a tradição Leninista/Trotsquista que apóia o nacionalismo dos países oprimidos, não importa seu regime e governos, contra o imperialismo, a Liga Internacional dos Trabalhadores – 4ª Internacional – proclama que devemos lutar, se necessário, no campo de batalha do governo argentino. Mas isso não era uma mera declaração. Nossos militantes, correndo o risco de serem mortos pela ditadura (mais de 100 de nossos camaradas foram realmente mortos) saíram para organizar um grande movimento anti-imperialista enquanto nossos camaradas que estavam na prisão na época, de suas celas exigiram serem soltos para que pudessem ir para as Falklands e ali lutarem juntos contra o exército opressor.” (Carta da LIT ao Partido Trabalhista do Paquistão sobre a questão do Afeganistão).

Era errado para a LIT se colocar no campo da ditadura e se alinhar com as políticas da junta argentina nesta guerra. Mesmo se fosse feita uma decisão para se unir na guerra contra o imperialismo britânico sobre a questão das Malvinas – o que era compreensível no contexto argentino – não obstante, isso deveria ser feito inteiramente independente, e não como parte da odiada ditadura de Galtieri.

Os comentários de Trotsky sobre o Brasil eram obviamente no contexto de um hipotético ataque sendo feito, uma invasão de fato, do imperialismo britânico ao território brasileiro. Não era este o caso, nós repetimos, na guerra das Falklands/Malvinas. Não era um ataque ao território argentino. Além disso, os 2 Falklandeses queriam permanecer sob governo britânico. Se aplicou o direito de auto-determinação aos ilhéus, apesar do seu pequeno número. Era correto sugerir, não apenas para os trabalhadores brasileiros mas para os trabalhadores mundialmente, apoio ao imperialismo britânico e ‘apoio’ ao Brasil, o povo brasileiro, neste conflito. De nenhum modo Trotsky estava delineando aqui um programa claro, e especialmente demandas agitacionais, mas a ampla oposição que seria adotada pelos revolucionários. Lidamos com a guerra das Malvinas/Falklands acima (veja também A Ascensão do Militant [traduzido e em estágio de revisão para o português] e nosso material na época do conflito de 1983) e não é possível repetir todos os argumentos sobre esta questão aqui.

Mas uma coisa era absolutamente clara, nós não adotamos uma posição ‘neutra’,como sugerido pela LIT, mas nos opomos à guerra. Nos opomos ao Thatcher mas, ao mesmo tempo, uma vez a guerra ocorrendo, levantamos demandas democráticas para as fileiras do exército e um programa radical a ser adotado por setores da classe trabalhadora e juventude que estariam envolvidos na eventualidade de um conflito prolongado.

De outro lado, não apoiamos a ditadura militar argentina, como a LIT fez. Seu apoio à Galtieri nas Malvinas se enquadrava com sua falsa teoria dos ‘enclaves’. Isso significa que as Malvinas/Falklands, com uma pequena população de 2 mil pessoas, em sua maioria britânicos, junto com Israel, Irlanda do Norte, etc, eram meros ‘postos avançados’ e ‘enclaves’ do imperialismo – relíquias do passado – e deveriam ser dissolvidos. Por esta lógica, a Irlanda do Norte deveria retornar ao sul da Irlanda em uma ‘Irlanda unida’ contra os desejos da população lealista se necessário. O estado de Israel deveria ser desmantelado e em seu lugar uma nova Palestina deveria ser construída e, por meios militares, os 2 mil ilhéus das Falkland deveriam ser expulsos pela ditadura Galtieri deste ‘enclave’ imperialista.

A Questão Nacional

Esta idéia falsa e abstrata, que é inteiramente alheia à realidade objetiva que existe hoje, levará – e, infelizmente no caso da LIT, levou – as forças do trotsquismo para um pântano teórico. Eles invariavelmente limitam suas demandas sobre a questão nacional à ‘independência’, nunca colocando isso num contexto socialista. A única conclusão que pode ser retirado das posições da LIT é que elas são baseadas numa concepção geográfica e, além disso, está muito próxima da ‘posição por etapas’ sobre a questão nacional. De acordo com sua abordagem, é o pedaço de território, que pode numa etapa ter ‘pertencido’ a um estado particular, que é decisivo.

Isso apesar da consciência da população que pode ser herdeira de tal território e rejeitar implacavelmente, por razões históricas, sociais, nacionais e até psicológicas, retornar ao jugo de tal estado. Isso seria particularmente o caso de um dominado por ditadores militares sedentos de sangue que massacraram 30 mil de seus próprios cidadãos numa ‘guerra suja’ contra a esquerda e a classe trabalhadora, com a Junta Argentina.

De fato, a questão da consciência da população, seja de Israel, Irlanda do Norte ou a consciência dos ‘colonos’ das Malvinas/Falklands, sem falar da consciência mundial do proletariado, é de importância secundária para esta organização. Nós, de outro lado, consideramos o território, a cultura, história e língua, e acima de tudo a consciência de qualquer nação, ou de agrupamentos que aspiram ser uma nação, etc. Um estudo de Lênin e Trotsky sobre a questão nacional mostra o quanto eles analisaram cuidadosamente a consciência das populações de um território particular e além disso, o caminho da mudança de consciência sob diferentes circunstâncias históricas.

Por exemplo, Trotsky e aqueles que o seguiram, no inicio voltaram suas faces contra a criação de um estado judeu no Oriente Médio, com Trotsky corretamente descrevendo isso como uma ‘armadilha sangrenta’ para a perseguida população judaica pelo mundo. O quão apta está esta frase agora no contexto de ciclo homicida de carnificina mútua que ocorre entre os israelenses e palestinos hoje? Mas o desenvolvimento com o tempo da consciência da população assentada em Israel, especificamente uma consciência nacional, a evolução de uma nova nação 1948, mudou fundamentalmente a situação. Não apenas a OLP, mas bin Laden em sua primeira aparição em vídeo implicitamente aceitou o fato de um estado judeu.

A ironia é que as organizações sectárias – a autoproclamada ‘vanguarda da vanguarda’ – são que rejeitam a existência deste estado e a consciência nacional que vem junto, ao invés dos próprios palestinos. Elas conseqüentemente exigem que ele seja substituído por um estado palestino secular com direitos democráticos para os israelenses. Enfrentando a realidade ‘no chão’, algo que estas organizações de ultra-esquerda falham em fazer, os líderes palestinos abandonaram sua abordagem anterior. Isso não porque eles se adaptaram oportunistamente à situação e ao poder do imperialismo, mas porque isso é inalcançável agora, e especialmente em bases burguesas, dado a resistência da população israelense e a massiva assistência financeira e militar do próprio imperialismo que sublinha isso.

Dois estados

Em outras palavras, a LIT e outros continuam com as idéias descartadas da direção palestina de ontem que não se aplicam à realidade atual. Eles efetivamente propõem que a população israelense aceite que deva estar de acordo com a liquidação de ‘seu próprio estado’. Desnecessário dizer, a população israelense irá lutar com unhas e dentes contra tal proposta, como fizeram quando era a política das próprias organizações e líderes palestinos. A solução do CIO de ‘dois estados’, um estado israelense e outro palestino dentro do contexto de uma federação socialista da região, é o único modo de abordar as massas palestinas e israelenses, que procura satisfazer suas aspirações nacionais e cimentar uma aliança da classe trabalhadora e dos pobres da região.

O contra-argumento a este, posto até mesmo por alguns camaradas de mente mais aberta vindos da tradição da LIT em discussões com o CIO, é que este é um programa para o ‘futuro’. É exatamente o oposto. O único modo de abordar as massas israelenses e palestinas hoje é apresentar um programa sobre a questão nacional que comece a satisfazer as aspirações nacionais. A proposta de um ‘estado palestino com garantias democráticas para os israelenses’ será completamente rejeitada pela massa da população de Israel. Este é até mesmo o caso quando um novo estado e uma nova consciência nacional foram criados, como é o caso de Israel, embora sobre as bases de uma violação flagrante e repressão aos direitos dos palestinos 50 anos atrás e desde então. De outro lado, propor aos palestinos que eles aceitem um status minoritário dentro de um ‘democrático Israel’ é igualmente inaceitável para eles.

A idéia de uma Palestina separada é agora apoiada pela massa da população na Cisjordânia, Gaza e, provavelmente, pela Diáspora palestina também. Nas bases do capitalismo, contudo, é impossível isso ser criado completamente, como explicamos em nossos materiais anteriores. Então nosso programa, longe de ser ‘para o futuro’, como alguns de nossos críticos argumentam, é para o aqui e agora.

Paradoxalmente, a idéia da solução de ‘dois estado’ pode não ser percebida para o ‘futuro’. Depois da revolução socialista, as massas israelenses e palestinas podem decidir viver em um estado combinado com direitos autônomos para ambos. Não haverá nenhum constrangimento. Será deixado para eles decidir democraticamente qual o caráter ou as fronteiras de um futuro estado ou estados, e a composição nacional e social em termos de população, etc. Então, o programa do CIO não é ‘para o futuro’. Os trabalhadores palestinos e israelenses podem decidir democraticamente que estados separados não serão necessários no futuro. Mas hoje, este programa é uma arma importante que nos permite abordar as massas palestinas e israelenses, para ganhar sua confiança e forjar uma aliança entre a classe trabalhadora e os pobres da região.

A sutil e extremamente sensível abordagem dialética de Lênin e Trotsky – que não hesitaram em mudar política, demandas, ou mesmo a ênfase de seu programa dependendo das circunstâncias – é estranha para estas organizações. A luta dos anos 30 entre o imperialismo e as massas do mundo neocolonial era muito claramente entre uma potência estrangeira opressora e países que ainda eram claramente ‘colônias’ ou semi-colônias, a maioria deles sob dominação militar direta de uma potência imperialista ou outra. Era muito claro que os marxistas dariam apoio incondicional a estas colônias na luta contra o imperialismo, não importa seus regimes políticos. Nós ainda fazemos isso no sentido de apoiar o povo do Afeganistão contra o imperialismo na atual guerra.

Mas nem Lênin nem Trotsky advogaram apoio incondicional a qualquer regime burguês, ou aspirante a burguês, no mundo colonial. Lênin insistiu na separação do proletariado, mesmo quando estava num estágio incipiente, e suas organizações, mesmo de políticos burgueses radicais que lutavam contra a dominação imperialista. Mas a tarefa era simples então. A consciência da camada avançada, de apoio instintivo para os povos coloniais contra o imperialismo, deixou a abordagem dos marxistas clara

A Guerra do Vietnã

Desde a época que Trotsky escreveu, contudo, especialmente no período pós-1945, com o crescimento do stalinismo e a influência das idéias stalinistas no mundo neo-colonial, isso não é tão simples. A separação de qualquer colônia do imperialismo representou um passo à frente, como a luta de libertação da Argélia contra o imperialismo francês, na qual nós não demos apenas apoio político, mas prático. Contudo, fizemos isso sem cogitar mesmo a mínima ilusão no que poderia acontecer até no dia seguinte depois da vitória da Frente de Libertação Nacional. Previmos que se tornaria, como toda probabilidade, um regime burguês bonapartista, mas com algumas características radicais em sua base. (De fato, nós vimos exemplos de ‘auto-gestão’ de fazendas francesas abandonadas na Argélia no primeiro período após a derrota da França em 1962.) O SUQI (Secretariado Unificado da Quarta Internacional), de outro lado, cogitou ilusões no caráter ‘socialista’ do regime argelino.

Na Guerra do Vietnã, também, éramos pela derrota do imperialismo dos EUA e pela vitória da revolução vietnamita que, na prática, significava a tomada do poder pela FNL (Viet Cong). Mas nunca apresentamos isso como um slogan de massas como outros fizeram. Nunca nas manifestações nós, como o SUQI, cantamos ‘Ho, Ho, Ho Chi Minh’ (Ho Chi Minh era o presidente do Vietnã do Norte e líder das forças de libertação do Vietnã como um todo).

Por que adotamos esta abordagem? Por que a consciência da classe trabalhadora mundial e nos países industriais avançados, com sua suspeita dos regimes stalinistas, sua falta de democracia, supressão dos direitos dos trabalhadores, etc. Em nossa propaganda e análise teórica e pública, explicamos que a vitória da FNL representaria uma vitória. Não obstante, por causa das forças sociais envolvidas na revolução vietnamita – em sua maioria um movimento nacionalista baseado no campesinato – o regime que resultaria desta seria um regime unipartidária. Seria à imagem do Vietnã do Norte ou Moscou. Politicamente, seria um regime unipartidário mas descansando sobre uma economia planejada e nacionalizada. Isso, argumentamos, de um lado representaria um grande passo à frente para o povo vietnamita e detonaria movimentos em outros lugares. Seria um golpe contra o imperialismo e, acima de tudo, do imperialismo dos EUA. Mas, devido ao regime unipartidário que seria criado, significaria que uma nova revolução política seria necessária no futuro para o Vietnã se mover rumo ao socialismo.

O movimento no Vietnã era progressivo mas a demanda pela ‘vitória da FNL’ e slogans similares nunca atrairiam o apoio da massa da classe trabalhadora, especialmente dos EUA, para um movimento anti-guerra de massas. Portanto, a posição mais correta de um ponto de vista marxista, em oposição à posição de muitos grupos, era a agitação de massas pela retirada de todas as tropas estrangeiras e, especificamente, dos EUA. No contexto da Guerra do Vietnã, isso era uma demanda ‘revolucionária’ porque apenas as baionetas americanas sustentavam o podre regime latifundiário/capitalista no Vietnã do Sul.

Corretamente antecipamos que a retirada das forças dos EUA levaria ao colapso deste regime e o triunfo da revolução, o que subseqüentemente aconteceu. Foi a combinação da heróica luta dos trabalhadores e camponeses vietnamitas com a revolta em massa dos trabalhadores e da população dos EUA, com a premissa muito simples de que a guerra não podia ser ganha, que levou à primeira derrota militar do imperialismo dos EUA em sua história. Mas as forças da revolução vietnamita não poderiam atrair, do mesmo modo como a vitória da classe trabalhadora na Rússia em 1917 (os ‘dez dias que abalaram o mundo’), o apoio consciente da classe trabalhadora americana.

Idéias marxistas e consciência

Nem mesmo entre na cabeça da esquerda sectária como pegar uma idéia e a relacionar ao nível de consciência da classe trabalhadora, procurando a mudar com uma propaganda e slogans hábeis. Bin Laden e o Taliban, como formação política, são inteiramente repulsivas à esmagadora maioria da classe trabalhadora mundial. O crescente movimento anti-guerra durante a guerra não expressou apoio a estas figuras – diferente na Guerra do Vietnã para a FNL – e era em grande parte de caráter pacifista, de oposição ao bombardeio, de ‘deixe o povo afegão decidir por si mesmo’, etc. Não há nada no obscurantismo medieval do fundamentalismo islâmico que possivelmente poderia atrair a massa do proletariado nos países industriais avançados. Além disso, como demonstrado subseqüentemente, o apoio ao Taliban residia em pés de barro, que se dobraram ao primeiro desafio sério.

Portanto, o ‘islã político’ ou fundamentalismo islâmico que tem agora um esmagador caráter de direita, não oferece nenhuma saída para os povos oprimidos e escravizados do Oriente Médio, África e partes da Ásia. Teria sido errado, portanto, para uma organização marxista tanto nos países industrializados quanto no mundo neocolonial dar apoio político a estas idéias reacionárias.

Nós claramente diferenciamos entre os povos afegão e iraquiano e para todos os povos do mundo neocolonial sob ataque do imperialismo e apoio para organizações de ‘libertação’ como o Taliban e a al-Qa’ida. Mesmo onde elas são temporariamente vitoriosas, de acordo com o seu próprio prisma, como no caso do 11 de setembro, o resultado final é reacionário.

É abaixar o nível de consciência dos povos do Oriente Médio ensina-los a procurar a salvação em lutadores solitários, ou em um grupo de anjos vingadores na forma da al-Qa’ida, ao invés da atividade de massa, manifestações, o armamento das massas, a greve geral e a insurreição, para derrubar o latifúndio e o capitalismo. A guerra é um teste crucial para os marxistas e revolucionários. Uma vez mais, os pequenos grupos de ultra-esquerda, como o Workers’ Power, a LIT e organizações maiores como o SWP, falharam neste teste.

Durante a guerra o CIO forneceu slogans oportunos – através do processo de discussão e diálogo. Isso nos permitiu intervir efetivamente no movimento anti-guerra. Isso é imprescindível para o futuro, quando todas as idéias serão postas à prova ante massivas audiências dos trabalhadores.