Austeridade e conciliação com a direita só podem levar a mais derrotas
Construir as lutas e uma alternativa socialista para barrar a extrema-direita
A crise do Pix e a queda da aprovação do governo entre nordestinos, mulheres e mais pobres em geral são os mais recentes sinais de alerta de que o governo Lula está no caminho errado. Ao mesmo tempo, a posse de Trump, com uma enxurrada de ataques reacionários, e a continuidade da “motosserra” de Milei na Argentina mostram que o retorno da extrema-direita ao poder, nesse contexto mundial de crise generalizada e polarização, pode ser bem pior que Bolsonaro 1.0.
Os mesmos exemplos dos EUA e Argentina mostram que se apegar a governos que atuam nos marcos de conciliação com a direita pela lógica de evitar o “mal menor”, mas que não tomam medidas antissistêmicas para avançar na conquista de direitos para a maioria da população, só prepara novas derrotas.
Os atuais erros do governo não são “erros na comunicação”, ou resultantes de que o governo seja “refém do Centrão”. A política atual é pautada em cima de propostas que vem do próprio governo e é implementada através de uma aliança com a direita. A reforma ministerial que deve ser apresentada por Lula em breve deve aprofundar essa política, fortalecendo o peso do Centrão.
Lula declarou recentemente que “2026 começa agora”. Parte fundamental disso é garantir as alianças para as próximas eleições. A eleição de Hugo Motta (REP) para a presidência da Câmara é parte disso. Também o papel que Arthur Lira (PP) e Rodrigo Pacheco podem ter no governo, com possíveis cargos ministeriais. “Quero Rodrigo Pacheco governador de Minas”, diz Lula.
Essa direita fisiológica chamada de Centrão, só tem compromisso com cargos e poder sobre verbas públicas. Já mostrou não ter problema nenhum em derrubar o governo de Dilma e apoiar o governo Bolsonaro.
Ao mesmo tempo, a austeridade imposta pelo Novo Arcabouço Fiscal impede a implementação de uma agenda positiva e o governo não tem nenhuma estratégia para enfrentar a extrema direita, que permanece organizada e uma ameaça. Por isso, é um erro apostar que o governo Lula “dê certo” como o único caminho para barrar a extrema-direita.
Para construir um caminho alternativo, precisamos apostar na construção de cada luta da nossa classe e setores oprimidos, unindo-as ao redor de uma pauta para barrar os ataques e conquistar mais direitos, sabendo que muitas vezes a luta vai ser contra o próprio governo federal. Por isso, nossa mobilização deve ser independente do governo, mas também visar construir uma alternativa de esquerda e socialista, promovendo uma pauta que pode ir além dos limites desse sistema, que coloca o lucro e interesses da elite acima das nossas vidas e do planeta.
O melhor já passou?
Os anos de 2023 e 2024 provavelmente representaram as melhores condições para a linha do governo, mas tiveram como resultado final a crise atual. A PEC da Transição garantiu uma retomada de certas medidas positivas, como o aumento do salário mínimo e do bolsa família, junto com programas como Minha Casa Minha Vida. O preço dessa barganha foi manter a estrutura geral das emendas parlamentares, que cresceram de forma explosiva nos governos Temer e Bolsonaro e aumentaram o poder do Centrão, e a promessa de substituir o Teto de Gastos de Temer (que já tinha sido detonado durante o governo Bolsonaro) pelo Novo Arcabouço Fiscal (um teto mais flexível, mas ainda restritivo).
Também não houve nenhuma tentativa de revogar as contrarreformas dos governos Temer e Bolsonaro, que muitos esperavam: as contrarreformas trabalhista e previdenciária, as privatizações, como da Eletrobras, entre outras. Aliás, as privatizações da infraestrutura em nível federal continuam a pleno vapor, com novas concessões de rodovias e portos, além de novas modalidades sendo implementadas, como as PPPs dos presídios, enquanto o BNDES ajuda a financiar programas privatizações em nível estadual e municipal.
O governo teve ainda ajuda de um cenário econômico mais positivo que o esperado. O crescimento foi maior, chegando a mais de 3% para 2023 e 2024, ao invés dos esperados 2% ou abaixo. O desemprego caiu a níveis não vistos em muito tempo e também a pobreza.
Mesmo assim, o resultado nas eleições municipais foi uma derrota para o petismo e o campo da esquerda. Dois fatores se destacam. Primeiro, houve uma grande taxa de reeleição dos prefeitos (82%), favorecendo a direita. Isso foi turbinado pelas emendas parlamentares, que ajudam a consolidar os redutos eleitorais dos aliados dos deputados e senadores. Segundo, há um mal estar entre os mais pobres apesar dos índices econômicos positivos, devido à alta dos preços dos alimentos, que tem sido maior que a inflação geral e atinge principalmente os mais pobres.
Essa trajetória de mal estar se agravou com as medidas concretas do governo. O pacote de cortes do fim do ano apresentado por Fernando Haddad para garantir as regras do Arcabouço Fiscal, tinha como alvo central os mais pobres: restrição no aumento do salário mínimo, cortes no BPC (que em grande medida caiu) e no abono salarial, entre outros.
Para tentar dourar a pílula, foi apresentada a intenção de elevar a isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil (que tinha sido uma promessa nas eleições), mas sem apresentar uma proposta concreta. O que a população viu ao invés foi um zelo em taxar as rendas mais baixas. Primeiro veio a “taxa da blusinha”, afetando as compras individuais do exterior. Depois veio a desastrosa fiscalização do Pix. As fake news dizendo que o governo ia taxar o Pix ocorreram, mas não dava para desmentir que se tratava de aumentar o controle do fisco sobre rendas nada altas, enquanto a isenção para quem recebe até R$ 5 mil ainda nem foi apresentada. Enquanto isso, a taxação de grandes rendas e fortunas se assemelha à linha do horizonte: você anda e anda, mas ela sempre continua distante.
Uma das poucas medidas positivas apresentadas no último período, o Pé de Meia, uma bolsa para apoiar e incentivar estudantes do ensino médio, caiu na armadilha do Arcabouço. O governo queria deixar o gasto de fora do Arcabouço Fiscal, o Congresso não aceitou e o programa agora está suspenso.
O que se esperar de 2025?
O cenário de 2025 deve ser de mais ajustes. A expectativa é de crescimento menor, enquanto os juros estão altíssimos (e agora não dá para culpar Campos Neto). O mercado quer mais ajustes e os limites do Arcabouço Fiscal entrarão cada vez mais em conflito com as necessidades. A equipe do governo já discutiu no ano passado medidas como flexibilizar o piso de gasto com saúde e educação, ou mesmo desvincular as aposentadorias, BPC e outros benefícios do salário mínimo. Essas medidas podem voltar esse ano.
Também se discute uma Reforma Administrativa, para retirar direitos do funcionalismo público, que diferentemente da percepção comum, é composto majoritariamente por trabalhadores com salários baixos. Várias medidas já foram implementadas, como o limite de aumento salarial incluso no pacote de dezembro. A postura do governo contra o funcionalismo em luta tem sido de truculência, como vimos na greve da educação federal do ano passado, e principalmente na greve do INSS, que continua extremamente sucateado.
O governo mantém o discurso de que não tem muita escolha, que faz o possível, mas isso é falso. Se o governo começasse com propostas de taxar os mais ricos e acabar com os gigantes benefícios fiscais para as grandes empresas, ao invés de cortar no BPC e fiscalizar o Pix, seria possível mobilizar um amplo apoio social. Mas o governo prioriza boas relações com os empresários e está mais preocupado com o forte apoio entre esses à extrema-direita.
O governo também se mostra impotente diante do aumento do preço dos alimentos. O Brasil é o segundo maior exportador de comida do mundo e a expectativa é de uma safra recorde esse ano. O setor do agronegócio também conta com o maior Plano Safra da história, ultrapassando R$ 400 bilhões. Mas a prioridade são as exportações e os preços são em dólares, por isso os preços sobem no mercado interno. No banquete dos ricos os pobres passam fome. Quem espera que o governo faça o necessário enfrentamento ao agronegócio para reverter isso vai ter que esperar sentado. Só com uma luta de massas será possível implementar uma reforma agrária radical que acabará com a fome no país.
O governo também não tem nenhuma pretensão em atacar o sistema da dívida pública, que é um mecanismo para distribuir dinheiro público para os bancos e grandes investidores. Cada 1% de aumento na taxa SELIC aumenta o gasto de juros da dívida pública em R$ 55 bilhões. Os 2 últimos aumentos foram um presente de R$ 110 bilhões para os ricos, e mais um aumento de 1% já está programado.
O “mercado” é tratado como uma entidade divina, fora do alcance. Mas se trata de um punhado de capitalistas que tem o poder de movimentar trilhões diariamente para ditar os rumos da economia. Para enfrentar esse poder é necessário um programa de estatização dos bancos, sistemas financeiro e das grandes empresas, junto com um controle do fluxo de dinheiro para o exterior.
Apostar nas lutas
O resultado das eleições de 2026 será fundamental. É só ver o que acontece nos EUA e na Argentina. Infelizmente, a estratégia do governo segue o mesmo caminho desses países, levando ao abismo. Por isso, o que fazemos em 2025 vai ser decisivo. Se chegarmos no ano que vem sem nenhuma alternativa pela esquerda ao governo, todo o descontentamento vai ser canalizado pela direita.
Mudar a correlação de forças para barrar a extrema direita requer luta, contra todos os ataques, incluindo os que vêm do governo federal. Existe no petismo uma compreensão que estão pagando um preço pela falta de lutas, mas ao mesmo tempo fazem tudo para blindar o governo, freando lutas importantes, como a greve da educação federal do ano passado.
Enquanto isso, o campo majoritário do PSOL segue com uma mão atada atrás das costas diante de sua linha de apoiar o governo. Na maioria das vezes, mas não todas, a bancada do partido votou contra as piores propostas do governo, como o pacote de cortes de gastos. Mas, não basta ser contra propostas ruins do governo, é preciso agitar, mobilizar contra e utilizar de seus mandatos para mostrar um programa alternativo. Infelizmente, as figuras públicas do campo majoritário[IK1] falam do governo só quando for para apoiar.
Há também um grande viés de apostar em ações judiciais contra ações da direita, ao invés de mobilizações e lutas. Ações judiciais podem ser uma arma importante para colocar os holofotes sobre um problema, mas não se deve alimentar ilusões de que vai ser o judiciário, cujo papel é defender o sistema que em última instância gera esses monstros, que vai nos salvar da extrema-direita.
Tudo isso leva a uma situação onde o governo sofre pressão somente da direita. A extrema-direita tem de forma cínica e falsa aproveitado de temas como a fiscalização do Pix, com grande repercussão, enquanto a direção dos movimentos fica com pé atrás de assumir esses temas para não enfraquecer o governo (um governo especialista na modalidade “tiro no pé”).
Passamos sim por um refluxo nas lutas, com consequências negativas para a correlação de forças. Porém, é possível mudar essa situação. Não se trata de uma classe trabalhadora definitivamente derrotada e incapaz de lutar. Em grande parte, se trata de um ciclo vicioso pela falta de perspectiva e confiança nas lutas, pela falta de exemplos positivos de que é possível romper. Mas para isso é preciso estar ciente dos obstáculos no caminho.
A luta contra as opressões tem sido um tema importante de mobilização. No ano passado vimos exemplos positivos, como a luta contra o PL 1904, a PL do Estupro. Mas não houve continuidade no tema, já que o governo não quer travar o debate sobre o tema, que quase sumiu nas eleições municipais.
Isso deixa o campo livre para as ideias conservadoras, que ficam sem respostas. Chegamos ao ponto de os representantes do governo votarem contra uma resolução que estabelece diretrizes para o atendimento humanizado e especializado de crianças e adolescentes com direito ao aborto legal no Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), pelo medo da repercussão pública.
A mobilização pelo fim da escala “6×1” foi um sopro de ar fresco que mostra o potencial para uma pauta positiva, impulsionada por fora da institucionalidade, nas redes sociais e nas ruas, e que melhora a vida do povo trabalhador. A apresentação da PEC sobre o tema ajudou a divulgar a pauta, mas há um risco dessa pauta se tornar institucionalizada e seguir as táticas e ritmo do congresso. Essa não é uma questão simbólica com custo reduzido, que é possível chegar a um acordo com um malabarismo orçamentário. Trata-se de uma proposta que mexe nos lucros das empresas, na divisão entre capital e trabalho, só pode ser vencida com luta de massas.
Não faltam temas para luta esse ano: carestia dos alimentos e moradia, saúde e educação sucateados, a crise ambiental cada vez mais aguda, a violência policial e ataques racistas endêmicos, privatizações do transporte, etc. O desemprego mais baixo, em combinação com os preços altos, pode favorecer lutas sindicais.
São lutas contra governos municipais e estaduais, contra os patrões, mas também contra medidas do governo federal. Será necessário continuar a pautar a luta para derrotar o Arcabouço Fiscal. Com ele, qualquer pauta positiva em nível federal é limitada ou impedida. Pior, levará a novos ataques.
2025 já começou com algumas iniciativas contra aumento de tarifas em alguns municípios e, na semana passada, ocorreu uma plenária nacional contra a escala 6×1 organizada pela CSP Conlutas e outras forças apontou o dia 16 de fevereiro como um dia de ato nacional, junto com outras datas de um calendário unificado. O 8 de março, dia internacional da luta das mulheres, é também uma data importante que já conta com mobilização em todas as regiões do Brasil.
As lutas são o combustível necessário para a mudar a correlação de forças e barrar a direita, mas não são suficientes. Essa energia precisa de ser potencializada e canalizada ao redor de uma alternativa de esquerda, não só independente, mas que também possa agir em oposição ao governo quando ele ataca. Essa alternativa tem que se basear em um programa socialista, que possa mostrar uma saída desse sistema capitalista, injusto, podre e nefasto. Uma alternativa onde as riquezas e recursos estão nas mãos do povo trabalhador, que através de um planejamento democrático pode voltar a produção para o bem da grande maioria e do planeta, não de um punhado de ricos.
- Defender direitos! Derrotar a direita e os ataques do governo Lula/Alckmin com um plano de lutas unificado da classe trabalhadora, da juventude e dos movimentos sociais!
- Não aos ataques ao BPC, salário mínimo e Abono Salarial! Revogação do Arcabouço Fiscal!
- Pela revogação das contrarreformas! Não às reformas trabalhista, previdenciária e administrativa.
- Fim da escala 6×1! Por uma jornada semanal de 30h sem redução dos salários!
- Fim das isenções fiscais às grandes empresas! Estatização das empresas que sonegarem! Taxação das grandes fortunas e dos lucros das grandes empresas!
- Pelo fim das privatizações em todas as suas formas! Reestatização das empresas e serviços privatizados!
- Garantia de educação e saúde gratuitos e de qualidade para todos! Não à redução do piso constitucional da educação e saúde públicas! Aumento dos investimentos públicos nas áreas sociais!
- Não aos cortes, às péssimas condições de trabalho, às privatizações e à militarização da educação!
- Aborto gratuito, seguro e legal! Não ao PL do Estupro, à PEC do Cunha e outros ataques!
- Fim da violência policial! Pelo fim do genocídio contra a população negra! Desmilitarização, já! Controle dos trabalhadores e das comunidades sobre as polícias!
- Sem anistia! Prisão para os militares e empresários golpistas! Comissão independente de inquérito com representantes dos movimentos sociais.
- Desmontar o sistema da dívida pública! Auditoria e suspensão do pagamento da dívida aos grandes investidores!
- Estatização do setor financeiro e grandes empresas sob controle e gestão democrática dos trabalhadores.
- Construir uma alternativa de esquerda independente do governo que levante um programa socialista, nas lutas e nas eleições!