O chavismo e o chamado da direita por “paz” em meio à polarização

altQuase duas semanas após o início dos protestos na Venezuela, nós continuamos presenciando uma situação de crescente polarização e, em algumas partes do país, uma grande onda de violência política. Até agora, treze pessoas morreram por conta dos protestos, e muitos mais estão feridos.

Na maior parte dos dias, acontecem marchas tanto em apoio ao governo quanto atos organizados pela oposição de direita. À noite, o número de manifestantes nas ruas diminui, e os estudantes que apoiam a direita montam barricadas e põem fogo em entulho e sacos de lixo nas ruas. Na capital Caracas, essas ações dos estudantes acontecem quase que apenas nos bairros e distritos governados pela direita.

No bairro rico de Altamira, em Caracas, a praça principal é um conhecido ponto de protestos da direita, utilizada especialmente na época da tentativa de golpe contra Chávez em 2002 e no período de greve patronal de 2002 a 2004. Hoje, a praça parece mais mal-cuidada. Os canteiros de flores foram derrubados e os muros exibem pichações exigindo “liberdade” e o fim da “ditadura”. Em alguns estados, a violência foi bem mais grave, como em Táchira, na fronteira com a Colômbia.

Apoiadores da direita sem direção

Muitos simpatizantes da direita têm protestado contra a violência dos protestos e fazem chamados “pela paz”. Mas as imagens dos ataques com gás lacrimogêneo realizados pelas forças de segurança, junto com a prisão do líder reacionário Leopoldo Lopez, acabam dando à oposição de direita um foco para a luta. Eles exigem o desarmamento dos grupos que apóiam o governo, os quais acusam de serem os responsáveis pela onda de violência.

Apesar dessas demandas, está claro que a direita da Venezuela não possui uma liderança unificada ou um plano de como alcançar seu objetivo de derrubar o chavismo, além das marchas e protestos. Durante seu discurso no ato de 22 de fevereiro, Henrique Capriles (líder da coalizão de direita “Mesa da Unidade Democrática” e candidato presidencial em 2012 e 2013) convocou os jovens para continuar nas ruas e lutar “pelo futuro”.

A prisão de Lopez, que se entregou como um “mártir” para as tropas da Guarda Nacional em uma situação claramente armada, em uma marcha da oposição no dia 20 de fevereiro, continua sendo um ponto de disputa entre governo e oposição. Está claro que já há negociações em relação às acusações que pesam contra ele.

O governo já decidiu retirar as queixas de assassinato e terrorismo, por exemplo. Entretanto, outras acusações permanecem, o que pode condenar Lopez a até dez anos de prisão. Ainda não se sabe quando será seu julgamento. Por enquanto, ele permanece em uma prisão militar. Segundo o governo, houve uma negociação com Lopez para que ele fosse mantido sob custódia por sua própria segurança, pois haveriam grupos da extrema-direita que queriam assassina-lo para criar uma desculpa para um golpe de estado contra Maduro.

Como mencionamos no artigo anterior, a prisão de Lopez e a repressão aos protestos poderia forçar a direita mais “democrática” e “moderada”, sob liderança de Capriles, ir às ruas. O próprio Henrique Capriles participou em várias das grandes manifestações, mas continua se distanciando dos protestos de estudantes e do plano da extrema-direita, liderada por Leopoldo Lopez, Maria Carolina Machado e outros, de criar o caos no país com a esperança de que o povo inicie um levante contra o governo.

Capriles continua fazendo chamados por não-violência, paz e democracia, ao mesmo tempo em que convoca os manifestantes para transformar os protestos em um “movimento social”. Em uma entrevista recente, ele disse que a direita precisa se adaptar para atender aos anseios de todos os venezuelanos, especialmente os mais pobres. Entretanto, ele não deixa claro quais seriam os planos para fazer isso, ou quais táticas e estratégias seriam utilizadas.

Maduro e a ameaça imperialista

Nos últimos dias, mais três diplomatas norte-americanos foram expulsos da Venezuela por conta de seu suposto papel nos protestos. Obviamente, não é a primeira vez que diplomatas dos EUA são expulsos. Entretanto, essas expulsões deram início a uma série de declarações de Maduro sobre as intenções do governo Obama na Venezuela. Do outro lado, Obama e John Kerry também falaram sobre “como democracias devem se comportar”.

Corretamente, Maduro destacou a hipocrisia das declarações do governo Obama e também citou o papel do imperialismo norte-americano na América Latina. Ao mesmo tempo, entretanto, ele também recomendou a abertura de um “diálogo” entre Kerry e o ministro das relações exteriores da Venezuela, Elias Jaua, sobre a situação do país! Os EUA continuam sendo o maior comprador de petróleo da Venezuela – e a venda de petróleo contribui com quase 80% das receitas do país. Ainda que o chavismo, em diferentes momentos, tenha quebrado relações diplomáticas com os EUA, dificilmente o governo de Maduro irá além disso.

O objetivo de Obama, hoje, é continuar garantindo a importação de petróleo. Sem dúvida, Washington adoraria ver o fim do chavismo, mas dificilmente os norte-americanos irão apoiar publicamente uma revolta armada ou fazer uma intervenção militar. Além de ter que lidar com a própria crise econômica e política, eles sabem que uma intervenção na América Latina seria extremamente impopular, tanto com sua população quanto internacionalmente. Ao mesmo tempo, o governo norte-americano continua apoiando a direita da Venezuela de formas mais discretas. Por exemplo, há alguns dias, o Wikileaks publicou vários documentos detalhando contatos entre Leopoldo Lopez e a Casa Branca.

Os chavistas pedem paz e unidade

Se a direita se mobiliza, o chavismo também se mexe. No dia 20 de fevereiro, o governo utilizou a assinatura de um novo contrato com os trabalhadores da PDVSA (a estatal petroleira da Venezuela) para mobilizar centenas de milhares de pessoas nas ruas. A marcha das mulheres do dia 22 também levou muita gente para as ruas, pedindo paz, unidade nacional e o fim da violência.

O próprio Maduro, em certos momentos, fala da necessidade do estado intervir nos protestos dos estudantes, como já foi feito várias vezes. Em muitos casos, essa intervenção foi feita de forma violenta, com gás lacrimogêneo e canhões d’água. Em outras ocasiões, ele fala sobre o direito ao livre protesto e nega que exista repressão.

Entretanto, um dos principais quadros do PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela, o partido chavista), a vice-presidente da Assembleia Nacional, Blanca Eekhout, já disse que não haverá uma “primavera árabe” na Venezuela. Com essa declaração, ela enfatiza duas coisas: primeiro, que o governo venezuelano se opõe aos levantes populares nos países árabes marcados sob regimes repressores (afinal, muitos desses regimes repressores mantém acordos comerciais com a Venezuela). Em segundo lugar, um levante popular, que na Venezuela poderia assumir um perfil direitista, não seria tolerado. Essa declaração deve preocupar também aos socialistas revolucionários , pois as mesmas táticas utilizadas hoje contra a direita podem ser postas contra nós mais tarde.

Os líderes do PSUV recentemente se reuniram com seus aliados da coalizão Grande Polo Patriótico (GPP), após mais de seis meses. Cerca de um mês atrás, até o Partido Comunista da Venezuela publicamente declarou que o GPP não estava mais funcionando, devido a hegemonia e burocracia do PSUV. Entretanto, após os protestos e uma “reunião de emergência” do GPP para discutir a nova situação, o Partido Comunista pôs as divergências de lado e decidiu apoiar o governo totalmente, em face da nova “ameaça fascista”.

Nós também acreditamos que a situação é perigosa, e a possibilidade de aumento da violência é real. Mas seria incorreto para revolucionários concluírem (novamente, não se refere a nós) que tudo que devemos fazer é apoiar o chavismo. É provável que o chavismo vá iniciar um novo processo de reconciliação com setores moderados da direita, e isso só irá causar mais ataques e derrotas aos trabalhadores e pobres.

Por essa razão, trabalhadores, pobres e a esquerda revolucionária precisam lutar por sua própria representação, que deveria nesse momento assumir a forma de uma Frente de Esquerda para lutar por um programa revolucionário, pelo fim do sistema capitalista e implantação do socialismo. Um programa de uma Frente de Esquerda deve abordar, entre outros aspectos, a formação de comitês de defesa para derrotar a direita, a defesa dos “conselhos comunitários” como locais de organização popular sob controle do próprio povo e não da burocracia do governo, e a imediata nacionalização das grandes indústrias e do setor financeiro sob controle e gestão da classe trabalhadora e dos dos pobres.

Essa é a única maneira de derrotar a direita e o capitalismo, que são a origem de todo o crime, inflação, falta de comida e de moradia e todos os outros problemas que afligem o povo.

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