O problema da saúde é a burocracia?

Nas últimas semanas, veículos de comunicação de todo o estado, sobretudo da capital, tem ocupado grande parte de seus espaços com denúncias acerca do caos na saúde pública no estado de Goiás. Seja na televisão, no rádio ou no tradicional jornal impresso, as reportagens seguem sempre a mesma linha: apontam a precariedade do atendimento, as péssimas condições de trabalho, a falta de medicamentos e materiais básicos, as enormes filas, a evasão massiva dos profissionais de saúde, dentre outras mazelas.

A mídia, na verdade, tem “preparado o caldo” para que o Governador e o Secretário de Saúde possam reafirmar categoricamente que o problema da saúde pública no estado é a burocracia. E a solução é clara para ambos: entregar os hospitais públicos às chamadas Organizações Sociais (OS’s). De acordo com o tucano Marconi Perillo e o secretário Antônio Faleiros, os hospitais estão como estão em razão da morosidade da gestão pública, que esbarra em licitações, contratos e concursos, que levam meses, e até anos, para uma simples compra de luvas cirúrgicas, ou para a contratação de um médico.

Este argumento é demasiadamente falacioso. A situação da saúde no estado de Goiás é resultado de uma equação simples: décadas e décadas de falta de investimentos; concursos insuficientes para provimento de vagas para profissionais da saúde e funcionários administrativos; remuneração inferior àquelas estipuladas pelos conselhos profissionais; e desvio de recursos por meio de fraudes e corrupção. É bem verdade que a gestão pública tem seus entraves, mas nem o melhor dos gestores capitalistas seria capaz de administrar um hospital sem os devidos recursos e segurar médicos e enfermeiros mal remunerados e desestimulados com as condições de trabalho.

OS = privatização desenfreada

Com a implementação das Organizações Sociais, o remédio mágico apresentado por Marconi, os hospitais estaduais – patrimônio dos goianos – serão entregues à exploração de verdadeiras empresas, que terão toda a autonomia para a realização de compras sem licitação e a contratação de pessoal sem concurso. Na prática, isto significará que cada OS’s poderá – à revelia das vontades da população e sem a fiscalização dos tribunais de contas – realizar negócios com “empresas parceiras” e contratar profissionais sem nenhuma garantia de qualificação, em condições ainda piores de trabalho, e sem qualquer estabilidade.

A verdade é que essas Organizações “sem fins lucrativos” movimentam milhões de reais por ano no Brasil, e ninguém sabe exatamente a destinação deste dinheiro. Só para citar um exemplo: a OS Salute Sociale, selecionada para gerir o Hospital de Urgências de Aparecida de Goiânia (HUAPA) tem processos de corrupção e desvio de verba pública em andamento no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, seu estado de origem.

O CRER – Centro de Reabilitação Henrique Santillo, hospital goiano apontado como uma referência de sucesso da parceria público-privada, ao que parece, não é tão organizado e bem equipado como se mostra na televisão. Relatos de pacientes confirmam que é muito difícil conseguir um atendimento pelo SUS, e profissionais denunciam que no local as condições de trabalho não são muito diferentes dos demais hospitais da cidade. A parte destinada ao atendimento particular e aos planos de saúde é excepcional, de fato, mas a parte relegada ao convênio com o SUS sofre com as mesmas mazelas da saúde pública goiana.

Interesses econômicos

O caos na saúde pública é, acima de tudo, resultado de um jogo de interesses que protege empresários e donos de clínicas, hospitais particulares e planos de saúde. Uma saúde pública de qualidade, gratuita e universal, como determina a carta de princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) acabaria com os lucros exorbitantes destas empresas, que muitas vezes financiam as campanhas magistrais dos nossos políticos. E, no olho do furacão, fica a grande maioria da população: os pobres, os trabalhadores, e parte significativa da classe média, que não tendo dinheiro para arcar com os ônus de um plano de saúde, acabam ficando à mercê da dinâmica e da legislação que lhes são impostas.

O projeto das Organizações Sociais representam um verdadeiro ataque a saúde pública. Um ataque à saúde pública é um atentado ao SUS, que por sua vez é um atentado a todos nós, brasileiros.

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