Em meio à crise climática, engorda para os ricos, alagamentos e caos para classe trabalhadora de Natal-RN

Vivemos um estágio do capitalismo em que a vida humana na terra está ameaçada pela crise ecológica e, entre suas manifestações, a crise climática. O imperativo do lucro, concentrado em pouquíssimas mãos, e a necessidade expansiva do capital, impõem ao meio ambiente um ritmo de destruição que se volta contra a população, sobretudo a classe trabalhadora em todo o mundo. 

As alterações no clima planetário e as experiências cada vez mais constantes de eventos climáticos extremos são sentidos no cotidiano da classe trabalhadora e povos oprimidos pelo capital, seja no campo ou nas cidades, e as únicas propostas que as classes dominantes apresentam são, ora o negacionismo climático, ora propostas de capitalismo verde, que não atingem sequer a superfície do problema e garantem novas formas de lucrar com a crise que o próprio capitalismo produz.

A crise climática e seus efeitos, como as enchentes que o Sul do Brasil vivenciou em 2023, as queimadas cada vez mais frequentes e amplas nos biomas Amazônia e Pantanal, o aumento do nível dos oceanos, entre outros, demandam uma ruptura com o modelo capitalista de uso da terra e de construção das cidades e, para isso, é necessário romper com o sistema que coloca o lucro acima da vida. As mudanças provocadas pela intervenção da produção capitalista na natureza vêm exigindo respostas tanto para enfrentar e frear a destruição, como para mitigar os efeitos da destruição já provocada, como a elevação da temperatura global, o consequente aumento no nível dos oceanos e mudanças nos regimes de chuva e de estiagem.

As chuvas e a engorda da praia de Ponta Negra

No início do mês de fevereiro, o estado do Rio Grande do Norte registrou fortes chuvas que, frente à falta de estrutura urbana adequada, voltaram a gerar impactos para trabalhadores(as), como alagamentos, casas tomadas pela água, crateras nas ruas etc. São fenômenos conhecidos pelos(as) trabalhadores(as) da cidade, principalmente por aqueles(as) que moram nos bairros mais pobres.

Contudo, as chuvas de fevereiro trouxeram uma novidade para o cenário natalense: o alagamento da faixa de areia da praia de Ponta Negra. A faixa de areia da praia foi aumentada artificialmente por um aterro hidráulico (ou engorda), obra que se tornou o carro-chefe do fim de gestão do ex-prefeito, Álvaro Dias (Republicanos) e alvo de muitas críticas.

Com o aumento do nível do mar, como consequência do aquecimento global, havia um processo de retração da faixa de areia de 1,6 a 2 metros por ano em Ponta Negra, um dos principais pontos turísticos de Natal. Contudo, a preocupação central do ex-prefeito estava muito distante da mitigação de efeitos da crise climática para a população de Natal. A obra foi mais uma de suas regalias para o capital, especialmente para a especulação imobiliária, e mais um degrau na transformação da cidade em um balcão de negócios. 

A obra, orçada inicialmente em R$ 75 milhões, custou ao final R$ 108 milhões, entre recursos municipais e federais, foi feita de forma acelerada e ignorando uma série de medidas e estudos solicitados pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (IDEMA). Ao estilo do bolsonarismo, o ex-prefeito entrou em guerra aberta contra o órgão ambiental e, no ápice dessa guerra, levou secretários, vereadores aliados e funcionários comissionados para protestarem em frente ao IDEMA e forçar a liberação da obra, resultando em invasão do local e agressões. Sem apresentar respostas para muitas questões apresentadas pelo IDEMA, entre elas acerca da estrutura de drenagem adequada, a Prefeitura do Natal conseguiu uma liminar judicial para a emissão da Licença de Instalação e Operação (LIO), autorização necessária para o início da obra, que foi realizada entre agosto de 2024 e janeiro de 2025. Deixando ainda mais explícito a que interesses a obra serve, o então secretário de Meio Ambiente e Urbanismo, declarou em entrevista coletiva que seria perda de tempo consultar pescadores(as) artesanais, que seriam impactados pela obra, conforme a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), um instrumento de proteção dos direitos dos povos tradicionais. 

Vale ressaltar que a empresa responsável pela engorda de Ponta Negra, DTA Engenharia, foi a mesma responsável pela engorda de Balneário de Camburiú-SC, local de referência para o projeto do ex-prefeito e para setores da elite bolsonarista brasileira. Também na praia catarinense, a obra foi envolta por problemas e polêmicas, com o mar levando 70m da faixa de areia pouco tempo após a engorda.

O resultado da elaboração e condução da obra de engorda, que atropelou as recomendações em relação à drenagem da área aterrada e outras, resultou nos alagamentos atuais. Além do alagamento da faixa de areia, a chuva chegou a abrir uma vala próxima ao Morro do Careca, principal cartão postal da praia. As fortes chuvas também fizeram romper trechos de esgoto, muitos dos quais deságuam ilegalmente na praia, contribuindo para a formação dos alagamentos. Isso tem impactado trabalhadores(as), quiosqueiros, vendedores, que dependem do turismo e estão tendo prejuízos na alta estação. Ao não responder a uma série de questões apontadas pelo IDEMA, certamente a obra deixará outros legados negativos ainda a serem revelados.

Cidade à venda

A obra da engorda de Ponta Negra não é casual. Ela faz parte de um projeto de cidade entregue nas mãos do capital imobiliário tocado pelo ex-prefeito e que terá continuidade na atual gestão de seu apadrinhado político, Paulinho Freire (União Brasil). Em oito anos ocupando a prefeitura do Natal, Álvaro Dias se notabilizou pelo descaso com a classe trabalhadora, algo escancarado na pandemia de Covid-19, pela precarização dos serviços públicos, ataque a direitos e assédio a servidores, além de acelerar de forma autoritária o processo de mercantilização da cidade. 

O principal projeto do ex-prefeito foi a aprovação do novo Plano Diretor da cidade, que se trata de um plano de entrega da cidade para o capital imobiliário, especialmente favorecendo construções em áreas social e ambientalmente sensíveis da cidade, mas que são atrativas para a especulação e construção civil. Discutimos o novo Plano Diretor com mais detalhes em outro texto (https://lsr-asi.org/?p=5054). A obra de engorda da praia de Ponta Negra pode ser vista como uma forma de aproximar ainda mais esse capital da exploração da praia, ao invés de proteger a praia e quem depende dela para a sobrevivência.

Além da obra de engorda, o ex-prefeito transformou a cidade, especialmente nos últimos anos de sua segunda gestão, em um canteiro de obras e balcão de negócios. Uma série de obras iniciadas nos últimos anos, muitas das quais não finalizadas, fizeram parte do cálculo político de Álvaro Dias e provocaram caos na cidade, com ruas fechadas sem qualquer aviso, buracos abertos da noite para o dia e inaugurações de obras inacabadas, como é o caso da obra no Hospital Municipal de Natal.

Além disso, a ex-prefeitura se esforçou em privatizar os espaços da cidade, colocando  o lucro privado acima das necessidades da população trabalhadora da cidade, como foi o caso da concessão do Teatro Municipal Sandoval Wanderley à iniciativa privada após 14 anos fechado.  O caso mais destacado nesse sentido é o do Mercado Público da Redinha. O antigo Mercado foi demolido para a construção do chamado Complexo Turístico da Redinha. Isso prejudicou dezenas de famílias trabalhadoras, que tiveram sua fonte de renda retirada. Após a construção do novo Complexo, foi aprovada a concessão à iniciativa privada. Contudo, sem interessados no primeiro edital, o Mercado foi fechado para ser lançado novo edital, mostrando como o projeto segue a proposta de entrega da cidade para o capital e não para a população. Enquanto isso, trabalhadores(as) seguem lutando pelo direito de trabalhar, fazendo constantes manifestações pela reabertura do local.

Frente à crise ecológica, lutar por uma cidade para trabalhadores

Os impactos da crise climática se somam à produção capitalista das cidades, tornando-as espaço para negócios lucrativos da minoria e um espaço de caos e sofrimento para a maioria trabalhadora. A cidade do Natal sofre historicamente com uma infraestrutura urbana precarizada e desigualmente distribuída, em que a população trabalhadora mais pobre, habitando os bairros periféricos e locais mais vulneráveis, sofre constantemente com as chuvas intensas quando caem sobre a cidade. Esses problemas tendem a se intensificar com os efeitos da crise climática.

Respondendo aos interesses do capital, especialmente o capital imobiliário, as gestões municipais vêm intensificando o processo de mercantilização da cidade e piorando os problemas crônicos. Nesse cenário também se deu a recente obra da engorda da praia de Ponta Negra, cuja faixa de areia vinha diminuindo como resultado das mudanças climáticas. 

Longe de buscar resolver um problema de forma qualificada e atender as reais necessidades da população, o ex-prefeito, apoiado pelo seu sucessor, realizou uma obra sem os devidos estudos e procedimentos técnicos, sem ouvir trabalhadores(as) que seriam afetados(as) e como um meio de favorecer ainda mais ao capital especulativo. O resultado tem sido transtorno para moradores, trabalhadores(as), turistas. 

Frente aos desafios que já estão sendo colocados pela crise climática, sobre os quais o capitalismo já mostrou ser completamente incapaz de dar qualquer resposta relevante, é fundamental lutar por um outro modelo de cidade. Na cidade do Natal, é preciso organizar as lutas para enfrentar o processo de privatização da cidade, fortalecer a luta de trabalhadores(as) que estão sendo afetados por esse processo, como aqueles impedidos de trabalhar no Mercado da Redinha, pescadores(as) e trabalhadores(as) da orla afetados pela obra da engorda de Ponta Negra. É fundamental lutar pela revogação do novo Plano Diretor, que entregou a cidade para o capital e promover uma reforma urbana que realmente se volte para os interesses da classe trabalhadora.

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