A Revolução Russa e o legado do movimento pela libertação negra

A Revolução Russa de 1917 liderada pelos bolcheviques atingiu o mundo como um relâmpago, quando o elo mais fraco da cadeia capitalista global foi quebrado. Nos Estados Unidos, a ideia de que a classe trabalhadora, pobre e mais oprimida acabasse com a tirania, a violência e a propriedade privada da classe capitalista foi inspiradora. A Revolução Russa e o estabelecimento da primeira república operária democrática deu início a um novo paradigma político que influenciou muito a diáspora negra, caribenha e africana. As principais forças políticas e culturais do histórico movimento de libertação negra deram um salto em direção à revolução para aprender valiosas lições e métodos de luta.

Do Harlem à Rússia

Isto incluiu ativistas chave como o membro negro do Partido Socialista e organizador sindical A. Philip Randolph, que juntamente com Chandler Owens, publicou a revista Messenger (“Mensageiro”), sediada no Harlem. Eles deram total apoio à revolução e foram apelidados de Lenin e Trotsky do Harlem.

A revolução influenciou o pensamento e o programa político de organizações como a African Blood Brotherhood (ABB, “Irmandade de Sanque Africana”), fundada por Cyril Briggs, um organizador e pensador radical nascido nas Índias Ocidentais. A ABB era uma organização totalmente negra que combinava ideias revolucionárias nacionalistas e comunistas. Ela desenvolveria laços estreitos com o Partido Comunista (PC) e forneceria uma importante vertente teórica ao movimento pela liberdade negra. Nas palavras do historiador Mark Solomon, a ABB de Briggs “procurou reunir os temas do patriotismo racial, anticapitalismo, anticolonialismo e defesa organizada contra o ataque racista”. (Solomon, The Cry Was Unity: Comunists and African-Americans, 1917-1936).

A Revolução Russa forneceu aos artistas e ativistas uma nova estrutura ideológica para se opor à política da Associação Pan-Africanista Universal de Melhoramento Negro de Marcus Garvey, o maior movimento liderado por negros na época, e a Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor liderada pela classe média reformista. Por exemplo, o ativista nascido na Jamaica Claude McKay e autor do famoso poema “Se temos de morrer”, participou do 4º Congresso da Internacional Comunista em 1922 como delegado e passou mais de um ano na Rússia em discussões com membros importantes do Comintern, incluindo Leon Trotsky.

Por que os ativistas negros se inspiraram na Revolução Russa e nos bolcheviques? Como assinalamos em nosso recente panfleto Marxismo e a luta pela libertação negra:

“A posição dos bolcheviques sobre a questão nacional foi essencial para o triunfo da revolução de outubro. Em particular, a forte defesa do direito à autodeterminação de todas as nacionalidades oprimidas pelo Império Czarista e a oposição a toda manifestação de chauvinismo grão-russo foi fundamental para forjar a unidade de classe no curso da revolução”.

Foi também uma parte fundamental do apelo da revolução aos radicais entre as pessoas oprimidas em todo o mundo.

Os bolcheviques também forçaram os socialistas americanos a repensar sua abordagem da raça. Como James Cannon, um dirigente marxista dos EUA, destacou, “Lenin e os bolcheviques se distinguiram de todos os outros no movimento socialista e de trabalhadores internacional por sua preocupação com os problemas das nações oprimidas e minorias nacionais, e pelo apoio afirmativo de suas lutas pela liberdade, independência e direito à autodeterminação… Os russos no Comintern começaram com os comunistas americanos com a dura e insistente exigência de que eles se livrassem de seus preconceitos não ditos, prestassem atenção aos problemas e queixas especiais dos negros americanos, fossem trabalhar entre eles e defendessem sua causa na comunidade branca” (Sobre nacionalismo negro e autodeterminação, Trotsky).

O partido comunista e a libertação negra

O papel do antigo Partido Comunista na luta pela liberdade negra é muito instrutivo para os trabalhadores, jovens e pessoas de cor que tentam construir um movimento agora.

Foi somente nos anos 30 que o Partido Comunista desenvolveu uma base realmente significativa na classe trabalhadora negra. O trabalho do Partido Comunista no caso Scottsboro Boys, defendendo nove jovens negros falsamente acusados de estuprar duas mulheres brancas no Alabama, foi fundamental para desenvolver sua base entre os afro-americanos.

Mas tragicamente, naquela fase, a União Soviética e o Comintern eram dominados pelo stalinismo, o que levou todas as suas seções nacionais a se tornarem extensões da política do Kremlin, que subordinou a luta de classes à manutenção do domínio dos stalinistas no poder. Nos Estados Unidos, o papel geral do PC neste período foi o de agir como um obstáculo que impedia a classe trabalhadora e os pobres de forjarem seu próprio partido de massa independente dos democratas e dos republicanos. Os efeitos dessa derrota ainda são sentidos hoje.

Mas apesar dos profundos erros políticos do PC, seus esforços para assumir as questões do dia-a-dia dos trabalhadores negros e construir uma luta centrada na classe trabalhadora para alcançar a igualdade racial dentro da sociedade americana continuam sendo um exemplo poderoso.

O trabalho do Partido Comunista no norte se concentrou em organizar os desempregados, combater os despejos, acabar com a brutalidade policial e organizar os sindicatos de massas. No sul, o PC estava envolvido na organização de campanhas na indústria têxtil, siderúrgica e de embalagem e liderou greves importantes. como a greve dos trabalhadores têxteis em Gastonia, Carolina do Norte em 1929 e a greve dos mineiros em Harlan County, Kentucky em 1931. O PC também tentou organizar um sindicato de meeiros.

Ele organizou um trabalho antirracista nos sindicatos contra a supremacia e a intolerância dos brancos, o que resultou em uma reação de alguns trabalhadores brancos no Sul. Embora isto fosse inevitável a curto prazo, se o PC tivesse adotado uma abordagem correta na construção de um partido de trabalhadores de massas, eles poderiam ter conquistado uma grande parte dos trabalhadores brancos do Sul. O PC cresceu para 100 mil membros em seu auge com uma base substancial entre trabalhadores negros, especialmente nas principais cidades do Norte.

O legado da Revolução bolchevique russa e o trabalho do Partido Comunista entre trabalhadores negros e jovens nos anos 30 e, particularmente, em torno do caso dos Scottsboro Boys, ajudou a plantar as sementes que levaram ao nascimento do movimento de libertação negra no Sul nos anos 50, 60 e 70. Também mostrou, apesar de todas as falhas do PC, o que uma organização socialista com um programa antirracista e raízes na classe trabalhadora poderia conseguir.

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