Coronavírus na África: o capitalismo levando um continente ao abismo
A pandemia do COVID-19 evidenciou as profundas desigualdades sociais que prevalecem sob o capitalismo moderno. Nenhum lugar mais que a África.
O “índice global de segurança em saúde” (GHS Index) é uma avaliação quantitativa da capacidade e prontidão de 195 países em enfrentar eclosões de doenças infecciosas. A maioria dos países classificados como “menos preparados” estão localizados na África, onde Somália e Guiné Equatorial estão como os últimos da lista. Apenas a África do Sul, já submersa em uma crescente crise econômica e sanitária, tem uma classificação relativamente alta – a qual serve para destacar o quão catastrófica a situação é por todo resto do continente.
Uma avaliação realista da penetração da atual pandemia da COVID-19 na África é obviamente impossível de ser feita devido à escassez de equipamentos de testes em vários países. Se a África do Sul atualmente tem o maior número de casos confirmados na África subsaariana, é também onde a maior parte dos testes foram realizados. Alguns países, como a Somália, não possuem absolutamente nenhum kit de teste. Isto significa que a transmissão comunitária não-detectada já tem tomado seu caminho, fora do radar, por todo o continente.
A palavra “inadequado” para descrever o estado da infraestrutura de saúde na África seria um eufemismo grotesco. Um estudo recente de Lancet sobre a COVID-19 no oeste africano apontou que os países da região têm ”sistemas de saúde com recursos mínimos, tornando-os incapazes de preparar o combate à epidemia”, e que “ uma rápida aceleração no número de casos poderia facilmente sobrecarregar” os sistemas mencionados.
Malawi, por exemplo, tem 25 leitos de UTI para uma população de 17 milhões de pessoas; na Somália, 15 leitos de UTI estão disponíveis para 15 milhões de pessoas. Zimbábue tem 7 ventiladores para uma população de 16 milhões, enquanto a República Centro-Africana tem um total de três ventiladores para 5 milhões de pessoas. Serra Leoa e seus 7,5 milhões de habitantes, apenas um.
As condições de vida nas comunidades pobres e da classe trabalhadora tornam a implementação de precauções necessárias para prevenir o assolamento da pandemia um sonho inacessível para muitos. Metade dos moradores das cidades africanas vivem em casas improvisadas superlotadas, favelas e comunidades com fornecimento de água e saneamento inadequados.
Os milhões de refugiados, requerentes de asilo e deslocados internos vivendo nos campos, assentamentos informais e centros de detenção – vítimas de guerra, perseguições e desastres naturais – na região de Sahel (logo ao sul do deserto Saara), no Chifre da África (Djibouti, Eritreia, Etiópia e Somália) o República Democrática do Congo (RDC) e outros lugares são particularmente vulneráveis ao risco de infecção. O Sudão do Sul reportou recentemente seus primeiros casos da COVID-19. Este é um país onde mais da metade da população enfrenta uma severa insegurança alimentícia, onde anos de guerra civil forçou milhões a sair de casa, e onde apenas 22% das instituições de saúde funcionam. Líbia e Burkina Faso estão ambos destruídos pela guerra que, só no ano passado, foram 200 mil e 700 mil pessoas desalojadas, respectivamente. Ambos vivenciaram danos generalizados em suas instituições de saúde; 135 centros de saúde fecharam devido à violência em Burkina Faso.
Desnutrição e doenças infecciosas já são corriqueiras em grandes partes do continente. A África lida com alguns dos maiores níveis de infecção de HIV, TB (tuberculose) e malária. Considerando a falta de recursos da infraestrutura do sistema de saúde da maioria dos países africanos, os limitados meios desviados para enfrentar o COVID-19 vai ocasionar um efeito paralisante na luta contra estas outras epidemias mortais – como já observado pela interrupção nas pesquisas de doenças infecciosas e nas campanhas de vacinação em várias áreas.
Capitalismo e imperialismo no banco dos réus
Os horrores que o desenvolvimento da pandemia reserva às massas africanas não são de maneira alguma a manifestação de uma inevitável catástrofe natural. Eles têm sido preparados por décadas de pilhagem e exploração do continente pelos poderes do imperialismo colonial e neocolonial, com o direto envolvimento e cumplicidade da corrupção local crônica das elites dominantes. Isto tem sido traduzido, entre outras coisas, no sucateamento do sistema de saúde por todo os lugares, e níveis endêmicos de pobreza extrema.
Em realidade, os recursos de fato existem para lidar com esta crise – eles têm sido apenas saqueados por corporações multinacionais e bancos, burgueses africanos e líderes tiranos. Delineando esta realidade, a Oxfam escreveu no ano passado que “países ECOWAS [Estados do oeste africano] perderam estimados US$9,6 bilhões em incentivos fiscais para companhias multinacionais, o que seria suficiente para construir cerca de 100 hospitais modernos e bem equipados por ano na região”.
Num tempo em que os países africanos estão em extrema necessidade de grandes investimentos para enfrentar esta pandemia, uma fuga de capital colossal do continente está em curso, já excedendo em muito aquele que ocorreu durante a crise mundial de 2008 – em velocidade e volume. A saída de capital das “economias emergentes” totalizou mais que US$83 bilhões em março, de acordo com o Instituto Internacional de Finanças. Este não é um engano episódico mas exemplifica como todo o sistema opera, e ilustra a falha do “mercado livre” para potencializar a intervenção necessária à atual emergência humanitária. Apenas um planejamento econômico e a coordenação de recursos numa escala global poderia fazer tal intervenção possível.
Colocando um fim ao saqueio do continente, e expropriando a imensa riqueza desviada pelos superricos, não é nada além de uma questão de vida ou morte para milhões de pessoas. Isto permitiria um redirecionamento nos recursos para custear serviços de saúde de emergência, equipamentos de teste, centros de quarentena com isolamento social, equipamentos médicos e equipes treinadas no nível que a situação atual exige.
Poderia certamente começar com a imposição de controle estatal no fluxo de capital, e o cancelamento da enorme dívida pública, fardo sob o qual muitos países africanos estão ruindo. Nigéria, por exemplo, gasta em torno de dois terços de sua renda em serviço de dívida. Em 17 países africanos, só os juros da dívida equivalem a 10 por cento ou mais das receitas governamentais. Um número de países africanos, como Zâmbia e Angola, estão apenas a um passo da inadimplência, e muitos estão logo atrás.
Sob pressão, governos ocidentais têm injetado trilhões de dólares para amortecer parcialmente os efeitos econômicos da crise em seus próprios países, evitando o colapso de seus sistemas. Os governos na África não têm o espaço fiscal para instalar similares programas de resgate financeiro – tendo voluntariamente contribuído para a imensa extorsão através da dívida orquestrada pelas mais poderosas nações imperialistas, que levou uma grande parte das receitas estatais sendo transferidas aos cofres dos credores do sistema financeiro internacional ao invés de ser investida em saúde, educação, moradia, transporte público, infraestrutura e o bem-estar social em geral.
Temendo uma revolta poderosa das massas, os mesmos líderes africanos estão agora suplicando por ajuda, na forma de suspenção de dívidas, moratórias, entre outros. David Malpass, presidente do Banco Mundial, diz que apoia a “suspenção” de todos os pagamentos de dívida para os países mais pobres – mas acrescenta que esses países deviam também implementar políticas de mercado livre, tal como a remoção de regulações e subsídios. O FMI, em sua parte, forneceu empréstimos de emergência a um número de governos africanos. Estes empréstimos vêm com a ressalva de que, uma vez que a crise sanitária acabar, “ajustes fiscais”, contenção de gastos com funcionários públicos, mais reduções em subsídios estatais e outras medidas de austeridade terão que estar na ordem do dia.
Essa tentativa de continuar segurando populações inteiras sob chantagem neoliberal no meio de uma pandemia mortal não só expõe estas instituições gananciosas pelo que elas sempre foram. Não nos deixemos esquecer que uma das consequências diretas dos “Programas de Ajustes Estruturais” impostos pelo FMI e o Banco Mundial seguindo a crise da dívida pública nos anos de 1980, foi a destruição dos serviços de saúde existentes em um país africano após o outro. Mas isto também enfatiza o quanto o destino das massas na região inteira está vinculada à uma luta determinada contra a dominação imperialista mundial e seus agentes locais no continente – luta essa que deveria exigir nada menos que o imediato e incondicional cancelamento de todos os pagamentos de dívida, em conjunto com a nacionalização, sob o controle democrático dos trabalhadores, de empresas multinacionais e bancos, os quais extraíram uma espantosa quantidade de riquezas das classes trabalhadoras africanas enquanto deixavam destruição humana e ecológica em seu rastro.
Estas políticas provarão ser ainda mais necessárias, e vão ter um impacto crescente, num cenário de devastação econômica que se alarga por todo o continente. A rápida aceleração da recessão na economia global deve, de fato, ter consequências particularmente devastadoras para as massas africanas. O Banco Mundial recentemente previu que a África subsaariana enfrentaria sua primeira recessão em 25 anos. O Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (UNDP) emitiu um aviso que aproximadamente a metade de todos os empregos na África poderia ser eliminada neste contexto. A contradição da economia chinesa e a queda dos preços do petróleo e outras commodities provavelmente irão precipitar um colapso econômico numa série de países, com economias de maior exportação de petróleo como a Nigéria e Angola entre as primeiras a serem afetadas.
A queda súbita no turismo como um resultado das medidas de contenção, proibição de viagens e fechamento de fronteiras soma à uma mistura já explosiva. Cerca de 24 milhões de empregos pela África dependem das atividades turísticas, que nos últimos anos esteve entre as regiões com o maior crescimento do turismo mundialmente. Este processo é agora revertido brutalmente. A Organização Mundial de Turismo prevê uma queda de turismo internacional entre 20% e 30% (durante a crise de 2008, a queda neste setor foi cerca de 4%). Para muitos países africanos, isto se traduz no tsunami de perdas de empregos.
Confinamentos
Na maioria dos países africanos, as regras de confinamento foram impostas no combate ao contágio viral. Faltando um plano claro para abordar todos os irrefutáveis problemas sociais, econômicos e sanitários herdados de anos de má gestão capitalista e políticas antipobres, estes confinamentos são meros paliativos à uma ferida aberta. Além de um meio dos governos parecerem fortes, ao mesmo tempo culpando pessoas comuns pelo alastramento da infecção.
Em razão de um número gigantesco de trabalhadores inteiramente dependentes do trabalho informal para a sobrevivência diária (mais de 80 por cento dos adultos africanos trabalham no setor informal), e a falta de medidas de apoio bem planejadas para os que precisam, os confinamentos arrancaram a fonte de renda de milhões de pessoas de um dia para o outro. Em Kinshasa, a capital da RDC (República Democrática do Congo), um ditado popular resume o dilema enfrentado por muitos trabalhadores e pobres na África: “se você não sai, não come”. Centenas de manifestantes tunisianos, levados às ruas por uma explosão de raiva nos bairros carentes de Ettadhamen e Mnilha depois de uma semana de confinamento no final de março, não expressaram nada de diferente. “Deixem-me levar pão aos meus filhos, não importa se eu morrer”, foram as palavras relatadas de um trabalhador de construção comum entre eles. Este é o prenúncio das explosões sociais que esta crise vai trazer à tona.
A ordem de se “auto isolar” praticamente impede os vendedores ambulantes, motoristas de transporte informal, trabalhadoras domésticas, e tantos outros de ganharem seu pão do dia-a-dia, e os obriga a passar fome em casa. Geralmente impede as pessoas da procura por suprimentos vitais e, em alguns casos, até de acessarem pontos de água comunitários.
Para evitar de se encurralar nessa situação cruel, muitos trabalhadores imigrantes desesperados têm tentado se mudar de muitas cidades para as áreas rurais de onde eles vieram, esperando uma vida menos custosa no campo, onde eles ainda têm ligações familiares em suas vilas e cidades-natal. Reuters (agência britânica de notícias) reportou em 26 de março que “Migrantes das cidades africanas – de Nairóbi a Kampala, Johanesburgo e Rabat – estão se dirigindo para o campo, preocupando autoridades sobre como isso auxilia no alastramento de doenças como o Ebola em outros surtos”. Este êxodo indubitavelmente espalha a infecção para lugares onde a provisão de saúde é ainda pior do que nos centros urbanos – se é que existe. Mas a responsabilidade por essa situação é diretamente das classes dominantes, e seu insensível desprezo pela vida e saúde das pessoas comuns.
Nada ilustra isto melhor do que a brutalidade com a qual as forças estatais têm implementado o confinamento e toques de recolher. Com o passar dos dias, as taxas de morte pelo confinamento – relacionadas às matanças do estado, e os exemplos de abusos policiais e militares e tratamentos vexatórios, se acumulam.
Bloomberg apontou que dois jovens foram mortos a tiro pela polícia de Ruanda por violarem a ordem de ficar em casa por duas semanas do presidente Paul Kagame. Na África do Sul, oito pessoas foram mortas como resultado de ações policiais durante a primeira semana do confinamento nacional; quando reportado, este número estava acima do número de mortes pela COVID-19. No Quênia, um garoto de 13 anos brincando na varanda foi morto por um policial na capital Nairóbi, e pelo menos três outras pessoas foram mortas em incidentes separados. Um nigeriano foi morto à tiro por um soldado na cidade de Warri por não cumprir a ordem de ficar em casa ao ir comprar remédio para sua companheira grávida. No Zimbábue, aproximadamente 2 mil pessoas foram presas durante a primeira semana de confinamento. E a lista continua.
A violência de gênero pelas forças estatais também tem crescido nesse contexto, com casos relatados de estupro por soldados ruandeses e de muitas pessoas LGBTQ+ detidas pela polícia de Uganda sob o disfarce da prevenção ao coronavírus.
Governos por toda África tem reafirmado as fronteiras arbitrárias pós-coloniais de seus Estados ao rapidamente fecharem suas portas de entrada num salto renovado de nacionalismo reacionário. A África do Sul atribuiu U$2,1 milhões para o erguimento de uma cerca de 40km na fronteira com Zimbábue, até antes de qualquer caso de COVID-19 ter sido confirmado lá, para prevenir “pessoas sem documento ou infectadas” atravessando a fronteira sem serem testadas para o coronavírus. Sentimentos xenofóbicos têm crescido entre policiais, que estão perturbando lojistas imigrantes depois que um ministro falsamente anunciou que apenas as lojas de sul-africanos estariam permitidas a permanecer abertas. Além disso, somente pequenos negócios 100% sul-africanos estão qualificados a receber o auxílio financeiro que o Estado estabeleceu, e trabalhadores não-documentados estão impossibilitados de reivindicar o seguro-desemprego por perda de renda.
Em muitos outros países africanos, casos de racismo contra asiáticos tem sido relatados, tal como um vídeo amplamente divulgado de um casal de chineses no Quênia sendo assediado por um grande grupo de locais, amparados por um membro do parlamento defendendo a prática de apedrejamento a qualquer visitante chinês se o governo não fizer o suficiente no combate à COVID-19. Na República Central Africana, há relatos de aumento de ameaças e violências contra estrangeiros e a minoria muçulmana no país nas últimas semanas, incitadas por tabloides reacionários locais que os culpam pela infecção.
Como em qualquer outro lugar, as classes dominantes por toda África exploram descaradamente o alastramento do coronavírus para impulsionar os poderes de suas máquinas estatais e implementar uma corrosão conveniente dos direitos democráticos. Em Burkina Faso, uma vez que a presença do coronavírus foi oficialmente declarada no país, o primeiro alvo das medidas governamentais foram manifestações sindicais, que culminou numa greve geral de 120 horas em meados de março. Enquanto isso, ministros infectados e oficiais de altas patentes continuaram a realizar grandes comícios como parte de suas campanhas para as eleições presidenciais planejadas para novembro! Na Argélia, a elite dominante tem rapidamente explorado um momento em que as pessoas não podem facilmente ocupar as ruas para acertar as contas com o movimento revolucionário. Apesar da pandemia, os tribunais têm trabalhado sem descanso para condenar ativistas políticos e jornalistas críticos ao regime.
Um plano de ação socialista para resistir à crise
Comunidades da classe trabalhadora e o movimento sindical por toda a África precisam se organizar sem demora contra essa intimidação estatal, repressão e abusos, e resistir a qualquer tentativa de uso do confinamento para minar direitos democráticos e de negociação sindical, a liberdade de expressão, etc. Prisões arbitrárias e saques politicamente motivados de trabalhadores deveriam ser combatidos e todos os ativistas detidos, soltos.
Mas em última instância, a crescente violência do Estado é uma expressão das crescentes divisões de classe. Se violência e mortes agem como meios de “persuasão”, é porque o sistema capitalista defendido pelas elites dominantes africanas e seus regimes corruptos, que tem falhado miseravelmente com a maioria esmagadora da sociedade. Os interesses da maioria precisam ser postos no centro do palco como reação à catástrofe iminente que paira sob o continente.
As palavras do bilionário egípcio Naguib Sawiris, que incitou as autoridades a ordenar as pessoas à voltar ao trabalho “independentemente das consequências”, nos dá um vislumbre do futuro se deixado nas mãos da classe capitalista para decidir. Na África, como em qualquer lugar, a oligarquia parasita está pronta para assistir a morte de centenas de milhares de pessoas contanto que seus lucros tenham preferência. “Mesmo se as pessoas adoecerem, elas se recuperarão”, diz ele. “(o vírus) Apenas mata 1 por cento dos pacientes, que são majoritariamente idosos”.
Além da miséria econômica que eles lançam sobre o pobre, o confinamento e as medidas de auto isolamento não fazem sentido se nos setores não-essenciais para o controle da pandemia, trabalhadores são forçados à trabalhar (ou voltarem ao trabalho) sem medidas sérias de segurança ou distanciamento social presentes, como é o caso das minas de ouro no Mali – enquanto o número de infecções cresce exponencialmente por todo o continente. O direito dos trabalhadores de pararem a produção de setores não-essenciais com renda garantida devia, portanto, ser levantada – em conjunto com seus direitos de decidir democraticamente quando e em quais condições a produção deveria recomeçar. Toda demissão ou corte de salário devido à pandemia da COVID-19 deveriam ser enfrentados, e qualquer empresa que demitir, deixar de pagar seus trabalhadores ou ameaçar com fechamento deveria ser estatizada.
Na linha de frente na luta contra a pandemia, os trabalhadores dos setores essenciais deveriam exigir melhores equipamentos e procedimentos sanitários, cobertura de seguro de vida e pagamento extra por periculosidade para todos aqueles que continuam a trabalhar. Milhares de enfermeiras, médicos e outros profissionais de saúde já mostraram o caminho ao fazerem greve exigindo a provisão de equipamentos médicos essenciais e de proteção individual (EPI) em diversos países africanos – mais notavelmente no Zimbábue e no Quênia, onde houver várias greves por mais funcionários e equipamentos adequados no setor no ano passado.
Adicionalmente, os trabalhadores informais precários, os desempregados e a todos forçados a ficar em casa passando necessidade devem ser garantidos uma renda básica, em conjunto com o fornecimento gratuito de alimentos, medicamentos e outros itens essenciais para aqueles que enfrentam a fome e a miséria. Todos os pagamentos das contas de aluguéis, água, eletricidade e telefone deveriam ser suspensos, e todos os despejos barrados. O aumento dos preços, que afetam os mais pobres, também não devem ser permitidos. Na capital sudanesa Cartum, por exemplo, foi relatado que o preço das máscaras faciais subiu dez vezes. Para combater o lucro com a pandemia da COVID-19, o controle de preços deveria ser imposto em todos os produtos básicos necessários. A distribuição gratuita de máscaras faciais, álcool em gel e sabão deveria ser exigida em todos os lugares públicos, de trabalho e comunidades.
Hospitais privados e outras instalações de saúde, como também aquelas de propriedade da cúpula do exército e autoridades estatuais, devem ser estatizadas sob o controle democrático de representantes eleitos de trabalhadores. O tratamento de saúde gratuito deve ser garantido a todos – inclusive aos refugiados, requerentes de asilo, deslocados internos e pessoas em situação de rua. Planos ambiciosos de investimento público em infraestrutura médica, incluindo a construção de clínicas locais e centros de testes em todas as áreas onde necessário, devem ser lançados ser imediatamente. Unidades fabris relevantes devem ser requisitadas e suas ferramentas convertidas na produção dos kits de teste, equipamento médico e de proteção. Empresas privadas de água e eletricidade devem ser estatizadas e o abastecimento de água potável gratuito oferecido a todas as casas. Programas de moradia em grande escala devem ser lançados para lidar com a extrema necessidade de habitação e eliminar a superlotação – um fator importante na crescente probabilidade de infecção.
Auto-organização democrática
Na realidade, combater o iminente desastre da COVID-19 exige um plano de ação emergencial internacionalmente coordenado do tipo que as elites capitalistas africanas e seus homólogos do ocidente são completamente incapazes e relutantes em entregar. Infelizmente, em muitos casos, as lideranças das organizações sindicais estão muito aquém do que os trabalhadores estão corretos em esperar de uma crise em tais proporções históricas. Enquanto é necessário exercer pressão sobre os sindicatos, as organizações estudantis, sociais e comunitárias para que lancem uma luta conjunta contra a crise, muitas vezes vai ficar a cargo dos trabalhadores e jovens a iniciativa de luta para obter o que é necessário. Nesse sentido, comitês democráticos poderiam ser criados a níveis comunitários e locais de trabalho para organizar e lutar pelo tipo de demandas esboçadas acima – já que elas não caem do céu.
Na Argélia e no Sudão, países em que foram impactados pelas lutas revolucionárias das massas desde o ano passado, passos foram dados nesta direção: alguns dos comitês populares e de resistência têm adaptado suas intervenções para combater a pandemia do COVID-19, a crise econômica e suas consequências. No Sudão, os comitês de resistência locais que emergiram no ano passado como principais motores do movimento revolucionário estão intervindo para tentar e preencher o vazio deixado pela inaptidão do estado capitalista – conduzindo campanhas para levantar a consciência pública do vírus, higienizando mercados, padarias, mesquitas, cafés… Exemplos similares tem sido vistos na Argélia, onde comitês tem sido formados em algumas comunidades da classe trabalhadora para organizar o suprimento de comida para os pobres, centralizar e distribuir máscaras de proteção, etc. Se coordenados e suas prerrogativas estendidas, estes comitês podem vir a se tornar o pilar de uma futura resistência em massa contra os capitalistas governantes, patrões e latifundiários corruptos, que vão fazer inevitavelmente a maioria da população pagar para manter sistema apodrecido e assolado pela crise funcionando.
Trabalhando em conjunto com os médicos e profissionais da saúde, estes comitês podem também liderar campanhas para educar as pessoas sobre a ciência do COVID-19, e lutar contra a desinformação difundida, mitos e teorias da conspiração sobre a pandemia – tais como a ideia não-científica que pessoas de pele escura não morrem pelo vírus, que este último não sobreviverá ao tempo quente, que os kits de teste espalham a infecção, e outras “fake news”. A raiva fervente contra o imperialismo ocidental e governantes locais pela África tem fornecido aberto o caminho para essas teorias, se alimentando da desconfiança há muito estabelecida contra as autoridades governantes e a narrativa “oficial”. Na Costa do Marfim, uma instalação recém-construída como centro de testagem do COVID-19 na capital Abidjan foi até saqueada no dia 6 de abril por residentes locais, apavorados que a doença pudesse ser trazida às suas comunidades.
Mentiras similares tem sido em certos casos criminalmente encorajadas pelos próprios governos africanos, notavelmente usando do obscurantismo religioso para compensar seus próprios fracassos políticos. Uma declaração do governo de Burundi diz que o país “é uma exceção porque é um país que colocou Deus em primeiro lugar”. O presidente da Tanzânia, John Magufuli, encorajou as pessoas a lotarem as igrejas, uma vez que “o coronavírus não pode sobreviver numa igreja”. De acordo com a ministra da defesa do Zimbábue, seu país tem sido isentado do vírus, pois a doença foi uma retribuição divina contra o ocidente por impor sanções em seu governo.
Estas ideias regressivas são difundidas por parte das classes dominantes africanas para manipular os medos entre as populações desesperadas devido a miséria e a barbaridade desencadeada pela sociedade capitalista. No entanto, a pandemia do COVID-19 fornece uma nova denúncia dessa sociedade. Coloca de forma mais aguda do que nunca perante as massas do continente inteiro à necessidade urgente de enfrentar o “capitalismo de quarentena”, como o Partido Socialista e dos Trabalhadores (ISA na África do Sul) colocou – e por uma transformação radical de como a sociedade humana é conduzida.
Na medida que esta doença está prestes a precipitar países inteiros em níveis incalculáveis de miséria, moléstia, violência e morte, ela também reafirma aos olhos de milhões a necessidade crítica de se organizar e lutar por uma sociedade socialista: uma sob a qual os recursos naturais, humanos e tecnológicos do mundo são de propriedade pública e planejados democraticamente para satisfazer as necessidades da grande maioria dos habitantes do planeta.