Porque a Contrarreforma da Previdência do Governo Fátima não é solução para trabalhadoras e trabalhadores do RN
Seguindo passos semelhantes aos do governo Bolsonaro na esfera federal, a proposta de Contrarreforma da Previdência do governo estadual prevê um aumento de idade mínima para aposentadoria de 60 para 65 anos para homens e de 55 para 60 anos para mulheres. Nesse aumento de idade, a proposta buscou preservar segmentos como professores da educação básica e parte dos trabalhadores da segurança pública. O governo Fátima, contudo, propõe inaugurar uma modalidade desconhecida pelas trabalhadoras e pelos trabalhadores do RN, medida que não se encontra sequer na contrarreforma absurda do governo Bolsonaro: a taxação de quem já se aposentou e ganha a partir de R$ 2.500,00, quando, na atualidade, todas e todos os servidores inativos que recebem até o teto do INSS (R$ 6.101.06) são isentos. Ou seja, propõe tirar de avós, avôs, pais e mães que já ganham pouco, que mais precisam cuidar de sua saúde e que, por vezes, sustentam a maior parte da família.
Outra proposta inaceitável do governo é a aplicação de uma alíquota progressiva, saindo dos atuais 11% fixos para uma escala que começa nos 12% para as servidoras e os servidores que ganham até R$2.500,00 reais. A partir de R$2.500,01 até R$6.101,06, a proposta do governo prevê o aumento da taxação para 14%. As remunerações entre R$6.101,07 e R$15.000 sofrerão desconto de 15% e, acima deste último valor, de 16%. Na primeira proposta do Executivo, havia uma projeção de alíquota de 18,5% para os maiores salários do serviço público estadual, um dos poucos recuos que o governo fez na apresentação da proposta final à Assembleia Legislativa, a serviço de quem ganha mais e não de quem ganha menos.
Na aplicação dessas taxações sobre as trabalhadoras e os trabalhadores do serviço público estadual, o governo do RN conseguiu, em diversos aspectos, ser pior do que o governo federal, tendo em vista que, para faixas salariais semelhantes, a contrarreforma do governo Bolsonaro aplicou percentuais menores para as remunerações de até R$ 20.000,00.
Segundo o Portal da Transparência do RN, o estado possui 51.608 servidores estaduais na ativa e 54.549 aposentados. De acordo com o Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público da Administração Direta do Estado do RN (Sinsp/RN), 43% dos servidores estaduais ganham até R$3.000,00 e 58% ganham, no máximo, R$4.000,00. Em audiência pública sobre a Contrarreforma da Previdência promovida pelo deputado estadual Sandro Pimentel (PSOL/RN) no último dia 13.02, o parlamentar divulgou dados oficiais do governo que relatam que apenas cerca de 4000 servidores da ativa ganham salários acima de R$ R$7.000,00. Em outros termos, essa elevação do imposto previdenciário sobre os servidores do RN, se aprovada, significaria um achatamento salarial para a maior parte do funcionalismo que ganha salários mais baixos, não tem reajuste há anos e que veria ainda mais diminuído o pouco que ganha em um contexto de aumento de preços da alimentação, gás, eletricidade, combustível e passagem de ônibus.
Como o governo se justifica, porque somos contra e que alternativas temos
O governo Fátima tem justificado sua proposta de contrarreforma da previdência afirmando que há um déficit no fundo previdenciário do estado e que não existe outra alternativa para saná-lo. Na Mensagem nº 005/2020-GE, de 12 de fevereiro de 2020, enviada à Assembleia Legislativa com o texto da proposta, a governadora Fátima Bezerra curva o governo e o Rio Grande do Norte diante das demandas administrativas do Ministério da Economia do Governo Bolsonaro e ainda salienta que se não fizer a contrarreforma potiguar não poderá aderir ao Plano de Equilíbrio Fiscal bolsonarista ou acessar empréstimos junto ao Banco Mundial.
Durante a audiência pública da Assembleia Legislativa do dia 13.02, contudo, diversos servidores denunciaram a falta de transparência do governo ao falar sobre os valores desse déficit, uma vez que, em entrevistas, o governo já falou em 120 , 130 e 140 milhões de reais mensais.
Além disso, o governo Fátima pouco tem destacado que o fundo da previdência norte-rio-grandense foi superavitário por décadas, isto é, tinha mais entradas financeiras do que saídas. Seu desgaste foi sendo aprofundado por, entre outras medidas, saques bilionários aprovados pela Assembleia Legislativa e realizados pelos governos Rosalba Ciarlini (então DEM) e Robinson Faria (PSD) para aplicação em outras áreas. Apesar de o governo insistir que este é um debate técnico sobre contas que não fecham, fica claro que este é um debate político sobre uma conta que não é da classe trabalhadora potiguar e sobre mais um pato que querem nos fazer pagar.
Nessa disputa, precisamos ter em mente que não se trata somente de um debate sobre números ou sobre uma minoria absoluta que ganha salários desproporcionais. Este é um debate sobre vidas e custos de vida de gente como a gente que não fecha suas contas ao fim do mês e que não pode abrir mão de mais um centavo. Ademais, é preciso relembrar que a previdência social não é um presente de governos ou empregadores e tampouco um fundo público que precisa ser lucrativo. A previdência social e as aposentadorias e pensões são conquistas históricas das lutas da classe trabalhadora em várias partes do mundo, diante de condições de trabalho e remunerações já tão insuficientes ao longo de toda vida.
De modo específico, em relação ao debate sobre a situação do rendimento do fundo previdenciário do RN ou de qualquer outro fundo público nessa área, é preciso demarcar que a previdência em si não precisa ser sustentável apenas com as contribuições de trabalhadores e empregadores. Outras fontes podem e devem ser canalizadas para essa conquista seguir existindo, a exemplo do que ocorre com outros direitos sociais conquistados, como a educação e a saúde pública.
Fátima Bezerra (PT) foi eleita governadora do Rio Grande do Norte (RN) em uma coligação do PT, PCdoB e PHS intitulada “Do lado certo”. Em seu jingle de campanha, falavam de dois “lados” da sociedade em diversos trechos e indagavam de que lado o povo potiguar estaria. Diante da Proposta de Contrarreforma da Previdência apresentada pelo governo estadual no último dia 13.02 à Assembleia Legislativa do RN, não há como não devolver a pergunta: de que lado estavam falando e de que lado estão com essa medida? O lado das trabalhadoras e dos trabalhadores potiguares, sem dúvidas, não é.
O governo Fátima optou por nomear parte do grande empresariado como secretários e reformulou o antigo Programa de Apoio ao Desenvolvimento Industrial do Rio Grande do Norte (Proadi), agora denominado Programa de Estímulo ao Desenvolvimento Industrial (Proedi), que se baseia em renúncia fiscal. Enquanto o governo diz não ter dinheiro para salários, aposentadorias, pensões, educação, saúde e direitos humanos, abre mão de arrecadar centenas de milhões de reais por meio do Proedi.
A escolha desse lado e desse caminho tem sido tão bem recebido pela Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Norte (Fiern), que Amaro Sales, seu presidente, chegou a dizer, na ocasião do balanço de um ano de Governo Fátima, que “é importante o estado e o empresariado andarem juntos” e que está conversando constantemente com o governo para trazer “tranquilidade ao setor industrial com a aprovação da lei do Proedi” .
Mesmo que desconsiderássemos o argumento de que a previdência social não precisa ser rentável e centrássemos o debate na arrecadação financeira para as contas públicas do RN, incluindo o fundo previdenciário, ainda haveria alternativas. O governo Fátima alega não conseguir repor por conta própria o que foi saqueado da previdência potiguar, como afirmou o presidente Instituto de Previdência do Estado (Ipern), Nereu Linhares. Ainda que fosse o caso, o governo deveria centrar esforços para efetivar medidas, com apoio e mobilização do povo trabalhador potiguar que alegou representar em sua campanha, como:
- Ampliar o quadro de servidores por meio de concursos públicos! Hoje temos mais servidores aposentados e aposentando-se do que servidores na ativa. Isso, além de impactar na qualidade dos serviços públicos, reduz o montante global das contribuições de quem está na ativa;
- Implementar uma política industrial e de desenvolvimento que não seja centrada em incentivos e renúncia fiscal aos ricos e donos do capital, mas que parta da iniciativa pública, bem como do estímulo às micro, pequenas e médias iniciativas, buscando a sustentabilidade ambiental, com a participação e controle das trabalhadoras e dos trabalhadores.
- Articular todas as possibilidades para execução da dívida ativa bilionária das grandes empresas e dos bancos devedores ao Rio Grande do Norte.
Não é só no Rio Grande do Norte
A Contrarreforma da Previdência do governo Fátima não vem isolada de outras que ocorrem pelo país e pelo mundo. Em um contexto de crise, o capital busca retirar direitos para manter seus lucros e medidas semelhantes foram encaminhadas na Argentina e na França, por exemplo. No Brasil, são pelo menos 18 os estados que estão se mobilizando para fazer ou que já fizeram contrarreformas estaduais, depois da aprovação federal do dispositivo.
É um contexto que relativiza a narrativa de que o Nordeste seria um polo de resistência diante dos ataques do governo Bolsonaro por ter elegido governadores do campo democrático-popular, sob a liderança de partidos como PT, PCdoB e PSB. Que as trabalhadoras e os trabalhadores nordestinos têm buscado colocar nas ruas sua resistência histórica diante dos ataques do governo Bolsonaro e do capital, ainda que de modo insuficiente, não resta dúvida. Os governos nordestinos, por sua vez, têm vacilado nessa disputa, cedendo, em diversos casos, aos interesses da classe dominante quando se propõem a conciliar interesses inconciliáveis.
Diferentes estados nordestinos já aprovaram suas contrarreformas da previdência, como foram os casos do Maranhão, Piauí, Ceará, Alagoas, Sergipe e Pernambuco, enquanto outros ainda não a fizeram, mas possuem projetos em tramitação, como é o caso do Rio Grande do Norte, da Bahia e da Paraíba. Nesses estados, as mudanças costumam ser semelhantes: aumento de idade mínima e de alíquota previdenciária, com algumas variações especialmente nestas últimas, escancarando suas contradições.
Na Bahia e no Ceará, sob governo de Rui Costa (PT) e de Camilo Santana (PT), respectivamente, a Contrarreforma da Previdência foi enviada à Assembleia Legislativa para aprovação com os mesmos métodos que a direita tradicional e a extrema-direita utilizam: às pressas, sem diálogo e com o apoio da Tropa de Choque para conter servidores que se manifestavam! Por isso, ainda que parte da classe trabalhadora ainda deposite confiança nesses partidos, está evidente que é necessário que o conjunto das trabalhadoras e dos trabalhadores tenha uma postura independente desses governos, e saiba enfrentar quando necessário para defender os seus direitos!
Esses governos, ao optarem pela pretensa conciliação de classes, permitem com facilidade que o capital continue lucrando mais e mais em um contexto de crise econômica e retirada de direitos da classe trabalhadora. Aos empresários, a tranquilidade; aos trabalhadores e trabalhadoras, a angústia!
Precisamos ir às ruas!
O papel do governo Fátima e dos demais governos do Nordeste que se colocam discursivamente ombro à ombro com as trabalhadoras e os trabalhadores deveria ser o de denunciar a contrarreforma de Bolsonaro, o saque da previdência dos servidores estaduais e o de promover concursos e articulações necessárias para a execução da dívida ativa das grandes empresas e bancos que seguem lucrando com distintos CNPJ, razões sociais e nomes fantasias. Entretanto, o papel que têm cumprido em temas como a Previdência é o de reforçar os ataques à classe trabalhadora, às servidoras e aos servidores públicos, que trabalham oferecendo serviços como Saúde e Educação para uma população que cada vez menos pode pagar por eles, por sofrer das mazelas do desemprego, do trabalho informal e do subemprego.
É relevante seguir pressionando governos e parlamentares por meio de reuniões e audiências, com a mediação, no caso potiguar, do Fórum de Servidores do RN. No entanto, é preciso que se entenda os limites dessas reuniões, posto que é necessário derrotar esse tipo de medida como um todo, não caindo no engodo de negociar alguns pontos para diminuir danos apenas para alguns. Se é verdade que as negociações não podem ser desprezadas, também é fato de que não se pode depositar todas as esperanças nessa tática.
Se governos vacilam em suas escolhas diante dos interesses entre o empresariado e os da classe trabalhadora, não cabe às trabalhadoras, aos trabalhadores e às suas entidades de lutas anteciparem derrotas ou assumirem uma escolha e um peso que não são seus. Por isso, é preciso fortalecer as lutas pela base, disputando os rumos desta história que não está consolidada, inclusive, entre quem votou, apoiou ou apoia um projeto para o governo Fátima voltado para as trabalhadoras e trabalhadores.
Para tanto, é preciso jogar peso em diversas linhas de ação tocadas por servidores públicos estaduais, mas também fortalecidas por servidores municipais e federais, além de trabalhadores do setor privado e da juventude, que dependem dos serviços públicos estaduais que serão ainda mais precarizados se seus trabalhadores forem ainda mais precarizados. Assumir esse papel não é fazer o jogo da direita e da classe dominante! O jogo da direita e da classe dominante é fazer o governo governar o Estado para eles. Inclusive, o nosso jogo não é jogo; é luta! Ou melhor, são lutas!É nesse sentido que, de nossa parte no RN, não temos que falar em aprovação ou ajuste da contrarreforma do lado de cá. Temos que construir mais assembleias sindicais, seminários e panfletagens antes da votação na Assembleia Legislativa. Temos que articular e implementar um calendário de mobilizações e paralisações que ocupem as ruas, o Centro Administrativo Estadual e a Assembleia Legislativa para que se acumulem forças para uma greve geral para derrotar a proposta do governo Fátima. Só este movimento pulsante de lutas fará governo, parlamento e, sobretudo, o grande empresariado relembrar quem tem a força para mover, paralisar e transformar as estruturas do Rio Grande do Norte!