França de 1968 – Mês da Revolução – Lições da Greve Geral

O Boom à um grande custo

A grande greve de maio de 1968 não ocorreu contra um pano de fundo de recessão ou estagnação, mas num período quando os salários reais estavam aumentando numa média de 5% ao ano. Para alguns setores da sociedade – trabalhadores qualificados e profissionais em particular – as expectativas do que o boom do pós-guerra significava para eles estavam aumentando. Em 10 anos, a compra de carros dobrou, assim como o número de máquinas de lavar em lares privados. Compras de geladeiras triplicaram. Mais de um milhão de segundas casas foram compradas. A compra de TVs quintuplicou.

Foi este proletariado, supostamente corrompido e ‘aburguesado’ pela ‘sociedade de consumo’, que implementou a maior greve geral da história. Foi esta classe trabalhadora que usou todo o seu poder para fazer uma revolução. Há portanto uma aparente contradição entre o aumento nas condições de vida dos trabalhadores, que comentaristas superficiais acreditavam que estabilizaria o capitalismo (e portanto de Gaulle) e a eclosão da revolução. Os levantes de maio-junho de 1968 confirmam a análise do marxismo de que as condições para a revolução não são preparadas automaticamente, seja por uma recessão ou uma melhora econômica, mas pela mudança de uma época para outra.

Uma catástrofe econômica como a de 1929-33 na América pode aturdir e paralisar o proletariado por um período. De outro lado, um aumento na produção, com a conseqüente queda no desemprego, pode restaurar a confiança da classe trabalhadora e preparar o terreno para uma nova explosão da luta de classes. A melhora econômica do pós-guerra na França, e especialmente sob de Gaulle, cicatrizou as feridas da classe trabalhadora francesa. A consciência dos retrocessos e derrotas dos períodos interguerra e no imediato pós-guerra se dissolveu com o desenvolvimento de uma nova e combativa geração de trabalhadores. Agora, a inflação e o desemprego ameaçavam minar tudo o que tinha sigo ganho. Estes fatores juntaram-se ao potencial da sociedade francesa para explosões revolucionárias.

Consciente dos perigos de desenvolver uma poderosa classe trabalhadora na França, com suas grandes tradições de revolução, a classe dominante francesa, por 150 anos, até o final dos anos 50, deliberadamente conteve o desenvolvimento de uma economia industrial. A França se tornou conhecida como o ‘Banqueiro do Mundo’ e ainda tinha um grande campesinato para agir como um contra-peso político aos trabalhadores nas cidades.

Mesmo em 1968, metade da população vivia em comunidades de menos de 2.000 pessoas. 28% da força de trabalho estavam na industria, comparados aos 35% na Grã-Bretanha e Alemanha. A produtividade da França era menos da metade da média do resto da Europa. Contudo, o declínio da proporção da população da França diretamente empregada na terra, de 35% em 1945 para 17%, foi a mais rápida de qualquer país ocidental por um período de 20 anos.

Subindo ao poder em 1958, na incandescência de um boom sem precedentes, de Gaulle foi forçado a modernizar e trazer a França para o mercado mundial – numa palavra: competir. Ele foi ajudado por uma desvalorização de 15% do franco e uma grande escala de investimento dos EUA. Um déficit na balança de pagamentos foi transformado num excedente e foi acumulada uma vasta reserva em $5.25 bilhões em ouro. Mas, sob o reluzente boom, a ferrugem se manifestava. O milagre foi conseguido à grandes custos para as condições de vida e trabalho de milhões de trabalhadores. A rápida expansão trouxe junto uma inflação de 45% sobre um período de 10 anos. Em 1968, os aumentos de preços estavam sendo exacerbados por novas imposições do TVA(2) e uma desregulamentação dos aluguéis. O desemprego estava subindo em 70% desde 1960, para um quadro oficial de mais de 500 mil (de acordo com os sindicatos, era de 700 mil). Um quarto dos desempregados consistia de alunos que saíram da escola sem completar os estudos, formados e estudantes reprovados. Estimava-se que metade tinha menos de 25.

As já inadequadas provisões de seguro social e de saúde seriam cortadas; em particular, um decreto restringindo ainda mais o auxilio doença apareceu como uma questão ardente. A mortalidade infantil era alta para um país europeu. Em Paris, três milhões de pessoais viviam em cortiços, e metade dos domicílios não tinha banheiros internos.

Na indústria, longas horas eram trabalhadas, freqüentemente por salários baixos. Um quarto dos trabalhadores recebia não mais do que 145 francos por semana. Um milhão e meio de trabalhadores não qualificados e rurais ainda recebiam 400 francos por mês (£33) ou menos. Seis milhões de pessoas viviam abaixo da linha da pobreza. A semana de 40 horas foi introduzida pelo governo da Frente Popular de 1936 e amplamente implementada antes da guerra. Agora, em 1968, a semana de trabalho média era de 45 horas.

Uma visão do Inferno

Nas gigantescas fábricas de carros, que cresceram como cogumelos durante o boom, os veículos mais modernos eram produzidos em condições arcaicas. Como na América nos anos 30, as linhas de produção eram policiadas por exércitos privados de bandidos armados. O trabalho imigrante foi deliberadamente usado numa tentativa de dividir a força de trabalho. Os trabalhadores eram organizados na linha de produção pela nacionalidade, de modo que um trabalhador dificilmente estava próximo de outro que falava a mesma língua.

Três milhões saíram das condições de pobreza no Sul da Europa, África do Norte e Caribe para os locais de trabalho da França. Um terço dos 40 mil trabalhadores na planta da Citroën em Paris eram imigrantes. Milhares mais, especialmente espanhóis e portugueses, eram empregados nas grandes firmas de engenharia. Seus sonhos eram destruídos à medida que se eles se viam vivendo e trabalhando em atrozes condições de ‘terceiro mundo’. Se começassem a reagir e provassem ser muito militantes, suas companhias simplesmente chamavam a policia para retirar suas autorizações de trabalho. Muitos eram arrebanhados em albergues, onde as condições de superlotação e insalubridade eram acompanhados por uma disciplina draconiana – sem visitas, jornais, ou mesmo falar na mesa de refeições. Um repórter do Militant na França, em maio de 1968, relata a situação na Simca:

“A fábrica tinha uma policia estatal em miniatura com a segurança da fábrica, muitos dos quais operavam em segredo, prontos para pegar qualquer sindicalista em flagrante. Eles não apenas exerciam seus deveres de repressão na própria fábrica, mas também nos alojamentos e hospitais da companhia. 60% da força de trabalho eram de imigrantes. Durante a greve, 4 mil destes trabalhadores foram mantidos prisioneiros num albergue da companhia. A qualquer um que tentasse partir era-lhe dito que não havia mais trabalho e portanto estava sob suspeita”.

Na fábrica da Renault em Flins, uma alta proporção de trabalhadores imigrantes estava no piquete desde o inicio. Na grande manifestação de 13 de maio em Paris, grupos de trabalhadores portugueses cantavam ‘de Gaulle, Franco, Salazar – assassinos’. Um “Comitê de Ação do Magrebe” divulgava um panfleto apelando aos trabalhadores norte-africanos a apoiar a greve e denunciando as ditaduras na Tunísia, Argélia e Marrocos, onde estudantes, professores e colegiais já estavam em rebelião.

The Economist descreveu a linha de montagem e fundição da fábrica gigante da Renault em Billancourt como uma “visão do inferno”. Os trabalhadores que saíram em greve estavam se rebelando contra ‘les cadences’ – o desumano ritmo de trabalho –, a tensão, o stress e o desgaste sobre músculos, nervos e membros.

Estas condições explicam como a França poderia explodir como um barril de pólvora. Elas são a razão para a alegria e júbilo sentidos pelos trabalhadores uma vez aberta a possibilidade de transformar suas vidas diárias. Elas explicam, também, a amargura e desejo de vingança que se mostraram em alguns dos slogans e nas efígies representando o capitalismo balançando de uma forca improvisada fora das fábricas. Isso explica as ocupações, as discussões, o cantar de canções revolucionárias e a atmosfera festiva que acompanhou a parada do trabalho. Também explica os incidentes de gerentes sendo trancados em seus escritórios e alimentados por baldes abaixados através da clarabóia!

Houve muitos tremores sísmicos nos anos precedendo o maio de 68, que alertavam um terremoto iminente. Mas nenhum podia indicar a fantástica escala da explosão, depois que a tampa da sociedade gaullista foi levantada.

A industrialização francesa forçada levou exatamente ao que Marx e Engels previram no Manifesto Comunista e o que a classe dominante francesa temia por tanto tempo. Ela reuniu trabalhadores em enormes concentrações, com 30.000 apenas na Renault Billancourt. Eles estavam criando seus próprios coveiros – em primeiro lugar entre eles, a juventude.

Fábricas de Educação

Um terço da população francesa estava sob a idade dos 20 anos em maio de 1968. Mais de 500 mil deles estavam na universidade (em 1946 haviam apenas 123.000 e, em 1961, 202.000). Em Nanterre, pretendida pelo Ministro da Educação como um modelo para as universidades do futuro, 23.000 estudantes foram admitidos em 1964. Em 1968, o quadro era seis vezes este número! Uma composição austera de cubos de aço e vidro, ela foi construída rapidamente para dar conta da pressão do que foi chamado o “fervilhante formigueiro do Quartier Latin”’ por Seale e McConville em seu livro French Revolution, 1968. Amontoada num subúrbio entre a construção de uma auto-estrada e favelas norte-africanas, Nanterre se tornou um “modelo para a revolução”. Foi o local de nascimento do Movimento “22 de Março” de Daniel Cohn Bendit. Este era um grupo muito amorfo mas bastante corajoso de anarquistas, que ocupou os escritórios da Universidade de Nanterre na época, em protesto ao modo como os manifestantes anti-Guerra do Vietnã estavam sendo tratados.

Noventa por cento dos estudantes franceses ainda eram filhos e filhas da burguesia e pequena-burguesia. Até os filhos de ministros estavam envolvidos nos eventos de maio, assim como os do Chefe da Policia! Amontoar esta “juventude dourada”’ em ineficientes e miseráveis “fábricas de educação”, que mantinham uma rígida abordagem para a educação e a vida social no campus, causou inevitavelmente um rompimento no relacionamento estudante-professor. Havia uma convicção generalizada de que os espiões da policia estavam operando intensamente nos campi, com a conivência das autoridades universitárias. Livrarias e laboratórios transbordavam, salas de leitura era superlotadas e três quartos dos estudantes não chegavam ao fim de seus cursos. Pelos menos metade dos estudantes francesesde então não completavam seus cursos. Pelo menos metade deles, como agora, poderiam apenas sobreviver trabalhando, o que por sua vez adicionava intoleráveis esforços na sua capacidade de estudar.

Alain Peyrefitte, o infeliz Ministro da Educação na época dos eventos de maio, comentou em 1967: ‘Era como se organizássemos um naufrágio a fim de escolher os melhores nadadores’. Os gastos na educação aumentaram seis vezes nos 15 anos anteriores, mas isso era insuficiente para fornecer os prédios e o pessoal necessários para cobrir o enorme aumento no número de estudantes. Alain Touraine, um sociólogo de Nanterre, notou que:

“Os grandes campi novos do século 20 isolaram os estudantes, do mesmo modo como os trabalhadores estão isolados nas “company towns”(3) americanas. A multidão estudantil nasceu tão densa e anônima como um proletariado industrial, com seus próprios ressentimentos, seus próprios líderes e sua crescente noção do próprio poder”

As universidades francesas podem ser comparadas às fábricas na Rússia, trabalhando por normas ordenadas pelo centro. Todas as 23 universidades do país eram dirigidas pelo estado, em linhas rigidamente padronizadas, como um departamento governamental. As insatisfações, ao invés de serem erodidas pela negociação e reformas práticas, eram represadas e então estouravam em explosões de raiva coletiva. Revoltas estouraram em Nanterre contra a proibição de estudantes visitarem outros do sexo oposto em suas habitações!

Queixas sobre o modo como o ensino era dirigido e, além disso, seu próprio propósito na sociedade capitalista, estavam chegando a um ponto de ebulição. Novas propostas com o objetivo de adaptar a educação às necessidades dos patrões tornaram as coisas piores!

Ao mesmo tempo, os estudantes nas escolas secundárias (lycées) foram radicalizados pela agitação generalizada e sua própria indignação com a guerra do Vietnã. Eles estiveram envolvidos, com a direção dos Comitês de Ação dos Lycée, em paralisações de 24 horas e manifestações. Agora, chegavam propostas para o fim da política de portas abertas de entrada na universidade, para se juntar à raiva ardente que eles já tinham contra o sistema de exame da escola secundária “Baccalauréat”. Eles estavam completamente prontos para irem às ruas quando “les enragés” (os “raivosos”) das universidades entraram em confronto aberto com as forças do estado.

Na época das lutas de maio, os professores universitários estavam com os estudantes em suas demandas por reforma. Mas os professores do lycée primeiro tentaram manter as crianças de 13 e 14 anos em suas escolas trancando as portas das salas de aula! Em alguns dias, eles também estavam se unindo às manifestações e organizando as ocupações dos lycées junto com os pais!

Leon Trotsky, o grande revolucionário russo, comentou que o vento da revolução chacoalha primeiro o topo das árvores – os filhos e filhas da classe dominante, a aparentemente saciada camada estudantil da sociedade. Ele pontuou que, pela primeira e provavelmente única vez em suas vidas, os estudantes estão livres de algumas das restrições da sociedade burguesa. A Universidade é um intervalo entre as restrições da vida no lar burguês e pequeno-burguês, e a reintegração em confortáveis empregos e posições na sociedade burguesa. Além disso eles são encorajados a experimentar idéias, até mesmo noções socialistas e semi-marxistas, o que em geral é inteiramente estranho à burguesia.

Um movimento de massas da classe trabalhadora pode exercer um poderoso efeito ideológico na perspectiva dos estudantes. Se um forte pólo de atração se desenvolver, o melhor dos estudantes pode ser ganhos para as idéias do socialismo e do marxismo. Contudo, eles podem provar serem sadios participantes no movimento dos trabalhadores apenas rompendo ideologicamente, e em termos de seu estilo de vida, com as origens pequeno-burguesas e burguesas.

A tragédia da França era que não existia nenhuma organização que pudesse auxiliar este processo. Pelo contrário, seitas ultra-esquerdistas, afirmando serem ‘trotskistas’, reforçaram os preconceitos arrogantes de muitos dos estudantes, distribuindo a eles o papel de “’líderes” nesta luta. A revolução aconteceria, disseram, sob a batuta condutora dos estudantes. Uma das seitas, a JCR, chegou ao cúmulo de produzir um panfleto com uma citação de Lênin sobre a classe trabalhadora não ir além da consciência sindical. A implicação era que deveria ser deixado aos estudantes ocuparem a posição de ‘generais revolucionários’, enquanto a classe trabalhadora meramente forneceria os soldados rasos! Isso eles defenderam numa época quando milhões de trabalhadores franceses começaram a exibir um tremendo poder de improvisação, iniciativa e atrevimento! Aqueles trabalhadores que leram os panfletos simplesmente deram de ombros e se voltaram para assuntos sérios.

The Economist (22 de maio) explicou menos cientificamente um dos processos que se desenvolveriam nos primeiros dias de maio de 1968: “Obviamente, muitos dos rebeldes de hoje serão absorvidos amanhã e se preocuparão apenas em ascender ao establishment ou obter sua fatia de riqueza. Mas eles ainda são jovens o suficiente para escutar com simpatia os slogans sobre a derrubada da sociedade estabelecida”. O cassetete tratou do resto! A “Force de Frappé”, como este mesmo artigo a chamou – a “tropa de choque” da Garde Mobile e da CRS – foi um educador formidável: “A França tem as tropas necessárias para uma guerra civil, e seus vários regimes freqüentemente a usaram cruelmente”.

Repressão Estatal

As Companhias Republicanas de Segurança (CRS) são uma força armada de segurança policial criada no fim da 2ª Guerra Mundial. Elas tiveram seu ‘batismo de sangue’ em 1947, quando foram enviadas pelo Ministro Social Democrata do Interior, Jules Moch, contra mineiros grevistas. Elas foram chamadas muitas vezes para desferir ataques contra todo tipo de manifestações. Nunca antes, contudo, foram usadas tão extensamente contra estudantes.

A própria policia de Paris estava infestada de reacionários anticomunistas, além de elementos que odiavam aqueles que consideravam responsáveis por ‘trair’ a França e suas colônias – intelectuais e ‘progressistas’, militantes comunistas e sindicais. Um virulento racismo foi demonstrado contra os indochineses, depois contra os argelinos. Isso culminou na sangrenta repressão de manifestações de argelinos em Paris e nas ‘caçadas de ratos’ nas ruas e nas favelas nos subúrbios da cidade. Não menos violento foi o comportamento da policia com os franceses que queriam a independência argelina e lutaram por isso. A repressão à manifestação anti-OAS em 8 de fevereiro de 1962 deixou oitos mortos na estação do metrô de Charonne.

“Comitês para a Segurança Pública” secretos foram criados na Prefeitura de Paris na época do coup d’état de De Gaulle em 1958. Elementos do Serviço de Ação Cívica (SAC), outra organização para-militar semi-independente criada pelo partido Gaullista, notavelmente incluindo Pasqua (o odiado Ministro do Interior de Chirac nos anos vindouros) ficaram conhecidos durante as lutas de rua. Eles exigiam capacetes e porretes para ir às barricadas do lado da polícia. Outros organizaram gente da policia em grupos chamados os ‘incontroláveis’, que declaravam prontidão em agir, mesmo contra as ordens de seus próprios chefes de policia. Depois, quando os Comitês pela Defesa da República foram mobilizados após a fala de De Gaulle de 30 de maio, a SAC distribuiu entre a policia e a CRS um panfleto os chamando a se unir a ela.

Estes agrupamentos foram sem dúvida os principais perpetradores dos piores excessos das jornadas de maio em Paris de 1968. Grimaud, o chefe da policia, alertou todos os policiais contra os “reconhecidamente poucos entre vocês que, por suas ações impensadas, têm dado crédito a esta imagem desfavorável que aquelas pessoas estão tentando impor à nós!’. As tropas de elite, normalmente isoladas da opinião pública, não obstante eram uma frágil arma no arsenal de um estado bonapartista. Flexibilidade e sensibilidade não são lemas de uma ditadura militar policial, mesmo as ligadas às formas parlamentares de que de Gaulle tanto desdenhava. Muita da raiva e amargura que se acumulou na sociedade francesa provinha do tratamento dispensado a quase todas as camadas da sociedade pela repressiva maquina estatal. O comportamento do governo, o hábito gaullista de ignorar as crises, até a linguagem de quartel de de Gaulle, tudo trouxe à tona os ressentimentos nascidos com os longos anos de arbitrário “Poder Pessoal”.

De Gaulle comentou privadamente em 7 de maio sobre a necessidade da modernização da educação, mas também da impossibilidade de tolerar violência nas ruas: “aquilo nunca foi o método do diálogo”. Poucos acreditaram que de Gaulle alguma vez já tivesse conduzido um diálogo com o povo – mesmo quando adotando o ardil bonapartista favorito, de implementar um referendo.

As forças da lei de certo modo foram além da lei. Os debates no parlamento tinham pouco a ver com o que era implementado pelo estado, muitas vezes por decretos. A rígida censura da imprensa, rádio e TV significava que pouca ou nenhuma critica poderia ser ouvida publicamente. Nas reuniões diárias de um comitê na sede da Rádio e Televisão Estatal (ORTF), o diretor tinha que resumir todas as noticias pensadas e futuros programas para representantes de departamentos do governo, que então “sugeriam” revisões, adições ou eliminações.

O controle do governo sobre o rádio não era tão grande quanto o da televisão. Nenhum representante dos estudantes ou professores pôde apresentar seu caso ante as câmeras, e a filmagem das sangrentas batalhas de rua foi suprimida e apenas eventualmente transmitidas quando os sindicatos insistiram. O canal de rádio francês France-Inter, contudo, rompeu as barreiras durante os distúrbios. Sua cobertura no Quartier Latin estava no mesmo nível com a reportagem da “linha de frente” de duas estações comerciais, Radio Luxembourg e Europe No. 1. Para uma classe trabalhadora alcançando seus irmãos europeus, e uma classe média contemplando os frutos da rápida expansão da economia, a línguagem do coice e os métodos do ditador estavam se tornando intoleráveis.

O jornal satírico Le Canard Enchainé comentou sobre a atmosfera sufocante. Toda a França, disse, estava vivendo sob ‘un cours magistral’ (procedimentos legais). Quando Pompidou anunciou em certo momento que ele tinha “libertado” os estudantes presos, Le Canard o descreveu como uma pessoa “julgando e anistiando” estudantes de uma maneira totalmente arbitrária.

Mal preparado para manter a paz total, o regime bonapartista estava ainda menos preparado para lidar com a crise. A resposta crua de de Gaulle às demandas dos estudantes: ‘Reforma: sim! Mas bagunça na mesa: não!’ foi atirada de volta para ele com tudo nos gritos dos manifestantes e cartazes dos estudantes: “A bagunça na mesa é ele!”

O Evening Standard declarou: “’Seu governo está agindo num vazio que vem de anos de excesso de confiança e separação do fluxo de opinião e ressentimento. É incapaz de planejar qualquer ação coerente.” Ele instigou um ninho de vespas para si mesmo e terminaria mortalmente ferido!

2 Imposto sobre valor agregado, equivalente ao ICMS.

3 Cidades onde grande parte dos imóveis, comércio e serviços pertencem a uma empresa, que também possui uma grande fábrica ou local de trabalho na região.