França de 1968 – Mês da Revolução – Lições da Greve Geral
Uma Revolução em fabricação
Os ‘eventos de Maio’ da França de 1968 constituíram a maior greve geral da história. Arrebentaram como um vulcão em erupção. As ondas de choque alcançaram cada canto do mundo. Suas conseqüências nunca se acalmarão verdadeiramente. No seu auge, 10 milhões de trabalhadores estavam em greve. Eles ocuparam seus locais de trabalho, içaram bandeiras vermelhas e criaram comitês. Eles cantavam a Internationale e debatiam acaloradamente como assumir o controle de suas vidas. Cada camada na sociedade foi varrida pela onda da maré que fluía rumo a uma nova forma de sociedade – um rompimento com o passado e um florescimento do talento humano. Poucos viram a aproximação deste grande movimento; milhões sentiram seus efeitos, e as classes dominantes em todo lugar tremeram com o que poderiam ser suas conseqüências.
O choque titânico das forças de classes aparentemente veio como um raio num céu azul. O capitalismo mundial estava se aquecendo sob a luz de um boom do pós-guerra sem precedentes, que muitos comentaristas acreditavam que seria interminável. Mesmo alguns que se diziam ‘marxistas’ decidiram que o capitalismo achara um meio de ‘amortizar’ (solucionar) suas crises!
O boom especial “cromado” da França veio tarde, com a chegada ao poder do General Charles de Gaulle em 1959. Em 1969, estava suprindo um saudável índice de crescimento de 5% e ganhando terreno para as mercadorias francesas no mercado mundial. “Tudo ia para o melhor no melhor dos mundos possíveis”, como o personagem de Voltaire, Pangloss, gostava de acreditar!
Mas nenhum dos conflitos básicos e contradições da sociedade capitalista tinham sido eliminados. Pelo contrário, foram agravados e exacerbados, e inevitavelmente levariam a novas crises e novas explosões na luta de classes. Do mesmo modo como vinte anos depois, quando apenas os marxistas em torno do Militant previram a crise mundial das bolsas de valores de 1987 e as convulsões que se seguiram, foram apenas eles que entenderam os processos em curso em 1968. Eles foram inflexíveis ao dizer que mudanças explosivas viriam pela frente, e que a revolução socialista re-emergeria na Europa com toda a força
O Partido “Comunista” na França continuou a vender a idéia, herdada de seu líder pré-guerra Maurice Thorez, de que a revolução era impossível na França enquanto as condições de vida na Rússia permanecessem inferiores às da Europa Ocidental! As falsas perspectivas de outros supostos marxistas foram resumidos num artigo do ‘teórico’ francês André Gorz, no Socialist Register de janeiro de 1968: ‘No futuro previsível, não haverá nenhuma crise do capitalismo europeu tão dramática para levar a massa dos trabalhadores à greves gerais revolucionárias.’
O PCI (Partido Comunista Internacional) cuja organização de juventude, a JCR, estava pesadamente envolvida nas lutas estudantis na França, ecoou estas idéias. Afirmando se posicionar pelas idéias de Trotsky, na realidade eles a abandonaram completamente. Numa reunião em Londres algumas semanas antes da eclosão da greve geral, eles afirmaram que tal desenvolvimento não seria possível pelos próximos vinte anos! Os trabalhadores nas cidades metropolitanas estavam ‘derrotados’ e ‘em retirada’, declararam. Eles voltaram suas costas para a classe trabalhadora da Europa e olhavam para outros lugares, por outra ‘revolução’. Concentraram-se nos estudantes em toda parte e acriticamente cantaram elogios aos líderes stalinistas das revoluções coloniais de Cuba, Argélia e Vietnã (que eles diziam que eram análogas à Revolução Russa de 1917).
O impacto total – a escala, o alcance, o impulso – do movimento revolucionário que ocorreu na França surpreendeu até mesmo aqueles que esperavam um movimento da classe trabalhadora nos países capitalistas avançados. Deu um vislumbre do passado revolucionário da França e um gosto do que estava para vir – não apenas na França, mas por toda a Europa e de fato por todo o mundo.
Não foi apenas o Militant em maio e junho de 1968 que reconheceu uma nova Revolução Francesa em preparo. O general francês Beaufre declarou: ‘Os tempos em que vivemos são sem dúvida aqueles do nascimento de uma revolução do qual é impossível prever o curso dos eventos.’ Como sempre, os estrategistas sérios do capital chegaram às mesmas conclusões dos marxistas, embora do ponto de vista oposto. O Financial Times de 22 de maio de 1968 refletiu o terror da burguesia mundial com o panorama:
“Quando Luis Filipe foi tirado de seu trono em 1848, após uns poucos animados dias de tumultos em Paris e se refugiou em Londres, houve revoluções em toda a Europa. Itália, Alemanha Ocidental, Bélgica e Espanha já estão com problemas suficientes sem a ‘Mãe das Revoluções’ mais uma vez dando um mau exemplo.”
O Evening Standard londrino declarou em 29 de maio: “A situação hoje pode ser resumida em poucas palavras: é uma situação revolucionária quase do tipo de um livro didático”. The Economist (1 de junho) estava tirando a mesma conclusão, embora apenas uma semana antes tenha falado da França não ser um país revolucionário!
Uma vez a tempestade revolucionária tenha se acalmado e os comentaristas tenham readquirido seu equilíbrio, seu tom mudou. Os ‘eventos de maio’ foram declarados ‘excepcionais’, uma ‘aberração’, um ‘episódio’ – inesquecível mas apesar de tudo um ‘episódio’. A sociedade francesa nunca foi realmente ameaçada, eles insistiam. Mas tal movimento poderoso não poderia ser sepultado com declarações. Vinte anos depois as questões permaneciam: Poderia acontecer de novo? Poderia acontecer em qualquer outro país? Poderia acontecer em todo e qualquer país?
Que uma greve geral de tais proporções possa acontecer numa sociedade industrializada capitalista é um pesadelo constante não apenas para a classe dominante francesa mas para muitas outras. À medida que uma recessão mundial se aproxima, o ‘medo de 68’ parece maior do que nunca.
Em 1968 havia um prolongado boom do pós-guerra. Este forneceu uma pausa de respiro para os trabalhadores. As feridas e desapontamentos das derrotas passadas foram cicatrizadas. Suas organizações cresciam em número e coesão. Os patrões, fazendo grandes lucros, pareciam mais favoravelmente dispostos a ceder às demandas dos trabalhadores. As relações de classe estavam aparentemente suavizadas. Neste clima, as idéias do reformismo podiam ganhar terreno. A ilusão de que o capitalismo poderia suprir as necessidades dos trabalhadores pouco a pouco levou os líderes das organizações operárias a abandonar a idéia de que o socialismo era necessário.
As análises dos chamados teóricos trotskistas eram o outro lado da mesma moeda. Eles, junto com numerosos acadêmicos, ‘descobriram’ outro fenômeno que, afirmavam, impediria os trabalhadores de se moverem rumo ao socialismo – a existência do ‘estado forte’. Na França isso foi personificado na figura de Charles de Gaulle. Ele chegou ao poder em 1958, posando como o ‘salvador da nação’ numa situação de crise na economia, com a ‘missão’ de derrotar a guerra de libertação pela independência argelina.
Um Estado Forte?
Engels, o colaborador de Marx, explicou como, em certas etapas da luta de classes, o estado se eleva acima da sociedade e aparece, mais do que o normal, estar isolado dos interesses de qualquer uma das principais forças competidoras. Apesar da aparência de se equilibrar entre as classes, o estado em último caso reflete os interesses da classe economicamente dominante; no caso de Charles de Gaulle, os capitalistas franceses.
O próprio De Gaulle afirmava que representava uma ‘terceira via’ – entre o capitalismo e o comunismo. Não o era de nenhuma maneira! Ele salvou a França para o capitalismo, mas para fazer isso foi forçado a apoiar-se em outras classes na sociedade, até mesmo tomando medidas que um setor dos capitalistas e da pequena burguesia achava repugnantes – especialmente aqueles que se opuseram amargamente ao abandono da colônia francesa na Argélia. Ele também introduziu medidas de interferência estatal no governo do capital, que antes agia sem restrições, o que beneficiou os grandes negócios, mas que espremeu a pequena burguesia e especialmente os pequenos negócios. Além disso, ele exerceu uma extraordinária censura da mídia, parcialmente restringindo até mesmo o direito destas camadas de debater, discutir e criticar.
Uma forma especial de poder pessoal estava em operação. De Gaulle declarou ao se tornar presidente: “Eu pertenço a todos e todos pertencem a mim”. Ele agiu de forma a poder desprezar o parlamento, preferindo governar por decretos, temperados com o plebiscito – um referendo “do povo”.
Faltando uma base firme de apoio social, um estado bonapartista descansa em último caso na ‘espada’ – os destacamentos de homens armados. O bonapartismo de De Gaulle foi de um tipo mais parlamentar e limitado quando comparado às ditaduras policiais abertas que existiam em muitas partes do mundo. Não obstante, era um regime brutal cuja reação natural em tempos de crise era’atacar primeiro e refletir depois’. Isso não funcionou contra os protestos estudantis. Era ainda menos provável de ter sucesso contra a poderosa nova geração de trabalhadores franceses, cujas organizações ainda estavam intactas. Para manter a ordem na França de de Gaulle, havia mais membros das forças de estado per capita do que em quase qualquer outro país capitalista avançado no mundo. Mas mesmo esta poderosa máquina estatal desabou ao primeiro teste real de seu vigor, confundindo as teorias de todos aqueles que abandonaram a classe trabalhadora.
Uma situação revolucionária como a que se desenvolveu na França em maio de 1968 pode fazer 20 anos parecerem um dia e como Marx disse, ‘chegam dias em que 20 anos estão concentrados’. Uma situação revolucionária não pode, por sua própria natureza, durar indefinidamente, mas apenas por dias, semanas, ou no máximo meses. Na Rússia ela durou no máximo talvez três meses. Há diferentes etapas no desenvolvimento dos eventos durante uma revolução mas nunca, como os Partidos ‘Comunistas’ ainda tentam manter, pode a luta pela democracia ser separada como uma ‘etapa’ da luta pelo socialismo. A subida de De Gaulle ao poder mostrou o quão frágil a democracia pode ser numa sociedade capitalista. Apenas se as rédeas da economia forem tomadas pela classe trabalhadora uma democracia socialista pode ser criada. Os eventos da França de 1968 mostraram que esta idéia estava longe da utopia. Cada camada da sociedade parecia estar convencida na ação que havia um meio mais prático, justo e humano de organizar as coisas do que aquele ditado pelo capitalismo. Os eventos também demonstraram conclusivamente que as tarefas da revolução socialista não podem ser implementadas por nenhuma outra classe além da própria classe trabalhadora. Na França de 1968, dados o seu grande poder e o apoio das classes médias, a revolução socialista poderia ser implementada pacificamente numa questão de dias.