Venezuela: A revolução em perigo

No dia 2 de dezembro de 2007, Hugo Chávez, presidente da Venezuela, infelizmente sofreu sua primeira derrota eleitoral desde a sua chegada ao poder em 1998.
As 69 propostas de emendas à constituição de 1999 incluíam dar maior poder ao presidente, permitindo Chávez ter mais do que dois mandatos, criar o “poder popular” declarando a Venezuela um estado “socialista bolivariano” e reduzir a semana de trabalho de 44 para 36 horas. Estas emendas foram rejeitas por 50,7% contra 49,2% daqueles que participaram em uma votação com alta taxa de abstenção (44%).

A rejeição destas propostas coloca questões importantes sobre o futuro da revolução e sobre os perigos existentes diante da classe trabalhadora e das massas. Ela destaca a necessidade de todos os socialistas, na Venezuela e internacionalmente, analisarem a conjuntura atual da luta contra o capitalismo e o latifúndio e as tarefas para os ativistas no movimento.
A derrota no referendo representa um recuo para a classe trabalhadora e ajudou a fortalecer a oposição de direita e pró-capitalista. O Comitê por uma Internacional Operária (CIO) e seus apoiadores na Venezuela defenderam um voto pelo “sim”. Isto apesar das importantes limitações das propostas, sendo que algumas foram designadas para fortalecer os poderes centralizados da presidência e permitiram a direita retratar como propostas “ditatoriais”. Apesar destas fragilidades, seria um equívoco apoiar a abstenção ou boicotar, tal como alguns na esquerda fizeram, por exemplo, o líder sindical Orlando Chirino. Uma vitória do voto “não” deixou aqueles que defenderam o boicote mais isolados dos ativistas, tornando mais difícil levantar as críticas sobre as deficiências da direção atual.
Esta é uma derrota importante, ainda que não seja decisiva. Mas é importante que as lições sejam aprendidas para evitar uma derrota ainda maior e para que o processo revolucionário avance.
Tal como o CIO comentou na época, a chegada ao poder de Hugo Chávez representou o início de uma importante mudança na situação internacional. A eleição de Chávez foi uma rejeição decisiva das políticas neoliberais que dominaram os anos 90, desde o colapso das ditaduras burocráticas e das economias planificadas na antiga União Soviética e no leste europeu. Seu governo não estava preparado para servilmente se ajoelhar às demandas do imperialismo e introduzir políticas neoliberais.
Inicialmente Chávez não falava de socialismo e limitava-se à idéia de uma “revolução bolivariana”. Seu regime populista e nacionalista, junto com as reformas radicais que ele introduziu rapidamente entraram em conflito com o imperialismo dos EUA e com a oligarquia dominante que comandou a Venezuela por décadas. Esta organizou uma série de tentativas de derrubar seu regime. Cada uma delas – uma tentativa de golpe em 2002, uma greve patronal em 2002/3, uma tentativa de referendo revogatório em 2004 – foi derrotada por um movimento espontâneo das massas que atuaram para defender Chávez.
Estes conflitos entre as massas e a classe dominante provocaram uma radicalização política. Isto foi refletido no fato de Chávez, eventualmente declarar que a “revolução” não era somente “bolivariana”, mas “socialista”. Ele proclamou que a Venezuela estava embarcando em uma estrada para construir o “socialismo no século XXI”. Logo após a sua vitória eleitoral em dezembro de 2006, ele foi mais além e anunciou seu apoio ao Programa de Transição de Trotsky e à Revolução Permanente.
Em um cenário de ofensiva ideológica global contra o socialismo conduzida pela classe dominante e seus representantes nos antigos partidos de massas da classe trabalhadora, estes desdobramentos representaram e ainda representam importantes avanços. Eles foram entusiasticamente recebidos por uma nova geração de jovens e trabalhadores que olhavam para Venezuela e Cuba – e mais recentemente Bolívia, após a eleição de Evo Morales, e o Equador – como uma esquerda radical enfrentando Bush, Blair e o capitalismo neoliberal.
Enquanto em outros países a aplicação de políticas neoliberais resultou em cortes e ataques sobre a classe trabalhadora, o governo de Chávez introduzia uma série de reformas populares que nós apoiamos, tal como apontamos em vários textos anteriores (ver a página do CIO: www.socialistworld.net). Elas foram financiadas pela alta no preço do petróleo no mercado mundial e pelo crescimento econômico, que foi particularmente beneficiado pela classe média.

Pobreza e alienação
Porém, problemas sociais massivos continuam, com a permanência de altas taxas de pobreza. A frustração com o fracasso em resolver estes problemas associada à insatisfação com o crescimento da corrupção, da burocracia e dos métodos administrativos de cima para baixo abriram caminho para a derrota do referendo. O desemprego continua oficialmente próximo dos 10%. Falta de alimentos, inflação maior que 20% e uma crise habitacional massiva não podem ser resolvidas enquanto o sistema capitalista continuar. A falta de 2,7 milhões de casa, além de 1,3 milhões de habitações não sendo mais do que barracos auto-construídos ilustram o quão desesperadora a situação continua para milhões.
A pobreza e a alienação da sociedade são refletidos nos altos níveis de crimes, especialmente homicídios, que afetam as principais cidades. A taxa de homicídios na Venezuela era de 33,2 para cada 100.000 habitantes comparada com 11 no Japão e 5,51 nos EUA. Desde então, a situação somente piorou e a capital, Caracas, hoje é mais violenta que o Rio.
Durante novembro de 2007 foram relatados 11 homicídios por dia em Caracas. Aproximadamente 1.000 pessoas foram seqüestradas e resgatadas durante 2006. Crimes violentos são hoje uma questão central na medida em que o governo é visto como incapaz de lidar com isto. Alguns podem argumentar que é injusto culpar Chávez pela criminalidade. Crimes existirão em sociedades que são marcadas pela pobreza e privação social. Em última instância, só podem ser resolvidos com base no fim do capitalismo e das suas condições sociais.
Porém esta é uma questão crucial e é necessário para o movimento dos trabalhadores levantá-la de uma forma prática. A polícia, parte do aparato estatal capitalista, é marcada pela corrupção e é necessário lutar pelo seu controle democrático pela comunidade. Ao mesmo tempo, na Venezuela, isto precisa estar ligado com a organização das comunidades locais para se defenderem dos ataques criminosos violentos e das gangues. Uma das maiores fragilidades do movimento é a ausência de um movimento da classe trabalhadora e dos pobres organizado, consciente e independente. Se isto existisse, a construção de conselhos democraticamente eleitos nas comunidades locais poderia estar ligada com a formação de comitês de defesa de bairro. Estes poderiam tomar medidas para expulsar gangues de caráter mafioso e oferecer uma alternativa à juventude que é atraída por elas.

Romper com o capitalismo
Os problemas econômicos e sociais que continuam a marcar a sociedade venezuelana surgem da continuação do capitalismo. Os discursos e a propaganda de Chávez apoiando o “socialismo no século XXI” não são os mesmos no programa para alcançá-lo.
Os altos níveis de pobreza, junto com o crescimento da corrupção e da burocracia no governo e nas direções sindicais e de organizações comunitárias e sociais, exarcebaram a frustração, a irritação e o desapontamento entre setores crescentes dos trabalhadores e dos pobres, especialmente em áreas urbanas. Isto junto com o fracasso da revolução em avançar abriram espaço para um relativo impasse na situação. Possivelmente o desapontamento é menor nas áreas rurais, que foram as mais beneficiadas por muitas das reformas, mas é amplamente sentida nas cidades.
Isto surgiu do fracasso em romper decisivamente com o capitalismo e estabelecer um governo dos trabalhadores e dos camponeses baseado em uma economia socialista democraticamente planejada. Muitos sentiram que poderiam claramente demonstrar sua frustração não votando quando não existe a ameaça imediata da contra-revolução. Porém, se este impasse não é superado, as forças contra-revolucionárias crescerão e eventualmente ameaçarão derrotar Chávez.
Outros perigos também são enfrentados por Chávez e seu regime. Enquanto o programa de reformas foi financiado quase que totalmente por meio do aumento do preço do petróleo, isto pode mudar com o início de uma crise na economia mundial. Isto pode provocar uma queda na receita do petróleo e na diminuição das reformas.
Entre 1974-79 o regime de centro-esquerda, nacionalista e populista de Carlos Andrés Perez introduziu algumas reformas sociais significativas que foram pagas pelo aumento do preço do petróleo. Em 1979 o petróleo chegou a custar US$80 por barril. Porém, estas reformas foram duramente atingidas nos anos 1980 quando uma grande crise econômica na Venezuela ocorreu por decorrência de um “crash” no preço do petróleo que passou a custar US$38 o barril. Aqueles vivendo abaixo da linha de pobreza saltaram de 17% em 1980 para 65% em 1996. Este é um aviso à Chávez e a classe trabalhadora do que pode ocorrer caso o capitalismo não seja substituído por uma economia socialista democraticamente planejada.
Infelizmente alguns na esquerda socialista entendiam estas advertências como sectárias. Somente agora, quando defrontadas com o reverso no referendo, eles acordaram tardiamente para os perigos e começaram a ecoar os avisos. Isto é refletido pela Tendência Marxista Internacional (TMI) que tentou agir como conselheiros benevolentes de Hugo Chávez. Após a derrota, ela criticou uma perigosa “ilusão na direção e nas próprias massas de que a revolução era algum tipo de marcha triunfante que eliminaria todos os obstáculos” (Alan Woods, A revolução venezuelana na encruzilhada, 11 de janeiro).
Porém, é exatamente o grupo venezuelano da TMI que parece ter sido vítima desta ilusão, subestimando os perigos enfrentados pelo movimento e o prospecto da contra-revolução atacar e ter alguns sucessos. Dois dias antes do referendo, um artigo na págima da TMI previa: “E nós não duvidamos que a decisão da maioria será a favor de um Sim… A vitória do SIM em 2 de dezembro é o primeiro passo nessa estrada”.

O aviso do Referendo
As conseqüências do fracasso em derrotar o capitalismo estão começando a esgotar o entusiasmo por Chávez e seu regime. Significativamente, 44% se abstiveram no referendo e o voto no “sim” foi três milhões menor do que o número de votos dados em Chávez nas eleições presidenciais em dezembro de 2006. O número de pessoas votando no “sim” foi um milhão menor do que o número declarado de membros do recentemente criado Partido Unificado Socialista de Venezuel (PSUV).
Ainda mais, o voto “não” triunfou nos nove estados mais populosos dos 23 estados existentes e nas 13 maiorres cidades, incluindo Caracas. O voto no “sim” venceu nos 14 estados mais rurais e menos populosos. Na capital, os antigos bastiões do “chavismo”, como Petare, Caricuao e Catia, registraram um voto no “não” significativo e uma alta abstenção. Em geral, a direita ganhou 300.000 votos a mais do que na última eleição presidencial.
Os sinais de aviso podiam ser vistos já nas eleições presidenciais em dezembro de 2006. Apesar do fato de Chávez ter ganhado com uma clara maioria, a oposição de direita e pró-capitalista começou a se reunificar em torno de Manuel Rosales e saiu fortalecida. A campanha eleitoral foi marcada por grandes comícios da direita e com um menor nível de participação dos apoadores de Chávez. As massas eventualmente se mobilizaram em defesa de Chávez quando a ameaça de uma derrota parecia ser um resultado possível.
O baixo nível de ativismo e de entusiasmo na campanha eleitoral foi refletido em um crescente sentimento de frustração e irritação com o fracasso em fazer a revolução avançar. Apesar das reformas enormemente populares que foram introduzidas nos subsídios para saúde, educação e alimentação, a continuação do capitalismo resultou em altos níveis de desemprego, falta de alimentos, inflação crescente, enorme crise habitacional e crescente burocratização e corrupção. Junto com estes problemas sociais a explosão na criminalidade, especialmente crimes violentos, levaram à frustração e até mesmo à desilusão entre alguns setores dos apoiadores de Chávez.
Estas questões também permitiram a oposição de direita mobilizar setores da classe média para as suas fileiras. A ameaça de uma vitória da direita nas eleições presidenciais provocou um aumento no apoio à Chávez. Mas esta ameaça não foi vista pelas massas no referendo para mudar a constituição. Ainda que Chávez tenha algum espaço de manobra e que provavelmente pudesse ganhar uma eleição que ocorresse hoje, esta derrota é uma importante advertência ao processo que está ocorrendo.

Ressurgimento da direita
Os efeitos dos problemas sociais e econômicos foram reforçados por alguns erros de Chávez que jogaram nas mãos da oposição – que joga com os medos das pessoas – setores importantes da classe média. Eles acusaram Chávez de introduzir uma “aterrorizante ditadura”. O CIO advertiu que a decisão de revogar a licença da RCTV (uma estação de TV de direita e pró-oposição) permitiria que a oposição se reagrupasse e se reorganizasse. Nós escrevemos: “Infelizmente, a revogação da licença da RCTV, dado o seu timing e a forma em que ocorreu, é um erro tático do governo de Chávez que serviu para a oposição” (RCTV e a questão da mídia, 20 de julho de 2007). Esta questão transformou-se em um ponto central em torno do qual a direita foi capaz de rejuvenescer e reunir forças. Grandes protestos foram chamados com o apoio de uma camada anteriormente passiva de estudantes de classe média.
Estas preocupações foram ainda mais reforçadas por algumas das emendas propostas à constituição de 1999, que tentavam fortalecer os poderes da presidência sem um contrapeso democrático, além de incluir fortes elementos bonapartistas. O limite no número de vezes que um candidato pode ser eleito seria removido e o mandato presidencial seria aumentado de seis para sete anos – tal como na França durante a quinta república de Charles de Gaulle. Um estado democrático dos trabalhadores não é o mesmo que um regime bonapartista. Em uma verdadeira democracia dos trabalhadores a questão de quem é formalmente presidente e por quanto tempo é algo insignificante. Porém, a Venezuela não é uma democracia dos trabalhadores e esta questão foi percebida por um setore da sociedade como um ataque sobre os direitos democráticos, algo que foi utilizado pela oposição.
O presidente, não a assembléia nacional, também teria o poder para nomear todos os oficiais militares. O presidente teria o direito de designar novas áreas políticas/greográficas, como as autarquias federais, e nomear suas respectivas autoridades. Não existia definição do poder ou das funções destas autoridades e destes distritos territoriais. Outras propostas incluíam a remoção do “direito à informação” no caso de declaração de um estado de emergência pelo presidente. Os socialistas defendem o direito do governo Chávez de tomar qualquer medida necessária para se defender de outra tentativa da reação de tomar o poder, como, por exemplo, por meio de outro golpe. Porém, esta não é uma questão para a constituição. Ao torná-la constitucional , Chávez deu para a oposição outro porrete para atacar o governo. Enquanto a oposição ganhava apoiadores da classe média, setores tradicionais dos apoiadores de Chávez foram confundidos por esta campanha.
Isto foi reforçado com uma maior raiva contra a crescente burocracia e sua abordagem autoritária, além da ausência de um verdadeiro sistema de democracia dos trabalhadores e uma ativa e consciente participação na luta das massas. Enquanto os apoiadores de Chávez em geral não estavam preparados para ir além e apoiar o voto no “não”, eles apenas ficaram distantes da votação. De acordo com relatos dos membros do CIO na Venezuela muitos se arrependem desta decisão.
Uma das tarefas enfrentadas pelos marxistas e pela classe trabalhadora em qualquer revolução é a de tentar ganhar o apoio dos setores médios da sociedade – estudantes, pequenos comerciantes, etc. – que também são explorados política e economicamente pelo capitalismo. O movimento revolucionário socialista precisa convencê-los sobre quem são os verdadeiros inimigos e que eles não tem nada a temer do socialismo. Pelo contrário, uma sociedade socialista pode oferecer uma solução para os seus problemas e abraçar seus talentos e habilidades. Infelizmente, a atitude adotada por Chávez deu uma arma para a direita tentar e ganhar o apoio destes setores.
Os marxistas não rotulam pura e simplesmente a classe média e todos aqueles que votaram pelo “não” como uma massa reacionária única. Esta abordagem equivocada foi a adotada pela TMI logo após o referendo. Woods meramente denunciou “… os pequenos comerciantes, os estudantes mimados e decadentes dos ricos, os funcionários públicos, os pensionistas nostálgicos dos ‘bons velhos tempos’ da Quarta República… todos estes elementos aparecem como uma força formidável nos resultados eleitorais, mas na luta de classes seu peso é praticamente zero” (A derrota do referendo – O que isto significa? 3 de dezembro de 2007).
Este retrocesso fortaleceu a oposição e aponta para a ameça de desenvolvimento de uma contra-revolução. Ao mesmo tempo, isto ainda não resultou em uma derrota decisiva para o movimento. Caso a direita extrapole seus limites, pode surgir uma reação das massas e pressionar o movimento para a esquerda. Ainda resta algum tempo para que as lições sejam aprendidas e que permitirão a superação do capitalismo e sua derrota definitiva.
Mas há a renovada urgência, uma luta contra o tempo, na medida em que a contra-revolução tentará ganhar em cima do impasse atual. Uma mudança rápida na situação econômica e uma queda nos preços do petróleo podem acelerar todos estes desdobramentos e dar a oportundiade para a direita fortalecer suas forças e preparar o chão para uma derrota mais decisiva para Chávez e as massas.
É urgente que seja realizado um balanço da experiência dos trabalhadores, dos jovens e das massas a partir dos diferentes momentos da luta desde que Chávez chegou ao poder. Para isto, lições cruciais do arsenal da classe trabalhadora internacionalmente, devem ser utilizadas para ajudar que trabalhadores e jovens tirem todas as conclusões necessárias para assegurar que a contra-revolução seja derrotada definitivamente e que uma transformação socialista e democrática da sociedade ocorra.

Poder econômico
Enquanto proclama seu apoio à construção do “socialismo no século XXI”, na prática Chávez tentou construir uma economia e um estado “paralelos”, junto com os monopólios e o aparato estatal. Apesar de Chávez ter aumentado a intervenção estatal na economia, ele não estatizou os principais bancos ou monopólios, que continuam em mãos privadas. Até o momento ele se limitou à estatização da companhia de aço, Venepal, e as companhas de telecomunicação e eletricidade, respectivamente CANTV e EDC.
Apesar dos ataques histéricos sobre Chávez feitos pelo imperialismo dos EUA, umas das conseqüências do crescimento econômico no setor privado (que superou o setor público) foi que este setor agora diz respeito a uma quantia maior do que antes de Chávez chegar ao poder (relatório pró-Chávez pelo Centro de Pesquisa Econômica e Política de Washington, A economia venezuelana nos anos de Chávez, julho de 2007).
Apesar das ameaças verbais de Chávez de estatizar os bancos ele não fez isso. Baseado em um boom do crédito que beneficiou a classe média, os bancos venezuelanos tornaram-se objeto de inveja do mundo capitalsita dos bancos. Os lucros dos bancos foram acima de 33% em 2006. Os retornos sobre o patrimônio foram 33% maiores que a norma internacional.
Os supermercados geridos pelo estado, Mercal, apesar de venderem alimentos para os pobres estão competindo com grandes redes e supermercados de alimentos. Sob certas condições – “poder dual”, por exemplo – elementos de uma economia “paralela” podem ser capazes de enfrentar e até fazer progressos, mas tal situação não pode durar indefinidamente.
Para os marxistas, uma situação de poder dual pode surgir onde a classe dominante não tem mais o controle da economia ou do estado porque está sendo desafiada por um movimento revolucionário da classe trabalhadora. Porém, enquanto desafia a classe dominante de forma que ela não seja mais capaz de governar ou comandar a sociedade, a classe trabalhadora ainda não tomou o poder em suas mãos e derrotou a classe dominante capitalista. Esta situação pode resultar tanto na classe trabalhadora controlando a sociedade ou com a classe dominante retomando seu controle.
Os capitalistas lutarão até o fim para tentar evitar que o setor estatal gradualmente assuma mais e mais o poder até “ultrapassar” as alavancas econômicas e estatais do poder. Quando for o caso, eles recorrerão a ditaduras militares brutais para evitar que tal desdobramento ocorra. Penetrar gradualmente na economia capitalista é exatamente o que Chávez está tentando fazer. Ao mesmo tempo, ele deixou o poder econômico nas mãos dos capitalistas que usaram a redução no café, arroz, feijão e outros alimentos básicos como um meio de atacar os preços controlados pelo estado.
Estas reduções foram fatores importantes na campanha da oposição no refetendo. Em uma pesquisa de opinião em novembro de 2007, 75% dos venezuelanos pensaram que a redução de alimentos estava sendo criada pelos patrões para sabotar o governo. Porém, em outra pesquisa realizada durante a semana do referendo, a maioria culpou a ineficiência e a corrupção do governo.
Não é possível tirar a pele de um tigre removendo uma garra de cada vez. Assim como não é possível tomar controle da economia capitalista penetrando gradualmente em um monopólio após o outro. Na realidade, Chávez nunca fez isso. A economia venezuelana é totalmente monopolizada. Cinco grandes famílias oligárquicas – Cisnero, Mendoza, Caprile, Boulton e Phelps – e os bancos controlam os setores decisivos da economia além do petróleo. Nenhum desses conglomerados foi tocado por Chávez.
O fracasso em estatizar estes monopólios deixou a classe dominante controlando a economia. O resultado disto é que, durante o recente boom econômico, que aumentou os gastos estatais em alguns programas de trabalhos públicos, foram obtidos lucros massivos. Ao mesmo tempo, também deixou uma mão livre para organizar sabotagem econômica como um meio de prejudicar o governo.

Sinais de desaceleração
Todos estes fatores foram refletidos no referendo. Mesmo assim, ao invés de tomar esta derrota como reflexo da frustração, do desapontamento e de certo impasse da situação, são as massas que são culpabilizadas por sua “falta de compreensão”. Em seu programa de TV semanal, “Alo Presidente”, em 6 de janeiro, Chávez afirmou que ele reconhia que os setores populares e o aparato estatal não estavam “preparados para o que estava envolvido em uma reforma constitucional que aprofundava o socialismo”. De uma forma mais ofensiva, ele declarou que eles (o povo de Caracas e de outras cidades) “… têm um débito comigo. Eu tenho isto anotado em minha agenda. Veremos se eles pagarão esse débito ou não” (Diário espanhol, ABC, 9 de dezembro de 2007).
Este método de lidar com recuos e derrotas é um eco do que os líderes dos partidos comunistas e socialistas reformistas argumentaram historicamente durante os movimentos revolucionários, como o Chile em 1970-73 ou a guerra civil espanhola nos anos 30. Eles justificaram não agir de forma decisiva para derrotar o capitalismo afirmando que as massas “não estavam prontas” e que isto provocaria a reação.
Tendo inicialmente culpado a falta de compreensão das massas pela derrota, Chávez concluiu que ele não tem escolha, a não ser “desacelerar a velocidade da marcha”: “A vanguarda não pode se separar das massas. Deve estar com as massas! Eu estarei com vocês e por isto eu reduzirei minha velocidade” (6 de janeiro).
Os marxistas não adotam uma abordagem sectária diante das massas e nem ignoram o nível existente de compreensão e consciência política existentes. Isto resultaria apenas em levantar bandeiras e iniciativas políticas que não são compreendidas e separararia genuínos revolucionários das massas. Os marxistas buscam um diálogo político, a troca de idéias e experiências e defendem bandeiras e demandas que ajudarão as massas a caminharem em frente na luta, auxiliando no processo de tomada das conclusões necessárias sobre o programa, as tarefas e os métodos necessários para alcançar o socialismo.
Isto não é o mesmo que usar esta questão como uma justificativa para “reduzir a marcha” da revolução. A “redução” incluía uma remodelação do gabinete em Janeiro. Em grande medida foi uma questão de realocação ministerial entre os ministros já existentes. Porém, o antigo vice-presidente, Jorge Rodriguez, foi removido e substituído por um antigo ministro de habitação, Ramón Carrizales. A indicação de Rodriguez um ano antes foi tomada como um giro à esquerda que anunciava o “impulso rumo ao socialismo”.
A redução da velocidade da reforma provavelmente será iniciada com um abrandamento do controle sobre os preços que o governo introduziu anteriormente. Ao afrouxá-los o governo espera pacificar os produtores e distribuidores de alimentos que retaliaram criando cortes e estrangulamento na distribuição. Estes foram atos de sabotagem que o governo não conseguiu enfrentar estatizando os monopólios alimentícios.
Por trás da “desaceleração” Chávez está tentando estabelecer um “consenso nacional” e apaziguar os capitalistas. Na transmissão de “Alo Presidente”, Chávez argumentou: “Melhoras são necessárias em nossa estratégia de alianças. Nós não podemos nos deixar perder por tendências extremistas. Nós não somos extremistas e nem podemos ser. Não! Nós temos que buscar alianças com as classes médias, incluindo a burguesia nacional. Nós não podemos apoiar teses que falharam em todo o mundo, tal como a eliminação da propriedade privada. Esta não é a nossa tese”.
Em outras palavras, ao enfrentar a derrota no referendo, Chávez concluiu que um acordo precisa ser alcançado com a classe dominante. Socialistas não defendem a eliminação de toda propriedade privada, como as estatizações de cada pequeno comércio ou tomando as casas das pessoas. Porém, é necessário estatizar os grandes monopólios e bancos que controlam a economia e introduzem o controle e gestão democráticos dos trabalhadores para que seja possível o planejamento da economia. Chávez também declarou uma anistia para alguns dos envolvidos na organização do golpe em 2002, para “mandar uma mensagem ao país que nós podemos viver juntos apesar de nossas diferenças”.

Não há terceira via
Chávez está retornando à posição que ele defendia antes de assumir a idéia de socialismo, a idéia de uma “terceira via”. Ela é baseada no equívoco de que é possível dar um fim à pobreza e à corrupção e desenvolver um “capitalismo mais humano” por meio do trabalho conjunto com setores “progressivos” da classe capitalista nacional.
Isto ecoa a teoria das estapas apoiada pelos stalinistas e e alguns socialistas reformistas no passado. Eles argumentavam que antes de ser possível superar o capitalismo seria necessário desenvolver a industria e a a economia dos países semi-coloniais em conjunto com os “capitalistas progressistas”adiando a questão do socialismo para o futuro distante
Tais idéias levaram à derrota da classe trabalhadora na guerra civil espanhola e no Chile em 1973 e nunca resultaram em sua vitória. Na era moderna, a classe dominante dos países semi-coloniais está associada ao imperialismo e é incapaz de desenvolver a sociedade. Esta tarefa é da classe trabalhadora, com o apoio das outras classes exploradas pelo capitalismo, e é parte da transformação socialista da sociedade.
Esta não é a primeira vez que Chávez tentou apaziguar a classe dominante. É uma repetição do que ele defendeu após o colapso do golpe de direita em 2002. Ele pedia às pessoas para voltar para casa, apelava pela unidade nacional e pela construção de um consenso nacional.
Mesmo a TMI foi compelida a reconhecer isto como uma política equivocada: “’Auxiliado’ por seus conselheiros reformistas o presidente tirou algumas conclusões incorretas do referendo” (Woods, A revolução venezuelana na encruzilhada, 11 de janeiro). O certo é que Chávez tem alguma responsabilidade sobre isto também.
Woods argumentava antes que “Chávez compreendeu o fato de que a revolução precisa dar este salto qualitativo” (Encontro com Hugo Chávez, abril de 2004). Novamente, no episódio da estatização da Venepal, Woods assegurou seus leitores que o “Presidente Hugo Chávez tem consistentemente revelado um certeiro instinto revolucionário” (21 de janeiro de 2005). Porém nenhuma destas características foi demonstrada nas “conclusões incorretas” tiradas por Chávez.
Chávez, dirigindo-se ao congresso de abertura do recém formado PSUV, foi compelido a reconhecer que o governo continua sofrendo com “ineficiência, burocracia e corrupção”. Ele também destacou a necessidade de resolver os “problemas persistentes como o crime, a redução de alimentos e a inflação”. “Por que o leite desapareceu? Por que a insegurança continua sendo um problema tão grave? Por que não fomos capazes de controlar a corrupção, para não dizer eliminar?
Estas são questões muito importantes. Infelizmente, a resposta de Chávez foi a de que 2008 seria o ano dos “três Rs”: revisão, retificação e reimpulsionamento”. Porém os problemas que ele identificou não podem ser resolvidos “desacelerando a revolução”.

Desenvolvendo a consciência de classe
Alguns dias atrás, Chávez parece ter retornado à esquerda. No Alo Presidente de 20 de janeiro, abordando a questão da redução de alimentos, ele ameaçou com a nacionalização da terra e dos bancos. Esta não é a primeira vez que ele ameaçou os bancos e outros setores com a estatização e não é totalmente certo que elas ocorrerão. Não é um acidente que esta ameaça tenha ocorrido durante o congresso do PSUV e será usado para responder às críticas de alguns ativistas quanto ao seu giro para a direita. Ao mesmo tempo, isto mostra como este regime pode voltar para a esquerda e adotar medidas mais radicais e de esquerda, o que inclui a estatização.
Burocracia e corrupção são problemas cruciais para o movimento na Venezuela. Porém, sem um verdadeiro regime de controle e democracia dos trabalhadores, uma luta real contra eles não é possível. Isto reflete uma das principais fragilidades no movimento. Caminhar para a revolução socialista requer a organização consciente e independente da classe trabalhadora, apoiada pela juventude, pelos pobres, setores radicalizados da classe média e outros explorados pelo capitalismo. Esta consciência de classe coletiva se desenvolve por causa de seu papel na produção e, por isso, a classe trabalhadora precisa jogar este papel decisivo de direção.
Isto ainda não se refletiu de uma forma totalmente organizada ou consciente na Venezuela. Sem este grau de consciência a partir de baixo, o desenvolvimento de métodos burocráticos inevitavelmente surgirá em qualquer movimento revolucionário dos trabalhadores. Desde o início, Chávez e os líderes do movimento adotaram uma abordagem de cima para baixo. O regime esteve contente com o apoio das massas – além da entrada na luta quando a ameaça da contra-revolução foi explicitamente colocada – mas as massas ainda não alcançaram conscientemente a direção do movimento.
O estabelecimento do PSUV pode dar uma oportunidade importante para construir um novo partido de massas da classe trabalhadora, que, com um programa socialista e revolucionário, pode se tornar uma arma importante para levar a revolução em frente. Enquanto este texto é escrito, o seu congresso está ocorrendo, com 1.600 delegados (e sua duração está planejada para dois meses!). O PSUV afirma ter mais de cinco milhões apresentaram o pedido de filiação, ainda que não esteja claro se estas pessoas são pessoas ingressando para construir um partido socialista ou se são pessoas registradas por organizadores locais a partir do registro eleitoral.
Para o PSUV se transformar em um instrumento para uma revolução bem-sucedida, ele precisa de uma militância totalmente ativa e não de um mero amalgama de membros dos partidos pró-Chávez já existentes. O direito a formar tendências e de permitir o debate democrático será essencial para o partido se desenvolver enquanto uma arma efetiva para a classe trabalhadora ao invés de se tornar um instrumento para o governo.
Infelizmente o PSUV foi lançado de cima para baixo com Chávez nomeando um comitê envolvendo dois antigos generais para construí-lo. Em janeiro, Jorge Rodriques estava encarregado com a “coordenação geral do PSUV”. O CIO apóia a luta por um PSUV totalmente democrático e com um programa socialista e revolucionário.
A democratização dos sindicatos e a construção de comitês democraticamente eleitos nos locais de trabalho para estabelecer um sistema genuíno de controle dos trabalhadores são algumas das tarefas mais urgentes. Comitês similares precisam ser construídos nas comunidades e no exército. Estabelecendo ligações distritais, municipais, estaduais e nacionais estes conselhos podem ser a base para um governo dos trabalhadores e dos camponeses. Por meio da estatização dos conglomerados das cinco famílias e dos bancos, um plano de produção socialista e democrático pode ser estabelecido.
Com isto abriria-se a possibilidade de estabelecer ligações com o movimento de massas na Bolívia em conjunto com a construção da democracia dos trabalhadores em Cuba, o que permitiria o desenvolvimento de uma federação socialista e democrática nestes países. Por sua vez, daí poderia brotar o desenvolvimento da revolução socialista por toda a América Latina. Este caminho é a forma mais certeira de derrotar a ameaça da reação que, tal como a derrota no referendo ilustra, cresce se o capitalismo continuar a existir. 

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