Análise da revolução Cubana

Este texto foi originalmente publicado como um conjunto de três artigos no jornal marxista britânico Militant em 27/01, 03/02 e 10/02 de 1978. Posteriormente foram editados conjuntamente sob a forma de brochura com o título “Cuba: análise da revolução”.

Após ter persuadido a África do Sul a utilizar suas forças armadas para invadir Angola, com a finalidade de derrotar a revolução o imperialismo americano reagiu histericamente quando tropas cubanas interviram para apoiar o MPLA.

Este fato provavelmente inclinou a balança da guerra a favor do MPLA, resultando na eliminação do poder dos latifundiários e capitalistas em Angola.

Ao mesmo tempo, Cuba tornou-se um pólo de atração para aqueles países do Caribe, como Jamaica e Guiana, que sofreram as consequências devastadoras da recessão mundial de 1974/75. Além disso, para as massas da América Latina, prisioneiras nas garras de ditaduras militares e atormentadas pela fome e pela miséria – como na Argentina e no Chile – Cuba aparece como uma ilha de progresso e tranqüilidade.

também nos países do mundo desenvolvido, as personalidades carismáticas da revolução cubana, como Fidel Castro e o mártir Che Guevara, contrastam favoravelmente, aos olhos de determinados setores da juventude em busca de uma saída para o impasse do capitalismo, com as figuras cinzentas de Brejnev e Kosigin.

Cuba pode servir como guia e modelo para os operários e camponeses do terceiro mundo ou para o movimento operário dos países industrializados? Qual é a natureza do regime cubano? Estas perguntas só podem ser respondidas com base numa análise cuidadosa das causas e do desenvolvimento posterior da revolução cubana.

Antes da revolução, Cuba era um paraíso para os ricos – um centro de diversão em particular para os turistas americanos – mas um pesadelo para trabalhadores e camponeses. Em 1950/54, a renda per capita de Delaware, o estado mais próspero dos Estados Unidos, era de 2279 dólares, enquanto que em Cuba, chegava apenas a 312, quer dizer, 6 dólares por semana.

Inclusive no Mississipi, o estado mais pobre dos Estados Unidos, a renda per capita situava-se em 829 dólares. 54% da população rural de Cuba não tinha nenhum tipo de instalação sanitárias em suas moradias, e doenças como a malária, a tuberculose e a sífilis eram endêmicas.

A taxa de analfabetismo era de 25%, similar à taxa de desemprego – um para quatro. Havia menos crianças nas escolas, proporcionalmente nos anos 50 do que nos anos 20. No entanto, Havana em 1954 possuía mais cadilacs que qualquer outra cidade do mundo !

Ao mesmo tempo, a terra encontrava-se concentrada em poucas mãos, em grande latifúndios: 114 latifúndios, menos de 0,1% das propriedades, ocupavam 20,1% do território. 8% do total das propriedades ocupavam 71,1% enquanto que, por outro lado, 39% das unidades agrícolas constituíam-se de pequenas explorações dos camponeses com menos de meio hectare, ocupando apenas 3,3% da terra.

Dominação imperialista

A economia cubana, além disso, estava sob o domínio dos grandes monopólios norte-americanos. As empresas americanas controlavam 90% das indústrias elétricas e telefônicas; perto de 50% dos serviços públicos e 40% do açúcar. Atada com laços de ferro à economia norte-americana, Cuba se viu obrigada a concentrar-se no cultivo de um só produto, o açúcar, para o mercado americano. A maior parte do açúcar cubana era exportado para os Estados Unidos, com preço e quota anual fixos.

No ápice de todo o sistema estava a ditadura do gângster Batista. Calcula-se que entre sua segunda tomada do poder em 1953 e sua derrota em 1959, mais de 20 mil pessoas morreram nas mãos de soldados e torturadores.

Cuba, na década de 50, não havia sido capaz de levar a cabo as tarefas da revolução democrático-burguesa, ou seja, reforma agrária para entregar a terra dos camponeses; libertação do domínio asfixiante do imperalismo sobre a vida política e econômica do país e desenvolvimento da indústria em linhas modernas.

A experiência da revolução russa, brilhantemente prevista pela teoria da revolução permanente de Leon Trotsky – demonstrou que, em um país atrasado, só a classe operária é capaz de dirigir a nação até o cumprimento destas tarefas. Uma vez instalada no poder e depois de ter realizado a revolução democrático-burguesa, a classe operária russa passou diretamente as tarefas socialistas – a estatização dos pontos-chave da economia – e também deu um enorme impulso ao início da revolução socialista internacional.

“Burguesia progressista?”

Contrariamente a essa experiência e aos métodos de Lênin e dos bolcheviques, o Partido Comunista Cubano – na linha da maioria dos atuais partidos comunistas da América Latina – defendia uma aliança com a chamada “burguesia nacional progressista” como a maneira de completar a “revolução anti-imperialista, patriótica e democrática”. Mas os capitalistas cubanos tinham investimentos em terras, e os proprietários dos grandes latifúndios investiam na indústria. Uma reforma agrária, com o apoio da burguesia, era impensável.

Tampouco eram capazes de dirigir uma luta contra o imperialismo americano, do qual dependiam para defender-se contra as massas cubanas. A busca da mitológica “burguesia nacional progressista” conduziu o PC cubano a uma posição de apoio aberto a Batista quando este tomou o poder em 1933.

Num primeiro momento, o dirigente do partido Blas Roca acusou Batista de “esse nacional traidor a soldo dos imperialistas”. Mas em 1938, nas discussões do comitê central do PC afirmava-se que Batista havia “deixado de ser o dirigente do campo reacionário”. Essa transformação mágica foi provocada pelo fato de Batista ter recebido suas “credenciais democráticas” do presidente dos Estados Unidos Franklin Roosevelt. Por outro lado, a humilde procedência social do “sargento Batista” significava que podia receber a benção dos dirigentes do PC. Batista retribuiu legalizando o PC em 1938, e quatro anos mais tarde incluiu dois ministros do PC em seu gabinete.

Blas Roca – que mais tarde obteria um cargo ministerial no governo castrista – apareceu no palanque ao lado de Batista em 1943 para receber a ovação das massas. No entanto, apesar de seu apoio, Batista perde o poder em 1944.

Em contrapartida, Fidel castro foi denunciado pelo PC, em 1947, como um “gângster”. Inclusive, mais tarde, quando o PC se viu obrigado a mudar de atitude perante Castro, continuavam duvidando que Batista pudesse ser derrotado por guerrilheiros e, em novembro de 1958, propunham a formação de “um governo democrático de coalizão”.

O segundo golpe de Batista em 1952 provocou uma ampla resistência em Cuba, principalmente entre estudantes e intelectuais como Fidel Castro e seu irmão Raul. Com 120 seguidores, lançaram-se a um ataque contra o quartel de Moncada, a 26 de julho de 1953. O ataque fracassou e Castro foi encarcerado. Ao sair da prisão, viajou ao México para organizar uma força guerrilheira que entrou em Cuba em 1956.

Numa luta heróica de três anos de duração lançaram uma guerra de guerrilhas que, com o apoio do campesinato faminto, conseguiu derrotar as forças de Batista, apesar da notória superioridade destas. Alguns dos soldados de Batista, inclusive alguns oficiais, foram ganhos pelos guerrilheiros para sua luta contra o ditador.

Base Camponesa

Em 1961, enfrentando uma luta de vida ou morte contra o imperialismo norte-americano, Castro afirmaria que “sempre havia sido marxista; um marxista-leninista em seu coração”. Ao mesmo tempo, como observa ironicamente KS Karol em seu livro “Guerrilheiros no Poder” : “…Alguns de seus companheiros que inclusive tinham menos razões para serem chamados desta maneira, afirmaram que eles sempre haviam sido marxistas sem saber, enquanto que outros nunca foram anti-comunistas e, portanto, estavam abertos à conversão…”

A verdade é que Castro, até esse momento, não havia sido mais do que um democrata radical pequeno burguês cujo ideal era a democracia burguesa dos Estados Unidos. Assim, em uma entrevista durante a luta contra Batista, declarou ao jornalista norte-americano Herbert Mattews: “Você pode ter certeza de que não temos nenhuma animosidade contra os Estados Unidos e o povo norte-americano…Estamos lutando por uma Cuba democrática e para acabar com a ditadura” ( NY Times, 24.02.57).

Além disso, em um documento do movimento castrista – O Movimento 26 de julho – em 1956 se afirma claramente a adesão a uma “filosofia jeffersoniana”, bem como subscrevia a “fórmula Lincoln”, e proclamava o desejo de “alcançar o estágio de solidariedade entre o capital e o trabalho assalariado, com a finalidade de aumentar a produtividade”.

Mesmo depois de ter derrotado Batista, Castro declarou à Associação de Banqueiros, a 06 de março de 1959, que desejava a colaboração deles. Também afirmou, segundo o “News and World Report”, que não tinha “nenhuma intenção de nacionalizar qualquer indústria”. Quem sabe não se tratava de uma manobra astuta para enganar aos latifundiários e capitalistas? Pelo contrário, toda a evidência demonstra que Castro e seus partidários jamais enfrentaram a luta munidos com um programa socialista definido e perspectivas claras, como fizeram Lênin e os bolcheviques na Rússia.

Lênin se baseava na classe operária. Antecipava que os operários dirigiriam os camponeses pobres em seu combate contra o czarismo. Castro e Guevara apoiavam-se no campesinato e na população rural. A classe operária somente entrou na luta mediante uma greve geral em Havana, quando os guerrilheiros já haviam triunfado e Batista fugira para salvar sua vida. O papel dominante da classe operária russa, com a gestão consciente e o controle do estado e da indústria exercidos por meio dos conselhos de operários e camponeses – as instituições mais democráticas já vistas em toda a história – conduziu a um ascenso poderoso da classe operária em todo o mundo. Unidos a causa de seus irmãos russos, trabalhadores em diversos países tentaram seguir o exemplo da revolução russa.

Impasse

O fato de Castro ter chegado ao poder mediante um movimento predominantemente rural determinou todo o caráter do processo revolucionário cubano. Foi somente uma combinação peculiar de circunstâncias que forçou Castro – que de início nunca previu a possibilidade de ultrapassar os limites de uma democracia burguesa – a se colocar à testa de um movimento que expropriou os latifundiários e os capitalistas.

Por um lado, isto era consequência da total bancarrota do capitalismo cubano e sua incapacidade de achar o caminho para sair do impasse. Por outro, resultava das enormes pressões de um campesinato e de um proletariado recém-despertados para a luta. Com a derrota de Batista, os camponeses se mobilizaram para ocupar a terra e a classe operária exigiu aumentos salariais e a readmissão dos demitidos pelo velho regime.

Na primavera de 1959, 6 mil operários da Companhia Elétrica de Cuba cruzaram os braços com a finalidade de obterem um aumento de 20% nos salários, e 600 operários demitidos em 1957-58 iniciaram uma manifestação diante do palácio presidencial. As massas estavam armadas e organizadas em milícias. Enquanto isso, o representante do imperialismo norte-americano, Eisenhower, em pânico diante da radicalização das massas em Cuba, tentou pressionar e chantagear o governo cubano para conseguir-lhe a submissão.

Resistência

A crise explodiu com a questão do petróleo russo que iria entrar em Cuba, cumprindo um acordo comercial entre os dois países, firmado em janeiro de 1960. Em junho, as quatro grandes petrolíferas ( Jersey, Standard, Texaco e Shell) pressionadas pelo governo dos Estados Unidos, se negaram a refinar o petróleo russo. No entanto, o governo cubano “interveio” para assegurar o refino do petróleo. Em represália, as empresas se negaram a enviar petróleo da Venezuela. Cuba então fez um acordo com a Rússia, para comprar desta todo o petróleo que necessitasse.

A administração Eisenhower contra-atacou em julho com a redução da quota de 700 mil toneladas de açúcar que deveriam ser vendidas nos Estados Unidos, com base no acordo comercial citado anteriormente. Este passo foi calculado com o propósito de por de joelhos o regime castrista. Mas a Rússia interveio imediatamente e se encarregou de comprar as 700 mil toneladas. Ao mesmo tempo, no dia 06 de agosto, a Companhia Telefônica Cubana, a Companhia Elétrica e a refinaria de petróleo, junto com as usinas de açúcar – que até esse momento apenas “sob intervenção” – foram todas estatizadas. Durante os quatro meses seguintes, numa rápida sucessão de golpes e contra-golpes, levou-se até o fim a expropriação de todas as grandes empresas de capital cubano e norte-americano.

Em setembro, as subsidiárias cubanas das empresas norte-americanas foram expropriadas. O mesmo aconteceu com as empresas cubanas em outubro, e até o final de 1960 o capitalismo em Cuba havia sido praticamente eliminado. O imperialismo norte-americano reagiu declarando um boicote total ao comércio com Cuba e preparando uma intervenção militar para destruir a revolução cubana.

A pressão das massas, a debilidade do capitalismo cubano e os cálculos totalmente errados do imperialismo norte-americano, combinaram-se para empurrar o regime castrista até a expropriação dos capitalista e latifundiários. Desta maneira, percebemos em Cuba a concretização da teoria da revolução permanente de Trotsky de uma forma “sui-generis”.

A revolução democrática-burguesa somente pôde ser realizada contra a resistência dos capitalistas em Cuba e a nível internacional. Isto, por sua vez, obrigou Castro a apoiar-se nas massas para estatizar as empresas dos grandes capitalista e estabelecer uma economia planificada. Não havia nenhuma previsão consciente nem perspectiva elaborada, ao contrário do programa de Lênin e Trotsky na revolução russa. De fato, se Castro tivesse podido adivinhar, antes da revolução, um mínimo de sua evolução posterior, provavelmente teria se considerado louco.

A existência dos soviets – os conselhos operários com o controle e a gestão democrática do estado – e o fato de que as massas tinham consciência de que o destino da revolução encontrava-se intimamente ligado com a vitória da revolução mundial, foram fatores decisivos para impulsionar o movimento revolucionário da classe operária da Europa e a nível mundial depois de outubro de 1917. Os operários europeus e de todo o mundo viam que sua própria classe estava no poder na Rússia e portanto – apesar das monstruosas calúnias da classe dominante – correram em sua ajuda e tentaram imitar seus irmãos nos acontecimentos tempestuosos de 1918/19.

Invasão imperialista

A eliminação do poder dos latifundiários e capitalistas em Cuba, em 1960, provocou um terremoto em toda a América. Empenhado em liquidar a revolução na primeira oportunidade, o imperialismo financiou e armou a força invasora que desembarcou em Cuba na Praia Girón ( Baía dos Porcos), em abril de 1961.

O fato de que 1500 homens da força invasora haviam sido os proprietários de 405 mil hectares de terras, 10 mil casas, 70 fábricas, 5 minas, 2 bancos e 10 usinas de açúcar era, é claro, mera coincidência..
Mas a base de massas da revolução assegurou a derrota desta e de outras tentativas contra-revolucionárias dos imigrantes apoiados pela CIA. Sem dúvida, o regime castrista gozava de enorme apoio popular.

As massas estavam armadas e organizadas na milícia operária e camponesa que contava com 20 mil membros. O historiador conservador da revolução cubana, Hugh Thomas, repetiu o comentário de um jovem estudante, armado, de 15 anos, em 1961: “…nós, os cubanos, somos o povo armado…” (Cuba, or pursuit of freedom, pg 1321).

Indubitavelmente, havia um elemento de controle operário nas fábricas durante o primeiro período da revolução, e cada bairro e rua possuía seu “Comitê para a defesa da revolução”.

Um indício do apoio generalizado ao regime eram os comícios em Havana a que compareciam multidões para escutar os discursos de Castro. Em um deles no qual Castro fez o discurso conhecido como “A segunda declaração de Havana”, l milhão de pessoas – de um total de 6 milhões – reuniram-se na Praça da Revolução no dia 4 de fevereiro de 1962.
Porém, ao mesmo tempo, as massas não tinham controle e nenhuma possibilidade de gestão do aparato estatal. KS Karol, em seu livro “Guerrilheiros no Poder” – que é no geral favorável a Castro e à revolução cubana – comenta a respeito de sua visita a Cuba em 1961: “…essa gente tão entusiasmada (os operários e camponeses pobres) precisariam falar de seus soviets ou de sua planificação socialista para que a revolução pudesse ser comparável com a revolução russa ou com a guerra civil espanhola. Procurei em vão, tanto nas províncias com em Havana, descobrir entre a base, indícios de entusiasmo por uma das duas coisas. Havia um grau impressionante de apoio à revolução, mas ausência de iniciativa política, inclusive nas fileiras da milícia. E o nível um tanto primitivo do socialismo era um pouco surpreendente…”( pg 39 e 40).

O caráter plebiscitário do estado – que é uma das características de um regime bonapartista – tornava-se evidente nos comícios maciços para ouvir os discursos de Fidel Castro. Apelava-se para que os trabalhadores dissessem “sim ou não”, mas sem um verdadeiro debate para que pudessem realmente decidir as questões.

Revolução Húngara

Sem o controle e a gestão consciente das massas, o desenvolvimento de uma nova elite é inevitável. Inclusive na Rússia, com líderes brilhantes como Lênin e Trotsky, e a participação consciente da classe operária na administração da sociedade, a degeneração burocrática era inevitável enquanto a revolução permanecesse ilhada em um país atrasado.

Os bolcheviques previam que a revolução russa provocaria a revolução na Europa, e esta, por conseguinte, apoiaria a Rússia com ajuda econômica, técnica, etc… O começo do socialismo, e com ele a dissolução do aparato estatal, só é possível sobre as bases de um nível de produção superior ao maior nível de produção alcançado pelo capitalismo, quer dizer, mais elevado que o capitalismo dos Estados Unidos.

A formação dos Estados Unidos Socialistas da Europa, culminando em uma Federação Socialista Mundial, indubitavelmente levaria a esse objetivo. No entanto, o isolamento da revolução em um só país – e ainda por cima um país atrasado – conduziu à degenerescência burocrática da Rússia, personificada pela ascensão de Stálin. As massas foram afastadas a cotoveladas da sua participação na gestão do país pela elite burocrática.

Mas, em Cuba, desde o início, a gestão e o controle político estiveram nas mãos de Castro e seus seguidores, na burocracia da máquina estatal, no partido , no governo e no exército, etc…

O caráter do regime tornou-se evidente com a atitude radicalmente diferente que teve a burocracia russa em relação à revolução cubana por um lado, e à revolução húngara por outro. A existência de soviets na Hungria em 1956, com o poder nas mãos das massas, era uma ameaça mortal para a camarilha dos burocratas sem escrúpulos. Permitir o triunfo da revolução húngara significaria enfrentar sublevações similares – revoluções políticas – estendendo-se rapidamente por toda a Europa do Leste e pela própria Rússia. A burocracia não podia aceitar a revolução húngara. O “liberal” Krushev afogou a revolução em sangue.

No entanto, a burocracia russa ofereceu a sua amizade ao regime de Castro. De fato, sem a maciça ajuda russa – mais de l milhão de dólares por dia – a revolução cubana teria fracassado. 40% do comércio exterior de Cuba é com a Rússia. 95% de seu petróleo vem da mesma fonte e, segundo o acordo comercial firmado entre Rússia e Cuba para o período de 1975/80, a burocracia russa pagava 60 cêntimos o quilo de açúcar cubano, em comparação com 28 cêntimos por quilo, que era o preço anterior. Além disso, a enorme dívida com a Rússia, calculada entre 3000 e 4300 milhões de dólares, foi equacionada sob o mesmo esquema.
“Quem paga o músico escolhe a melodia”. Parece que durante uma disputa com o regime cubano, um funcionário da embaixada russa declarou de forma arrogante: “…só precisamos dizer que há um atraso de três semanas na produção de petrolífera de Bakur, e acabou-se a festa…!”

Sem dúvida, tem havido discrepâncias entre Castro e a burocracia russa – envolvendo também seus acólitos dos “partidos comunistas” da América Latina – mas a revolução cubana não apresentou nenhuma ameaça real para a elite privilegiada na Rússia. Ao contrário, o estabelecimento de um regime basicamente semelhante na ante sala do imperialismo norte-americano serviu para fortalecer o poder e o prestígio da burocracia russa.

Economia planificada

A enorme ajuda prestada pela Rússia, ao lado das vantagens que surgem de uma economia planificada, provocaram um desenvolvimento gigantesco da sociedade cubana – sobretudo quando se compara com o desemprego, a fome e a miséria que assolam o continente latino americano. Em 1975, por exemplo, a taxa de mortalidade infantil – 27,4 por mil – era uma das mais baixas em toda a América Latina.

A expectativa de vida em Cuba é atualmente de 69,2 anos, comparada com 45,3 anos na Bolívia, 58,5 na Colômbia, 59,7 no Brasil e 60,6 no Chile. Antes de 1959, a metade das crianças em idade escolar não recebia nenhuma instrução. Hoje, todos recebem educação e agora há quase 2 milhões de alunos nas escolas primárias, em comparação com os 720 mil de antes de 1959, e 79 mil professores nas escolas primárias, comparados com os 17 mil do período anterior.

As creches estão abertas a todas as crianças com mais de 45 dias de idade. O historiador Hugh Thomas confessor: “…poucos morrem por subnutrição, e no campo, principalmente na província do oriente, os camponeses mais pobres devem estar melhor alimentados que antes da revolução… O desemprego, sem dúvida, tem diminuído, apesar da recente participação na economia de muitas mulheres que antes limitavam-se às atividades domésticas…” ( Cuba, o la búsqueda de la libertad, pg 1425).

Por exemplo, o contraste é nítido com a Argentina, onde calcula-se que o nível de vida reduziu-se em 50% aproximadamente, desde que o exército tomou o poder.

Até de uma fonte tendenciosa, uma declaração de Mr. Pat Molt, Secretário do Comitê de Relações Exteriores do Senado norte-americano, feita em junho de 1974, obtemos uma confirmação do notável desenvolvimento de cuba desde a revolução: “…a ilha em 1973 possuía a rende per capita mais alta da América Latina (1578 dólares), com exceção da Venezuela…” . E a Venezuela encontra-se na frente de Cuba apenas devido a seus imensos recursos petrolíferos. Por outro lado, Cuba continua sendo um país predominantemente agrícola, sendo o açúcar o principal produto. Em 1974, 85% das divisas de exportação provinham da venda do açúcar.

No entanto, ao mesmo tempo, tem ocorrido um desenvolvimento da indústria. Entre 1959 e 1965, a produção industrial expandiu-se em 50%. Em 1975, a economia cresceu aproximadamente 9%. O níquel atualmente já superou o tabaco como o segundo produto de exportação mais valioso do país, depois do açúcar. Planeja-se um aumento da produção de aço no próximo período para atingir-se 1 milhão de toneladas. No entanto, por mais formidáveis que sejam esses sucessos, não são nada em comparação com o que teria sido possível com base numa democracia operária.

Uma gestão claudicante, o tremendo desperdício e os zig-zagues na política econômica são inevitáveis na ausência de planificação, vigilância, controle e iniciativa que somente são possíveis com a democracia proletária. Isto é tão necessário para uma economia planificada como o oxigênio para o corpo humano. Sem isto o corpo humano agoniza e morre.

Esta é a situação na Rússia e na Europa do Leste, onde a casta burocrática representa um freio absoluto para o futuro desenvolvimento da sociedade. Mas num país subdesenvolvido como Cuba, a burocracia pode jogar um papel relativamente progressista no desenvolvimento industrial – mediante a importação de tecnologia dos países avançados com a intenção de colocar-se ao mesmo nível que eles – , mas a um preço colossal. A péssima gestão e o desperdício têm sido evidentes desde os primeiros dias da revolução cubana.

Assim, em 1963, num arroubo de entusiasmo, Castro aceitou de Krushev a oferta de 1000 tratores para mecanizar a colheita de cana de açúcar. Mal chegaram a Cuba e se descobriu que não eram próprios para cortar a cana, que requer máquinas especiais. Ao mesmo tempo, Che Guevara – num discurso secreto destinado ao “uso privado de dirigentes políticos e econômicos” ( veja-se o livro “Guerrilheiros no poder” ) – censurou os diretores de empresas pela má qualidade de seus produtos.

Assinalou que: “…existe neste momento uma escassez de pasta de dente(…) somente quando as reservas começam a desaparecer e as matérias-primas não entram, estes responsáveis se põem em ação (…), sem vacilar, os camaradas lograram produzir uma pasta de dente com bom sabor e que é tão limpa e branca como qualquer outra, mas que endurece em pouco tempo (…), dentro de poucos meses as pessoas vão protestar porque estamos lhes vendendo pedras em tubos…”

De cima para baixo

Guevara e castro queixavam-se dos sintomas, mas não eram capazes nem de diagnosticar a enfermidade nem prever a cura. As decisões arbitrárias e a baixa qualidade dos bens de consumo que as acompanham são inevitáveis num regime onde “os que tomam decisões” não estão sujeitos às críticas, eleição e revogabilidade por parte das massas. Também inevitáveis mostram-se as crises e os zig-zagues na política econômica que tem caracterizado o regime castrista desde o princípio.

Em 1961, Guevara previu que Cuba seria um país industrializado em 12 meses. Dada a debilidade da economia cubana, semelhante perspectiva era totalmente utópica – ainda que com a enorme ajuda da burocracia russa. Pouco depois, a política econômica voltou a concentrar-se na agricultura e principalmente no açúcar. Mas as metas de produção de açúcar eram decididas pelas cúpulas e entregues às massas.

As autênticas possibilidades de uma economia planificada somente podem ser concretizadas com base numa discussão profunda entre as massas, única forma de fazer as correções necessárias, os acréscimos, etc…. Sem esta discussão e a iniciativa das massas para implementar os projetos; erros e falhas são inevitáveis.

Este tem sido o caso de Cuba em relação à indústria do açúcar. Castro declarou que Cuba produziria 10 milhões de toneladas de açúcar antes de 1970. Contudo, mesmo levando-se em consideração a instabilidade do clima, ficou demonstrado que semelhante objetivo seria possível apenas com base na mecanização e no desenvolvimento industrial. Somente isto permitiria o desenvolvimento harmônico da agricultura conjuntamente com a indústria.

Leon Trotsky demonstrou em sua crítica aos erros de Stálin em relação à agricultura, que uma correlação adequada entre indústria e agricultura é impossível sob um regime de absolutismo burocrático.

Sem chegar ao extremo dos crimes de Stálin, Castro tentou substituir a falta de recursos industriais e tecnológicos pelo uso maciço de trabalho voluntário e às vezes forçado. Desta forma, na campanha pelos 10 milhões de toneladas de açúcar, mais de 400 mil cubanos foram mobilizados na colheita de 1970. Operários, donas de casa e jovens foram mobilizados para esse trabalho, provocando uma enorme paralisação na indústria.

Ainda assim, produziram-se somente 8,5 milhões de toneladas de açúcar, e inclusive em 1980 a meta era de 8.700.000 toneladas, uma clara demonstração da total impossibilidade de realizar os objetivos anteriores sob o atual regime.

Mais tarde, o regime lançou a “grande ofensiva revolucionária” – uma versão cubana da “revolução cultural”. As denúncias de excesso de “burocracia”, e a semi-militarização do trabalho, foram combinados com proclamações sobre a “transição para o comunismo” e uma campanha para eliminar os pequenos negócios. Em 1968 foram estatizados perto de 58 mil pequenos negócios, inclusive barracas, quiosques e 9179 artesãos autônomos!

Em seguida o governo afirmou que Cuba era a partir de então “o país socialista com o maior setor estatizado”. Mas a eliminação de cada pequeno negócio, sem ter criado previamente as condições para que as empresas estatizadas estivessem preparadas para garantir a produção dos bens – principalmente os bens de consumo – e dos serviços procedentes desses pequenos negócios, agudizou gravemente a situação de escassez generalizada de determinados produtos, o que por sua vez aumentou o descontentamento.

O objetivo da campanha era a redução dos privilégios da burocracia para acumular os recursos necessários para a industrialização e a mecanização da agricultura, e em marcha forçada alcançar os objetivos decididos de uma forma arbitrária pelo governo.

Castro fez o mesmo alarde com relação ao nível de vida. Em 1960, por exemplo, afirmou que Cuba gozaria de um nível de vida comparável ao da Suécia antes de 1965. No ano seguinte, o racionamento drástico de comida e de roupas já havia sido introduzido no país, esse racionamento continuou até os anos 70 e só terminou ou foi reduzido para alguns bens de consumo nos últimos anos.

Falta de democracia

Confrontado com este impasse, Castro viu-se obrigado a mudar de rumo. Em novembro de 1973, no “congresso sindical”, admitiu que Cuba “não estava preparada para o comunismo e devia retroceder em certos aspectos devido à inexperiência revolucionária de muitos cubanos e ao baixo nível de produção em alguns setores da economia”.

A 14 de janeiro de 1974 confessou também que agora “eram necessários mais operários para realizar os mesmos trabalhos executados quando os norte-americanos eram os proprietários”.

Em 1966, somente 4 horas de trabalho produtivo diárias eram a média nacional de Cuba. O absenteísmo havia alcançado 16% na indústria leve e 31% na indústria alimentícia. Castro declarou em 1975: “…o povo pode substituir a qualquer um – também a mim, se quiserem…”. E fez um chamamento a favor de maior participação no processo decisório.

Na prática, não havia nenhum canal democrático para que as massas pudessem substituir os dirigentes. Neste sentido, K.S.Karol, falando do partido comunista, comenta: “…todos os seus órgãos, desde o comitê central até o cargo mais humilde, são nomeados por Fidel Castro e seus colaboradores mais íntimos…”( Guerrilheiros no Poder, pg 458)”.

O PC cubano castrista estabeleceu-se em 1965, no entanto, seu primeiro congresso reuniu-se apenas em 1975 ! Na Rússia, mesmo durante a guerra civil, sob a direção de Lênin e Trotsky, o partido bolchevique celebrou seu congresso anualmente.

O Dro Jorge Risquet, ministro do trabalho de Castro, explicou as verdadeiras causas deste “mal estar” . Em julho de 1975, atribuiu “os problemas econômicos do país principalmente à generalizada resistência passiva dos trabalhadores”. Também admitiu que “não existia a devida colaboração entre os operários, por um lado e a administração estatal, os funcionários do partido comunista e os sindicatos por outro”.

Para funcionar como uma válvula de escape para o descontentamento acumulado contra a burocracia, em 1975 publicou-se o ante projeto de uma Constituição, segundo a qual ficava estabelecido “o poder popular”. No mesmo ano realizaram-se eleições experimentais para “assembléias municipais” na província de Matanzas. De modo geral apresentaram-se dois candidatos, mas às vezes chegaram a participar até quinze.

Partido Único

Mas havia um “pequeno problema”. Todos os candidatos precisavam ser membros do partido comunista ou de organizações constituintes deste partido, como a Liga de Juventudes Comunistas. Em outras palavras, as eleições eram uma farsa. Pode-se imaginar a indignação dos trabalhadores num país capitalista democrático se fossem informados que poderiam votar nos candidatos de apenas um partido nas eleições para as comissões de fábrica ou em congressos sindicais!

Os apologistas do regime castrista – alguns deles auto denominados “trotskystas” – contra-argumentam que Castro não vacilou em denunciar a burocracia em geral, e a burocracia russa em particular, caracterizando-as como “pseudo-revolucionárias” em outros tempos. Ademais, dizem Castro pretendeu estender a revolução por toda a América Latina, e por isso mesmo entrou em conflito com os dirigentes dos partidos comunistas da região.

Stálin, Mao Tsé Tung e Tito, todos a seu tempo denunciaram a “burocracia”. Mas atacavam os excessos de seu próprio sistema, procurando bodes expiatórios nos casos mais declarados de má administração burocrática e corrupção, com o propósito de defender de modo mais eficaz os privilégios da casta que representavam em seu conjunto. Castro enfrentou a burocracia russa quando os interesses do estado cubano encontravam-se ameaçados. Por isso, em 1962, e mais tarde em 1968, denunciou a Anibal Escalante como um arquiburocrata.

No entanto, por trás do conflito com Escalante – um líder do PC cubano antes que este se fundisse com os castristas – era um joguete da burocracia russa, fazendo eco às críticas dirigidas a Castro nos bastidores, críticas estas que denunciavam sua “ingratidão” diante dos benfeitores russos e seu “aventureirismo” na América Latina. No entanto, a maneira de acertar contas com Escalante foi uma crítica tanto aos métodos de Castro como aos do outro.

Guerra de Guerrilhas

Escalante foi acusado de ter organizado uma “microfração”, um crime que sequer existia nas leis de Cuba! É necessário comparar a atitude de Castro com a de Lênin no período da guerra civil na Rússia. Este último aceitava o direito de Bukarin, Radek e outros publicarem um jornal que argumentava apaixonadamente contra as opiniões de Lênin sobre a paz de Brest-Litovsky e outras questões relacionadas ao mesmo tema.

Por certo, no período inicial, quando a lava da revolução ainda não esfriava, vimos a publicação da segunda declaração de Havana, com sua brilhante denúncia da miséria na América latina e sua chamada à revolução. Che Guevara foi assassinado em uma aventura guerrilheira heróica mas inútil na Bolívia. No entanto, as denúncias lançadas por Castro contra os partidos comunistas oportunistas na América Latina – sobretudo na Venezuela – não se deviam ao abandono por parte destes da perspectiva revolucionária, e sim a sua negativa em aceitar a estratégia de guerrilha propugnada por Castro.

Em nenhum momento Castro buscava o motor principal da transformação socialista da América Latina na poderosa classe operária deste continente. Numa tentativa artificial de transplantar a experiência da guerrilha cubana para o resto do continente, depositava toda sua esperança no campesinato.

É necessário buscar a razão principal desta tentativa de estender a experiência da revolução cubana à América Latina, no brutal boicote comercial imposto contra Cuba pelo imperialismo norte-americano e seus satélites no continente.

Mas a política exterior é sempre uma continuação da política interna. A consolidação da burocracia cubana, junto com o relaxamento do boicote inevitavelmente trouxe como consequência uma mudança na política exterior do regime, concretizada na intenção de buscar uma acomodação com o imperialismo norte-americano e seus cúmplices na América Latina, em detrimento inclusive do apoio verbal para a revolução nesse continente.

Desta maneira, quando a ditadura militar disfarçada no México massacrou mais de 300 estudantes em outubro de 1968, não se ouviu uma só palavra de protesto por parte do governo ou do partido comunista de Cuba. Os estudantes tinham proclamado seu apoio ao regime cubano, mas o México era um dos poucos governos capitalistas que haviam mantido relações diplomáticas com Cuba. Os interesses nacionais do estado cubano eram mais importantes que a “solidariedade internacional”.

Da mesma forma houve um silêncio absoluto em Havana quando 10 milhões de operários franceses ocuparam as fábricas, provocando um terremoto no seio do capitalismo europeu e em todo o mundo. Nem mesmo uma mensagem de solidariedade foi enviada em nome do movimento estudantil, a UJC-FEU, controlada pelo estado, aos estudantes franceses!

Esta tendência se verá inevitavelmente fortalecida quando o imperialismo norte-americano enfim suspender o boicote e estabelecer relações diplomáticas em Cuba. A administração Carter está disposta a reconhecer o regime cubano no momento em que este abdicar de sua intervenção no continente americano. Com uma satisfação mal dissimulada, o imperialismo americano reconhece que o regime castrista abandonou suas antigas “aventuras” na América Latina.

Privilégios

O desencanto com Castro também começou a estender-se entre seus fervorosos seguidores guerrilheiros na América Latina. Em 1967, Castro denunciou o partido comunista venezuelano e apoiou a luta guerrilheiros de Douglas Bravo. Mas já em 1970, “segundo Bravo, os castristas deixaram de ajudar à revolução latino-americana no momento em que decidiram concentrar-se em seus próprios problemas econômicos e aproximar-se da União Soviética ” (Guerrilheiros no Poder, pg 536)
Castro mostrou claramente a natureza do seu regime com seu apoio à intervenção da burocracia russa na Tchecoslováquia em 1968. Pouco tempo depois, um de seus ministros, Llanura, disse aos estudantes em 1968: “nós não vamos ter aqui uma Tchecoslováquia”. Estes acontecimentos não são em absoluto alguma espécie de aberração. As idéias não caem do céu. Pela boca dos líderes políticos expressam-se os interesses materiais de classes ou grupos sociais.

A burocracia cubana teme tanto a revolução socialista no Ocidente como a revolução política contra a burocracia do Leste. Qualquer das duas significaria a eliminação dos privilégios desta elite burocrática e sua substituição por uma democracia de operários e camponeses. Castro é o representante e o árbitro supremo da burocracia cubana. Tanto em relação aos grandiosos acontecimentos da França como da Tchecoslováquia, sua atitude era um indício do pavor que estes eventos provocaram no seio da crescente elite cubana.

Os elementos de controle operário, a milícia operária, etc… que existiam no primeiro período da revolução foram ou enfraquecidos ou eliminados por completo. Assim, K.S. Karol escreve: “…os cubanos já não alardeiam sobre sua milícia operária ou seus Comitês para a defesa da revolução. Estes últimos têm agora uma função puramente repressiva…”
Os privilégios desta camada existiram desde o começo da revolução cubana. Mas com uma base econômica e cultura frágil, as diferenças entre operários e camponeses, por um lado e a burocracia por outro, não podiam ser tão grandes como na Rússia ou na Europa do Leste. Não obstante, K.S. Karol afirmou ter se encontrado em uma fábrica com um engenheiro que ganhava 17 vezes o salário de operário.

Além disso, cita outra série de vantagens e privilégios desfrutados pela burocracia, como os restaurantes de “alta categoria”, a exemplo dos ” Monseños”, o “Torre”, o “1830”, o “Floridita” e outros que cobram preços astronômicos por suas comidas. No congresso do PC cubano em 1975, foi decidido permitir aos cubanos a compra de automóveis, o que até então havia sido monopólio dos funcionários do partido e do estado.

Com o desenvolvimento da economia cubana essas diferenças, longe de desaparecer, cresceram rapidamente. Mas com a diferenciação da sociedade cubana também crescerá a oposição à atmosfera repressiva criada pelo estrato dominante de funcionários privilegiados.

Depois de uma atmosfera relativamente liberal no primeiro período, a supressão de todas as tendências dissidentes se converteu em norma. Assim, em 1962, as obras de Leon Trotsky estavam à venda em Havana e havia um florescimento da cultura e da arte. Agora, a mão morta da burocracia se faz presente por toda parte. Escritores, poetas e artistas pouco ortodoxos, como Padilla, são proibidos pelo regime. Da mesma forma que na Rússia, China e Europa do Leste, a tolerância à liberdade artística poderia provocar um movimento correspondente das massas para conseguir os mesmos direitos. A revolução húngara começou com a oposição dos escritores organizados em torno do Círculo Petofi.

A revolução cubana colocou em evidência as gigantescas possibilidades da nacionalização e planificação da produção. Ficaram mais do que demonstradas nas estatísticas os avanços conseguidos no campo da saúde, do ensino, da previdência social e do desenvolvimento econômicos. Também foi dado um grande impulso a revolução no Caribe e na América Latina.

Mas em decorrência do fato de que a revolução teve lugar num país atrasado, com uma direção que se baseava num movimento predominantemente agrário e com limitações nacionais, a degeneração burocrática era inevitável. Sem dúvida, o regime de Castro possui mais base popular que os regimes estalinistas da Rússia e Europa do leste. Mas o desenvolvimento industrial também significará o crescimento da classe operária e com elas as exigências de democracia operária. Além disso, a revolução política na Europa do Leste e a revolução social na Europa capitalista, nos Estados Unidos ou Japão acabarão repercutindo em Cuba.

A vitória da revolução socialista na Argentina ou no Brasil, por exemplo, teria um efeito dramático em Cuba. nestes países, o peso social da classe trabalhadora é tão decisivo que a revolução socialista se desdobraria nas mesmas linhas da revolução russa. Uma vitória da classe operária em qualquer destes países seria o detonador da revolução socialista em todo o continente e conduziria a uma nova revolução em Cuba – desta vez uma revolução política – e ao estabelecimento de uma democracia operária.

Do mesmo modo que o ferro é atraído por um imã, os países da América Central e do Sul, inclusive do Norte, junto com o Caribe, ver-se-iam envolvidos na formação de uma grande Federação Socialista do Continente Americano. A revolução cubana demonstrou as tremendas possibilidades implícitas numa economia planificada. No entanto, estes recursos empalidecerão frente às enormes chances que se abririam com base numa democracia operária e uma Federação Socialista. A revolução cubana demonstra que apenas a revolução socialista e a democracia operária oferecem aos operários e camponeses da América Latina e do Caribe a possibilidade de escapar ao pesadelo do monopólio da terra pelos latifúndios e do capitalismo. 

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