Os socialistas e a campanha de Bernie Sanders – um debate com o PSTU

altA candidatura de Bernie Sanders está trazendo temas como “socialismo” e “revolução política” ao centro do debate na campanha presidencial dos EUA. Milhões de pessoas estão ficando entusiasmadas com propostas radicais como saúde e educação superior gratuita, taxação dos ricos, diminuição do poder dos bancos, combate às opressões, etc. A campanha ataca duramente a desigualdade crescente entre ricos e pobres e defende o aumento do salário mínimo para 15 dólares por hora.

O apoio à candidatura de Sanders é um reflexo da crescente radicalização nos EUA na vaga da crise econômica que estourou em 2007-08, que gerou movimentos como “Ocupe Wall Street”, as greves e o movimento por aumento do salário mínimo para 15 dólares por hora e o maior movimento contra o racismo desde os anos 1960, o “Black Lives Matter”. Sanders se tornou um polo de atração para quem quer lutar por uma alternativa aos dois partidos do poder nos EUA, o maior poder imperialista do planeta: os republicanos e os democratas.

A grande contradição da campanha de Bernie Sanders é o fato de que ele está participando nas prévias dentro de um desses partidos, os democratas. Esse partido é chamado corretamente pela esquerda de “cemitério dos movimentos sociais”, já que sindicatos, movimentos sociais e figuras combativas muitas vezes apoiam o partido como um “mal-menor”, domesticando esses movimentos e colocando obstáculos na necessária construção de um partido de trabalhadores no país.

Por isso temos visto um debate caloroso na esquerda sobre como se posicionar diante da candidatura de Sanders. Escrevemos um artigo expressando a posição da LSR e do Socialist Alternative (apoiadores nos EUA do CIT – Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores, a organização internacional que a  LSR no Brasil integra) que pode ser lido aqui: Bernie Sanders e a construção de uma alternativa de esquerda nos EUA. Estamos voltando ao tema para responder a artigos do PSTU e da LIT sobre o tema, especificamente o de Alejandro Iturbe, intitulado “Apoiar Bernie Sanders? Um novo (e grande) passo de amplos setores da esquerda no caminho da capitulação”.

 

Duas armadilhas

Acreditamos que é possível cometer dois erros diante do fenômeno Sanders. Há uma parte da esquerda que adota uma postura acrítica e oportunista, sem criticar os erros de Sanders, alguns até tendo ilusões na possibilidade de girar o próprio Partido Democrata à esquerda.

O Socialist Alternative nunca escondeu seus desacordos com Bernie Sanders. No Congresso dos EUA, onde foi eleito como independente para deputado e depois senador, ele sempre teve acordo geral com os democratas, por exemplo, sempre apoiando candidatos do partido contra os republicanos. Em geral ele sempre teve posições críticas às grandes empresas e a favor de melhorias para os trabalhadores, mas seu “socialismo democrático” sempre foi de um viés reformista, quer dizer, a favor de melhorias, mas dentro do sistema, sem defender uma ruptura com o capitalismo.

Ela ataca o poder de Wall Street (centro financeiro de Nova Iorque), defende a divisão dos grandes bancos, taxação dos ricos, mas não chega a atacar os fundamentos do poder dos capitalistas, o fato deles serem donos das grandes empresas que dominam a sociedade. O modelo dele é a socialdemocracia nórdica, sem fazer o balanço necessário de que essa mesma socialdemocracia abandou as reformas e adotou o neoliberalismo ao invés de romper com o sistema.

Na política externa ele tem adotado posições mais complicadas ou mesmo equivocadas. Sanders tem uma posição errada pró-Israel, apesar de apoiar a formação de um estado palestino. Ele apoiou várias das guerras e intervenções militares dos EUA, como na Sérvia em 1999, Afeganistão em 2001 ou o bombardeiro da Síria agora. Porém, o artigo de Alejandro Iturbe erra em dizer que ele apoiou “todas as intervenções”. Sanders foi contra as guerras no Iraque, por exemplo, algo que ele usa contra Clinton na campanha atual.

Dito isso, a posição do PSTU e da LIT comete outro erro, oposto ao oportunismo, tendo uma postura sectária diante da campanha de Sanders e de qualquer um da esquerda que dê qualquer tipo de apoio a ele, dizendo que estão “capitulando” a Sanders e que ele é um “inimigo” que tem que ser “combatido”. Fazem isso adotando uma postura mecânica diante do fenômeno Sanders.

Temos que reconhecer os riscos com a campanha de Sanders. O Socialist Alternative defendeu desde o começo que Sanders deveria ter lançado sua candidatura como independente, para não gerar ilusões nos democratas, que é um partido da classe dominante dos EUA. Uma campanha independente de Sanders, ou através de alguma formação radical menor, como o Partido Verde, seria um passo importante para a construção de uma alternativa dos trabalhadores.

Mas diante do fato consumado, com o lançamento da campanha de Sanders, os socialistas tinham que tomar uma posição. A posição do Socialist Alternative foi que a campanha de Sanders atrairia um grande apoio, especialmente da juventude, onde uma maioria diz preferir “socialismo” ao “capitalismo”, é claro que ainda com grandes confusões sobre o que seria o “socialismo”. O apoio a Sanders superou todas as expectativas. Seus comícios atraíram dezenas de milhares. Uma grande camada de ativistas do movimento “Ocupe” viu em Sanders uma chance de construir algo contra o poder dos grandes partidos. É claro que uma parte desses com ilusões em um possível giro à esquerda dos democratas, mas muitos outros são céticos ou mesmo críticos ao aparato do partido e em relação a Hillary Clinton.

O apoio a Sanders reflete uma situação nova. Existe uma crítica profunda aos poderosos nos EUA, baseada na crise econômica e a fraca recuperação que trouxe aumento de renda para os ricos. A postura do PSTU, e outros da esquerda, é que nada mudou. Sanders é mais uma figura entre outras da esquerda dos democratas que já vimos antes, tem uma trajetória que vai “claramente da esquerda para a direita” e vai ser domesticado como os candidatos de esquerda anteriores.

Lições históricas são importantes, mas não substituem uma análise concreta da situação. Se adotamos uma postura de que a história sempre vai se repetir, corremos o risco de ter revolucionários que se tornam conservadores.

É correto dizer que os democratas até agora foram bem sucedidos em domesticar iniciativas mais radicais. Por exemplo, nos anos 1980 o pastor radical Jesse Jackson teve grande apoio nas primárias. Na sua segunda tentativa, em 1988, ele chegou a ter 30% dos votos nas primárias, contra os 42% de Dukakis. Na convenção do partido, todo o resto se uniu em torno de Dukakis, que era o candidato da direção do partido, e garantiu uma vitória confortável de 70-30. Jesse Jackson nunca ameaçou romper com os democratas e garantiu o apoio de afro-americanos a Dukakis, que mesmo assim perdeu para George Bush (pai).

Por que o Sanders seria diferente? Por que a situação é diferente. O apoio ao modelo capitalista está em crise e Sanders pode se dizer “socialista” e defender uma “revolução política” e isso é algo atrativo, não um obstáculo para obter apoio, especialmente na juventude. Vivemos em um período desde o início da crise onde vários países que tiveram décadas de bipartidarismo (ou situação com poucos partidos estáveis se alternando no poder) estão passando por um processo de fragmentação política, como vimos recentemente na Grécia, Espanha e agora Irlanda.

O bipartidarismo dos EUA provavelmente é o mais duradouro e bem-sucedido da história, mas é errado presumir que ele será eterno. A direção do partido democrata está ficando nervosa com a candidatura de Sanders. Quando ele lançou sua campanha, Clinton estava anos-luz à frente. A candidatura dele não era vista como um problema, pelo contrário, ajudaria a mobilizar para as primárias e avaliavam que ele no final iria apoiar a candidata majoritária, como ele sempre fez. De fato, ele declarou desde o início que iria apoiar Clinton se perdesse as primárias.

Mas com o andar da carruagem, o apoio a Sanders tem crescido de forma impressionante. Uma medida interessante é o fato de que milhões de pessoas espontaneamente estão fazendo pequenas doações a sua campanha. Em janeiro e fevereiro ele arrecadou mais do que Clinton, sem aceitar doações de empresas. Até agora ele recebeu 4,7 milhões de contribuições individuais, um recorde histórico entre os candidatos a presidente no país.

O fato é que ele agora é visto como uma verdadeira ameaça e tem uma alta popularidade na população em geral. Após a “super-terça”, em que Clinton ganhou em 7 estados e Sanders em 4, a mídia, que é pró-Clinton, tem lançado uma ofensiva (que se vê até na mídia brasileira) para dizer que agora está dada a vitória de Clinton, mas na verdade ainda estão nervosos.

Se Sanders ganhar em estados importantes no próximo período, como ele fez em New Hampshire, Colorado, e outros, o aparato democrata irá aumentar seus ataques a Sanders e com isso aumentará também a tensão com essa nova camada de jovens que acabou de despertar politicamente e tem pouca fidelidade com o partido. 

Mas a pergunta central aqui é: seria possível construir uma alternativa de esquerda através da campanha de Sanders, sem cair na armadilha de fortalecer a ilusão nos democratas?

A nossa experiência é que é possível fazer esse dialogo sem cair no oportunismo. O Socialist Alternative vem desde o início colocando abertamente sua posição: defendemos a construção de um novo partido dos trabalhadores, um partido que defenda os 99%. Apoiamos as posições radicais de Sanders, mas criticamos o que não concordamos.

Alejandro Iturbe coloca no seu artigo que é necessário separar o “progressivo” – as lutas e movimentos sociais – do “regressivo”, que é a candidatura de Sanders que quer “esterilizar” os elementos progressivos “conduzindo-os pela via morta das eleições e das instituições”. Mas existe um elemento progressivo no fato de que essa nova camada de lutadores busca uma alternativa política para as eleições. No transcorrer da campanha teremos inúmeras chances de mostrar que para isso o partido democrata é um beco sem saída. A direção do partido não vai aceitar a possibilidade da vitória de uma alternativa realmente radical. E o programa de Sanders é intolerável para os interesses empresariais por trás da direção partidária. Se necessário, irão utilizar os “superdelegados”, representantes da direção do partido e figuras públicas que são delegados natos à convenção partidária, para barrar Sanders.

Até mesmo se Sanders ganhasse uma maioria na convenção, algo improvável, o aparato partidário e os representantes da classe dominante iriam sabotar sua campanha, como fizeram com George McGovern em 1972. Quando McGovern, que tinha uma postura radical e contra a guerra no Vietnã, ganhou as primárias, boa parte do aparato partidário abandonou sua campanha e ajudou reeleger Richard Nixon. Após esse episódio, inventaram o sistema de “superdelegados” como último recurso para barrar candidatos radicais.

Essa contradição vai crescer para quem apoia Sanders. Vai ficar cada vez mais claro que sua vitória só é possível derrotando o aparato partidário, que faz parte da mesma estrutura de poder que ele mesmo tanto critica. Uma camada importante não vai aceitar apoiar Hillary Clinton e estará aberta a romper com o partido, mesmo se Sanders apoiar Clinton.

O Socialist Alternative trabalha lado a lado com essa camada, abertamente levantando a necessidade de Sanders continuar a sua campanha mesmo se barrado pelo aparato nas primárias e começar a construção de um novo partido. O próprio Sanders já teve que constatar que em Nevada (o estado onde fica Las Vegas), os donos dos cassinos barraram os apoiadores de Sanders de fazer campanha entre os trabalhadores dos cassinos, mas deixavam os representantes de Clinton entrar.

Simplesmente dizer que os apoiadores de Sanders estão apoiando o “inimigo”, fecharia qualquer diálogo com centenas de milhares de jovens radicalizados, que estão abertos a discutir o que é socialismo e como chegar lá.

Outro aspecto fundamental da nossa abordagem é levantar a necessidade de vincular a campanha eleitoral à luta concreta. Ao contrário do que diz Alejandro Iturbe, Sanders ajuda nessa questão. Alejandro escreve que os apoiadores de Sanders devem exigir que “se ele realmente quer que os aspectos progressivos de seu programa sejam alcançados (como o salário mínimo de 15 dólares ou a defesa do direito ao aborto), que convoque mobilizações em defesa dessas reivindicações, ao invés de apenas prometer que é ele que irá garanti-las (pelas vias legislativa ou presidencial)”.

Mas um dos elementos progressivos da campanha dele é exatamente não dizer que “ele vai garantir” as melhorias, que basta votar nele. Pelo contrário, ele diz: “Isso não se trata de Bernie Sanders. Você pode ter o melhor presidente da história, mas essa pessoa não vai ser capaz de resolver os problemas que enfrentamos se não houver um movimento de massas, uma revolução política nesse país.” Sanders lançou, por exemplo, a ideia de uma “marcha de um milhão de estudantes” por um ensino superior público gratuito.

O Socialist Alternative tem o exemplo das campanhas vitoriosas de Kshama Sawant que mostram que é possível fazer uma campanha eleitoral que ajuda nas lutas sociais. Com essa experiência positiva, que teve grande repercussão no país, o Socialist Alternative lançou o movimento #Movementforbernie para mobilizar apoio a Sanders, à construção de um novo partido e também lutas em curso, organizando várias manifestações ao redor do país. O movimento tem sido mais bem-sucedido até agora em Chicago, onde duas manifestações com milhares de participantes foram organizadas, junto com lutadores do Black Lives Matter e em oposição ao prefeito democrata Rahm Emanuel (aliado a Clinton), que acobertou o assassinato de um jovem negro de 17 anos até depois de sua eleição a prefeito.

 
Método mecânico

O PSTU muitas vezes trata de pessoas e grupos políticos como algo imutável. Há aqueles que nasceram traidores, vivem traidores e vão morrer traidores. Acreditamos que é uma abordagem mecânica, não dialética. Todos os atores históricos são sujeitos a diferentes pressões sociais, que podem leva-los a ir à direita ou à esquerda em diferentes momentos. Há vários líderes históricos do movimento dos trabalhadores que rompem com suas origens burguesas e se tornam lutadores pelos trabalhadores.

Sanders não tem feito uma campanha rebaixando seu programa. Pelo contrário, incorporou elementos das lutas na campanha. Por exemplo, em 2013 ele contactou Kshama Sawant para parabeniza-la quando ela ganhou a sua primeira eleição a vereadora em Seattle. Kshama colocou que ele deveria levantar o tema dos 15 dólares por hora de salário mínimo, mas ele não estava disposto no momento. Mas, quando lançou sua campanha em maio de 2015, ele pela primeira vez incluiu os 15 dólares no seu programa. Do mesmo modo, no início da campanha ele demorou a levantar a bandeira do “Black Lives Matter”, mas seu apoio entre afro-americanos está crescendo.

Não devemos tirar a conclusão que está dado o que ele fará quando perder para Clinton, que é o cenário mais provável. Não está excluída a possibilidade de ele se lançar como independente, ainda que isso não seja o mais provável. 

Mas, mesmo se ele mantiver a posição de apoiar Clinton, muitos de seus apoiadores não vão querer fazer o mesmo e estarão dispostos a apoiar um outro candidato radical, por exemplo, Jill Stein do Partido Verde, que irá defender as mesmas bandeiras que Sanders. Essa provavelmente será a posição do Socialist Alternative nessa situação.

Mas por que não apoiar Jill Stein agora? Socialist Alternative apoiou a ela em 2012 para presidente e foi uma campanha positiva, mas teve somente 0,36% dos votos. Temos a chance de fazer um “estrago” muito maior com a campanha de Sanders, se adotamos uma postura amigável a seus apoiadores, mas firme na questão de não apoiar Clinton e o Partido Democrático.

 
“Estar com as massas”

O artigo de Alejando Iturbe critica aqueles na esquerda que querem “estar com as massas”, “isto é, adaptar-se às suas ilusões”, fazendo uma comparação crua com a Revolução Russa. A posição de Lenin e Trotsky sempre foi de levar em conta a consciência das massas, para encontrar o melhor jeito de dialogar com ela, especialmente as camadas mais combativas da classe trabalhadora, em cada fase da luta. Por isso dedicaram muita energia para discutir táticas sobre como ganhar o apoio da maioria dos trabalhadores. As discussões sobre “frente única” na Terceira Internacional, ou o método do “programa de transição” têm a ver com isso.

Uma postura de simplesmente marcar posição e definir quem é traidor leva a uma política estéril. O deslocamento dos trabalhadores de antigas direções burocratizadas e degeneradas que estamos vendo no mundo é complexa, seja aqui no Brasil com o PT, seu governo e seus movimentos, com a CUT, MST, UNE, etc., ou até mesmo nos EUA, onde a maioria dos sindicatos apoiam os democratas (que nunca teve um caráter semelhante ao dos partidos socialdemocratas).

Podemos aqui citar o próprio Zé Maria, no seu editorial “Fala Zé Maria” no Opinião Socialista de 26 de outubro de 2002, sobre a posição do PSTU para o segundo turno das eleições presidenciais. O título era “PSTU chama voto em Lula” e dizia: “Porque os trabalhadores acreditam em Lula e, sobretudo, querem a derrota eleitoral de Serra, candidato de Fernando Henrique, o PSTU se soma à classe trabalhadora e chama o voto em Lula.” Isso não foi “estar com as massas”? Achamos que a postura do PSTU foi correta, por que era importante estar com a classe trabalhadora no momento de derrotar a política neoliberal do FHC e na eleição do primeiro presidente operário no país, mesmo alertando para o caráter que esse governo teria. “O papel dos revolucionários é apoiar-se nas expectativas para combater as ilusões no governo e desenvolver as mobilizações”, dizia o artigo do Opinião Socialista que analisava como seria o novo governo. Isso não pode valer para a campanha de Sanders? O PSTU mudou de opinião desde então?

Estando junto com os jovens que apoiam Sanders é importante agora para dialogar com suas ilusões, ajudar esses a supera-las para que tirem a conclusão certa quando Sanders der um giro pro lado errado. “Adaptar-se a suas ilusões” seria se escondêssemos nossas críticas e alertas, o que não fazemos. Como o PSTU também não fez em 2002 diante da eleição de Lula.

 
Novas formações

Hoje existe um processo que é internacional de reconstrução de ferramentas políticas da classe trabalhadora, para substituir aquelas que perdemos após a queda do stalinismo no começo dos anos 1990, o que inclui o PT. O neoliberalismo perdeu o brilho dos anos 1990, quando dominava o cenário político, mas o processo de reconstrução da esquerda tem sido complicado e tortuoso. Partidos novos surgiram, como Die Linke na Alemanha, Bloco de Esquerda no Portugal, Syriza na Grécia, Podemos na Espanha, ou até mesmo o PSOL no Brasil. O processo passou também por figuras como Hugo Chávez ou Evo Morales.

São processos que expressam a busca de uma nova esquerda radical, mas que traz muito elementos dos erros da esquerda antiga: reformismo com mudanças só por dentro do sistema, oportunismo eleitoral (com rebaixamento do programa, alianças com partidos da burguesia, etc.), vacilação nos momentos decisivos diante da mobilização da classe trabalhadora que não leva a luta a uma ruptura com o sistema, etc. etc. É um processo cheio de conflitos e contradições. O PSTU vê neles somente um longo processo de capitulações e Alejandro Iturbe os cita no artigo. Mas há também um processo rico e progressivo, de novas camadas de lutadores entrando na luta e aprendendo com os erros, e com o avanço, mesmo que ainda incipiente, de uma consciência socialista.

Temos que entender esses fenômenos como parte de um processo, uma luta entre forças vivas. O próprio Chávez, que o PSTU sempre condenou como um burguês, não foi o mesmo em 1992, 1998, 2002, 2005 ou no momento de sua morte. Em 2005, após vários embates com a oposição de direita, incluindo tentativa de golpe, era bem mais radical de que em 1998 quando se elegeu. Chávez adotou uma postura de nacionalismo burguês radical para falar de “socialismo”, “revolução permanente” e falar de lançar uma “quinta internacional”, sobre influência da luta de classes, realizando algumas nacionalizações. Mas não rompeu com o sistema capitalista e também não rompeu com o aparato estatal burguês. Por isso, esse processo não avançou. Mas temos que saber dialogar com cada passo do processo. Para o PSTU, Chávez era um “traidor” igual no começo, no meio e no fim.

Do mesmo jeito temos que ver o processo do Syriza na Grécia, que teve seus altos e baixos. O partido jogou na verdade um papel pequeno nos grandes embates da classe trabalhadora contra a política da “troika”, com mais de 30 greves gerais desde 2010, até que o partido foi visto como uma ferramenta para tentar uma saída política e ganhou as eleições em 2015. O seu líder Tsipras poderia ter sido empurrado a ir além do que planejava, e com o referendo em julho abriu a brecha que o povo grego queria para dar o troco na classe dominante na Europa, com a grande vitória do “não” ao acordo que impunha mais um pacote de austeridade contra o povo grego. Diante da tarefa e o mandato histórico do povo, Tsipras recuou. Foi uma batalha e derrota importante para classe trabalhadora, que vai trazer lições importantes, como a derrota da primeira Revolução Russa de 1905-06. Infelizmente, a postura do PSTU diante desses processos hoje se assemelha ao do KKE, o partido stalinista grego, que entrou nesse processo de crise e saiu do mesmo jeito: condenou as traições, não cedeu às ilusões, não se misturou com os reformistas… mas não cresceu nada no processo de crise mais profunda no país nas últimas décadas.

A postura de Lenin e Trotsky na Revolução Russa foi muito mais rica e cheia de nuances e levou ao crescimento do partido bolchevique de 8 mil em fevereiro a superar 200 mil em outubro.

A esquerda no mundo ainda está errando mais do que acertando e por isso não está conseguindo captar boa parte dessa radicalização que está brotando. Fenômenos como Jeremy Corbyn na Grã Bretanha, que do nada venceu a eleição da direção do partido trabalhista, até Bernie Sanders, concorrendo pelos democratas, mostra que essa radicalidade vai achar expressão em lugares inesperados, se a esquerda não aprender a se posicionar nesse novo período e oferecer um caminho.

Adotar uma postura que não caia nem no oportunismo nem no sectarismo estéril não é fácil. Só não cometerá erros quem nada faz.

 

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