Dilma, cadê a reforma agrária?
Responsabilizamos os três poderes pela não realização da reforma agrária. Foi esta a conclusão política do encontro unitário dos camponeses e dos povos do campo, realizado entre os dias 21 a 23 de agosto em Brasília. Após 51 anos do memorável encontro camponês, realizado em BH no ano de 1961, onde se discutiu a concentração da terra e a perspectiva da realização da reforma agrária, novamente milhares de camponeses se reuniram para reivindicar a realização desta reforma. Este encontro avaliou que pouca coisa avançou de lá para cá, nos últimos anos os recursos vem diminuindo e o INCRA – órgão responsável pela execução da reforma agrária – vem sendo desmontado ano após ano.
O que estava ruim ficou pior! A reforma agrária no governo Dilma entrou em um processo de retrocesso. Muitas fazendas estão com os decreto de desapropriação prescrevendo e o INCRA terá que devolvê-las para os antigos proprietários mesmos que as mesmas tenham sido decretadas como de interesse social, por não estar cumprindo sua função social, conforme prevê a constituição. O governo diminuiu o custo por família, a ser pago pela desapropriação, para no máximo R$ 100 mil reais. Isso enquanto as terras se valorizaram nos últimos anos devido o avanço do agronegócio e com valorização das commodities, no mercado internacional.
O tempo médio para que uma família seja assentada era de três anos, com as novas medidas proposta pelo governo este tempo vai aumentar. Tendo em vista a diminuição dos recursos, as terras a serem desapropriadas vão ser cada vez mais na região norte e nas regiões mais distantes dos centros consumidores, sendo estas terras mais fracas, já que são mais baratas. Com isso aumentará os custos para implantação dos assentamentos e para manutenção das famílias na terra. É uma economia que sairá caro.
Outra medida do governo é que só serão desapropriados imóveis que possam assentar no mínimo 15 famílias, isso vai dificultar ainda mais a arrecadação de terras para a reforma agrária. A constituição prevê que todo imóvel, que não cumprir a sua função social, acima de 15 módulos ficais devem ser desapropriados, ainda que ao realizar a organização espacial para implantar o assentamento caiba menos de 15 famílias. Isso pode variar de região para região do país devido o tamanho do modulo fiscal que varia de região para região.
É neste contexto adverso que foi realizado o encontro unitário, com praticamente noventa por cento dos movimentos do campo e entidades de apoio à reforma agrária, que produziram uma declaração ao povo brasileiro, protocolada na secretaria geral da presidência da república, na presidência do congresso e na presidência do STF.
Foi realizada uma marcha que saiu do local do encontro, no Parque da Cidade, seguindo até o Palácio do Planalto, onde por duas horas os manifestantes ocuparam a Praça dos Três Poderes e também a avenida em frente ao palácio causando uma grande confusão e reboliço entre os membros da guarda palaciana. A polícia reagiu jogando gás pimenta e distribuindo cassetadas contra os camponeses. Os manifestantes montaram várias barracas de lona na Praça dos Três Poderes e hastearam as bandeiras de todos os movimentos que participaram do encontro. Estenderam duas faixas com os dizeres: “Dilma cadê a Reforma Agrária?” e “Responsabilizamos os Três Poderes pela não realização da Reforma Agrária”. A marcha contou com aproximadamente 10 mil pessoas entre camponeses e apoiadores, dentre estes servidores públicos em greve, principalmente do Incra e da Embrapa. Os participantes do encontro fizeram uma avaliação critica da política agrária do governo Dilma, concluindo que seu governo é um do dos piores para reforma agrária, pois fez uma opção pelo agronegócio.
Os movimento e federações que tradicionalmente tem dado apoio ao governo estão prestes a entrar em rota de coalisão, pois suas bases não aguentam mais a morosidade e o abandono da política de reforma agrária por parte do governo Dilma. Foi isto que lavou os mais diversos movimentos a articularem este encontro unitário, incluindo organizações que tradicionalmente tem muitas divergências entre si, como é caso da Via Campesina e a Contag, que disputam palmo a palmo os território e o protagonismo da reforma agrária no país.
A marcha se encerrou com um ato em frente ao congresso com diversas falas radicalizadas e críticas ao governo e com a leitura da declaração final do encontro. O encontro deliberou pela realização de manifestações conjuntas em todos os estados entre março e abril de 2013, pela montagem de um acampamento permanente na Esplanada dos Ministérios também ano que vem e por uma marcha em 2014, repetindo a “marcha dos 100 mil”.
O governo, como resposta ao encontro público, liberou nove decretos de desapropriação de imóveis que estavam há anos na Casa Civil, e também publicou um decreto que institui a política de Agroecologia e a comercialização das sementes crioulas. O governo tenta introduzir um falso debate de desenvolvimento dos assentamentos versus novas obtenções de terras dizendo que primeiro vai recuperar os assentamentos já constituídos e depois retomar as obtenções. Os movimentos não são contra a recuperação e desenvolvimento dos assentamentos, pelo contrario, é isto que reivindicam há anos, porém não concordam que parem com as obtenções de terras. O Terra Livre participou com uma delegação de camponeses de Goiás.
Por Terra, Território e Dignidade
1) a reforma agrária como política essencial de desenvolvimento justo, popular, solidário e sustentável, pressupondo mudança na estrutura fundiária, democratização do acesso à terra, respeito aos territórios e garantia da reprodução social dos povos do campo, das águas e das florestas.
2) a soberania territorial, que compreende o poder e a autonomia dos povos em proteger e defender livremente os bens comuns e o espaço social e de luta que ocupam e estabelecem suas relações e modos de vida, desenvolvendo diferentes culturas e formas de produção e reprodução, que marcam e dão identidade ao território.
3) a soberania alimentar como o direito dos povos a definir suas próprias políticas e estratégias sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos que garantam o direito à alimentação adequada a toda a população, respeitando suas culturas e a diversidade dos jeitos de produzir, comercializar e gerir estes processos.
4) a agroecologia como base para a sustentabilidade e organização social e produtiva da agricultura familiar e camponesa, em oposição ao modelo do agronegócio. A agroecologia é um modo de produzir e se relacionar na agricultura, que preserva a biodiversidade, os ecossistemas e o patrimônio genético, que produz alimentos saudáveis, livre de transgênicos e agrotóxicos, que valoriza saberes e culturas dos povos do campo, das águas e das florestas e defende a vida.
5) a centralidade da agricultura familiar e camponesa e de formas tradicionais de produção e o seu fortalecimento por meio de políticas públicas estruturantes, como fomento e crédito subsidiado e adequado as realidades; assistência técnica baseada nos princípios agroecológicos; pesquisa que reconheça e incorpore os saberes tradicionais; formação, especialmente da juventude; incentivo à cooperação, agroindustrialização e comercialização.
6) a necessidade de relações igualitárias, de reconhecimento e respeito mútuo, especialmente em relação às mulheres, superando a divisão sexual do trabalho e o poder patriarcal e combatendo todos os tipos de violência.
7) a soberania energética como um direito dos povos, o que demanda o controle social sobre as fontes, produção e distribuição de energia, alterando o atual modelo energético brasileiro.
8) a educação do campo, indígena e quilombola como ferramentas estratégicas para a emancipação dos sujeitos, que surgem das experiências de luta pelo direito à educação e por um projeto político-pedagógico vinculado aos interesses da classe trabalhadora. Elas se contrapõem à educação rural, que tem como objetivo auxiliar um projeto de agricultura e sociedade subordinada aos interesses do capital, que submete a educação escolar à preparação de mão-de-obra minimamente qualificada e barata e que escraviza trabalhadores e trabalhadoras no sistema de produção de monocultura.
9) a necessidade de democratização dos meios de comunicação, hoje concentrados em poucas famílias e a serviço do projeto capitalista concentrador, que criminalizam os movimentos e organizações sociais do campo, das águas e das florestas.
10) a necessidade do reconhecimento pelo Estado dos direitos das populações atingidas por grandes projetos, assegurando a consulta livre, prévia e informada e a reparação nos casos de violação de direitos.
1. a fortalecer as organizações sociais e a intensificar o processo de unidade entre os trabalhadores e trabalhadoras, povos do campo, das águas e das florestas, colocando como centro a luta de classes e o enfrentamento ao inimigo comum, o capital e sua expressão atual no campo, o agro e hidronegócio.
2. a ampliar a unidade nos próximos períodos, construindo pautas comuns e processos unitários de luta pela realização da reforma agrária, pela reconhecimento, titulação, demarcação e desintrusão das terras indígena, dos territórios quilombolas e de comunidades tradicionais, garantindo direitos territoriais, dignidade e autonomia.
3. a fortalecer a luta pela reforma agrária como bandeira unitária dos trabalhadores e trabalhadoras e povos do campo, das águas e das florestas.
4. a construir e fortalecer alianças entre sujeitos do campo e da cidade, em nível nacional e internacional, em estratégias de classe contra o capital e em defesa de uma sociedade justa, igualitária, solidária e sustentável.
5 a lutar pela transição agroecológica massiva, contra os agrotóxicos, pela produção de alimentos saudáveis, pela soberania alimentar, em defesa da biodiversidade e das sementes.
6 a construir uma agenda comum para rediscutir os critérios de construção, acesso, abrangência, caráter e controle social sobre as políticas públicas, a exemplo do PRONAF, PNAE, PAA, PRONERA, PRONACAMPO, pesquisa e extensão, dentre outras, voltadas para os povos do campo, das águas e das florestas.
7. a fortalecer a luta das mulheres por direitos, pela igualdade e pelo fim da violência.
8. a ampliar o reconhecimento da importância estratégica da juventude na dinâmica do desenvolvimento e na reprodução social dos povos do campo, das águas e das florestas.
9. a lutar por mudanças no atual modelo de produção pautado nos petro-dependentes, de alto consumo energético.
10. a combater e denunciar a violência e a impunidade no campo e a criminalização das lideranças e movimentos sociais, promovidas pelos agentes públicos e privados.
11. a lutar pelo reconhecimento da responsabilidade do Estado sobre a morte e desaparecimento forçado de camponeses, bem como os direitos de reparação aos seus familiares, com a criação de uma comissão camponesa pela anistia, memória, verdade e justiça para incidir nos trabalhos da Comissão Especial sobre mortos e desaparecidos políticos, visando a inclusão de todos afetados pela repressão.
Nós, trabalhadores e trabalhadoras, povos do campo, das águas e das florestas exigimos o redirecionamento das políticas e ações do Estado brasileiro, pois o campo não suporta mais. Seguiremos em marcha, mobilizados em unidade e luta e, no combate ao nosso inimigo comum, construiremos um País e uma sociedade justa, solidária e sustentável.