África do Norte/Oriente Médio: Continua o desafio ao governo de reis e ditadores
Na data em que eleições são anunciadas na Tunísia e Egito, apesar de seus esforços hercúleos, ainda não haviam sido capazes de derrubar a ditadura de Gaddafi. Mas em Omã, Bahrain, Iêmen e Djibuti, continuam os desafios ao governo de reis e ditadores.
Relata-se que quatro milhões tomaram as ruas por todo o Iêmen na sexta, 4 de março, exigindo o fim do regime do presidente Ali Abdullah Saleh. Significativamente, 10 mil marcharam em Beirute no domingo seguinte, para protestar contra o sistema politico sectário do país, cantando slogans: “Não ao sectarismo”, “O povo quer derrubar o regime” e “Revolução”.
A poderosa obra da revolução do Oriente Médio não para aqui. Numa magnífica manifestação no Iraque contra o governo Nouri al-Maliki, um regime fantoche do imperialismo, vemos o ressurgimento da classe trabalhadora sob sua própria bandeira. Essa é a primeira vez desde a invasão de Tony Blair/George Bush e a ocupação do país em 2003.
Os sindicatos e organizações dos trabalhadores são reprimidos e na prática proibidos. O terror foi usado pelo governo contra as manifestações e 29 trabalhadores foram baleados pelas “forças de segurança”. As palavras de ordem dos manifestantes levantavam temas centrais: “Petróleo do povo para o povo, não para os ladrões!”, “Queremos dignidade, empregos e serviços, não terrorismo!”, “Não à ditadura de Saddam e não à ditadura dos ladrões!”, “Não à ocupação, não somos baathistas!” e, muito significativo, “Sunitas e xiitas, essa pátria nunca venderemos”. No Curdistão iraquiano, seis foram mortos e os manifestantes exigiam que os líderes curdos Massoud Barzani e Jalal Talabani e seus partidos sectários seguissem Mubarak no exílio.
Em pânico, enquanto a torrente da revolução varria os sonolentos estados do golfo, o Sultão de Omã se apressou em propor 50 mil novos empregos e US$ 400 por mês em seguro-desemprego. Isso após significativas concessões do regime do Kuwait e da “poderosa” monarquia semifeudal da Arábia Saudita. Na semana passada o rei saudita tentou comprar as massas insurgentes com um pacote de US$ 36 bilhões em empréstimos imobiliários, seguros-desemprego e aumentos salariais.
Hipocrisia do imperialismo é exposta
Isso mostra graficamente que as reformas – verdadeiras reformas – são em si apenas um subproduto da revolução ou da ameaça de revolução. Esses movimentos que não deixaram nenhum regime do Oriente Médio intacto confirma os argumentos dos marxistas e socialistas na época da guerra do Iraque. A invasão, dizia Blair, era o único modo de derrubar a ditadura de Saddam Hussein. Afirmávamos, ao contrário, que apenas um movimento de massas do povo iraquiano poderia realmente remover não apenas Saddam, mas também todo o seu regime apodrecido.
Foram os levantes de massa na Tunísia e Egito que derrubaram as ditaduras, e não a intervenção do imperialismo. De fato, o imperialismo apoiou essas ditaduras até o momento de sua derrubada. Ele tremeu com as repercussões desses movimentos. As vergonhosas revelações dos milhões de libras oferecidas pelo regime de Gaddafi para apoiar as nobres instituições do capitalismo britânico, como a London School of Economics, indicam isso.
Nem foram a Al-Qaeda ou os métodos do terrorismo que levaram à revolução no Egito, Tunísia e Oriente Médio. Pelo contrário, os métodos do terrorismo não minaram as ditaduras, pelo contrário, ajudaram a consolidá-las. Tais métodos foram completamente marginalizados por esse processo e rejeitados – pelo menos no momento – pelas forças revolucionárias. Contudo, o fracasso em levar a revolução a uma conclusão podem abrir a oportunidade para o retorno de tais forças divisionistas reacionárias.
O que pode barra isso é a construção de um poderoso movimento independente da classe trabalhadora. Essa é a tarefa mais crucial nos movimentos revolucionários que estão ocorrendo. O medo de tal acontecimento é indicado pelas tentativas dos serviços de “segurança” da Tunísia e do exército egípcio, que ainda mantêm a maior parte de seu poder, de impedir e atacar qualquer organização independente ou críticas ao regime pela classe trabalhadora e outras forças populares. É por isso que organizações independentes, onde existem, são tão cruciais para a consolidação e difusão da revolução. Onde elas não existem, a necessidade de formá-las é urgente.
Nenhuma confiança deve ser posta nos “aparatos de segurança”, que ainda mantêm a maior parte de seu poder herdado do regime anterior. Observe as prisões e tiroteios nas ruas contra manifestações na Tunísia. Veja as suspeitas inteiramente corretas dos trabalhadores em Alexandria, no Egito, que atacaram as sedes da polícia de segurança por causa dos alegados rumores de que as evidências de tortura pelo exército e polícia estavam sendo destruídas. É vital que as emergentes organizações sindicais sejam completamente independentes do Estado.
A Líbia também mostra a abordagem instintiva das massas quando elas entram na arena política por seus próprios meios de expressão, independentes do governo ou outras forças que não sejam da classe trabalhadora. A ideia de “comitês populares” em Benghazi e outras áreas libertadas da Líbia é boa e necessária. Mas os escassos relatos indicam que os comitês, mesmo em Benghazi, não se baseiam totalmente no envolvimento real da classe trabalhadora da cidade.
Naturalmente, numa sociedade econômica e culturalmente carente, os com mais formação estarão na linha de frente no primeiro momento, mesmo numa revolução. Assim, advogados, empresários e professores parecem estar dominando os comitês em Benghazi e outras áreas. Mas isso deve ser apenas um prelúdio ao verdadeiro controle e gestão da sociedade pelas próprias massas. Elas precisam estar armadas e politicamente conscientes de que uma verdadeira luta pela libertação depende do envolvimento das massas.
Parece que, até agora, uma distribuição ampla de armas tem sido negada à população de Benghazi, suspostamente por causa do medo de agentes de Gaddafi que ainda operam na cidade. Mas todos os observadores dizem que as forças de Gaddafi praticamente são inexistentes ali. Isso pode indicar que as figuras de classe media à frente do movimento temem que a classe trabalhadora armada controle os comitês de defesa da revolução.
A situação objetiva difere de país a país no Oriente Médio. Como a revolução se desenvolve terá traços comuns, mas também diferenças. O movimento na Tunísia e Egito foi esmagadoramente urbano, com a classe trabalhadora jogando um papel decisivo, especialmente nas etapas finais do movimento no Egito. A Líbia tem uma população mais escassa e menor numa enorme área geográfica. Trípoli, a capital, ainda ocupa um papel crucial, como todas as grandes cidades nas revoluções. Gaddafi tem uma base em Trípoli. As riquezas petrolíferas permitem que o regime desesperado prometa fundos generosos para as tribos permanecerem leais. Há fatores nacionais e tribais que jogarão um papel. Há medo e hostilidade com a hipótese que o imperialismo interfira no “caos” da revolução. Esses e outros fatores poderiam significar uma guerra civil total. Portanto, a tentativa de derrubar Gaddafi assumirá um caráter mais prolongado.
Não há dúvida que a maioria esmagadora das massas líbias querem ver o fim desse regime. Ele está ensopado de sangue, como descrito por um conhecido romancista líbio no New York Times: “15 anos atrás, numa única noite, o tirano e seus mercenários assassinaram 1.200 pessoas na [principal] prisão de Trípoli, onde eram mantidos os prisioneiros políticos. Os corpos foram empilhados… prisioneiros de toda a Líbia, de todas as idades, foram mortos sem julgamento. Meu único irmão foi um deles”. O ódio para com Gaddafi e o regime, portanto, é de proporções vulcânicas. Não obstante, por causa da fisionomia tribal da Líbia, ele ainda parece ter um certo apoio, especialmente em Trípoli mas também em outras áreas. Militarmente, ele se baseia numa “guarda pretoriana” de soldados com treinamento especial e mercenários. Os adversários de Gaddafi estão mal armados, não parecem possuir tanques e Gaddafi tem o monopólio do poder aéreo.
Uma intervenção imperialista externa em larga escala está inteiramente descartada. Mesmo o Secretário de Defesa dos EUA, Robert Gates, declarou que qualquer um que sugira a intervenção militar é “insano”, como a proposta do General Douglas MacArthur de bombardear a China foi descrita na época da Guerra da Coreia.
Contudo, algum tipo de zona de exclusão aérea tem sido seriamente considerado pelo imperialismo, na esperança de que possam repetir a experiência das áreas curdas antes da invasão do Iraque em 2003. Mesmo isso é problemático, por causa das prováveis objeções da China, Rússia e outras potências. Além disso, não impediria o uso de helicópteros, que operações de exclusão aérea são incapazes de cobrir totalmente. Portanto, é provável que a revolução na Líbia seja volátil e prolongada, sua escala de tempo sendo impossível de prever.
A chave para o sucesso contra Gaddafi é superar as divisões tribais no país, como as revoluções em outros países árabes deixaram de lado as divisões nacionais e sectárias. Em Trípoli, isso significa a elaboração de um claro programa social e econômico para cimentar a unidade da classe trabalhadora e superar as divisões tribais.
Por causa da retórica “socialista” passada de Gaddafi – apoiada por métodos gangster típicos do stalinismo – o apelo do “socialismo” pode não ser imediatamente óbvio para as massas líbias. Mas explicar isso em termos de liberdade e direitos democráticos ligados a mudanças nas condições sociais, a eliminação do desemprego etc., pode encontrar um eco entre o povo líbio.
No Egito e Tunísia, as eleições prometidas em junho ou julho, junto à ideia de uma “assembleia constituinte”, não satisfarão os que fizeram a revolução através de grandes sacrifícios, nem a massa da classe trabalhadora. Apenas uma Assembleia constituinte revolucionária organizada em base a comitês de massas por mudanças nas condições do povo trabalhador pode efetuar uma verdadeira transformação. As eleições para tal órgão, além disso, devem ser organizadas apenas por comitês de trabalhadores e camponeses, nas quais os funcionários eleitos estejam sujeitos à revogação etc.
Os eventos no Oriente Médio também afetaram profundamente as perspectivas políticas e econômicas do capitalismo mundial. O aumento nos preços do petróleo apenas na Grã-Bretanha alcançaram 2 libras esterlinas o litro, e mesmo o parlamentar dos Tories Alan Duncan alerta que isso terá um efeito assustador nos já apertados orçamentos familiares. Todas as grandes crises dos últimos 30 anos foram iniciadas por um aumento no preço do petróleo. Ao mesmo tempo, as ramificações políticas dessa revolução não pode ser subestimada. Não é por acaso que os trabalhadores do Wisconsin, nos EUA, foram inspirados pelo Egito em sua luta contra a reação direitista republicana, tanto no próprio Wisconsin quanto em outros estados dos EUA. Isso também confirma o argumento do marxismo que, quando um movimento sério dos trabalhadores começar em um país, ele irá detonar movimentos similares internacionalmente.
Quantas vezes os céticos e pessimistas rejeitaram essa ideia? Mas ela tem sido confirmada no Oriente Médio e nos movimentos na América. Logo será repetida em outros lugares, na Europa e no resto do mundo. Devemos dar o máximo apoio à revolução no Oriente Médio.