Para onde vai a revolução egípcia?
Após os eventos revolucionários na Tunísia, as massas egípcias tomaram as ruas por 18 turbulentos dias. Agora, todos os regimes autoritários do Oriente Médio e de outras regiões temem por seus governos apodrecidos. Contudo, isso é apenas o início da revolução no Egito.
Como reação às greves de massas e ocupações na França de 1936, Leon Trotsky escreveu da “distante Noruega”: “Nunca o rádio foi tão precioso quanto nos dias de hoje”. Diante da atual revolução egípcia e com a variedade de modernos meios globais de comunicação, só poderíamos concordar com muito mais ênfase com essa avaliação! Milhões e bilhões têm uma visão privilegiada do esplêndido desenrolar desse drama. Todas as outras “distrações” foram postas de lado: jogos de futebol entre grandes times egípcios foram cancelados, talvez o supremo indicador do efeito da revolução!
Escrevemos anteriormente que, mesmo em um movimento revolucionário espontâneo, a garantia de um resultado vitorioso com a derrubada do antigo regime, pode muitas vezes ser encontrada na questão da ‘direção’ presente na insurreição, que deve ter sido preparada pelas forças revolucionárias no período anterior. Esse fator estava claramente ausente no que os comentaristas chamaram de “revolução sem líderes”. Mas tal era a imensidão – a maré humana – e a determinação das massas que ocuparam não apenas o Cairo, mas todas as cidades do Egito – seis milhões no dia do discurso de Hosni Mubarak na TV, segundo o correspondente do Independent, Robert Fisk – que não sobrou muito da atitude desafiadora do regime enquanto Mubarak fugia para sua toca em Sharm el Sheikh.
Vários fatores foram responsáveis por levarem finalmente os generais a expulsarem Mubarak. Sem dúvida, um foi a ocupação da praça Tahrir. Já era ruim o suficiente para o regime ter sido forçado a tolerar a ocupação em massa da praça por 18 longos dias – o que representou um elemento de poder dual, onde a rua desafiou a máquina estatal. Mas quando isso começou a crescer em tamanho e poder após a infame performance de Mubarak na TV na quinta, 10 de fevereiro, os generais se assustaram.
A maior multidão jamais reunida na praça. De forma ameaçadora, alguns começaram a se mover para o palácio presidencial, as estações de TV, os ministérios da defesa e outros centros de poder do regime. Isso conjurou visões de um evento do tipo Sérvia, com ocupações de massa da TV, etc., e tudo o que decorria disso. Pior, com a perspectiva de uma invasão e ocupação em estilo Tunísia de interesses estratégicos vitais ao regime. Sabemos agora que Robert Gates, Secretário de Defesa dos EUA, contatou com urgência os generais egípcios durante as horas fatais da quinta à noite e sexta de manhã, e exigiu a remoção imediata de Mubarak. Ainda mais ameaçador foi o surgimento decisivo da classe trabalhadora através de importantes greves – até ocupações de fábrica – o que representa uma nova e decisiva inflexão na revolução egípcia.
Essa arrasadora convulsão revolucionária de 18 dias – de forma alguma a última palavra que será dita pelas massas egípcias – tomou todas as camadas da opinião pública burguesa e os “formadores de opinião” de surpresa. O Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores (CIT) não estava entre os que foram incapazes de prever esses acontecimentos. Nos recentes documentos de relações mundiais, preparados para o 10º Congresso do CIT em dezembro, escrevemos:
“Mudanças sísmicas neste país estão na agenda. O reinado de 30 anos do governo Mubarak está chegando ao fim. De fato, muitos comentaristas comparam a atual situação do Egito com a que existia antes da derrubada da monarquia em 1952. As greves recentes são um sintoma do crescente descontentamento de massas.”
Esse não foi o caso mesmo com os comentaristas mais “informados”. Robert Fisk, cujas reportagens para o jornal Independent foram os que melhor ilustraram os eventos revolucionários, confessa honestamente agora: “Eu estava errado” em rejeitar a probabilidade de uma revolta contra o regime egípcio. (15 de fevereiro)
Num trecho muito bem informado num número recente do London Review of Books, um observador fala da impressão que teve de uma visita ao Cairo no ano passado. Havia, ele escreve, um generalizado “mito da passividade egípcia”. Ele relatou que um jornalista egípcio disse: “Estamos todos esperando por alguém que faça o trabalho por nós”. Outro popular sociólogo egípcio também observou que “os egípcios não são uma nação revolucionária”, e ele acrescenta que “poucos teriam discordado” desses sentimentos.
Na superfície, a mudança molecular no ânimo das massas não era óbvia, especialmente a comentaristas superficiais sem raízes na população, especialmente entre trabalhadores e camponeses explorados. Na verdade, todos os ingredientes para a revolução foram preparados de antemão, com a divisão na classe dominante, a classe media na oposição, e os trabalhadores e pobres mostrando seu descontentamento colossal com a piora de suas condições, aumento dos preços e agravamento do desemprego em massa. Isso foi mostrado nas ondas grevistas anteriores entre os trabalhadores que convulsionaram o Egito e abalaram a classe dominante na época.
Além disso, há uma história de oposição e rebelião abertas aos regimes egípcios. O 25 de janeiro, quando a revolução realmente decolou, é o dia de um infame massacre de manifestantes pelas tropas britânicas no Cairo – ironicamente, da polícia, que é universalmente odiada nesta revolução. Houve também as revoluções contra a realeza em 1952, os motins de pão tanto contra Anwar El Sadat – que precedeu Mubarak – e o próprio Mubarak. A centelha que iniciou a atual revolução sem dúvida veio de Túnis. Isso foi simbolizado no cartaz triunfante que apareceu depois que Mubarak fugiu: “Um conto de duas cidades: Túnis e Cairo”.
A alegria dos trabalhadores egípcios era visível. Um comentou no dia em que Mubarak fugiu: “Nós construímos as pirâmides. Hoje é a quarta pirâmide” (Financial Times). Ao mesmo tempo, a consciência de que a revolução não triunfou completamente – os plenos direitos democráticos ainda não foram implementados, e estão em xeque enquanto o governo militar não for desmantelado – era evidente na opinião de muitos lutadores revolucionários. Um disse corretamente que “não podemos parar na metade da revolução”. De fato, foi implementado um tipo de “golpe branco” após a partida de Mubarak pelos generais. Os principais elementos do regime de Mubarak – latifúndio e capitalismo – ainda não desapareceram.
O exército reflete a composição social do próprio Egito. Os conscritos constituem 40% do exército. Eles têm sido radicalizados pela revolução, mas também significativas camadas dos corpos de oficiais, especialmente da baixa oficialidade. Durante os 18 dias, eles eram simpáticos mas em sua maioria passivos para com a revolução e os revolucionários.
Os generais, portanto, tentarão restaurar a disciplina militar estrita. Eles estão conscientes, como Fisk comentou, que os soldados se recusaram, quando Mubarak deu ordens para os tanques da Praça Tahrir abrirem fogo em 30 de janeiro, assim como os jatos de combate sobrevoaram Cairo numa tentativa de intimidar os manifestantes. Comandantes de tanques foram vistos desligando seus fones em desafio, muitos deles estavam em contato com suas famílias, que exigiam que eles não atirassem nas pessoas. O sentimento cada vez mais democrático, em si refletindo a radicalização das camadas médias da sociedade, representa uma ameaça mortal às cúpulas do exército.
A elite do exército e aqueles que ela protege – os grandes negócios e o latifúndio – acreditam que as massas “fizeram seu serviço”. Elas devem voltar a dormir! Mas no jornal Observer, um participante desafiador declarou: “A revolução não acabou ainda”. Outros comentaram: “Não queremos os militares… Eles não são democráticos”. Um indicativo da profundidade da mudança foi que mesmo os antigos pilares de Mubarak, como o jornal governamental Al-Ahram, declarou (é claro, depois de Mubarak ter fugido em segurança do Cairo): “O povo derrubou o regime… os egípcios estiveram celebrando até o amanhecer, com a vitória da primeira revolução popular em sua história”.
Entre as massas há alguma ilusão do exército como um tipo de guardião da revolução. Isso é reforçado por aqueles como Mohamed ElBaradei, que declarou depois do discurso de desafio de Mubarak que o exército deveria tomar o controle a fim de impedir uma “explosão” no país. Isso resume o medo dos capitalistas liberais de qualquer coisa que ameace as fundações econômicas e sociais do Egito capitalista. Os capitalistas entendem que, em último caso, o exército – apesar de seu histórico de 60 anos de governo militar – é o guardião da “propriedade privada”, da riqueza da classe dominante. Além disso, o WikiLeaks mostrou com mensagens diplomáticas que Mohamed Hussein Tantawi, ainda o comandante-em-chefe do exército, mantinha “significativa influência [no gabinete de Mubarak, onde ele] se opunha às reformas econômicas e políticas, que ele via como estando minando o poder do governo central”. Shashank Joshi, analista do Royal United Services Institute, também comenta que o Marechal de Campo Tantawi “encarna as forças reacionárias ainda encravadas no coração do regime, que pode ter mudado de cabeça, mas não de essência”. (site da BBC)
Face à escolha do status quo e de uma verdadeira revolução, especialmente a revolução socialista, as classes dominantes, incluindo o exército, sempre escolherão a primeira opção e se acomodarão à reação como o “mal menor”. Um revolucionário irlandês, Henry Joy McCracken, disse uma vez: “Os ricos sempre traem os pobres”. Isso é especialmente verdadeiro para os corrompidos latifundiários e capitalistas que predominam nos países neocoloniais.
No primeiro período, os representantes do velho regime são obrigados a se acomodarem ao novo poder. Por exemplo, na Revolução Russa em 1917 – não apenas em agosto, quando ele tentou um golpe contrarrevolucionário esmagador, mas mesmo logo depois da revolução de fevereiro, o general Kornilov tramou contra a coalizão dos supostos representantes dos operários, os mencheviques e socialistas revolucionários, e com os partidos capitalistas. Kornilov ofereceu ao governo provisório tropas para derrotar os trabalhadores em Petrogrado e esmagar seus recém-adquiridos direitos, especialmente os conselhos de operários e soldados (sovietes).
Esse é um alerta do que pode acontecer se a revolução e os ganhos da classe trabalhadora forem derrotados. Esse também é o exemplo do Chile dos anos 1970. O general Pinochet – o chefe do exército sob o governo socialista radical de Salvador Allende – usou sua posição para preparar o golpe que afogou o movimento dos trabalhadores chilenos em sangue. A revolução, a menos que seja levada até a sua conclusão, com o estabelecimento do socialismo, inevitavelmente “provoca” tentativas contrarrevolucionárias em nome dos remanescentes do velho regime.
Assim foi na magnífica Revolução Espanhola, com a tentativa de tomada do poder em 1932 pelo reacionário José Sanjurjo. Ele foi derrotado porque a revolução ainda não era uma força esgotada. Mas quando considerou oportuno, a reação mais uma vez tentou contra-atacar. Depois do fracasso da comuna asturiana de 1934, que resultou no “biênio negro”, se preparou o caminho para outra e ainda mais poderosa onda revolucionária, quando a Frente Popular foi levada ao poder nas costas das massas espanholas.
Mais uma vez foi dada uma oportunidade de ouro – e de novo em maio de 1937 – à revolução, mas ela foi desperdiçada com as falsas políticas dos líderes das organizações dos trabalhadores que formaram uma coalizão – uma conspiração de fura-greves – com os capitalistas liberais que resgatou o capitalismo espanhol e impediu a revolução socialista.
Um problema similar emergiu na revolução portuguesa que derrubou Marcello Caetano em 1974. No começo, os generais direitistas disfarçaram suas opiniões. Então, em março de 1975, o general Spínola (o primeiro chefe formal do governo revolucionário) lançou um golpe militar, vergonhosamente derrotado, que iniciou uma onda revolucionária, resultando em 75% da economia sendo tomada pelo Estado.
Um cenário similar pode se abrir no Egito com o tempo. Não é apenas os sobreviventes da camarilha de Mubarak que devem ser removidos, mas também o poder socioeconômico sobre o qual ela se apoia. As cúpulas do exército estão ligadas por milhares de laços ao latifúndio e ao capitalismo. O chefe do exército, Tantawi, é um dos maiores donos de indústria – de fato, de uma série de indústrias – do Egito. O exército egípcio é muito similar à elite militar paquistanesa nesse sentido: ambos possuem significativos setores da indústria e são parte da elite capitalista.
Como se pode esperar que essa casta de oficiais demonstre uma simpatia e apoio sem reservas para com a revolução? Depois da primeira etapa, que conteve um grande elemento de revolução política – a remoção de Mubarak mas ainda sem tocar nas fundações econômicas e sociais desse regime – ela está procurando manobrar para se adaptar aos ventos revolucionários quando eles estão com força total. Mas, quando a classe trabalhadora entrar decisivamente na arena política – como ela tem feito de forma magnífica nos dias recentes, através de uma série de greves e ocupações que vão além das questões salariais ao exigir, por exemplo, a remoção de gerências corruptas – a atitude da casta de oficiais passará por uma profunda mudança. Greves e manifestações combativas estouraram entre trabalhadores das indústrias privadas e estatais, assim como entre motoristas de ambulância, trabalhadores do transporte, jornalistas e mesmo entre a polícia, que implora “perdão” por seus crimes passados.
Ao contrário da impressão transmitida, nem todos os setores do exército foram “neutros” ou simpáticos à revolução. Surgiram narrativas horríveis sobre as câmaras de tortura do exército no Sinai e outros lugares, nas quais ocorriam surras e execuções brutais contra os adversários de Mubarak, mesmo durante a revolução. Além disso, manifestantes foram arbitrariamente arrancados das ruas e sujeitados a um tratamento similar.
Ao mesmo tempo, havia setores significativos de oficiais que simpatizavam e se uniram à revolução. Isso, junto com o exemplo de oficiais subalternos marchando nas manifestações de massas, indica que, pelo menos na baixa oficialidade, o exército foi infectado pelo vírus da revolução.
Ao mesmo tempo, haverá crescente oposição à rica elite do exército na base, incluindo entre a baixa oficialidade. Porque as cúpulas do exército devem decidir sozinhas sobre como o exército como um todo deve agir ao longo da revolução? Não apenas a classe trabalhadora, mas também a base do exército precisam de meios para expressar suas opiniões e sugerir ações relevantes para a sociedade como um todo. É verdade que, nesta etapa, o exército egípcio não está no nível, por exemplo, do exército português na época da revolução de 1974.
Esse exército foi enormemente radicalizado pela guerra do imperialismo português contra os movimentos de libertação em Moçambique e Angola. Como resultado, antigos oficiais de direita foram radicalizados, entraram em oposição ao regime de Caetano, com alguns procurando ligações com as organizações da classe trabalhadora. Como resultado, se abriram às ideias do socialismo, o que se aprofundou no processo da própria revolução portuguesa. Situações similares ocorreram no mundo neocolonial em várias ocasiões, por exemplo, nas Filipinas.
Mas a casta de oficiais no Egito está de pés e mãos ligada aos interesses das classes possuidoras. Além disso, sob diferentes presidentes americanos, ela se tornou parte integrante da estrutura de “segurança” do imperialismo dos EUA para o Oriente Médio. Mubarak foi sustentado essencialmente pelo colossal tributo pago pelo imperialismo ao Egito, que chegou a US$ 1,5 bilhão anualmente. Uma grande porção disso, se não a maioria, foi embolsada pelos militares, especialmente suas cúpulas.
Contudo, após os imortais 18 dias e suas repercussões duradouras, a oposição e o questionamento à direção do exército estão fermentando entre a base do exército. Isso aumentará e entrará em choque com as cúpulas do exército. Portanto, é necessário para as forças revolucionárias levantar a questão de confraternização com os soldados rasos e a baixa oficialidade, levantar a palavra de ordem de ligar o movimento dos trabalhadores e camponeses com a base do exército – através da organização de comitês de soldados com direitos democráticos de propor mudanças no exército e na sociedade.
Ao lado disso, e mais importante, é a necessidade premente agora de dar continuidade às recentes e importantes lutas dos trabalhadores começando a construir comitês de trabalhadores nas fábricas e bairros pobres, ligados a nível local, regional e nacional.
Da própria base da sociedade, entre os trabalhadores e pobres mais oprimidos e explorados, uma revolução naturalmente invoca simpatia e apoio. Até os ‘excluídos’ – normalmente quase imperceptíveis – são atraídos para o turbilhão dos eventos. Isso é verdade para a revolução egípcia tanto quanto para as anteriores a ela. As crianças sem teto do Cairo, como Fisk descreveu, foram pegas pelos eventos revolucionários. Nos relatos de cortar o coração dessas infelizes vítimas do sistema, que chegam a colossais 50 mil no Cairo, Fisk mostra como essas crianças foram pegas de ambos os lados da revolução e da contrarrevolução nas batalhas que se desenrolaram. Os manifestantes na praça em particular tomaram muitos deles sob sua proteção, deram-lhes comida e forneceram lugares para dormir. Isso dá um vislumbre da solidariedade para com as vítimas do latifúndio e do capitalismo que a revolução evocou.
Acima de tudo, a revolução deu uma oportunidade para a classe trabalhadora levantar suas próprias demandas de caráter sindical, econômico mas também político. Afinal, foram os fatores econômicos e o descontentamento resultante que foram as principais forças dirigentes das revoluções egípcia e tunisiana. A deterioração dos salários reais, junto com o aumento astronômico dos preços, especialmente de itens básicos como alimentos, acelerou a revolução, afetando a classe média mas, principalmente, empurrando os trabalhadores e pobres urbanos e rurais à luta. Segundo estatísticas oficiais, numa população de 80-85 milhões, 40% vivem na pobreza, 44% da força de trabalho é analfabeta ou semianalfabeta, e esmagadores 54% trabalham no “setor informal”.
Um abismo generalizado e escancarado entre os ricos e os pobres se ampliou muito sob o impacto da crise econômica mundial. Isso foi ilustrado por trabalhadores que falaram ao Independent no domingo sobre seus salários e condições de vida. Alguns holeriths de salários semanais chegavam a 400 libras egípcias por mês (R$114). Um anestesista hospitalar comentou que seu pagamento bruto era de 700 libras egípcias por mês (apenas R$190). Dessa soma principesca, esse trabalhador tem que tirar R$30 em impostos e R$41 para eletricidade.
Buscando aplacar os trabalhadores que se lançavam em apoio à revolução, Mubarak graciosamente concedeu aos seis milhões de empregados estatais um aumento de 15% em seu salário – pouco antes de abandonar a cena. Foi apenas um aumento de 15% no salário básico, que não chegavam a mais de 20% do salário total. As demandas por um salário mínimo suficiente para viver, uma redução da jornada de trabalho e todas as outras demandas da classe trabalhadora, incluindo saúde e segurança, devem se refletir em um programa combativo para as lutas dos trabalhadores no próximo período.
O chamado por uma organização independente dos sindicatos é vital. Os sindicatos apoiados pelo Estado são uma farsa. Eles imitam os que existiam nos estados stalinistas. Mubarak implementou uma série de medidas que emanavam do stalinismo, com o qual ele e o Estado egípcio foram ligados por um período (ele é fluente em russo). Os lacaios e carreiristas corruptos nestas organizações devem ser substituídos por genuínos representantes combativos dos trabalhadores.
Ao mesmo tempo, o incipiente movimento sindical do Egito deve virar as costas aos domesticados líderes sindicais do Ocidente que desejam enlaça-lo para acomodá-los com o latifúndio e o capitalismo egípcio. Tais líderes sindicais no Ocidente invariavelmente se ajoelham diante do capital. As massas egípcias não se levantaram contra Mubarak apenas por razões econômicas. A lógica de sua luta significa que elas devem lutar pela abolição do sistema que as escravizou, ligando isso à democracia. A aquisição de direitos democráticos é essencial, incluindo o direito de greve e de formar sindicatos.
Mas a classe trabalhadora precisa de suas próprias organizações de luta, tanto nas fábricas quanto na sociedade em geral. É preciso que elas tenham uma poderosa voz independente neste período tumultuoso, como seus irmãos russos em 1905 e 1917. As classes dominantes irão lutar para criar um “parlamento” à sua própria imagem, com seus próprios representantes dominando. As massas devem ter “seu parlamento” – conselhos de trabalhadores e camponeses – enquanto lutam por uma assembleia constituinte democrática.
Portanto, há uma gritante necessidade de uma genuína central sindical dos trabalhadores egípcios. Ao mesmo tempo, isso deve ser ligado à criação de uma expressão política independente, flexível e democrática da classe trabalhadora organizada. O equivalente dos comitês de massa, que foram criados na Revolução Russa e ocorreram em outros movimentos similares na História, é vital para a classe trabalhadora do Egito hoje. Quando, na primeira revolução russa de 1905, tais comitês foram improvisados, eram meros comitês de greve. Nenhum dos representantes políticos dos trabalhadores imaginava que eles seriam ampliados para órgãos massivos de luta e, eventualmente, após a revolução de Outubro de 1917, em órgãos de poder para a vitoriosa classe trabalhadora. A demanda por comitês de massa dos trabalhadores não é aplicável em todas as situações como alguns da esquerda imaginam. Mas é legítimo levantar essa demanda em períodos revolucionários, o que obviamente é o caso do Egito.
É apropriado formar conselhos de ação quando há uma mudança fundamental na situação, quando a revolução começa a se desenvolver e as massas entram em cena. Mantidas na noite escura de 60 anos de governo militar, as massas egípcias testarão todos os meios de expressar suas opiniões e de ações para mudar suas vidas. Essa ainda não é a situação em toda parte do Oriente Médio. Mas essa demanda se aplica ao Egito nessa etapa e no próximo período. Toda a situação sugere a criação de tais comitês, que também devem envolver comitês de bairro, pequenos empresários etc.
As greves já adquiriram características não apenas econômicas e sindicais mas, no fundo, políticas também. Isso é mostrado nas greves e ocupações de algumas fábricas. Sem dúvida, esses eventos têm um caráter incipiente. Não obstante, são sintomáticas de como os trabalhadores egípcios veem a situação. Uma revolução é, acima de tudo, uma grande professora das massas, que aprendem mais e com maior rapidez do que em períodos normais. Uma figura revolucionária francesa uma vez disse que, nos cinco anos de revolução no século 18, o povo francês adquiriu mais experiência do que nos seis séculos anteriores! Os 18 dias de janeiro e fevereiro foram um período de educação e enrijecimento dos trabalhadores egípcios nos processos de revolução e contrarrevolução.
Contudo, para sustentar isso, a classe trabalhadora precisa tirar todas as conclusões necessárias. É absolutamente necessário começar hoje o processo de criação de comitês de massa. Ao mesmo tempo, demandas e palavras de ordem democráticas que surjam a partir disso assumem um caráter crucial. A classe trabalhadora precisa lutar para expressar sua própria posição independente na sociedade, lutando zelosamente para guardar sua existência independente, especialmente dos “bem-intencionados” mas fatalmente falhos capitalistas liberais.
Ela também deve lutar, e de fato ser a maior defensora de um programa democrático e dos direitos democráticos. Esse é o único modo pelo qual a classe trabalhadora pode se colocar à frente dos setores oprimidos da sociedade – os camponeses, pobres urbanos e setores da classe média – que veem a conquista de direitos democráticos como a tarefa mais urgente na situação do Egito hoje. Palavras de ordem democráticas, como a liberdade de imprensa – incluindo a nacionalização das gráficas, acessíveis a todas as tendências de opinião, especialmente da classe trabalhadora – e o direito de livre assembleia são necessárias.
Mas a demanda mais importante de caráter geral é de um parlamento democrático, uma assembleia constituinte. O regime anunciou que as eleições ocorrerão em seis meses. Recentemente, indicou que elas podem ocorrer ainda em dois meses. É muito claro que as classes possuidoras, mesmo quando estão preparadas a conceder alguns direitos democráticos, não são a favor de uma democracia real, honesta, acessível a todos. Nenhuma confiança nos generais ou nos “superiores” para construir um Egito genuinamente democrático! Nos últimos dias, os generais apareceram em suas cores verdadeiras ao chamar o fim das greves, que “causam caos”. Esse é o seu preço para concederem a perspectiva de uma “reforma democrática” limitada.
Em resposta a isso, os trabalhadores devem exigir que, ao lado dos conselhos de trabalhadores e camponeses pobres independentes, o programa democrático global deve ser coroado com o chamado de uma assembleia constituinte, que só poderá ter um caráter revolucionário dado que ocorrerá no contexto de uma revolução em desenvolvimento. Além disso, tal órgão só pode ser reunido se representar a maioria, os trabalhadores da cidade e do campos. Comitês para assegurar que as eleições sejam organizadas adequadamente, que os votos não sejam comprados como no passado, será absolutamente essencial.
Discordamos completamente de todas as organizações pró-capitalistas que também levantam a questão da “assembleia constituinte” de um modo geral. A classe trabalhadora não tem interesse num regime em que o presidente tem a última palavra. Esse foi o regime de Mubarak, Sadat e, antes deles, até de Gamal Abdel Nasser. A classe trabalhadora foi deixada de lado, assim como as massas pobres. Somos contra uma segunda câmara (como um senado), que invariavelmente é usada para deter as demandas mais radicais da classe trabalhadora e dos pobres. Uma câmara em eleições democráticas para uma assembleia constituinte revolucionária deve ser o lema das massas egípcias.
Tal demanda, feita numa campanha de massas pelas forças revolucionárias teria um enorme efeito na situação carregada do Egito. Ela será intensificada pela criação de um novo partido de trabalhadores de massas que daria voz às massas esquecidas e sem voz. A classe trabalhadora deve lutar por independência de classe, especialmente dos falsos amigos que emanam da ala “libera” do capitalismo egípcio.
A revolução egípcia não é um evento apenas para o país em si, mas foi um fenômeno do Oriente Médio e mundial. As massas egípcias abalaram as fundações das potências imperialistas, que acreditavam terem todas as rédeas em suas mãos. Um cartaz exibido nas celebrações pós-Mubarak resumiu os efeitos regionais da revolução: “Dois já foram, falta 20”. Primeiro, a Tunísia e agora a revolução egípcia. É claro, ela não será replicada automaticamente em cada detalhe ou no mesmo ritmo em toda a região.
Não há um só regime estável na região, como o CIT comentou em dezembro. Os regimes mais reacionários nos Estados do Golfo, os potentados semifeudais, estão tremendo perante o magnífico movimento dos trabalhadores egípcios. Na Jordânia, os ecos desses movimentos já se refletem em manifestações de massas, assim como na Argélia e Marrocos, com 18% de desemprego entre os formados e onde movimentos de massa não podem ser descartados. No Iêmen, o presidente prometeu deixar o cargo. Contudo, sua tentativa de manter o poder por mais dois anos é irrealizável. Ele pode ser derrubado por um movimento de massas no próximo período.
O equilíbrio de forças na região mudou decisivamente. Um dos regimes mais assustados é sem dúvida o que parece ser o mais “forte”, Israel. Até aqui, a classe dominante israelense foi apoiada pelo regime de Mubarak através do vergonhoso embargo imposto às famintas e miseráveis massas palestinas de Gaza. Ao mesmo tempo, o canal de Suez está sendo usado como um fator militar econômico e estratégico para apoiar Israel. Mais nauseante é a postura daqueles como Tony Blair (ex-primeiro ministro britânico) e Hillary Clinton, Secretária de Estado dos EUA, para com seu “amigo pessoal” Mubarak e seus sucessores. Blair, como é bem conhecido, usou as casas de verão de Mubarak.
A classe trabalhadora de Israel, que recentemente entrou em choque com seu próprio governo, também será afetada pela revolução egípcia. Um Egito socialista democrático iniciaria uma estreita colaboração entre a classe trabalhadora de ambos os países, levando a uma paz real e duradoura através de uma confederação socialista do Oriente Médio.
Uma consequência a médio e longo prazo dos eventos no Egito poderia ser a abertura do cenário de outra guerra. Mas a “guerra” mais importante a ser travada na região é a guerra de classes. Claramente, uma nova página da história se abriu na região e no mundo, especialmente para a classe trabalhadora. Todas as forças que lutam por um mundo socialista – como o Partido Socialista e o Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores – saúdam a classe trabalhadora egípcia e fervorosamente esperam que isso abre um novo capítulo favorável no movimento da classe trabalhadora por todo o mundo.