10° Congresso Mundial do CIT 2010: “Leste Europeu e CEI ”

Esse é o último de seis documentos votados no 10° Congresso Mundial do CIT, realizado nos dias 2-9 de dezembro na Bélgica. 

Vinte anos perdidos

1. Vinte anos atrás colapsou o bloco soviético. Por quase uma década, o colapso econômico, pior em muitos países do que a depressão dos anos 1930, com suas ondas de crime, corrupção e degeneração social associados, devastou a região. 

O colapso do rublo em 1998 e a subida dos preços do petróleo cru dos Urais de US$ 11 em 1998 para mais de US$ 135 em 2008 lançaram a base para quase dez anos de crescimento econômico. Uma série de “revoluções coloridas” viram líderes impopulares, antidemocráticos, derrubados por movimentos de massa. E então, em 2008 a crise global estourou.

2. Toda a região recebeu um golpe devastador, com um declínio de 5,5% do GDP em 2009 (comparado a 4% na UE e 2,5% nos EUA). Os três países bálticos sem dúvida sofreram as piores recessões da União Europeia (UE), se não do mundo, com seus PIBs colapsando a 13% e 18% em 2009, deixando-os com níveis de desemprego entre 13% e 17%. A Ucrânia também sofreu uma queda de 15% e a Rússia 8%. A resposta dos governos tem sido introduzir enormes cortes no orçamento, tão dramáticos que nos Bálticos mesmo os especialistas do Banco Mundial consideram que não se pode mais cortar dinheiro dos setores da saúde e educação.

O legado da restauração capitalista

3. No final dos anos 80, os regimes da região caíram como dominós pelos movimentos de massa que se opunham aos horríveis excessos da elite burocrática stalinista. Se esses movimentos estivessem armados com um programa de revolução política contra os Estados unipartidários autoritários, poderiam ter sido criadas as condições para a criação de uma genuína federação socialista democrática da Europa. Ao invés, na ausência de partidos políticos da classe trabalhadora, eles foram sequestrados pela mesma elite em aliança com as forças pró-mercado, levando à restauração do capitalismo.

4. Isso levou ao colapso econômico e, à medida que a elite dirigente se dividia em sua busca por poder e riqueza, uma década de guerras étnicas brutais no Tadjiquistão, entre Armênia e Azerbaijão, na Geórgia, na Rússia (Chechênia), Moldávia, Bósnia, Kosovo, Croácia e Eslovênia, resultando em mais de 400 mil pessoas mortas e 5 milhões de refugiados. Mas essas não foram as únicas mortes. Segundo o jornal médico britânico “The Lancet” mais de um milhão de homens em idade de trabalho na Rússia morreram “devido ao choque econômico da privatização em massa e à terapia de choque”.   

5. A década de crescimento econômico que se seguiu a 1998 mal foi suficiente para a maioria dos países superar as consequências dos anos 90. O PIB combinado de toda a região voltou aos níveis de 1989 apenas em 2005, embora a situação seja consideravelmente melhor na parte ocidental da região. De 1988 a 2008, os países da Europa Central que se uniram à UE (Bulgária, República Tcheca, Hungria, Polônia, Romênia, Eslováquia, Eslovênia) experimentaram um crescimento do PIB de 51%. Os países Bálticos (Letônia, Lituânia, Estônia), que também estão na UE, 45%, os outros países da Europa Ocidental (Albânia, Bósnia, Croácia, Macedônia, Sérvia e Montenegro) 46%. Rússia, Ucrânia e Belarus cresceram 92%, os países caucasianos (Armênia, Geórgia e Azerbaijão) em 155% e a Ásia Central (Cazaquistão, Turcomenistão, Tadjiquistão, Quirquistão e Uzbequistão) em 126%.

6. O crescimento mais rápido foi obtido pelas economias com grandes quantidades de matérias primas (i.e. petróleo, gás, metais raros) ou commodities (i.e. aço e ferro, trigo, algodão) para exportar ao mercado global numa época em que os preços subiam. Isso confirma a previsão do CIT no início dos anos 1990; a restauração do capitalismo na região levaria à destruição de sua base industrial e a deixaria sujeira à exploração de recursos naturais pelos países desenvolvidos, e assim, extremamente suscetível às flutuações dos preços globais. 

7. O crescimento para os outros apoiava-se no aumento do comércio Leste-Oeste na forma de exportações de energia e commodities, e Oeste-Leste, na forma de compra de bens manufaturados usando-se as enormes rendas advindas da venda dessas mercadorias. Às vezes isso teve consequências espetaculares. Durante as “guerras do gás” a Rússia cortou ou ameaçou cortar seus fornecimentos pela Ucrânia e Belarus, privando assim a Europa Ocidental de 25% de seu gás natural, até que novos preços de trânsito fossem acordados. Nos países que fazem fronteira com a Europa Ocidental, a exploração da mão de obra barata também jogou um certo papel.

8. Alguns dos países mais pobres do mundo encontram-se na Ásia Central. Cerca de 25% da população da região vive com menos de US$ 1.25 por dia, 55% com menos de US$ 2 por dia. O PIB per capita do Cazaquistão é pelo menos 5 vezes menor que a média da EU – no Tadjiquistão e Quirquistão, pelo menos 20 vezes! Com exceção do Cazaquistão, eles conseguiram manter um modesto crescimento econômico durante a crise (segundo estatísticas oficiais e dados da CIA), não por qualquer política particular de seus governos, mas apenas por causa da fraca integração à economia mundial. Quando os eventos globais afetaram esses países, paradoxalmente isso teve um efeito positivo durante a crise. No caso do Turcomenistão (até onde se pode acreditar nas estatísticas, já que são consideradas “segredos de Estado”), os oleodutos e gasodutos para o Irã e China começaram a operar em 2009 e isso ajudou a manter o crescimento. Apesar disso, quase 60% da população está desempregada. 

A “Revolução Laranja” enferrujada

9. A força dirigente por parte das revoluções coloridas foi o enorme descontentamento das massas afetadas pelas condições econômicas, corrupção e falta de liberdades e, eventualmente, as tentativas descaradas de manipular resultados eleitorais. A tragédia é que não havia organizações de massa de esquerda nestes países, apresentando uma alternativa da classe trabalhadora.

10. Alguns da esquerda acreditam que as potências ocidentais fomentaram essas revoluções através da criação de uma série de ONGs e movimentos políticos antirregime. Não há dúvida que os capitalistas tentaram pautar a agenda e estabelecer seus próprios agentes no movimento. Mas esses movimentos explodiram porque a situação objetiva a exigia e as massas não estavam mais preparadas a tolerar os crimes da elite. Na ausência de uma alternativa de esquerda, a energia do movimento foi desviada por um setor da elite burguesa dirigente.

11. Tendo usado as massas como alavanca para subir ao poder, a burguesia depois voltou as costas a elas. O descontentamento nesses países é generalizado. Na Sérvia, onda a vida política é polarizada entre nacionalistas sérvios radicais e liberais pró-Europa, as massas não têm voz.

12. Após o colapso da economia ucraniana em 2009, Yanukovich, que foi derrotado pela “Revolução Laranja” em 2005, retornou ao poder em 2010. Ele imediatamente fez o relógio voltar atrás numa direção autoritária. Estima-se que até 80% da população da Geórgia quer se livrar do presidente Saakashvilli, a quem culpam pela guerra com a Rússia em 2008. Protestos organizados pela oposição na primavera de 2009 não foram capazes de derrubar Saakashvilli porque não apresentaram políticas capazes de acabar com o sofrimento das massas. No Quirquistão, outros protestos revolucionários varreram Bakiyev, o vitorioso da “Revolução Tulipa”, do poder.

De uma década de crescimento a uma década de crise

13. Quando a crise global chegou, Romênia, Hungria, República Tcheca, Rússia e Ucrânia, que respondiam por 60% da população da região, sofreram declínios devastadores. Em resposta, os governos usaram toda a gama de políticas já vistas a escala global numa tentativa de conter a crise. Bancos foram nacionalizados no Cazaquistão, Rússia, Ucrânia e Letônia. Enormes pacotes de estímulos foram usados (por exemplo, 15% do PIB do Cazaquistão), frequentemente excedendo proporcionalmente em muito os usados nos EUA (7% do PIB). Houve grandes desvalorizações de moedas em vários países (a hryvnia ucraniana, o rublo russo e o zloty polonês foram cortados em 40%). Dez países tiveram que procurar ajuda do FMI na forma de empréstimos em prontidão e outras instituições financeiras também deram grandes empréstimos.

Governos em crise

14. Diferente do resto da Europa, a economia da Polônia cresceu 1,7% em 2009, graças à combinação de vários fatores. Primeiro, a desvalorização monetária do fim de 2008 barateou as exportações. Segundo, o país está favoravelmente localizado na fronteira alemã, com baixos custos de mão de obra e uma força de trabalho altamente qualificada. O pacote de estímulos alemão, e agora a recuperação da Alemanha, que é dependente do crescimento chinês, criou demanda para bens de consumo manufaturados da Polônia. Terceiro, durante a crise as companhias estrangeiras, a fim de cortar seus custos, continuaram a deslocar a produção da Europa Ocidental para a Polônia. Um exemplo é a Dell, outrora a maior exportadora da Irlanda, contribuindo com 5% do PIB irlandês, que fechou sua fábrica em Limerick e mudou a produção para uma nova planta na Polônia. Finalmente, vinculado aos próximo campeonato de futebol europeu “Euro 2012”, a Polônia embarcou em investimentos de infraestrutura em larga escala, parcialmente financiados pela UE. Como resultado, a quantidade total injetada na Polônia pela UE entre 2007-2013 alcançará 67 bilhões de euros. Estima-se que, se não fosse pela “Euro 2012”, o PIB polonês teria caído em 1% em 2009.

15. Contudo, a economia da Polônia é extremamente frágil. A dívida pública está crescendo fora de controle e o déficit do orçamento agora é de mais de 7%. Apenas algumas grandes privatizações nos últimos anos impediu um desastre financeiro para o Estado polonês. Independente dos eventos da economia mundial, cedo ou tarde o governo polonês terá que realizar um violento programa de austeridade e mais privatização dos serviços essenciais. O governo da Plataforma Cívica, no momento com 50% nas pesquisas de opinião, espera adiar isso até a eleição geral do ano que vem, temendo que tais políticas possam provocar protestos sociais massivos e erodir seu apoio.

16. Os governos da região, pelo menos os sem petróleo e gás, têm menos espaço de manobra do que suas contrapartes da Europa Ocidental, com pouco dinheiro para pacotes de estímulos, enquanto as medidas de austeridade são extremamente impopulares. O ódio é realçado pela massiva corrupção e escândalos de fraude. Pesquisas de opinião indicam que 79% dos romenos, 79% dos lituanos, 77% dos búlgaros e 76% dos letões e húngaros estão insatisfeitos com o funcionamento de seus sistemas “democráticos”. Quase não há um país que não sofreu uma mudança de governo ou grande crise nesse período.

17. O governo da Letônia renunciou e os partidos dirigentes foram varridos nas eleições na República Tcheca, Sérvia, Eslováquia e Hungria. A coalizão governante na Romênia colapsou. Os resultados da eleição parlamentar na Albânia ainda são contestados. Na Bósnia, os resultados confirmaram uma consolidação dos blocos étnicos. Na Moldávia, 3 eleições parlamentares em 2 anos falharam em acabar com o impasse sobre quem forma o governo.

18. Contudo, o traço dominante, como na maioria dos países do mundo, é a falta de partidos independentes representando os interesses da classe trabalhadora. Partidos “comunistas” (sob vários nomes) podem ser encontrados em toda a região. No melhor dos casos, eles apresentam uma forma fraca de políticas keynesianas, no pior agem como um condutor para os interesses russos. Estes, partilhando a agenda neoliberal de suas contrapartes europeias, renegam sua história de antigos partidos de trabalhadores. Mais do que nunca, defendem o interesse de setores da elite dirigente. Típico é o Partido Social-Democrata Unido ucraniano do oligarca Viktor Medvedchuk ou o antigo presidente moldavo, o “comunista Voronin”, que enquanto privatizava o país também se realinhou novamente com Moscou.

19. Com nenhum partido preparado para desafiar a existência do capitalismo, os novos governos terminaram seguindo a lógica do capital. Na Letônia, em fevereiro de 2009 o governo de Godmanis foi dissolvido e substituído pelo gabinete de Valdis Dombrovskii, com a maioria dos antigos ministros de direita ainda no cargo e conduzindo as mesmas políticas de austeridade fiscal. Desde então a Letônia viu mais quarto enormes protestos. No Quirquistão, onde o governo Bakiyev foi derrubado por um movimento revolucionário, o novo governo consiste de ministros dos últimos dois regimes. A presidente interina, Rosa Otunbaevoy, serviu não apenas sob Bakiyev e Akayev, mas também sob o regime soviético!

A ascensão da extrema direita

20. A extrema direita também fez grandes ganhos em vários países. A extrema direita também fez grandes ganhos em vários países. Na Hungria, o partido populista de direita, autoritário e chauvinista “Fidesz” ganhou a eleição parlamentar de 2009, com a maioria das vagas, enquanto 16% votaram no partido Jobbik. A Hungria foi o primeiro país da UE a obter assistência do FMI em 2008. O governo da época, liderado pelo “Partido Socialista” (que surgiu do antigo Partido “Comunista” stalinista e que agora se descreve como social-democrata) aceitou totalmente as condições do FMI para o empréstimo de US$18 bilhões. Os bairros onde vive a classe trabalhadora da Hungria sofreram mais da austeridade mas, na ausência de uma oposição de esquerda, a extrema-direita foi capaz de capitalizar o sentimento de oposição. A responsabilidade por dar ao Jobbik essa oportunidade é inteiramente do Partido “Socialista” e do Fidesz. O primeiro não apenas implementou os cortes, também tolerou o Fidesz, o que ele pensava que minaria o apoio ao Jobbik. O segundo incorporou parte da agenda do Jobbik e a nível local está preparado para formar alianças com o Jobbik, argumentando que a responsabilidade irá moderá-lo.

21. Os elementos fascistas do Jobbik são vistos em seu nacionalismo extremo, hostilidade aos estrangeiros, agitação contra os ciganos, judeus e a “conspiração internacional dos bancos” e do FMI. Ele tem uma ala armada, os fascistas “Guardas Húngaros”. No período atual, tais grupos desviam a atenção das massas culpando os grupos minoritários da sociedade pelas horríveis condições causadas pelo capitalismo – na Hungria contra os ciganos, na Eslováquia contra os húngaros, na Bulgária contra os turcos, ao invés de representar a mobilização da pequena burguesia contra o movimento dos trabalhadores, como os fascistas dos anos 1920 e 1930. Todavia, eles representam uma séria ameaça ao movimento dos trabalhadores, não menos porque se o apoio ao Fidesz colapsar após a implementação das condições do FMI e dos cortes orçamentários, o Jobbik pode capitalizar o descontentamento se não houver uma alternativa dos trabalhadores.

22. A Hungria foi o primeiro membro da UE a ter assistência do FMI em 2009. O governo da época liderado pelo “Partido Socialista” aceitou totalmente as condições do FMI para o empréstimo de US$ 18 bilhões. As áreas de trabalhadores da Hungria sofreram mais severamente com a austeridade, e sem nenhuma mobilização de uma oposição de esquerda, a extrema direita foi capaz de capitalizar sobre o sentimento de oposição. A responsabilidade disso cabe ao Partido Socialista e ao Fidesz. O primeiro não apenas aceitou a necessidade de cortes, também tolerou o Jobbik, para minar o apoio ao Fidesz. Este, a nível local, está preparado para formar alianças informais com o Jobbik, argumentando que a responsabilidade iria moderá-lo.

23. Na Rússia, o governo, embora “ilegalizando” os grupos fascistas mais extremistas, e se queixando das marchas de antigos soldados SS nos países bálticos, tolera grandes marchas fascistas em Moscou. Há vários imigrantes e antifascistas assassinados todo mês e a polícia praticamente nunca levou os responsáveis a julgamento. Além disso, os grandes negócios e o regime russo cada vez mais usam bandidos de aluguel para lidar com adversários. A onda de ataques a ativistas e jornalistas em novembro é para alertar os ativistas a ficarem de cabeça baixa.

24. Não é suficiente adotar uma posição moral contra a extrema direita. É até pior, como muitos antifascistas fazem, abandonar qualquer palavra de ordem política em nome da “unidade” com partidos pró-capitalistas contra os fascistas. A extrema direita ganha apoio precisamente por causa das condições econômicas causadas pelo capitalismo e porque não há uma alternativa de esquerda de massas para mostrar uma saída. Apenas quando o movimento dos trabalhadores destes países se mover para a oposição organizada aos cortes e apresentar uma alternativa de classe claramente definida é que o apoio aos fascistas será minado. 

Tumulto político – um precursor dos eventos futuros

25. Tem havido alguns precursores espetaculares para uma explosão social maior na região. Na Bulgária, estima-se que até 75% da população está farta da vida na nação mais pobre e corrupta da União Europeia. Isso encontrou expressão num protesto em janeiro de 2009, quando um protesto antigoverno ficou violento quando jovens atiraram bolas de neve na polícia! (Bolas de neve também foram atiradas na capita da Letônia, Riga, na mesma época – junto com paralelepípedos e o ocasional coquetel Molotov). Em um mês, o governo foi forçado a tomar um empréstimo de resgate emergencial do FMI de 7,5 bilhões de euros e nacionalizar o segundo maior banco do país, ‘Parex’. No fim de fevereiro, o primeiro ministro Ivars Godmaris renunciou e um novo governo foi formado. Em abril de 2009, jovens na Moldávia usaram o twitter para organizar protestos em massa contra os resultados eleitorais.

Revolução e contrarrevolução no Quirquistão

26. Nem twitters nem bolas de neve foram adequados no Quirquistão, quando o governo atirou e matou dezenas de manifestantes em abril de 2010. As massas responderam com um levante armado, que derrubou o regime. Esses eventos memoráveis são um alerta às elites da região de que há um limite a quanto o povo pode aguentar antes de sair às ruas. Mas os sangrentos eventos de julho, quando massacres étnicos varreram o sul do país, são uma lembrança gritante do que acontece se a classe trabalhadora não oferecer uma liderança às massas num país empobrecido.

27. O levante foi iniciado pelo anúncio de que os preços de energia iriam dobrar e pelo aumento de 5-10 vezes nos custos de aquecimento num país de extrema pobreza, com um salário médio mensal de US$ 30-50. Na ausência de uma organização revolucionária, a direção do levante foi tomada pela oposição burguesa. A prioridade deles era “restaurar a ordem”. Com o poder e os recursos ainda nas mãos de diferentes setores da elite dirigente, foi praticamente inevitável que um setor tentaria atiçar o conflito étnico em nome de seus interesses. A única solução que o novo governo poderia propor para acabar com os horríveis choques que deixaram centenas de mortos em Osh em junho de 2010, era trazer ou o exército russo ou a OSCE (neste caso, significaria tropas cazaques) como “pacificadores”. Se isso acontecesse, eles inevitavelmente continuariam, de fato, como uma força ocupante.

28. Há a necessidade urgente de tomar todos os recursos naturais do país para usá-los em benefício de todos e construir organizações de trabalhadores para unir os trabalhadores e jovens de todas as nacionalidades. A lição da revolução quirquizia é que até que as massas pobres sejam organizadas e armadas com um programa socialista, a energia revolucionária das massas, demonstrada em abril, será explorada por diferentes setores da classe capitalista em seu próprio interesse.

O movimento dos trabalhadores se move

29. Os primeiros sinais de um despertar do movimento dos trabalhadores na região podem ser claramente vistos. A Hungria vivenciou uma efetiva greve dos transportes. A Romênia, ao longo de 2010, viu várias greves e manifestações do setor público. Os sindicatos croatas estão ameaçando uma greve geral por causa do novo Código Trabalhista e do descontentamento com a situação econômica. Em setembro, 40 mil enfermeiras, policiais e servidores marcharam em Praga para protestar contra o plano de cortar os salários do setor público. Na Eslovênia, mais da metade dos funcionários do setor público marcharam em protesto com a tentativa do governo de aumentar a idade de aposentadoria de 58 para homens (57 para mulheres) para 65 para todos e congelar os salários até o fim de 2011. Ao mesmo tempo, houve a greve de um mês de 6 mil membros do Sindicato Policial. Em outubro, os sindicatos da Eslováquia organizaram protestos contra o pacote de austeridade. Na Polônia, 3 mil ferroviários se manifestaram em Varsóvia contra a privatização e a destruição das ferrovias, alertando que sua próxima ação será uma greve nacional envolvendo trabalhadores de todas as companhias ferroviárias.

30. Os trabalhadores da Europa Oriental têm pouca opção a não ser resistir às medidas de austeridade. A escala dos cortes é draconiana. Os trabalhadores da Romênia enfrentam reduções salariais de 10%. Na Letônia, cortes salariais de até 30% foram acompanhados de fechamentos de escolas e hospitais. Em agosto, na “batalha por Bauska”, a polícia nacional foi enviada para acabar com um protesto contra o fechamento de um hospital porque a própria polícia local estava participando dele.

31. Após a “terapia de choque” dos anos 1990, os trabalhadores praticamente não têm uma rede de seguro social. Em vários países, os patrões estão usando a crise para intensificar a ofensiva contra os direitos dos trabalhadores que ainda existem. Na Rússia, um novo Código Trabalhista foi proposto pela federação dos patrões, legalizando uma semana de trabalho de 60 horas.

Gasodutos, mísseis e espaço aéreo

32. A região está atravessada de contradições “geopolíticas”, cada uma continua não resolvida enquanto as diferentes potências imperialistas (EUA, a UE e suas partes constituintes, Rússia, China e em algumas partes, Turquia, Irã e Japão) continuam a promover seus próprios interesses.

33. O controle do fornecimento de petróleo e gás é usado como ficha de barganha por todos os lados na região. A Rússia tem a maior reserva de gás natural e a segunda maior reserva de petróleo do mundo, com o Cazaquistão, Azerbaijão, Turcomenistão e Uzbequistão tendo quantidades significativas. A Rússia fornece 30% do óleo cru da UE, 22% de seu antracito e 30% de seu gás natural, o que leva a conflitos sobre o controle das rotas de trânsito da energia. A UE, com apoio dos EUA, quer “diversificação da oferta de energia”, fora da Rússia. Ela apoia o Projeto Nabucco, de um gasoduto da Ásia Central pela Turquia, contornando a Rússia pela Bulgária, Romênia, Hungria e finalmente a Áustria. A Rússia, querendo diversificar as rotas para que possa ditar as taxas de transferência para a Ucrânia e Belarus, está promovendo seu próprio projeto “South Stream” da Rússia pelo Mar Negro, diretamente para a Bulgária, Sérvia, Hungria e Áustria. Ela também quer o “North Stream” sob o Mar Báltico, contornando a Polônia direto para a Alemanha.

34. Os choques políticos entre a Rússia e a Ucrânia e cada vez mais também entre a Rússia e Belarus refletem-se em grande parte na posição dos partidos políticos do sul do Leste Europeu. Embora a Romênia tenha se colocado firmemente no campo pró-UE, a Rússia está tentando ganhar seu apoio oferecendo um acordo para permitir que parte do gasoduto do South Stream passe pelo país. A Rússia está tentando chantagear a Bulgária para que passe para seu campo.

35. Os planos do governo Bush de alocar mísseis da Iniciativa de Defesa EUA-UE na Polônia e na República Tcheca foram postos em segundo plano, embora uma base de lançamento tenha sido criada na Polônia, perto da fronteira russa. O argumento de que esses eram os melhores lugares para defender os EUA de ataques de mísseis do Irã nunca foi convincente. Agora a Romênia e Bulgária estão competindo para fornecer bases para o escudo de mísseis. Na raiz dessa disputa estão simples interesses econômicos, incluindo o fato de que as companhias russas são as principais empreiteiras na construção de reatores nucleares iranianos.

36. As potências imperialistas abandonam cinicamente qualquer pretensão de tratar democracia e direitos humanos como sacrossantos quando seus interesses econômicos e militares estão em jogo. Elas apoiaram e encorajaram a oposição burguesa às autoridades cazaques e azeris até que estas sucumbissem às demandas das companhias de petróleo. No Cazaquistão, isso entrou na consciência de uma ampla camada, que se queixa que “a democracia foi vendida por petróleo e gás”. Mas o espaço aéreo é outro “recurso natural” explorado pelas potências imperialistas, que atenuam suas críticas já diluidas sobre os regimes autoritários do Turcomenistão, Uzbequistão e Cazaquistão, enquanto suas unidades militares puderem atravessar a região a caminho do Afeganistão. A Rússia age exatamente do mesmo modo, usando recursos energéticos para chantagear os países vizinhos.

China

37. O poder crescente da China, especialmente num período em que as potências imperialistas ocidentais enfrentam grandes dificuldades, está criando outra fonte de conflitos em toda a região. Faminta por novos recursos energéticos, a China está construindo gasodutos do Turcomenistão a Xinjiang. Ela até fez um acordo com Nazarbayev pelo arrendamento de um milhão de hectares de terra cultivável para fazendeiros chineses. Do ponto de vista dos governantes autoritários da região, os chineses não apenas são menos preocupados com direitos humanos e democráticos, mas também são vistos como não tanto predatórios quando as multinacionais ocidentais. A China está preparada para investir nas economias locais, assim como a construir gasodutos. No Turcomenistão, quase 40 fábricas foram construídas com capital chinês desde 2000. Mas os trabalhadores que vivem nestas áreas estão descobrindo que os gerentes chineses estão impondo condições de trabalho chinesas. Embora isso possa aumentar o apoio à demanda de nacionalização, quando os sindicatos fornecem uma liderança clara, em sua ausência também pode resultar em pogroms antichineses, como recentemente aconteceu no norte do Cazaquistão.

Fortalecimento do autoritarismo

38. Com a massa dos trabalhadores cada vez mais desiludida com seus governos, a elite dirigente sente a necessidade de ir para uma direção mais autoritária, mesmo nos países que, até recentemente, mantiveram grandes elementos de democracia burguesa. Na Romênia, o presidente Băsescu age de uma clássica maneira bonapartista, retratando-se como campeão do povo contra a “elite política corrupta”, o “parlamento”, os “magnatas da mídia” e as “privatizações duvidosas”. Na eleição presidencial de 2009, Băsescu propôs um referendo para reduzir em um terço o número de parlamentares e abolindo a segunda câmera do parlamento. Na vizinha Hungria, o governo Fidesz está introduzindo “reformas” que dificultam a participação de partidos de oposição nas eleições e restringe severamente a liberdade de imprensa. Com o retorno ao poder de Yanukovich, na Ucrânia, a legislação que fortalecia o papel do parlamento, introduzida após os eventos de 2005, está sendo revertida com o objetivo de adotar o modelo de Putin de “poder vertical”.

Conflitos e guerras étnicas

39. A experiência dos Balcãs, do Cáucaso e da Ásia Central demonstra que nenhuma forma de tropas de “pacificação” ou medidas de “construção de confiança” podem fornecer qualquer solução de longo prazo ao conflito étnico e nacional, enquanto as causas subjacentes não forem resolvidas. Há muitas zonas de perigo que podem estourar em “guerras quentes” no próximo período, do mesmo modo como demonstram o conflito da Ossétia do Sul entre Rússia e Geórgia ou os pogroms étnicos em torno de Osh no Quirquistão.

40. O reconhecimento de Kosovo(a) pelas potências ocidentais enraiveceu o governo sérvio e a minoria sérvia de Kosovo. Na vizinha Bósnia, os resultados da eleição parlamentar de outubro levou a um beco sem saída politico depois que os muçulmanos apoiaram os partidos que favorecem uma Bósnia unida, os sérvios apoiaram os nacionalistas que pedem a secessão, e os croatas votaram pelos partidos que buscam sua própria entidade dentro da Bósnia.

41. Ainda mais alarmante é a situação em Nagorno-Karabakh, cena da brutal guerra de 1992-94 entre Armênia e Azerbaijão. A Reuters alerta sobre uma “iminente guerra no Cáucaso” após os exercícios militares em larga escala de forças armênias para posições do exército do Azerbaijão. Em resposta, o presidente azeri Ilham Aliyev ameaça usar a “poderosa capacidade militar do país” para acabar com a “ocupação de seus territórios”. O número de brechas do cessar-fogo acertado em 1994 está crescendo dramaticamente – agora o número é de mais de 150 por mês.

42. O conflito entre a Moldávia e a região do Transnístria também está “esquentando”. Após três inconclusivas eleições parlamentares e a “Revolução do Twitter”, o presidente “comunista” Voronin renunciou e Mihai Gimphu, líder de um partido pró-UE, foi eleito presidente interino. Ele argumenta que “não há diferenças” entre moldavos e romenos (a questão que iniciou o primeiro conflito do Transnístria) e tem exigido que as tropas russas se retirem da região.

43. Segundo o ultimo Ministro das Nacionalidades da Rússia, há mais de 180 conflitos potenciais na antiga URSS. A tensão entre Geórgia e Rússia, a disputa sobre o status da Crimeia na Ucrânia, a difusão do conflito checheno da Chechênia para as repúblicas vizinhas do Cáucaso Norte e os eventos de Osh demonstram que é quase inevitável que haja mais explosões de conflitos étnicos.

44. Em tal situação, é essencial não sucumbir a sentimentos chauvinistas. A posição adotada por muitas organizações de esquerda de que a principal força imperialista do mundo são os EUA, e que portanto o movimento dos trabalhadores deve estar do lado de qualquer força que se “oponha” aos EUA as leva ao equívoco de apoiar o imperialismo russo na região. É preciso argumentar contra o apoio a qualquer uma das forças imperialistas da região, defender a unidade dos trabalhadores e pobres contra os senhores de guerra e pelo fim do sistema capitalista que divide o povo em linhas étnicas. 

Rússia – os ‘tandem’* vão por caminhos separados

45. Tendo inicialmente se iludido pensando que poderia evitar a crise, a elite dirigente russa agora acha que a economia está cambaleando como um boxeador depois de um nocaute. Em 2009, houve um colapso de 8%. O governo Putin reagiu desvalorizando o rublo em 38%, resgatando vários bancos chave e lançando um pacote de estímulo de US$ 500 bilhões (7% do PIB).

46. A natureza autoritária do regime oferece oportunidades de usar métodos não disponíveis aos capitalistas de outros países. Os governadores e diretores regionais tiveram ordens de “impedir” a perda de empregos. Ao invés de demissões, os trabalhadores tiveram sua semana de trabalho em muitos casos reduzida em 1 dia para mantê-los fora da lista de desemprego. Até 6 milhões de imigrantes foram mandados para casa. Quando trabalhadores protestaram, Putin interferiu e ordenou aos diretores locais que “resolvessem” os problemas. 

47. Os dados da economia russa em 2010 indicam uma certa recuperação na primeira metade do ano, mas um enfraquecimento no terceiro trimestre. As tendências atuais sugerem que a meta do governo de crescimento de 4% não se realizará. Contudo, uma coisa a maioria dos analistas concordam, de que é improvável que a economia simplesmente voltará ao período de crescimento quase febril que precedeu a crise.

48. O regime russo está estocando problemas que não pode mais resolver. Mesmo se comparado a outros países da CEI, a fossa entre ricos e pobres é extremo. Os 10% mais ricos da população são 17 vezes mais ricos que os 10% mais pobres. Agora há duas vezes mais burocratas per capita do que ao fim do período soviético. O custo do suborno médio subiu 50% no último ano. As receitas do orçamento federal declinaram 25% em 2009-2010 e há enormes cortes nas verbas para educação, saúde e serviços sociais.

49. A onda de calor e os incêndios florestais no verão deixaram em aberto tudo o que está errado na Rússia hoje, e deixou as divisões dentro da elite do regime, outrora ocultas, abertas para todos verem. A demissão do prefeito de Moscou, Luzhkov, abriu uma caixa de Pandora de corrupção e compadrio.

50. Com as eleições parlamentares em 2011 e uma eleição presidencial em 2012, o regime está tendo cada vez mais dificuldades em esconder as divisões dentro de suas próprias fileiras. Os apoiadores do “conservadorismo”, que é uma continuação de políticas cada vez mais vistas como falidas, estão se alinhando atrás de Putin, enquanto os “modernizadores”, que querem ainda mais neoliberalismo, estão apoiando Medvedev. Embora os contornos desse conflito estejam ficando claros, é impossível prever de antemão exatamente como, e até onde, isso irá se desdobrar.

51. Negando sua reputação de ser mais ‘liberal’ do que Putin, desde que Medvedev foi eleito presidente em 2008, vinte jornalistas foram assassinados ou morreram em “circunstâncias misteriosas”. Um número significativo deles morreu no Cáucaso Norte, mostrando tanto que o conflito checheno não foi resolvido, quanto os métodos violentos que o regime usa para tentar acabar com a oposição. Agora, ataques brutais estão ocorrendo nas ruas de Moscou. O assassinato do advogado antifascista Stas Markelov (que antes era ativo na JRE [Juventude contra o Racismo na Europa, uma iniciativa do CIT no começo dos anos 90]), e a onda de terror em torno da tentativa de construir uma nova estrada pela floresta de Khimkinskii, fora de Moscou, mostra até onde o regime está preparado a ir em defesa de seus interesses.

52. Embora a poderosa classe trabalhadora da Rússia ainda não tenha colocado sua marca nos eventos, estão amadurecendo todas as condições para protestos em massa. Desde o começo da crise, muitos da esquerda ficaram desorientados, abandonaram a luta ou entraram em coalizão com a oposição burguesa. Não apenas não levantam um programa de esquerda claro, tentam impedir outros de fazer isso. Como demonstram os eventos no Quirquistão, no Báltico, Romênia e outros, é inevitável que a classe trabalhadora russa entre em luta. Como mostram os eventos do Cazaquistão, se forças de esquerda se posicionam decisivamente com demandas transicionais como parte de um programa socialista, elas podem ganhar rapidamente uma base significativa na classe trabalhadora.

Belarus – unindo-se ao convencional

53. Desde o colapso da URSS, Belarus tem sido uma anomalia. O presidente Lukashenko, ao chegar ao poder em 1994 com um programa populista, parou a privatização da indústria, mas não para proteger a economia planificada, que já havia sido destruída com a ruptura da URSS. Ao invés, as organizações industriais continuaram nas mãos do Estado, mas os gerentes as dirigem usando as regras normais do mercado, cumprindo, quando necessário, ordens do Estado, e depois pagando quantias alocadas para o orçamento estatal, distribuindo os lucros onde julgam adequados.

54. Lukashenko manteve seu governo autoritário usando esses influxos do orçamento, apoiado pelo dinheiro das rendas de transporte de gás e petróleo, para manter condições de vida mínimas, especialmente para a população rural. Em 2008, Lukashenko teve que adquirir mais crédito estrangeiro para tapar os buracos no orçamento estatal. Após algumas semanas de crise global, o comércio caiu 30% (2009 comparado a 2008) e a dívida externa do país triplicou até alcançar 45% do GDP em 2010. As medidas padrões de desvalorização do rublo em 40% e a aceitação de um empréstimo de US$ 2,5 bilhões do FMI mal suavizou a crise e o FMI já está discutindo outra injeção. Significativamente, como resultado da crise um novo programa de privatizações em massa foi apresentado.

55. Consciente de que em tal situação a próxima eleição presidencial poderia ser um choque, Lukashenko adiantou a eleição para dezembro. Tentando desesperadamente aumentar seu apoio, ele aumentou os salários no setor estatal em 15%. O único modo de ele financiar isso é acionando as máquinas impressoras – esse ano, a massa de dinheiro aumentou 21% enquanto o volume do PIB caiu de 60 bilhões de rublos para 48 bilhões. A inflação, que já está crescendo dramaticamente em toda a Europa Oriental e Central, tem potencial de alcançar proporções de crise no Belarus.

Cazaquistão – testando o terreno de resistência

56. O Cazaquistão tem um PIB maior do que o resto das repúblicas da Ásia Central juntas. Embora, segundo estatísticas oficiais (e da CIA) não tenha havido uma queda anual do PIB, os efeitos da crise global têm sido devastadores.

57. A nacionalização dos quarto principais bancos e um resgate de US$ 3,5 bilhões não podia impedir a recessão da economia na primeira metade de 2009. A situação só foi revertida com um pacote de estímulos de US$ 19 bilhões (pelo menos 15% do GDP, proporcionalmente duas vezes o pacote aprovado pelo governo dos EUA) e uma desvalorização de 20% do tenge. Essas políticas permitiram às companhias que se apoiam em exportações de recursos naturais manter seus lucros, mas isso às custas do setor manufatureiro, o que levou ao fechamento de muitas empresas e ao corte de salários.

58. O regime está sob cerco. Protestos sociais ocorrem por quase todos assuntos. Os mais dramáticos têm sido contra o regime brutal de tortura que existe nas prisões, onde em várias prisões presos cortam seus próprios estômagos. Cada vez mais os direitos democráticos são atacados. Ocorreu uma série de greves, em especial nos setores de petróleo e gás, com a maioria dos trabalhadores chamando pela nacionalização sob controle dos trabalhadores.

59. A base social do regime está se estreitando. O poder e a riqueza do país estão muito concentrados em torno da família e do clã de Nazarbayev. Tendo perdido até o apoio de parte de sua própria família, a elite começa a se dividir em antecipação à luta pelo poder, inevitável quando Nazarbayev não estiver mais no poder. Isso se refletiu na extraordinária saga do verão, quando o ministro da saúde Zhaksylyk Doskaliye foi preso. Logo foi sugerido que isso envolvia um complô golpista, junto com altas figuras da polícia. Se houve ou não uma tentativa real de organizar um golpe, ou se isso foi feito pelo regime para se livrar de figuras indesejadas, não importa tanto quanto o fato de que mostra o quão podre e frágil é o regime. 

60. A esquerda no Cazaquistão, que está unificada na organização Cazaquistão 2012, jogará um papel extremamente importante nesse processo. O Cazaquistão 2012 está determinado a evitar as armadilhas de atenuar suas demandas para obter alianças com a oposição burguesa ou de não levantar demandas socialistas por medo de afugentar alguns apoiadores. Seu papel atual de unificar os vários protestos sociais e construir um forte movimento sindical independente o coloca em uma forte posição. A necessidade de tal organização já foi demonstrada pelos eventos. E também a necessidade da construção de um forte núcleo de quadros marxistas no Cazaquistão 2012.

Conclusão

61. As perspectivas econômicas da região não são boas. O crescimento do início da década foi impulsionado por um preço mundial do petróleo de mais de US$ 100 o barril e os países da Europa Central apoiavam-se na força da União Europeia. Agora uma nova onda de cortes orçamentários está varrendo o Leste. A inflação, abastecida pela alta dos preços dos alimentos, reduz as chances dos níveis de crescimento pré-crise.

62. Trabalhadores, pobres rurais e a juventude, assim como um setor significativo da pequena burguesia, estão sendo levados à luta. Ao fazer isso, eles devem enfrentar a crescente repressão, deixando de lado a ameaça de demissões e despejos. A repressão, ao invés de diminuir a resolução da luta, está radicalizando novas camadas, à medida que entram em ação.

63. Como na Europa Ocidental, os trabalhadores estão testando as organizações existentes. O Dia Europeu de Ação de 29 de setembro viu manifestações significativas em vários países do Leste Europeu. 10 mil sindicalistas marcharam em Varsóvia exigindo o fim dos cortes no orçamento e um aumento do salário mínimo. Em Bucareste 30 mil marcharam, em Praga 40 mil. Mas a burocracia do CES, liderado por John Monks, está usando esses protestos como um peão num jogo de xadrez, para pressionar a elite europeia a fazer algumas concessões menores. Monks argumenta que os cortes terão que implementados nos países mediterrâneos, Irlanda, Hungria e nos Bálticos! Muitos trabalhadores irão descobrir que sua determinação de combater os cortes salariais e de empregos está em oposição à posição de seus “líderes”, que acreditam que são necessários compromissos sobre essas questões.

64. Os trabalhadores do gás e petróleo no oeste do Cazaquistão lembram-se que, há não muito tempo, os recursos naturais do país eram estatais e as condições de trabalho eram melhores. Eles rapidamente colocaram a demanda pela nacionalização com controle dos trabalhadores em seu arsenal. Na Sérvia, também, ocorreu um processo similar. Por todo o verão de 2009, mais de 30 mil trabalhadores de cerca de 40 companhias participaram de ações grevistas por salários não pagos. Na Rússia e Ucrânia, trabalhadores que lutavam pelos seus empregos exigiram a nacionalização.

65. À medida que entram em luta, os trabalhadores da CEI e Leste Europeu enfrentam a tarefa de ou transformar as organizações existentes ou, onde necessário, estabelecer outras completamente novas durante a própria luta. As tarefas do CIT nessa situação incluem não apenas concretizar e generalizar as demandas radicais que são levantadas, mas apresentar uma estratégia política e organizativa para desenvolver o movimento.

66. Com nenhum polo de atração alternativo claro, a vasta maioria dos trabalhadores continua, por inércia, nos sindicatos herdados do regime soviético, normalmente liderados por membros ou lacaios da gerência, e sem qualquer estrutura para o envolvimento dos membros. Em vários casos, os trabalhadores forçados a lutar por causa dos cortes encontram-se imediatamente em conflito com essas estruturas sindicais. No Cazaquistão, o Sindicato dos Trabalhadores Científicos, combatendo a privatização, rompeu com as estruturas oficiais e age como um polo de atração para trabalhadores que querem realmente lutar. Tais organizações novas podem jogar um grande papel no futuro, contanto que evitem seguir o curso do recuo e meios termos, propondo ao invés um programa e estratégia claros.

67. Explosões generalizadas de descontentamento, similares às revoluções “coloridas” ou aos eventos recentes no Quirquistão, são inevitáveis na atual situação. O descontentamento em massa com os padrões de vida, repressão, fraude eleitoral ou mesmo desastres industriais ou ambientais, em certas etapas, resultarão em protestos e movimentos de massa. Em tais situações, a esquerda frequentemente se verá competindo com a oposição burguesa pela liderança desses movimentos. Ela terá a responsabilidade de expor o conteúdo fraudulento das demandas populistas apresentadas pela oposição burguesa, seja sobre os direitos democráticos, contra a corrupção ou sobre questões econômicas e sociais. Ela pode fazer isso não abandonando as demandas políticas ou formando blocos com a burguesia, mas instilando um conteúdo de classe nas demandas do movimento.

68. Toda a região está em efervescência. O renascimento dos movimentos dos trabalhadores e socialistas na Europa Ocidental sem dúvida encorajará os trabalhadores e jovens do Leste Europeu que buscam uma alternativa. A região possui tradições heroicas – da revolução russa às lutas contra dos trabalhadores húngaros e poloneses contra as ditaduras stalinistas. O modo como as demandas pela nacionalização e controle dos trabalhadores pipocaram indicam que as tradições radicais ressurgirão.

69. O CIT ganhou algumas posições importantes na região. Se ele agir de uma maneira enérgica e decisiva, se conseguir desenvolver sua própria coesão e organização política, ele pode se desenvolver rapidamente e ajudar a armar os movimentos de massa em desenvolvimento com as ideias socialistas e a estratégia necessária para acabar com o pesadelo do capitalismo, substituindo-o por uma genuína sociedade socialista. 

CEI: Comunidade dos Estados Independentes, uma união solta de 12 das 15 ex-repúblicas da antiga URSS.

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