Grécia – mais um fracasso do mercado
Durante os anos 1980, quando o país entrou na União Europeia, e também nos anos 90, a Grécia foi um dos países que se beneficiou relativamente da participação na UE, recebendo mais do que pagava à UE. A condição imposta para o ingresso na EU foi se adaptar à política neoliberal do bloco.
A joia da coroa da UE foi a introdução do euro, uma moeda comum que, segundo diziam, fortaleceria os músculos financeiros da UE. Quando o euro foi introduzido, regras para garantir a estabilidade da moeda foram impostas: a dívida pública não podia ultrapassar 60% do PIB e o déficit no orçamento não poderia ultrapassar 3% do PIB.
Mas enquanto países pequenos, como Portugal e Grécia, eram forçados a realizar grandes cortes nos gastos públicos, países como Alemanha e França podiam exceder os limites de déficit sem consequências.
A Grécia conseguiu se qualificar ao euro somente usando a “contabilidade criativa”, isto é, fraude das contas públicas.
O grande problema da Zona do Euro é que ela junta países com economias muito diferentes. Países com economia forte, como França e Alemanha, se beneficiavam com uma moeda forte e baixos juros. Países mais pobres também podiam usufruir de juros baixos, mas com a produtividade mais baixa, suas mercadorias não conseguiam competir no mercado mundial. As baixas taxas de juros acabam beneficiando mais a especulação imobiliária do que a expansão na produção.
Países como Grécia, Itália, Portugal e Espanha perdiam o mercado de exportações e não tinham mais a opção de desvalorizar sua moeda com a finalidade de diminuir os preços de suas mercadorias e torná-las mais baratas (mais tarde, são os trabalhadores que acabam pagando, com a inflação gerada por essa ação).
A crise expõe os problemas
A crise econômica afetou duramente a Grécia e o déficit público deste país aumentou rapidamente. Os ataques aos gastos públicos pelo governo de direita anterior, Nova Democracia, fez com que o partido “socialista” PASOK (quem vem implementando a mesma política neoliberal desde os anos 1980) ganhasse as eleições no ano passado, com grande parte da população tentando optar pelo “mal menor”.
Pouco antes das eleições em outubro o governo anterior foi forçado a reconhecer que a situação financeira era muito mais grave do que se tinha dito antes. O déficit público para 2009 foi revisado de 6,7% para 12,7% do PIB. Nessa situação, os especuladores do mercado financeiro começaram a cobrar juros mais altos para investir nos títulos públicos do país e se iniciaram as dúvidas se o país conseguiria pagar as suas dívidas.
No começo de março desse ano, o governo, com o objetivo de reduzir o déficit público para 8,7%, anunciou mais uma pacote de cortes nos salários dos funcionários públicos, congelamento das aposentadorias, aumento de impostos de consumo, etc. Todas medidas afetavam duramente os trabalhadores, enquanto os bancos, que receberam grande ajuda durante a crise financeira, lucram com os juros altos que o governo é forçado a pagar para poder adquirir novos empréstimos.
Mas a tentativa do governo de criar confiança na sua capacidade de conter a crise fracassou.
A reação dos trabalhadores também foi dura, pois eles não queriam pagar por uma crise que não tinham criado. Três greves gerais foram realizadas em quatro semanas e os protestos continuam.
A crise grega abriu grandes conflitos entre os grandes poderes europeus. Especialmente o governo alemão exige duras condições para resgatar a Grécia. Salvar a Grécia, que tem uma economia relativamente pequena, é uma coisa. Mas se a crise se espalhar para a Espanha (quatro vezes maior que a Grécia) ou a Itália (seis vezes maior), não será mais possível bancar os resgates.
Por outro lado, muito está em jogo. Os principais financiadores da dívida pública grega são os bancos alemães e franceses. A crise grega também fez o euro cair e sua cotação atingiu o menor valor comparado ao dólar no último ano e coloca todo o projeto de uma moeda única em risco. Deixar de resgatar a Grécia poderia levar a uma crise financeira generalizada.
A crise já produziu uma grande derrota ao prestígio da União Europeia. No começo de abril, os governos da UE foram forçados a formalizar a possibilidade de um pacote de resgate, mas também a aceitar que o FMI entraria com uma parte. O pacote seria de 45 bilhões de euros (60 bilhões de dólares), com a UE bancando 30 bilhões e o FMI 15 bilhões. A ajuda do FMI significa admitir que a UE, o maior bloco econômico do mundo, não consegue mais resolver seus próprios problemas.
Mesmo assim, a ajuda prometida está demorando para sair. O governo alemão declarou que o dinheiro só sai quando se acertar com o governo grego sobre mais cortes e ataques aos trabalhadores.
E a situação só piora. O governo grego foi forçado a oficializar o pedido de ajuda no dia 23 de abril, no mesmo dia em que foi revelado que o déficit orçamentário do ano passado era ainda pior: 13,6% do PIB, algo que levou o rebaixamento da nota de crédito do país e novas altas na taxa de juros (que agora superam os juros brasileiros!). O primeiro-ministro grego, George Papandreu, chegou a dizer que o país é “um navio afundando”.
Ninguém acredita mais que esse pacote de 45 bilhões é suficiente. Na melhor das hipóteses compraria mais um ano antes da crise da dívida retornar novamente. O próprio FMI está agora falando que pode ser necessário até 120 bilhões de euros.
O remédio que os governos da UE e o FMI estão ordenando é o mesmo veneno aplicado durante a crise asiática de 1997-98 ou na Argentina nos anos antes de 2001. Já que a Grécia não pode desvalorizar a moeda, a receita é a de cortar os custos rebaixando os salários dos trabalhadores e implementar cortes muito maiores nos gastos públicos. Além de ser uma receita para uma catástrofe social, esse remédio vai apenas piorar a situação.
A revista britânica The Economist calcula que essa política fará com que o PIB caia em pelo menos 5% até 2014 (há estimativas que o PIB caia 5% já esse ano). A queda do PIB fará com que o peso da dívida, que continuará aumentando, chegue a 149% do PIB em 2013.
A ideia central desta política é trocar o consumo interno por mais exportações e reduzir os gastos públicos. Mas a Grécia tem uma indústria fraca e é muito improvável que ela substitua o seu arrasado mercado interno por um mercado externo.
Vários comentaristas afirmam que o aprofundamento da crise provocada pelo arrocho pode levar ao mesmo ponto de partida: com a Grécia não sendo capaz de pagar suas dívidas e ter que declarar um default. O economista Nouriel Roubini comparou esta situação com a Argentina, que depois de anos de crise econômica agravada pelo mesmo tipo de política acabou sendo forçada a não pagar a dívida. A diferença, afirma Roubini, é que a Grécia tem um déficit público, déficit na conta corrente, e uma dívida pública muito maiores que a Argentina em 2001!
Isso tudo levanta a possibilidade da Grécia ser forçada a abandonar o euro. Seria um cenário de pesadelo para o povo trabalhador. Mesmo se a Grécia, depois de um caos financeiro, conseguisse reintroduzir uma moeda própria mais fraca, isso provavelmente ocorreria depois dos ricos retirarem todo seu capital do país. As dívidas ainda seriam cotadas em euro e muito mais caras para pagar com uma nova moeda fraca.
Um fator negativo é que os líderes sindicais não têm uma estratégia para ganhar essa luta. Foram forçados a chamar as greves gerais pela pressão da base, mas elas foram vistas como um meio de abrir a válvula de escape e, assim, evitar uma explosão fora de seu controle. Isso faz com que muitos duvidem da possibilidade de enfrentar o mercado, a UE, os bancos e seu próprio governo.
Mas os ataques continuarão, se aprofundarão e, por isso, os trabalhadores serão forçados a lutar. Os militantes do Xekinima – CIT na Grécia – colocam que é necessário construir a força das greves com comitês de lutas locais, regionais e nacional, ao redor de um programa de resistência aos ataques, de estatização do sistema financeiro, não-pagamento da dívida, etc. Também é necessária uma estratégia política. Os partidos de esquerda, como KKE (partido comunista) e Syriza (uma coalizão de esquerda em que o Xekinima participa), devem construir uma frente única da esquerda, para apresentar como alternativa um governo dos trabalhadores com um programa socialista.