Grécia abala as fundações da “zona do euro”

altA crise econômica na Grécia está enviando ondas de choque a toda a infraestrutura financeira e política da Europa. A ameaça de não-pagamento das dívidas abasteceu a febril especulação sobre mercados de títulos. A única questão que o establishment político europeu e grego concordam é que a classe trabalhadora terá que pagar com cortes brutais. Isso, por sua vez, está ativando um levante social e constitui o mais grave desafio à zona do euro desde o lançamento da moeda do euro.

A Grécia, atualmente o elo mais fraco em uma série de elos fracos da zona do euro, acionou uma severa crise para a moeda comum. Além disso, a eurocrise terá um sério impacto, não apenas para a zona do euro, mas para o capitalismo europeu como um todo. O espectro do calote grego sobre suas dívidas está pressionando o custo do empréstimo para outros países fortemente endividados, como Espanha, Portugal, Itália e Irlanda. Um calote grego (mesmo que a Grécia responda por apenas 2,5% do PIB da zona do euro) colocaria a questão da viabilidade do euro como moeda comum.

Uma ruptura da zona do euro, que agora está sendo seriamente contemplada por alguns estrategistas do capitalismo, também provocaria uma convulsão no sistema financeiro e monetário mundial. Para começar, a um calote grego poderia causar o colapso de alguns bancos europeus que possuem títulos do governo grego (totalizando cerca de 300 bilhões de euros), provocando uma nova fase da crise do sistema bancário e financeiro global. A Grécia é o gatilho que revela as contradições inerentes da moeda comum. 

Quando o sistema financeiro/bancário global enfrentou o desastre em 2008, as principais potências capitalistas intervieram com estimados 18 trilhões de dólares de injeções de capital e garantias. Elas efetivamente nacionalizaram as perdas dos bancos de investimentos especulativos. Às custas do público, elas resgataram bancos e outros veículos especulativos das conseqüências de suas próprias negociatas imprudentes nos mercados globais. Contudo, agora as principais potências da União Europeia (UE) recusam-se a garantir meros 300 bilhões de euros da dívida grega. Eles prometem ‘solidariedade’ à Grécia, com a intenção de ressegurar aos mercados financeiros de que ela não permitirá um calote. Contudo, até agora se recusaram a propor um pacote concreto de apoio financeiro. Ao mesmo tempo, estão exigindo cortes cada vez mais brutais do governo grego – cortes a serem impostos à classe trabalhadora grega. Para reduzir o atual déficit orçamentário para 3% do PIB (a ‘norma’ da União Econômica e Monetária da UE), seria preciso um corte no PIB entre 12-15%, o que teria o efeito de uma grande recessão na economia.

As ‘reformas’ exigidas pelas potências da UE, lideradas pelo capitalismo alemão, têm apropriadamente sido chamadas de um ‘tsunami de ataques’. Os cortes na escala proposta agora destruiria os serviços sociais e traria enormes aumentos em impostos, começando com o imposto sobre consumo (ICMS grego). Além disso, essas erroneamente chamadas ‘reformas’ estão sendo propostas pelo governo ‘socialista’ (PASOK) de George Papandreou. Contudo, o tsunami já encontrou ‘rios de fúria’, com uma série de greves e protestos nacionais de massas.

“Os burocratas em Bruxelas querem… ver sangue nas ruas de Atenas”, escreveu um grande jornal. “Estamos em guerra com o governo”, comentou um antigo parlamentar de esquerda, “porque ele claramente está em guerra conosco”. “Por que eu, como trabalhador, deveria pagar pelos erros dos políticos?”, perguntou um professor numa manifestação do setor público. “O trabalhador não pode ser bode expiatório. Então temos que nos defender”.

Alguns comentaristas capitalistas, entretanto, estão alertando que os cortes na escala proposta na Grécia causarão uma explosiva reação social e política, não apenas na Grécia mas em toda a Europa. “Se você apertar do modo como os mercados parecem querer, irá ter uma resposta política que é inviável”, comentou Joseph Stiglitz, um economista que defende políticas keynesianas. “Essas são democracias – não ditaduras” (Cost of Debt Puts Strain on Europe’s Weakest Links, International Herald Tribune, 6 de fevereiro).

Os eventos na Grécia, que ecoarão na Espanha, Portugal, Irlanda e outros lugares, marcarão um novo período de revolta social e lutas políticas que reverberarão por toda a Europa.

A Grécia é um dos mais fracos estados capitalistas europeus. Ela acumulou uma dívida nacional de quase 300 bilhões de euros, cerca de 112% do PIB – e espera-se que aumente para 130% em 2013, a menos que haja cortes brutais nos gastos, junto com aumentos de impostos. Além disso, a dívida atual pode ser maior do que parece nas contas nacionais, devido ao uso de vários instrumentos financeiros complexos destinados a esconder o nível real. A enorme soma da dívida tem sido acumulada por toda a grosseira má gestão de sucessivos governos, e certamente não beneficiou a classe trabalhadora grega. Há massiva evasão de impostos, por exemplo, entre os ricos e mesmo entre a próspera classe média. Apenas os trabalhadores, que têm seus impostos deduzidos na fonte, pagam os níveis oficiais de impostos. Estima-se que o governo perca 30-40 bilhões de euros por ano com a evasão de impostos. A corrupção é comum em toda burocracia estatal.

A Grécia foi duramente atingida pela recessão global, com queda de 1,1% do PIB ano passado e estima-se uma queda de 1% em 2010. A recessão resultou em desemprego em massa, especialmente entre os jovens.

A dívida nacional da Grécia se acumulou por todo um período, e não era segredo. Contudo, a crise da dívida foi provocada em dezembro, quando a agência de avaliação Fitch rebaixou a classificação dos títulos gregos de A-menos para BBB. Isso aumentou a taxa de juros que o governo grego tinha que pagar por seus títulos para quase 7%, 3,8% acima do referencial dos títulos do governo alemão. Os ‘vigilantes dos títulos de mercado’, os grandes comerciantes globais de títulos, começaram a levantar o espectro de um calote do governo grego. Isso inevitavelmente levantou dúvidas similares dos mercados financeiros sobre outras economias pesadamente endividadas, especialmente Espanha, Portugal e Itália.

A camisa de força do euro

As economias da zona do euro foram severamente atingidas pela recessão global. Houve uma queda assombrosa de 5% (comparada, por exemplo, com uma queda de 3,8% na economia dos EUA). Os últimos dados para o último trimestre de 2009 mostram um crescimento insignificante nas maiores economias, Alemanha e França, com um contínuo crescimento negativo nos países periféricos: Portugal, Itália, Grécia e Espanha, conhecidos pelo nada lisonjeiro nome de PIGS – ou PIIGS se a Irlanda for incluída.

A recessão da zona do euro foi exacerbado pela moeda comum. O aumento do valor do euro durante a recessão (principalmente por causa do declínio do dólar dos EUA) elevou os preços das exportações das economias do euro, quando houve uma abrupta queda da demanda mundial por exportações. Ao mesmo tempo, a divergência entre as economias da zona do euro agora ameaça uma crise profunda para o próprio euro. A Alemanha, Países Baixos e França, por exemplo, foram capazes de implementar pacotes de estímulos financiados por crédito. Contudo, os endividados PIGS, não possuem esse luxo, já que os ‘mercados’ (i.e., bancos e especuladores) não estão preparados para tolerar keynesianismo nas economias mais fracas.

Ao mesmo tempo, o euro agrega economias com grandes superávits na conta corrente (por exemplo, Alemanha e Países Baixos), com economias com grandes déficits na conta corrente (a conta corrente é a balança comercial mais transações, como lucros repatriados). Com moedas separadas, as moedas dos países excedentes tenderiam a se valorizar, enquanto aos dos países com déficits declinariam, tendendo a corrigir os desequilíbrios. Isso não é possível dentro da zona do euro de tamanho único.

Portugal, Itália, Grécia e Espanha, em graus variáveis, estão pesadamente endividados, seja no setor público, no setor de negócios, ou no endividamento doméstico. Á Grécia tem atualmente um déficit orçamentário de 12,7% e uma dívida nacional acumulada 112% do PIB. O boom de crescimento na Espanha e Irlanda, além disso, dependia pesadamente das bolhas imobiliárias, que agora deflacionaram. As economias periféricas tiraram vantagem das taxas de juros baixas da zona do euro e do crédito barato para financiar seu crescimento apoiado no endividamento. Embora todo governo emita seus próprios títulos, a aparente ‘segurança’ do euro as capacitou a obter empréstimos a taxas de juro mais baixas. Como economias separadas, os governos de qualquer tipo poderiam ter elevado as taxas de juro para tentar frear o crescimento de bolhas. Contudo, na zona do euro o Banco Central Europeu (BCE) fixou uma taxa comum baixa, que se adequava especialmente às economias maiores, como a Alemanha. A preponderância de taxas de juro baixas e um euro alto durante o crescimento anterior, que favorecia exportadores com superávit como Alemanha, Países Baixos e França, encorajou gastos esbanjadores e empréstimos nas economias mais fracas.

“A crise na periferia da zona do euro não é um acidente: é inerente ao sistema” (Martin Wolf, Financial Times, 6 de janeiro).

Sob a União Econômica e Monetária (UEM) da UE e o ‘pacto de estabilidade’, os déficits orçaentários estão limitados a 3% do PIB, com a dívida nacional limitada a 60%. Suspeitou-se amplamente, quando a Grécia entrou na zona do euro em 2001, que o governo fez uma fraude contábil para satisfazer os “critérios de convergência”. Com o início da crise, contudo, a Comissão da UE, o BCE e, também, as maiores potências da zona do euro (Alemanha e França) foram forçados a aceitar níveis muito mais elevados de déficits e dívida nacional, não menos porque eles mesmos excederam as normas.

Isso realça a contradição básica da zona do euro: os 16 países participam de uma união monetária, mas sem os elementos básicos de uma união política. Não há poder econômico centralizado capaz de manter as diferentes economias nacionais dentro das normas exigidas para um euro estável. A Comissão da UE e o BCE alertaram periodicamente os governos nacionais por quebrarem as regras, mas foram efetivamente impotentes para frear seus gastos. Não há instituições na zona do euro, por exemplo, com poderes similares aos do Fundo Monetário Internacional (FMI). Se chamado para ajudar uma moeda em apuros, o FMI possui poderes draconianos de vigilância, e impõe condições draconianas para empréstimos. É por isso que Merkel, Brown e outros agora favorecem a intervenção do FMI na Grécia. Contudo, isso faria com que o BCE e a zona do euro assinalassem sua própria fraqueza. De fato, tal atitude minaria ainda mais o euro.

Contudo, agora, face à perspective de uma ruptura na zona do euro, as principais economias, especialmente a Alemanha, estão exigindo cortes severos da Grécia e outras economias periferias. Esse é o preço que eles tentarão extrair para impedir um calote do governo grego e de outros.

As maiores potências da zona do euro, especialmente a Alemanha, são contrários a especificar um pacote de resgate para a Grécia. Eles limitaram seu apoio a vagas promessas de “solidariedade” na esperança de que isso tranquilizará os mercados financeiros. Como comenta o International Herald Tribune (6 de fevereiro): “Ainda há um jogo da covardia entre estados soberanos, com a Grécia contando com ajuda e outros países segurando até que Atenas pague um preço alto por sua prodigalidade e manipulação das estatísticas”.

“É altamente improvável que a Grécia tenha permissão para um calote”, comentou o economista Antonio Missoroli. “Mas ninguém quer dizer abertamente para aliviar a pressão sobre o governo grego. Então é um jogo de equilíbrio frágil, quanta pressão você pode exercer sobre a Grécia e o quanto ela pode suportar?” Outro comentarista, Simon Tilford, disse que “a UE quer humilhar o establishment político grego e vê-lo tomar decisões difíceis”. (International Herald Tribune, 6 de fevereiro)

Esse é um jogo perigoso. Um calote grego, sob pressão dos mercados financeiros, poderia acionar um efeito dominó por toda a zona do euro. Mas mesmo depois da cúpula europeia de 10/11 de fevereiro, a reunião posterior de ministros das finanças europeus em 15 de fevereiro exigiu cortes ainda maiores. Isso apesar da promessa do governo grego de reduzir seu déficit em 4 pontos percentuais para 8,7% do PIB até o fim deste ano – em si uma redução dramática e politicamente explosiva.

Uma saída para a Grécia?

Antes de se unir ao euro, a Grécia tinha a opção de desvalorizar sua moeda (a dracma). Uma moeda mais fraca significaria um barateamento das exportações gregas nos mercados mundiais, possivelmente encorajando as exportações e reduzindo o déficit comercial. O capitalismo britânico, por exemplo, ganhou uma certa vantagem da queda da libra no período recente, o que marginalmente amorteceu a recessão (de outro modo a recessão teria sido ainda pior).

Contudo, neste momento, uma saída do euro não forneceria uma solução fácil para o capitalismo grego. Um retorno à dracma, que inevitavelmente seria mais fraca do que o euro ou outras grandes moedas européias, sem dúvida estimularia o turismo na Grécia. Entretanto, mesmo se houvesse um barateamento das exportações pela desvalorização, um crescimento significativo das exportações dependeria de uma recuperação européia mais ampla, já que a maioria das exportações da Grécia vai para outros países europeus. Até agora, o capitalismo grego não é orientado para a exportação: 70% do PIB é produzido por gastos de consumo, altamente dependentes do endividamento. As duas maiores indústrias, construção e transporte marítmo, estão em crise como resultado do colapso da bolha imobiliária e da recessão global.

A Grécia enfrentaria outros problemas também. Antecipando o retorno à dracma, os gregos ricos transfeririam suas poupanças para contas em euro em outros países da zona do euro para evitar a desvalorização. Isso já pode estar acontecendo em certa medida. Além disso, as dívidas da Grécia, primariamente dívidas do governo mas também muitas hipotecas, e dívidas empresariais e privadas, ainda seriam denominadas em euros, e se tornariam mais custosas para pagar com uma dracma desvalorizada.

Dada a enorme escala da dívida estatal da Grécia, esta ainda precisaria de um resgate. Claramente, nem o BCE nem as maiores potências da zona do euro seriam mais responsáveis por tomar uma iniciativa. Fora da zona do euro, a Grécia seria forçada a recorrer ao FMI, que poderia tentar impor condições de empréstimo ainda mais selvagens para impedir um colapso das finanças estatais da Grécia. 

De um ponto de vista econômico, cortes draconianos, sejam impostos pelas instituições da zona do euro ou pelo FMI, não resolverão a crise. Deixando de lado as consequências sociais e políticas por um momento, os cortes brutais minarão qualquer possibilidade de recuperação da economia grega. Cortes na escala agora exigida provavelmente prolongarão a recessão e levarão a outra ainda mais severa nos próximos anos.

A Grécia e outras economias europeias mais fracas não têm a permissão de optarem por um pacote keynesiano, isto é, pacotes de estímulos deficitários acompanhados de injeções de liquidez adicional. Um economista de bancos de investimento comentou: “Se os periféricos fossem escolher uma abordagem keynesiana, eles seriam massacrados pelos mercados”. (Investor Headwinds Lash Euro Solidarity, Financial Times, 9 de fevereiro)

Neste momento, parece provável que o governo Papandreou tentará permanecer dentro da zona do euro. Ele calcula que o BCE e os maiores governos da zona do euro serão forçados a resgatar a Grécia, já que um calote grego teria um efeito devastador sobre a viabilidade do euro. Contudo, os eventos não estarão sob o controle nem das maiores potências nem do governo grego.

Na cúpula europeia de 10/11 de fevereiro houve promessas públicas de apoio à Grécia. A mensagem era de que eles não permitiriam um calote da Grécia. Contudo, não houve um pacote concreto de apoio financeiro. Ele foi bloqueado pelo governo Merkel. Recentemente, o presidente do BCE, Trichet, fez novas declarações prometendo defender os títulos gregos. Contudo, os mercados financeiros, isto é, os grandes especuladores que comerciam com títulos do governo, não estão convencidos. O governo grego está sendo forçado a pagar taxas de juro cada vez mais altas sobre seus títulos, o que exacerbará a acumulação da dívida pública.

As possibilidades de saída ou expulsão

Dada a contradição entre a operação de uma moeda comum e a rivalidade entre 16 estados nacionais, uma ruptura do euro é inevitável em certo ponto. O tempo, claro, é mais dificil de prever, assim como as linhas nas quais a zona do euro irá se fraturar. A crise pode muito bem ser protelada.

O euro pode sobreviver por um tempo, se não porque a ruptura da zona do euro acionaria uma massiva crise econômica e política para o capitalismo europeu. Uma ruptura poderia começar com a saída (ou até a expulsão) de uma das economias mais fracas (com a Grécia e outros PIGS como os primeiros candidatos). Até recentemente, a saída ou expulsão era considerada ‘inconcebível’ pelos governos da UE e os burocratas da comissão. Contudo, a possibilidade de saída é fornecida pelo tratado de Lisboa, e o BCE recentemente tem estudado as implicações da saída/expulsão.

Contudo, pode não ser uma das economias mais fracas que vá primeiro. Uma possibilidade é de um governo alemão, face a uma reação popular contra o resgate de economias ‘esbanjadoras’ mais fracas, deixar a zona do euro. “Ao invés da Grécia e outros deixarem o euro, a Connelly Global Advisers, uma consultoria, sugere que ao invés a Alemanha poderia deixá-la. Berlim poderia se voltar para seu marco forte, e o euro desvalorizado forneceria aos países remanescente a válvula de escape de que precisam. É uma sugestão extrema mas, entre tantos cenários extremos, as alternativas não parecem muito melhores” (Lex: A Sov Story, Financial Times, 6 de fevereiro). Além disso, a Alemanha poderia ser acompanhada por outros, como os Países Baixos e Bélgica, em uma nova zona do marco (uma nova versão do Mecanismo Europeu de Taxas de Câmbio, ao invés de uma moeda comum). 

O ritmo dos acontecimentos em relação ao euro também dependerá da trajetória das economias européias e mundiais. Uma recuperação das maiores economias capitalistas aumentaria o tempo de vida do euro. Isso poderia ser ajudado por uma desvalorização do valor do euro contra o dólar e outras moedas (incluindo o yuan/RMB chinês, que é ligado ao dólar). Ironicamente, essa desvalorização é resultado da crise da dívida dos PIGS. Até agora, o euro declinou cerca de 15% contra o dólar (5% desde o início de 2010). Isso é uma correção da supervalorização do euro, causada pela desvalorização competitiva do dólar. Embora o Tesouro dos EUA afirme que apóie uma política de ‘dólar forte’, ele tem encorajado uma queda que reduziu o déficit comercial dos EUA. Um euro mais fraco ajudará nas exportações dos maiores fabricantes como Alemanha, mas como a maioria das exportações da Grécia é para dentro da Europa, ela não ganhará muitas vantagens, exceto com o turismo.

Mas uma recuperação sustentada do capitalismo europeu está longe de estar assegurada. As maiores economias da Europa desfrutaram de uma certa recuperação em meados de 2009, em grande parte devido a seus vários pacotes de estímulos (especialmente esquemas de substituição de veículos). Contudo, o crescimento estava vacilando no último trimestre de 2009, e ainda é negativo nas economias mais fracas. Um período de estagnação (com alto desemprego e um ciclo de negócios fraco) ou especialmente uma recessão, sem dúvida aumentaria a pressão sobre o euro. Os estrategistas do capitalismo europeu são extremamente relutantes em abandonar o euro. De outro lado, contudo, atualmente muito poucos sustentam a ideia de que o euro irá levar gradualmente à união econômica e política da Europa.

Em uma coluna recente do New York Times, Paul Krugman faz alguns comentários reveladores sobre o euro (The Making of a Euro Mess, 15 de fevereiro): “Para fazer o euro funcionar, a Europa precisa se mover ainda mais para a união política, para que as nações européias comecem a funcionar mais como os estados americanos”. Nos EUA, que são um estado federal, estabilizadores fiscais automáticos entram em cena em uma recessão. Por exemplo, o colapso do boom da habitação depois de 2007 causou uma severa recessão na economia da Florida. Contudo, o governo federal continuou a pagar seguros sociais (pensões) e seguros de saúde às pessoas do estado. Ao mesmo tempo, o declínio nos rendimentos reduziu os impostos para o estado federal. Além disso, o ‘programa de estímulos’ de Obama incluía apoio financeiro aos estados. Esse tipo de estabilizadores não opera dentro da zona do euro. “Mas”, escreve Krugman, “isso não irá acontecer em qualquer tempo previsível”.

De fato, a crise econômica prolongada e os levantes políticos intensificarão os conflitos entre os estados nações dentro da zona do euro (especialmente com um fortalecimento do nacionalismo) – tornando uma ruptura do euro inevitável em algum ponto no futuro.

Vigilantes do Mercado de Títulos

A Grécia tem estado sob intensa pressão dos “mercados financeiros”, na verdade, grandes bancos de investimentos, comerciantes de títulos e outros especuladores. Eles estão diariamente denunciando a prodigalidade do governo grego, levantando temores de um calote dos títulos dos governos grego, espanhol e português. Contudo, sua real preocupação não é com a retidão fiscal dos vários governos da UE, ou com a estabilidade do euro, mas com seus próprios lucros a curto prazo. “Os mercados não estão olhando para o que é bom para a viabilidade a longo prazo do euro”, comenta Joseph Stiglitz, “eles estão olhando o que vai acontecer nas próximas 24 horas” (Citado por Larry Elliott, The Guardian, 9 de fevereiro).

A situação é comparável com a crise de 1992 no Mecanismo Europeu de Taxa de Câmbio (ERM). Ali, os especuladores miraram nas moedas mais fracas, especialmente na libra britânica e a lira italiana, apostando na queda de seu valor em relação a outras moedas, enquanto ao mesmo tempo minavam essas moedas através de suas atividades comerciais cambiais. Eventualmente, eles forçaram a libra e a lira a saírem do ERM, embora falhassem em minar o franco francês (fortemente apoiado pelo governo Chirac).

Agora, ao boicotarem os leilões de títulos do governo, e através de agências de avaliação que rebaixam a classificação dos títulos, os grandes especuladores podem forçar um aumento das taxas de juros que governos como o da Grécia são forçados a pagar. Naturalmente, juros de títulos mais altos aumentam significativamente a lucratividade desses especuladores. Bancos e especuladores ainda estão cheios de crédito barato, não menos por causa das medidas para injetar liquidez do BCE (imprimindo dinheiro para comprar ativos financeiros dos bancos). Os bancos podem pegar dinheiro do BCE em torno de 1% e usá-lo para comprar títulos do governo grego que lhes dá uma taxa de juros de quase 7%! Como eles podem deixar de fazer enormes lucros?

Apesar de seus clamores sobre o calote, entretanto, eles estão confiantes de que o BCE e os governos da zona do euro, se necessário, irão resgatar a Grécia. Além disso, os especuladores também estão apostando contra uma queda no euro, lucrando através de seu comércio ‘em descoberto’. Estima-se que especuladores agindo no Câmbio Mercantil de Chicago recentemente fizeram mais de 7,5 bilhões de dólares em apostas contra o euro.

Essa atividade altamente lucrativa, contudo, de modo algum inibe os especuladores de denunciar a ‘inviabilidade’ de títulos de vários governos ou a ‘instabilidade’ do euro. Mas recentemente foi revelado que especuladores de Wall Street (e provavelmente outros) estão metidos até o pescoço em empréstimos dúbios para o governo grego, e sem dúvida para outros. Entre 2001 e 2004, por exemplo, o governo grego levantou mais de 4 bilhões de euros com uma série de complexas manobras financeiras, organizadas por grandes bancos de investimento – em troca de enormes taxas. Esses acordos envolviam taxas de juros e trocas de moeda em larga escala, que, supunha-se, não teriam entrado nas contas nacionais como dívidas (Wall Street Helped Greece Hide Debts, International Herald Tribune, 15 de fevereiro). Esses complexos instrumentos financeiros foram usados para ‘camuflar’ as contas nacionais. “Os bancos avidamente exploraram o que era, para eles, uma simbiose altamente lucrativa com governos de livre gastos”. Em outros acordos, quase de forma incrível, o governo grego efetivamente hipotecou os aeroportos e rodovias do país, levantando dinheiro dos mercados financeiros em troca de taxas de aterrissagem etc.

Essa chicana financeira revela tanto a imprudência dos sucessivos governos gregos quanto a inescrupulosa ganância dos especuladores. 

 

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