Capitalismo em crise – uma explicação marxista

Os efeitos do neoliberalismo e da globalização

Os anos 80

Apesar de ter um crescimento abaixo ao atingido durante o boom” pós-guerra, a economia mundial apresentou uma certa recuperação durante os anos 80. Dois fatores foram importantes para o crescimento dos anos 80.

O primeiro foi o aumento da exploração nos países pobres. A crise das dívidas foi usada para forçar os países pobres a adotar as políticas neoliberais. A intenção era abrir seus mercados para os países ricos, privatizar o máximo possível (com empresas dos países ricos comprando a preço de banana o que podia ser lucrativo) e voltar as economias desses países a um único objetivo: produzir para pagar a dívida aos bancos. Isso levou a uma inversão durante os anos 80 do fluxo de capital. Os países pobres começaram a mandar mais dinheiro para os países ricos do que recebiam. Como efeito dessa política, os países pobres tinham que voltar a sua produção a matérias-primas fáceis de exportar. Muitos países ficaram dependentes de só uma ou duas commodities*. Essa pressão por exportar a qualquer custo fez com que os preços das commodities caíssem, ao mesmo tempo em que os países ricos exportavam produtos manufaturados com preços elevados. Para os países pobres, com poucas exceções, os anos 80 foi uma “década perdida”.

O segundo fator foi que os EUA, apesar da doutrina neoliberal, mantiveram uma política com grande déficit no orçamento federal. Isso se dava graças à redução dos impostos dos ricos, mas também por causa de um enorme investimento nos gastos militares durante o período do presidente Reagan. Isso, junto com um aumento do endividamento, impulsionado pela desregulamentação dos mercados financeiros, levou a um grande déficit comercial. Os EUA se tornaram o mercado de última instância. Quem mais ganhou com isso durante os anos 80 foi Japão e Alemanha, mas também os chamados “tigres asiáticos” (Coréia do Sul, Taiwan, Cingapura e Hong-kong). Nos anos 90, a China se tornou o principal beneficiário.

Esses déficits dos EUA marcaram muito o período que se abriu. Mas vamos ver quais foram os efeitos do neoliberalismo e das mudanças econômicas do capitalismo.

Desigualdades crescentes

A distribuição de renda deu marcha ré total com o neoliberalismo. Os ricos começavam a tomar partes cada vez maiores das riquezas por causa da diminuição de seus impostos dos ricos e aumento da exploração dos trabalhadores. Nos EUA, os salários reais hoje ainda estão abaixo do que em 1973!

Em 1986 havia 140 bilionários em dólar no mundo. Em 2007, a lista de super-ricos incluía 1.125 bilionários. A riqueza combinada desses é de 4,4 trilhões de dólares, o equivalente ao PIB dos 142 países mais pobres do mundo!

Em 2006 1% dos mais ricos do mundo tinha 40% das riquezas do mundo. O 1% dos 1% mais ricos (85.000 pessoas), controla 24% das riquezas do mundo! Os 10% mais ricos ficavam com 85% das riquezas. Isso enquanto a metade mais pobre tinha 1,1% das riquezas.

Em 1913, o PIB per capita (por habitante) dos países ricos era 22 vezes maior do que o dos mais pobres. Em 1970, subiu para 77 vezes. Em 2000, era 267 vezes! Em 2007, Luxemburgo tinha um PIB per capita 825 vezes maior que Burundi!

Enquanto a Gucci faz estratégia de marketing para vendas de bolsas que custam US$ 19.000, a pobreza no outro lado da escala não tem limite.

The Guardian deu um exemplo da super-exploração utilizada pelas multinacionais dos países ricos. “Nazmul, 24 anos, que trabalha prendendo alfinetes em camisas, diz que trabalha regularmente 80 horas por semana, com só um dia de folga por quinzena. Com compensação de horas extras, ele ganha 2.400 taka (US$ 27) por mês.” Os salários reais em Bangladesh caíram pela metade na última década.

Fome e má nutrição matam 6 milhões de crianças por ano. Em 2005, o número de subnutridos na África Subsaariana era 203,5 milhões, comparado com 170,4 milhões dez anos atrás.

A África Subsaariana com 770 milhões de habitantes tem o mesmo peso no comércio mundial que a Bélgica, com 10 milhões de habitantes. A região diminuiu sua participação no mercado mundial de 4% em 1970 para 2% em 2005.

Em 24 países do mundo a expectativa de vida caiu durante os anos 90. Uma pessoa que nasce na Zâmbia hoje tem menos chance de chegar aos 30 anos que se ela tivesse nascido na Inglaterra em 1840.

Dos 1.200 novos remédios inventados entre 1975 e 1997, só 13 eram contra doenças tropicais, como malária, que matam 1-3 milhões por ano.

“Na verdade a globalização não se trata tanto de novos mercados e aumento de exportações de empresas do Ocidente, mas sim de uma redistribuição massiva de renda… do trabalho para o capital. É uma história de vencedores e perdedores, não de crescimento econômico”, disse uma vez Stephen King economista-chefe do HSBC.

Vimos nas últimas décadas um processo de recolonização dos países pobres. O papel dos países da América Latina, África, Leste Europeu e grande partes da Ásia é de ser um fornecedor de matérias-primas e mão-de-obra barata, e ao mesmo tempo ser um mercado para as exportações dos países ricos.

Os fluxos de investimentos, ainda que tenha aumentado, especialmente para a China, ainda estão concentrados aos países ricos.

Comércio mundial dominado pelos ricos

O comércio mundial tem crescido, mas de uma maneira injusta e desigual. Desde o fim da 2ª Guerra Mundial as tarifas alfandegárias foram reduzidas, estimulando o crescimento dos comércio. O comércio mundial tem um peso três vezes maior no PIB mundial do que tinha nos anos 70. Era 40% do PIB mundial em 1990 e 50% em 2007. Mas quem ganha mais são os países ricos e suas empresas. Além disso, grande parte do comércio mundial se trata de transações entre gigantes empresas multinacionais, que transferem grande parte da sua produção para países com salários baixos, principalmente a China.

A Organização Mundial do Comércio (OMC) foi criada em 1995, substituiu o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT, em inglês).

Ambos tratavam de favorecer o comércio mundial em prol dos países ricos e das grandes empresas. As grandes empresas multinacionais dominam dois terços do comércio mundial. Mas cada rodada de negociação tem apresentado grandes dificuldades por causa dos interesses antagônicos entre os países ricos, e a resistência de países pobres, com pouca influência nas negociações.

Na 3a conferência ministerial em 1999 (principal reunião da OMC) em Seattle, uma grande manifestação, juntando desde sindicalistas a ativistas pelo meio-ambiente, conseguiu bloquear a reunião da OMC. Essa vitória foi vista como o início da onda de manifestações do chamado “movimento anti-globalização”, que por anos perseguiu cada reunião das grandes instituições imperialistas, como a OMC, Banco Mundial, FMI, União Européia etc, com manifestações contra as crescentes injustiças, as guerras no Afeganistão e no Iraque, etc.

A última rodada de negociações, a Rodada Doha (pois começou na capital de Qatar em 2001) ainda está em um impasse. Os EUA e a União Européia lutam entre si sobre os subsídios agrícolas, sobre a produção de aviões (com uma disputa sobre quem vai ser o maior construtor de aeronaves do mundo, com a Airbus européia ultrapassando pela primeira vez a Boeing estadunidense), e outros assuntos.

A questão da agricultura é chave para os países pobres. 96% dos agricultores vivem nos países em desenvolvimento, mas a participação desses no comércio mundial de produtos agrícolas é de só 31%. Os países ricos dificultam o acesso aos seus mercados, com tarifas alfandegárias, enquanto protegem seus agricultores com enormes subsídios.

A Organização para a Agricultura e a Alimentação da ONU mostrou em um relatório de 2006 que os países ricos dão US$ 372 bilhões de subsídios por ano aos seus agricultores, enquanto menos que um décimo disso, US$ 30 bilhões, seria suficiente para erradicar a fome no planeta! E esses subsídios vão para os mais ricos agricultores. Nos EUA dois terços dos agricultores não têm nenhuma ajuda. Os subsídios cobrem por exemplo 72% dos gastos da produção do arroz, o que permite EUA ser o quarto maior exportador de arroz do mundo. Na União Européia, quatro quintos do subsídio vai para os 20% mais ricos.

Capital financeiro ainda mais dominante

Uma das mudanças mais marcantes do capitalismo desde os anos 70 é o crescimento do capital financeiro. Nos anos 70 houve altos lucros das grandes petrolíferas e dos países exportadores de petróleo, que não foram usados para investimentos produtivos, que ofereciam baixos lucros. Ao invés, eles foram reciclados no mercado financeiro, criando por exemplo um mercado de dólar na Europa (o chamado “eurodólar”). Nos anos 80 veio a desregulamentação do mercado financeiro, que junto com o avanço na tecnologia de comunicação criou um mercado financeiro mundial, aberto 24 horas por dia.

Desde então o mercado financeiro explodiu. Qual é a fonte de todo esse capital especulativo?

A fonte imediata dessa maré de liquidez* tem sido a desregulamentação e política monetária frouxa, junto com a reciclagem dos grandes superávits das economias com grande exportação (China, Japão, Coréia do Sul etc.) e mais recentemente, os países com grande exportação de petróleo. Mas não se trata só de um fenômeno monetário. Se os bancos centrais tivessem simplesmente imprimindo mais dinheiro, isso ia levar a uma inflação massiva, apesar da redução dos preços das mercadorias de países com salários baixos.

A fonte principal é a super-acumulação de capital. Os capitalistas só investem se conseguem um retorno lucrativo. Desde o fim da “boom” pós-guerra, os capitalistas tiveram mais dificuldade de achar mercados lucrativos na produção. Apesar do surgimento de novos produtos (informática, celulares, etc.), existe em muitos setores um excesso de capacidade, comparado com o que pode ser vendido com lucro. Isso aumenta a concorrência e diminui a margem de lucro.

A resposta a isso pela parte dos capitalistas foi a de aumentar a exploração dos trabalhadores, tomando de volta todas as concessões que fizeram durante o “boom” pós guerra. Isso foi a essência do neoliberalismo desde os anos 80, diminuindo a parcela da produção que vai para os trabalhadores. Nos EUA a renda dos trabalhadores como parte do PIB caiu para seu nível mais baixo da história em 2006, 45,3% (NYT 28/10/2006).

A produtividade (produção por trabalhador por hora trabalhada) acelerou na última década. O ritmo do trabalho foi intensificado, muitas vezes com menos trabalhadores fazendo mais trabalho. No mundo inteiro vimos o resultado disso, com um aumento de doenças ligadas ao trabalho, como LER. Nos EUA a produtividade aumentou em 2,8% por ano no último período, comparado com 1,4% durante 1974-95. Mas essa produção extra foi quase exclusivamente para aumentar os lucros.

Nos EUA, as empresas financeiras faziam antes da crise atual 30-40% dos lucros. Se incluirmos as divisões das empresas que lidam com atividades financeiras, chega a 50%, comparado com 10-15% durante os anos 50-60.

Mais lucros, porém menos investimentos

“Com a queda da taxa de lucro, cresce o mínimo de capital que o capitalista individual precisa ter em mãos para o emprego produtivo do trabalho… E, simultaneamente, cresce a concentração, pois além de certos limites, um capital grande com pequena taxa de lucro acumula mais rapidamente do que em capital pequeno com taxa grande. Essa concentração crescente provoca, por sua vez, em certo nível, nova queda da taxa de lucro. A massa dos pequenos capitais fragmentados é em virtude disso forçada a enveredar pela trilha da aventura: especulação, fraude creditícia, fraude acionária, crises.” (Marx, O Capital, Livro III)

O grau de investimento em produção nos países ricos (incluindo Japão, Coréia do Sul, Taiwan), tem recuado desde o fim dos anos 60. O aumento dos investimentos em produção (o estoque de capital fixo) nos EUA caiu de 4% nos anos 60, para 3% nos anos 90 e somente 2% em 2000-2004. Na Europa, caiu de 4,6% nos anos 60 para 2,6% nos anos 2000-2004. No Japão, que foi visto como o “super-acumulador” durante o “boom” pós-guerra, a queda foi mais dramática, de 12,5% nos anos 60 para 4% nos anos 90 e 1,9% em 2000-2004. Na China, ao outro lado, os investimentos aceleraram de 1,9% nos anos 60 para 10,9% nos anos 90.

Essa queda de investimento ocorre apesar da força de trabalho mundial ter duplicado no mundo, com a incorporação de 1,5 bilhão de trabalhadores ao mercado mundial da China, Índia, Rússia, etc. Isso ajudou a rebaixar a composição orgânica do capital, o que tende a restaurar a taxa de lucro, mas do outro lado, a produção moderna requer grandes investimentos para manter a produção. Equipamentos modernos como computadores e software se tornam obsoletos rapidamente, e requerem grandes investimentos só para manter a produtividade. Essa falta de investimentos tem um efeito no aprofundamento da crise, e os trabalhadores que pagarão o preço com demissões pela falta de investimentos dos capitalistas.

Então, ao invés de investir em produção nova, cada vez mais esses novos super-lucros foram usados em especulação. Essas apostas nos cassinos do mercado financeiro mundial são primariamente uma luta pela redivisão dos lucros entre os ricos, mas à custa dos trabalhadores. O sistema se torna cada vez mais parasitário.

A super-exploração dos trabalhadores, recebendo cada vez menor parte da produção, limita ainda mais o mercado de mercadorias, agravando o problema de super-acumulação e preparando novas crises.

Em resposta às crises, como a crise asiática de 1997-98 e o estouro da bolha da informática em 2000 seguido pela crise pós 11 de setembro 2001, os bancos centrais do mundo afrouxaram mais ainda a política monetária, rebaixando os juros e liberando enormes quantidades de liquidez no mercado. Isso ajudou a alimentar as bolhas especulativas.

A política de juros super-baixos, quase zero e abaixo da inflação (juro negativo) no Japão (desde 1990) e nos EUA (depois da crise em 1998, 2001 e de novo agora), tem estimulado a especulação.

Gigante fluxo de capital

O volume negociado por dia no mercado de moedas cresceu astronomicamente desde os anos 70. Até essa década, 90% dos negócios com moedas internacionais era ligado ao comércio com mercadorias e serviços. As empresas compravam moedas para pagar importações. Com o crescimento do mercado financeiro mundial cada vez mais o comércio de moedas foi usado para especulação.

Nos anos 90, somente 10% dos negócios com moedas estava ligado ao comércio de mercadorias e serviços. Em 1988, o volume diário do mercado era de US$ 500 bilhões. No informe do BIS (Banco de Compensações Internacionais, sigla em inglês) do ano passado, a estimativa era de que o mercado diário chegasse a US$ 3,2 trilhões, 2,5 vezes o PIB do Brasil, por dia! Desde 2004, o volume cresceu em 63%, 86% do comércio é feito em dólar.

Quase todos os países hoje têm um valor de sua moeda flutuante, quer dizer, o valor sobe e desce seguindo o fluxo do mercado. Uma estabilidade relativa é mantida por intervenções dos bancos centrais, como o Banco Central do Brasil, que no último período começou a vender dólares para conter a alta da moeda estadunidense.

Mas diante desse enorme fluxo diário de dinheiro, se o “mercado” (que na verdade se trata de um punhado de grandes especuladores) decidem fazer um ataque especulativo, fica difícil de conter o fluxo do mercado. Um exemplo disso foi em 1992, quando o ERM (sistema de câmbio da União Européia, que limitaria a variação das moedas européias entre si para preparar o caminho para uma moeda comum) desmoronou diante dos ataques especulativos. O mega-especulador George Soros com seu fundo hedge saiu ganhando US$ 1 bilhões especulando contra a libra esterlina (da Grã Bretanha), que foi forçada a abandonar o ERM, levando a seu colapso. Na Suécia, ao mesmo tempo, o banco central sueco chegou a elevar a taxa de juros a 500% por alguns dias, antes de ter que desistir.

Os juros são uma arma que os bancos centrais podem usar para defender o valor de sua moeda. Elevando os juros, fica mais atrativo (quer dizer, lucrativo) investir na moeda do país. Esse aumento da procura da moeda eleva seu valor. Na crise atual, a Islândia, que viu o valor de sua moeda despencar, aumentou a taxa de juros de 12% a 18%. A Hungria também elevou a taxa de juros. A lado negativo é que juros mais alto encarece o consumo e o investimento, levando a uma queda na atividade econômica.

O mercado só se autoregula na teoria

Se o fluxo especulativo fosse abstraído, o valor da moeda deveria expressar a força da economia, especialmente em sua relação de comércio com o exterior. Um país com déficit no comércio tem que comprar moedas no exterior para pagar as mercadorias que entram no país. Isso leva a uma queda do valor sua moeda, já que aumenta a oferta da moeda no mercado internacional. Na teoria, isso é algo que se auto-regula. Se um país tem um déficit por um tempo prolongado, o valor de sua moeda cai, o que encarece a importação, mas barateia a exportação (a mercadorias ficam mais baratas para quem paga em outras moedas). Isso corrigiria o déficit comercial. Infelizmente o mercado não age tão ordenadamente. Os países mantêm um valor artificial das suas moedas por várias razões.

A China, por exemplo, deveria ter sua moeda valorizada, mas tem mantido o valor baixo para não atrapalhar as exportações. O valor do dólar deveria despencar, já que os EUA têm enormes déficits. Mas os países que têm grandes reservas de dólares, como a China, Japão e Coréia do Sul, perderiam duas vezes se o valor do dólar caísse. Primeiro por que suas reservas em dólar iam perder valor. Segundo por que ficaria mais difícil exportar para os EUA.

O dólar forte tem ajudado os EUA a manter uma importação alta. Mas isso ao preço de um maior endividamento, já que o país como um todo está consumindo mais do que rende.

Derivativos – “armas de destruição em massa”

Um outro mercado que explodiu em tamanho é o de derivativos. Qualquer tipo de bem ou ativo, como matérias-primas, créditos etc, pode ser “securitizado”, isso significa empacotado como um “titulo” (security em inglês), e revendido. No mercado imobiliário isso foi usado para empacotar empréstimos de alto risco (“subprime”) junto com empréstimos comuns, e revender como títulos de alta qualidade (baixo risco).

Os derivativos são um tipo de título que tem seu valor “derivado” de um ativo adjacente. Exemplos de derivativos:

Futuro: título que dá direito de comprar uma moeda, commodity, etc. a um preço prefixado. A BM&F de São Paulo é uma bolsa onde se vende e compra futuros de commodities. Lá você pode negociar compra e venda de por exemplo a safra de café do ano que vem.

Opção: semelhante ao futuro. O papel dá o direito (e não obrigação) de comprar ou de vender um determinado ativo (ação, título ou bem qualquer) por um valor determinado.

Swap: um contrato que estabelece a troca de rentabilidade e risco entre investidores. Um tipo de comércio de swap bastante atual são as vendas de swap cambial do Banco Central. Uma empresa que tem comércio com o exterior e recebe em dólar, pode, para se salvaguardar contra mudança no câmbio, comprar um swap que dá direito de receber dólar a um certo valor em, por exemplo, seis meses. Por esse direito o comprador paga juros, e o vendedor banca o preço da variação do dólar, quer dizer, o vendedor fica com o risco cambial, e recebe juros por isso.

CDS: Os credit default swap, usado muito no mercado, é um título que você compra para proteger contra um calote, pagando uma taxa, com um seguro. Se você apostar uma fortuna em que Corinthians vai ganhar um jogo de futebol, você também pode comprar um título que paga de volta uma parte da aposta, caso o time perca.

O total de derivativos vendidos pelos bancos por dia aumentou em 73% entre 2004 e 2007, totalizando US$ 4,2 trilhões, três vezes o PIB do Brasil por dia!

O valor “nocional” (o valor sobre qual os derivativos são lastreados), chegaram no ano passado a US$ 516 trilhões, quer dizer 9 vezes o PIB mundial! Esse valor fica muito inflado porque cada negócio pode resultar em vários derivativos.

Um valor mais pé-no-chão do mercado dos derivativos é o valor dos contratos, que reflete o valor dos ágios, das taxas que você paga para se proteger de alguma variação do mercado. Esses valores também aumentaram rapidamente, mas num nível mais baixo. Só entre dezembro de 2006 e dezembro de 2007 o valor aumentou com 45%, para US$ 14,5 trilhões (superior ao PIB dos EUA), segundo BIS.

A idéia era de espalhar os riscos para diminuí-los. Mas a crise atual mostrou que o contrário também vale. Todos perdem, inclusive os que não tem papel podre, porque não dá para saber quem ficou com os riscos. Um dos homens mais ricos do mundo, Warren Buffet, chamou os derivativos de “armas de destruição em massa”.

Ações

Os mercados de ações, as bolsas de valores, também cresceram muito. Ações é uma forma de investimento popular, já que muitas vezes dá um retorno maior do que investir em títulos do governo ou poupança. Mas os riscos também são maiores. Desde os anos 80, com a desregulamentação dos mercados financeiros, há muito capital que entrou nas bolsas, aumentando os preços das ações, e assim impulsionando mais ainda mais a entrada de novo capital. Agora com compras e vendas via internet, surgiu milhares de pequenos apostadores, que investem na bolsa como se fosse um bingo.

Os preços das ações são vistos como um importante indicador do sucesso de uma empresa. Por isso é comum que as empresas comprem suas próprias ações no mercado para fazer subir o preço. O interesse que vem em primeira mão é o dos acionistas. No último trimestre de 2006, as empresas não-financeiras da bolsa de Nova Iorque compraram suas próprias ações por um valor de US$ 701 bilhões (em ritmo anualizado), quatro vezes mais que em 2003! Para financiar esse investimento totalmente improdutivo, as empresas fizeram empréstimos de US$ 605 bilhões.

Isso mostra que as bolsas hoje jogam um papel limitado como um instrumento para levantar fundos para as empresas, além do momento inicial quando a empresa lança suas primeiras ações na bolsa (IPO, sigla em inglês para “oferta pública inicial”). É um grande cassino. Um agravante é que os executivos das empresas muitas vezes ganham grandes bônus anuais em forma de ações da empresa, e por isso têm interesse em manter o valor alto.

Títulos de lixo

Uma forma das empresas obter crédito é vendendo títulos privados, papéis comerciais, ou debêntures. Por causa da falta de ações e o baixo rendimento dos títulos públicos muitos especuladores se voltaram para o mercado de títulos privados, especialmente os com juros mais alto e de alto risco, os junk bonds (títulos de lixo). No passado os junk bonds davam 8-10% a mais que o título do governo dos EUA. Nos últimos anos o juros extra cobrado caiu para cerca de 2%, com aumento de procura pelos títulos e com os especuladores ficando mais complacente, pensando que o risco é algo do passado. “A quantidade de dívidas de grande risco de calote está crescendo com o aumento da fatia do mercado de junk bonds, aumentando os temores que o próximo ciclo de falências corporativas pode ser mais severo que o último”, alertou Financial Times 15/01/2008.

Esses títulos têm aumentado bastante em países emergentes, onde o controle muitas vezes é menor, aumentando o risco. Um dos fatores na quedas das bolsas de 1987 foi uma crise dos “junk bonds” dos EUA.

Loucura do mercado: exemplo Volkswagen

A montadora alemã chegou por alguns instantes a ser cotada como a maior empresa do mundo em valor de mercado, após as ações terem disparado 93% durante um dia. O que estava atrás dessa valorização de uma empresa de um setor que está despencando pelo mundo afora?
A Porsche, a maior proprietária de ações da Volkswagen, anunciou que ia aumentar a sua participação na empresa para 75%. O anúncio gerou pânico entre os especuladores de fundos hedge que tinham pegado ações emprestado, especulando que o preço das ações cairia (a idéia era vender as ações e recomprá-las depois a um preço menor, e assim ganhando um bocado). O problema é que não havia suficientes ações disponíveis no mercado por causa da grande compra da Porsche. Os especuladores que tinham que devolver as ações emprestadas foram forçados a comprar a qualquer preço. Por isso as ações subiram mais de 200% em dois dias!

ativos: Em contabilidade os ativos são os bens e direitos que a empresa tem num determinado momento. Exemplos de ativos incluem caixa, ações, títulos, estoques, equipamentos e prédios.
passivos: Em contabilidade os passivos são as dívidas e obrigações que a empresa tem num determinado momento.

Fundos hedge

O primeiro fundo hedge foi lançado nos EUA em 1949 por Alfred W. Jones. A idéia dele era de que poderia proteger, “hedge” em inglês, seus investimentos comprando papéis que avaliava que subiria em valor, mas ao mesmo tempo investindo em outros em que apostava que cairia.
Um tipo de aposta em queda de ação e a chamada “venda em descoberto”. Funciona assim: Você pega emprestado ações de um corretor, a curto prazo, que você acha que vai cair de preço. Você vende ela por, digamos R$ 1.000. Depois de um tempo a ação talvez caiu para R$ 800. Aí você compra ela e devolve para o corretor, lucrando assim R$ 200 (menos uma taxa que você paga ao corretor). O problema é que dessa maneira os especuladores ajudam a gerar a queda da ação, já que eles inflam artificialmente o número de vendedores.

Os fundos hedge funcionam como clubes privativos para super-ricos, já que só aceitam grandes apostas. Não fazem relatórios públicos e operam fora dos regulamentos bancárias. Três quartos dos fundos hedge têm suas sedes no paraíso fiscal Ilhas Cayman. O número de fundos hedge aumentou rapidamente nos últimos anos e segundo um informe publicado em Institutional Investor News, eles tinham US$ 2,68 trilhões em ativos. Isso não é muito, mas já Jones usava a técnica de alavancagem para aumentar os lucros, mesmo em operações com pequenas margens de lucro, operando com grandes volumes, quer dizer fazendo negócios com dinheiro emprestado. Os fundos hedge são muito ativos no mercado, usando estratégias mais arriscadas. Nos EUA e Grã Bretanha, os fundos hedge podem ser responsáveis por 40% ou até 70% de todas as compras e vendas nas bolsas de valores durante um dia.

Os fundos hedge são tão ativos que segundo The Times (08/11/2004), alguns bancos de investimentos, que agiam como corretores para os fundos hedge, ganhavam 40% de sua renda das taxas que cobravam dos fundos hedge.

95% dos fundos em geral (não só fundos hedge) são de grandes instituições, como fundos de pensão, seguradoras, fundos mutuais, etc, que tem uma política de investimento mais passiva, com objetivo de ter um retorno que segue por exemplo os índices das bolsas. Os relativamente pequenos fundos hedge se concentram em pequenos segmentos, onde o lucro pode ser maior e seus movimentos podem ter grandes efeitos no mercado. A tendência no último período, com as quedas nas bolsas depois da crise de 2000-01, foi o que grandes fundos também estão adotando uma estratégia mais arriscada, ou mesmo investindo em fundos hedge!

Tudo isso leva a uma crescente volatilidade nos mercados (rápidas altas e baixas no mercado). Os fundos hedge são um elemento de risco para o sistema.

Carry trade

Um tipo de negócio que também cresceu no último período é o chamado “carry trade”, que utiliza as diferenças nas taxas de juros. Desde o início dos anos 90 o Banco Central do Japão manteve uma taxa de juros baixíssima, ao redor de 0,50%. Os especuladores faziam empréstimos em iene e investiam o dinheiro onde a taxa de juros era mais alta. O risco era se houvesse valorização do iene, o que encareceria o pagamento do empréstimo. Com a crise financeira, muitos especuladores foram forçados a se desfazer dessas dívidas. Isso aumentou a procura do iene (quem queria quitar a dívida em iene tinha que comprar os ienes necessários para pagar) o que levou a um grande aumento do valor do iene no último período. Isso ajudou a derrubar a bolsa de Tóquio, já que um iene valorizado dificulta as exportações, pois as mercadorias japonesas ficam mais caras para quem tem outras moedas.

Correlação de forças entre trabalho e capital

Desde o fim do “boom” pós-guerra, a correlação de forças tem sido negativa para os trabalhadores. Isso vem de uma combinação de fatores econômicos e políticos.

O declínio da indústria pesada, especialmente nos países ricos, minou a força de categorias tradicionalmente fortes, com alto grau de sindicalização. Isso foi combinado com os ataques neoliberais aos direitos trabalhistas e sindicais e mudança na organização de trabalho, com aumento da precarização.

Juntamente com isso, vimos um retrocesso político nas organizações dos trabalhadores, especialmente depois da queda do stalinismo em 1989-91. A confusão gerada diante da ofensiva ideológica da classe dominante, usando a queda do stalinismo para tentar declarar a “morte do socialismo”, se agravou com o papel nefasto jogado pelas direções das organizações da classe trabalhadora, que aderiram à agenda neoliberal (veja o papel jogado pela PT e a CUT no Brasil). Isso deixou a classe desorganizada e desorientada diante os ataques.

Ao mesmo tempo a classe trabalhadora foi enfraquecida internacionalmente com o processo de globalização. Durante a última década o número de trabalhadores no mundo que estão integrados no mercado mundial duplicou, com a China, Índia, Rússia e outros países contribuindo com um acréscimo de 1,5 bilhões de trabalhadores. Potencialmente, isso significa um enorme fortalecimento da classe trabalhadora, mas durante as atuais condições, com os ataques neoliberais e piores condições de trabalho, junto com o retrocesso na consciência e organização dos trabalhadores, o resultado por enquanto tem sido um aumento da concorrência entre os trabalhadores e enfraquecimento diante os patrões.

Quando trabalhadores chineses só ganham 3% dos ganhos dos trabalhadores em países ricos, os patrões podem usar a ameaça de mudar a produção para diminuir o poder de barganha dos trabalhadores. Além disso, vimos um aumento de migração de trabalhadores para a Europa e os EUA, muitas vezes como imigrantes ilegais sem qualquer direito, que também tem sido usado para segurar os salários de todos os trabalhadores.

“Hoje graças à concorrência do mercado mundial, desde então estabelecida, nós estamos um bom pedaço adiante. ‘Se a China’, declara o parlamentar Stapleton a seus eleitores, ‘ser tornar um grande país industrial, não vejo como a população trabalhadora européia poderia sustentar a luta, sem descer ao nível de seus concorrentes.’ (Times, 3 de setembro de 1873) – Não mais salários continentais, não, salários chineses, este é agora o objetivo almejado pelo capital inglês.” (Marx, O Capital, Livro I – a referência do Times é de Marx)

*Liquidez (no mercado): o grau de ativos que podem ser convertidos em dinheiro vivo e usado imediatamente, com pouca perda de valor. Você pode ter ativos de grande valor, mas presos em investimentos, como uma casa, que leva tempo para vender. A liquidez mede a capacidade de fazer negócios a vista. A Bolsa de Valores de São Paulo é considerada líquida por que você pode rapidamente achar compradores para suas ações.
*commodities: matérias primas que têm um preço de mercado mundial, como petróleo, ferro, ouro