Capitalismo em crise – uma explicação marxista

Imperialismo: a fase superior do capitalismo

 Monopólios e capital financeiro

No capitalismo, a fase inicial da concorrência “limpa e progressista” entre os diferentes capitalistas cedeu lugar a um processo de concentração e centralização do capital. Os grandes tubarões devoram os pequenos peixes porque produzem em larga escala e introduzem técnicas mais avançadas de produção. Assim, o trabalho das fábricas cresce sem parar, concentrando o capital. Marx mostrava como a “livre concorrência” tinha como resultado o oposto, o monopólio. Lênin aprofundou o estudo sobre essa tendência no seu livro Imperialismo: a fase superior do capitalismo:

“Menos da centésima parte das empresas tem mais de 3/4 da quantidade total da força motriz a vapor e elétrica! (sobre Alemanha)… O capital-dinheiro e os bancos, como veremos, tornam ainda mais esmagador esse predomínio de um punhado de grandes empresas, e dizemos esmagador no sentido mais literal da palavra, isto é, milhões de pequenos, médios, e até uma parte dos grandes ‘patrões’, encontram-se de fato completamente submetidos a umas poucas centenas de financeiros milionários… Esta transformação da concorrência em monopólio constitui um dos fenômenos mais importantes – para não dizer o mais importante – da economia do capitalismo dos últimos tempos.”

A busca de mercados para suas mercadorias e de matérias-primas baratas levou os países capitalistas mais avançados a dividir o mundo entre si. Isso demonstrava os laços de interdependência econômica e técnica entre as empresas e países e o fato que o capitalismo tinha criado um mercado mundial, superando os limites do Estado-nação. Mas ao invés de um desenvolvimento harmônico, o capitalismo tentava superar suas crises aumentando a exploração dos países pobres.

No início do século XX os grandes poderios imperialistas tinham dividido o mundo entre si e o capitalismo tinha entrado na fase imperialista. Lênin sintetizava as características dessa fase assim:

“Por isso, sem esquecer o caráter condicional e relativo de todas as definições em geral, que nunca podem abranger, em todos os seus aspectos, as múltiplas relações de um fenômeno no seu completo desenvolvimento, convém dar uma definição do imperialismo que inclua os cinco traços fundamentais seguintes: 1) a concentração da produção e do capital levada a um grau tão elevado de desenvolvimento que criou os monopólios, os quais desempenham um papel decisivo na vida econômica; 2) a fusão do capital bancário com o capital industrial e a criação, baseada nesse ‘capital financeiro’ da oligarquia financeira; 3) a exportação de capitais, diferentemente da exportação de mercadorias, adquire uma importância particularmente grande; 4) a formação de associações internacionais monopolistas de capitalistas, que partilham o mundo entre si, e 5) o termo da partilha territorial do mundo entre as potências capitalistas mais importantes. O imperialismo é o capitalismo na fase de desenvolvimento em que ganhou corpo a dominação dos monopólios e do capital financeiro, adquiriu marcada importância a exportação de capitais, começou a partilha do mundo pelos trusts internacionais e terminou a partilha de toda a terra entre os países capitalistas mais importantes.”

Quando Lênin fala que a “partilha territorial do mundo terminou”, se refere ao fato do imperialismo já dominar o mundo inteiro, e não que não haveria uma tentativa de repartição do mundo. Ao contrário, como ele escreve: “É indubitável, por conseguinte, que a passagem do capitalismo à fase do capitalismo monopolista, ao capital financeiro, se encontra relacionada com a exacerbação da luta pela partilha do mundo.” A 1ª Guerra Mundial foi basicamente uma expressão disso.

A exportação de capital é uma tentativa dos capitalistas de acharem um lugar onde podem ter um lucro maior, buscando uma composição orgânica menor do capital e assim restaurando a taxa de lucro. Isso é, buscando investir em produção com menor proporção de máquinas e tecnologia, ou como dizem os economistas, mais intensivo em mão de obra que intensivo em capital, e utilizando salários super-baixos. Esse tipo de exportação de capital já tinha existido antes, como os investimentos em produção de açúcar ou algodão usando mão-de-obra escrava. Mas com o crescimento do papel do capital financeiro, isso se torna mais dominante ainda no século XX.

Colonialismo

O colonizador, homem de negócios e racista britânico, Cecil Rhodes. Ele “fundou” a Rhodesia, hoje Zimbábue. A sua empresa De Beers ainda controla 40% do mercado de diamantes no mundo.

A era imperialista caracterizava-se, portanto, pela partilha do mundo em impérios coloniais e em zonas de influência das grandes potências imperialistas. Para garantir seus interesses, os capitalistas e seus governos nos países centrais necessitavam manter um estrito controle sobre os países dependentes.

Assim, seja através da intervenção militar direta ou através de um controle indireto (utilizando-se de governos lacaios), o imperialismo impunha seus interesses esmagando as aspirações dos povos nos países coloniais ou semi-coloniais por independência, democracia, desenvolvimento econômico, reforma agrária, etc.

Porém, o capitalismo é incapaz de levar qualquer de suas tendências até a última conseqüência, superando os limites do sistema. A tendência de concentração de poder em enormes empresas ou grandes poderios imperialistas não leva, como o líder social-democrata Kautsky colocava, ao surgimento de um “superimperialismo”, com só um grande poder imperialista, ou um grande monopólio eterno que superaria as crises.

Lênin escreve no Imperialismo…: “A supressão das crises pelos cartéis é uma fábula dos economistas burgueses, que põem todo o seu empenho em embelezar o capitalismo. Pelo contrário, o monopólio que se cria em certos ramos da indústria aumenta e agrava o caos próprio de todo o sistema da produção capitalista no seu conjunto. Acentua-se ainda mais a desproporção entre o desenvolvimento da agricultura e o da indústria, desproporção que é característica do capitalismo em geral. A situação de privilégio em que se encontra a indústria mais cartelizada, o que se chama indústria pesada, particularmente a hulha e o ferro, determina nos restantes ramos da indústria ‘a falta ainda maior de coordenação’, como reconhece Jeidels, autor de um dos melhores trabalhos sobre ‘as relações entre os grandes bancos alemães e a indústria’.”

Após a 2ª Guerra Mundial, uma onda de luta surgiu nas colônias pela libertação nacional. Já antes a 2ª Guerra Mundial, Trotsky tinha indicado que estava chegando o momento no qual o controle militar direto das colônias estava ficando caro demais para o sistema. Isso não significava que os poderes imperialistas largariam mão do controle das colônias sem luta. Vimos guerras sangrentas, com, por exemplo, um milhão de mortos na guerra de libertação da Argélia, e quatro milhões de mortos na guerra do Vietnã (que começou como uma guerra de libertação contra a França, com os EUA entrando após o fracasso da França).

Mesmo forçado a largar o controle militar direto, o imperialismo manteve o domínio financeiro. Um dos fatores atrás do “boom” pós-guerra foi o aumento da exploração dos países pobres.

Não é possível imaginar um capitalismo composto por nações livres e iguais convivendo num mesmo sistema mundial. A opressão imperialista, a fome, supressão de direitos, repressão, violência, guerras de rapinas, saques são características indispensáveis para o capitalismo nos dias de hoje.

O processo de globalização das últimas décadas expressa uma nova onda do mesmo processo, com a grande realocação de produção para, principalmente, à Ásia, mas também partes do Leste Europeu, América Latina etc. Falaremos sobre isso mais adiante.

Laissez-faire e o liberalismo

No século XIX, durante o primeiro período de expansão das indústrias e do mercado mundial, o liberalismo foi a política hegemônica da classe dominante nos países capitalista mais avançados. A palavra de ordem era “laissez-faire” “deixe (o mercado) em paz”. A idéia era que o mercado seria auto-regulado, sem intervenção do Estado, e que a busca do interesse próprio produz o melhor resultado para todos. A idéia vinha principalmente da Grã Bretanha, que dominava a indústria e o comércio mundial e queria abrir os mercados para seus capitalistas.

O liberalismo era a ideologia da burguesia industrial contra a prática anterior, o mercantilismo, que pregava que a riqueza de uma nação residia em acúmulo de metais preciosos, e por isso o importante era ter um superávit no comércio com outros países. O mercantilismo defendia o interesse dos latifundiários, da monarquia, dos banqueiros do comércio, etc., que queriam monopolizar setores da produção e do comércio. Para obter isso, defendiam que o Estado deveria intervir, protegendo o mercado interno com tarifas alfandegárias e outras medidas.

Porém, países que tinham se desenvolvidos depois da Grã Bretanha, como EUA, Japão e Alemanha, também seguiam políticas protecionistas, até estarem suficientemente fortes para competir no mercado mundial.

No fim do século XIX, até o início da 1ª Guerra Mundial em 1914, houve um período de forte crescimento e expansão do mercado mundial. Mas esse longo período de crescimento mostrou que o capitalismo não é capaz de levar a um desenvolvimento harmônico.

O resultado foi um aumento da concorrência entre o grande poder da época, a Grã Bretanha, que também era o maior poder colonial, e os novos poderes, como os EUA e Alemanha. Especialmente esse último se achava em desvantagem pela falta de colônias. A Primeira Guerra Mundial foi basicamente uma guerra para tentar refazer a divisão das colônias, e tentar, dessa maneira, conquistar novos mercados e novas fontes de matérias-primas. Como dizia Lênin no prefácio da edição alemã do Imperialismo…: “a guerra de 1914-1918 foi, de ambos os lados, uma guerra imperialista (isto é, uma guerra de conquista, de pilhagem e de rapina), uma guerra pela partilha do mundo, pela divisão e redistribuição das colônias, das, esferas de influência, do capital financeiro, etc.”

Os horrores da grande guerra levou a uma onda de revoluções, iniciando com as revoluções russas de fevereiro e outubro de 1917. Infelizmente, foi só essa que saiu vitoriosa, com a abolição, pela primeira vez, do capitalismo em um país, mas o isolamento em um país pobre acabou levando a uma degeneração e o surgimento do stalinismo, uma ditadura burocrática.

Logo após a guerra, vários países entraram em crise econômica e em geral tivemos um período de instabilidade política, onde nem a classe dominante capitalista conseguia estabilizar a situação, nem a classe trabalhadora conseguia dar um golpe decisivo para abolir esse sistema que já tinha se mostrado tão nefasto.

Revolução e crise na Alemanha

O principal exemplo disso foi na Alemanha. Várias tentativas revolucionarias, 1918, 1919, 1921 e 1923, fracassaram, ao mesmo tempo que o país passou por uma crise de hiperinflação em 1923, agravada pela indenização que o país, perdedor na guerra, tinha que pagar para os países vencedores.

O preço de um pão em Berlim, que em 1918 custava 0,63 marcos, tinha aumentado para 250 marcos em janeiro 1923. Em julho desse ano o preço tinha subido para 3.465 marcos, em setembro o preço era 1,5 milhão de marcos, e em novembro chegou ao preço astronômico de 201 bilhões de marcos!

A classe trabalhadora alemã era mais organizada do mundo, mais a direção de suas organizações, sejam os social-democratas ou os comunistas (stalinistas) foram incapazes a colocar uma alternativa que dava um caminho para fora do caos. Isso abriu o caminho para o ascenso do nazismo, que conseguiu um apoio de massas nas classes médias, como artesões, donos de pequenas lojas, intelectuais, etc, que saíram arruinados pela crise, mas não tinha a proteção em forma de organização coletiva e caixas de auxílio mútuo como os trabalhadores organizados. Quando a crise se agravou e a classe capitalista viu que a fraca democracia burguesa da “República de Weimar” não ia conseguir segurar uma nova ofensiva da classe trabalhadora, ela decidiu apoiar Hitler, numa tentativa desesperada de salvar o sistema.

Mas os anos 20 não eram só de crise. Depois da crise no início da década, o final dos anos 20 viu um novo período de crescimento, “os Felizes Anos 20”. Uma bolha especulativa surgiu especialmente nas bolsas de valores em vários países. Essas bolhas ajudavam a esconder problemas que estavam se acumulando.