Capitalismo em crise – uma explicação marxista

O crédito

O crédito joga um papel central para o capitalismo desde seus primórdios, mas ele se entendeu com o tempo, até ter o papel monstruoso de hoje.

Sem o crédito, a produção capitalista seria inviável. Antes do capitalista poder realizar o seu lucro, ele precisa produzir e vender as mercadorias. Para fazer isso, ele precisa comprar as matérias primas, investir em prédios e máquinas, além de contratar trabalhadores. E quando a primeira leva de mercadorias está sendo colocada a venda no mercado, novas matérias primas e novos salários têm que ser pagos para manter a produção andando.

Desde o início do capitalismo, existiam grandes empreendimentos que precisavam de grandes investimentos, que ia além do que um capitalista individual conseguia juntar. Um sistema bancário começou a se desenvolver, mas também o sistema de ações.

Ações e bolsas

“Mas é claro que a acumulação… é um processo bastante lento, se comparado com a centralização, que só precisa alterar o agrupamento quantitativo das partes integrantes do capital social. O mundo ainda estaria sem estradas de ferro, caso ficasse esperando até que a acumulação de alguns capitais individuais alcançasse o tamanho requerido para a construção de uma estrada de ferro. No entanto, a centralização mediante as sociedades por ações chegou a esse resultado num piscar de olhos.” (Marx, O Capital, Livro I)

A primeira empresa a vender ações foi a Companhia Neerlandesa das Índias Orientais (VOC, sigla em holandês) no início do século XVII. O comércio com o Oriente era algo que podia ser bastante lucrativo, mas tinha grandes riscos e era demorado. A princípio se tratava de mandar navios com mercadorias, que no Oriente eram trocados (quando não simplesmente as roubavam) por especiarias e outras mercadorias exóticas, que podiam ser vendidas com grande lucro na Europa. Para juntar o capital necessário eram vendidas cotas da empresa, ações, que davam direito de participação dos lucros (dividendos, que eram um repartimento anual dos lucros em acordo com o numero de ações). Essas ações eram transferíveis, podiam ser revendidas.

A VOC foi fundada em 1602 e lançou ações em 1610. Em 1669 ela era a empresa mais rica do mundo com mais de 150 navios mercantes, 40 vasos de guerra, 50.000 funcionários, um exército privado de 10.000 soldados e uma distribuição de dividendos anuais de 40%!

O sistema de ações se espalhou e hoje praticamente todas grandes empresas privadas são empresas de ações, sejam públicas/abertas (que tem suas ações vendidas em bolsa de valores) ou privadas/fechadas (com acesso restrito). As bolsas de valores se tornaram enormes mercados, que além de ser um mecanismo para levantar dinheiro para as empresas, se tornou em um enorme cassino onde se especula na variação de preços das ações.

A maior bolsa de valores do mundo hoje é a de Nova Iorque. A variação do valor das ações é medida por diferentes “índices”. O principal índice da bolsa de Nova Iorque é o Dow Jones, que tem o nome do jornal que lançou e mede o índice. O Dow Jones mede a variação do valor das 30 ações mais vendidas. Na Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo) o principal índice é o Ibovespa.

Hoje existem vários tipos de ações, em diferentes combinações que dão direito a dividendo e voto nas assembléias de acionistas, ou ambos.

Especulação

Os créditos ajudam a concentrar o capital para se fazer grandes investimentos, ajudam a circular as mercadorias, mas também a estender o mercado além dos seus limites imediatos. Você pode comprar algo hoje, mas pagar depois, antecipando uma renda futura. Marx descrevia como o crédito dava uma elasticidade ao sistema. Mas se esticado longe demais, o elástico chega ao ponto de quebra.

O mesmo mecanismo de crédito alimenta também a especulação, vimos como bolhas especulativas no último tempo rapidamente podem ser infladas, quando especuladores, com ajuda de dinheiro emprestado, investem fortunas em mercados que estão em ascensão, esperando lucros mirabolantes.

O fenômeno de bolhas especulativas é quase tão antigo como o próprio sistema capitalista. Um dos primeiros exemplos foi a “Mania das Tulipas” na Holanda no século XVII.

Capital fictício

“Para Marx, o capital fictício é a acumulação de títulos que são ‘sombra de investimentos’ já feitos mas que, como títulos de bônus e de ações, aparecem com o aspecto de capital aos seus detentores. Não o são para o sistema como um todo, para o processo de acumulação, mas são-no sim para os seus detentores e, em condições normais de fechamento de processos de valorização do capital, rendem aos seus detentores dividendos e juros. Mas o seu caráter fictício revela-se em situações de crise. Quando ocorrem crises de sobreprodução, falência de empresas, etc., descobre-se que esse capital não existia…” (François Chesnais, 13/10/2008)

Chesnais mostra que o sistema ficou tão dependente dessa capital fictício que tenta sustentá-lo a qualquer preço. “O Federal Reserve dos Estados Unidos cria mais capital fictício para manter a ilusão de um valor do capital que está à beira de desmoronar, com a perspectiva de ter, em algum momento dado, a possibilidade de aumentar fortemente a pressão fiscal, mas na realidade não pode fazê-lo porque isso significaria o congelamento do mercado interno e a aceleração da crise enquanto crise real.”

Marx comentou o que a complexidade do sistema de crédito chega a dar a impressão de que “o capital cria dinheiro como uma pereira produz peras”.

Índice dos preços das tulipas 1636-37 (Fonte: Wikipedia)

A primeira bolha especulativa: a Mania das Tulipas

A “Mania das Tulipas” na Holanda no século XVII é o primeiro exemplo de bolha especulativa do capitalismo. A Holanda foi um dos primeiros países onde o capitalismo se estabeleceu, incluindo um sistema de crédito, o que foi um pré-requisito importante para a crise que se desenvolveu.

A tulipa foi introduzida na Holanda no século XVI, vindo do Império Otomano. A flor de tornou rapidamente conhecida, sendo um artigo de luxo e símbolo de status social. Quando os das altas classes começaram a competir pela posse das variedades mais raras, os preços das tulipas disparam.

Em 1623, um simples bulbo de uma variedade famosa de tulipa poderia custar muitos milhares de florins holandeses. Algumas variedades podiam custar mais que uma casa em Amsterdã. Dizia-se que um bom negociador de tulipas conseguia ganhar seis mil florins por mês, quando a renda média anual, à época, era de 150 florins.

Por volta de 1635, a venda de 40 bulbos por 100.000 florins foi um recorde. Para efeito de comparação, uma tonelada de manteiga custava algo em torno de 100 florins e oito porcos graúdos custavam 240 florins. Um dos mais famosos bulbos, o Semper Augustus, chegou a ser vendidos por 6.000 florins.

Em 1636, tulipas eram vendidas nas bolsas de valores de numerosas cidades holandesas. O comércio das flores era encorajado por todos os membros da sociedade; muitas pessoas vendiam ou negociavam suas posses no intuito de especular no mercado de tulipas.

Negociantes passaram a vender bulbos das tulipas que tinham acabado de plantar ou ainda que planejavam plantar. Esse era um predecessor do mercado de futuros, que hoje faz parte importante do mercado de commodities (matérias-primas como produtos agrícolas, metais, petróleo etc.).

Em fevereiro de 1637, os preços pararam de subir. Começou-se a suspeitar que a demanda por tulipas não duraria e isso propagou o pânico no mercado. Alguns já tinham fechado compras de bulbos com preços prefixados, estabelecidos a preços que agora eram dez vezes maiores que os preços de mercado; outros acharam-se na posse de bulbos cujo preço era muito inferior ao que haviam pago. Em uma semana os estoques ficaram invendáveis. Conseqüentemente, milhares de holandeses, incluindo executivos e membros da alta sociedade, ruíram financeiramente.

A economia inteira entrou em uma profunda crise.