Capitalismo em crise – uma explicação marxista

Os cristãos-novos do keynesianismo

Nessa situação os governos, mesmo os mais árduos defensores do neoliberalismo e do “estado mínimo”, tinham que agir. O sistema financeiro estava na beira do precipício, se não conseguissem amenizar o pânico poderiam enfrentar um “colapso sistêmico”, para usar uma expressão da moda.

Os líderes agiam sem programa, sem rumo, tateando no escuro. Durante grande parte do ano passado tentavam negar a gravidade da crise. O secretário de tesouro dos EUA, Henry Paulson, em abril de 2007 dizia que “não acho que [a crise imobiliária] vá causar um problema sério. Acho que [o efeito] vai ser muito limitado”, e em julho dizia que “A situação da economia mundial é de longe a mais forte que já vi na minha vida”.

Mas com a paralisia do sistema de crédito e o pânico crescente dos mercados, eles tinham que começar a agir.

Apesar do gigantesco sistema financeiro existente, a prioridade total foi salvar os bancos, ainda considerados os credores de último recurso. Os fundos hedge e outros operadores de derivativos precisam de fundos para seus negócios do dia a dia. Isso também é uma expressão de que o sistema financeiro não gera valor de verdade, simplesmente redistribui, e precisa dos bancos como canal para passar o dinheiro da economia real. E entre os bancos, os bancos centrais, amparado pelo poder do estado, são o último recurso dos últimos recursos.

O sistema de empréstimos de curto prazo é um lubrificante fundamental do sistema financeiro. Durante a crise o fluxo de crédito parou. Os bancos deixaram de emprestar até para outros bancos, guardando dinheiro e temendo que poderia emprestar para um banco que poderia se mostrar ter papéis podres. Sem essa intervenção dos bancos centrais, que injetaram centenas de bilhões de dólares no mercado financeiro, poderia ter ocorrido um infarto total do sistema.

As “nacionalizações”, muitas dessas parciais, não têm nada a ver com uma política socialista. O que os governos estão implementando é uma “nacionalização” ou “socialização” das perdas, mas com o intuito de devolver os bancos ao mercado privado para garantir que os lucros permaneçam nas mãos de uma pequena elite. Na verdade, trata-se de uma redistribuição de renda invertida. Eles querem que os trabalhadores, via os impostos, paguem pela crise.

Socialistas defendem a nacionalização dos bancos sob o controle dos trabalhadores, para tirá-los das mãos dessa pequena elite corrupta, cuja busca pelo lucro levou o sistema à beira do colapso. Assim, os bancos agirão para satisfazer a necessidade de todos, não em prol do lucro de uma minoria.

Com certeza surgirão propostas de novas regras para o mercado financeiro como resultado da crise, como após a depressão dos anos 30. Mas a lição do fracasso das regras dos anos 30, ou dos acordos do Bretton-Woods após a 2ª Guerra Mundial, é que o mercado financeiro não se deixa controlar. Martin Wolf do Financial Times coloca como os reguladores públicos sempre estarão em desvantagem ante o mercado: “Os reguladores não podem prever com sucesso as decisões de enormes instituições dirigidas por pessoas mais bem pagas e mais motivadas que eles próprios.” Só vai ser possível controlar o sistema financeiro se ele for nacionalizado, sob o controle e gestão democrática dos trabalhadores.

Uma outra frase que ficou comum no último tempo entre os comentaristas burgueses é “somos todos keynesianos agora”, referindo-se ao fato que todos os governos estão lançando grandes pacotes de apoio à economia e aumentando o papel do estado.

Estamos voltando a uma nova era de keynesianismo, como durante o período após a 2ª Guerra Mundial?

Neoliberalismo com moderação

Já ficou evidente, vendo os exemplos da história, que mesmo os governos liberais ou neoliberais estão preparados para usar o estado e grandes quantidades de dinheiro, preferivelmente dos trabalhadores, para salvar o seu sistema. Vimos os grandes pacotes no Japão dos anos 90, e mesmo nos EUA onde o governo federal, em grande parte por causa das últimas duas décadas, manteve grandes déficits no orçamento, estimulando assim a economia.

Nos EUA houve o pacote para salvar os Savings & Loans. O próprio Bush conseguiu levar o orçamento federal dos EUA durante seu primeiro mandato de um superávit até um déficit, em um estímulo que era equivalente a 7% do PIB, quer dizer, na mesma magnitude que o New Deal nos anos 30!

Porém, há diferenças. Durante o keynesianismo havia uma política de distribuição de renda, de estimular o consumo dos trabalhadores também. O “keynesianismo” de Bush, ou de Reagan nos anos 80, limitava-se aos ricos e à indústria bélica, através de grandes cortes nos impostos. A guerra do Iraque durante o governo Bush custou até agora 566 bilhões; mas Joseph Stiglitz, ex-economista chefe do Banco Mundial, calcula que o gasto total da guerra no Iraque será de US$ 3 trilhões! Por outro lado, Bush e Reagan cortavam os gastos com programas de assistência médica, pensões para pobres e mantinham o salário mínimo inalterado num nível muito baixo, etc.

Os pacotes que foram lançados até hoje são principalmente voltados aos bancos e vão ser gastos com cortes nas áreas sociais e mais ataques aos trabalhadores.

A situação é bem diferente comparada ao período pós-guerra. Primeiro, pelo fato que não estamos em um período de crescimento, no qual há um espaço para melhorias para grande parte da população. Segundo, porque a classe trabalhadora estava numa situação mais forte no período pós-guerra, com um grau de sindicalização maior e grandes partidos de trabalhadores (mesmo com direções com um política muito limitada). Mas, principalmente porque nos anos 30 e no período pós-guerra havia a presença de um sistema alternativo, de economia planificada na União Soviética, mesmo com a distorção representada pela burocracia.

Por esses fatores, não é possível que vejamos um período de novas reformas sociais, de reconstrução do “estado de bem-estar social”. Reformas mais profundas só virão quando a classe trabalhadora recuperar sua força e começar ser capaz de arrancar maiores concessões.

Isso não significa que não vamos poder ver exemplos de pacotes de estímulo ao consumo. Já vimos o pacote de Bush no começo do ano. O presidente eleito, Barack Obama, já assinalou que está preparando um grande pacote de estímulo à economia.

Pelo menos parte da classe dominante entende que não podem jogar centenas de bilhões em cima dos bancos sem dar nada aos trabalhadores, especialmente quando o desemprego começa a subir ainda mais, sem que isso represente um grande risco político. Mas dado o grande nível de endividamento que já existe nos EUA, não é possível fazer grandes concessões para a classe trabalhadora, sem cortar deuma maneira mais decisiva na carne das grandes empresas. A alternativa seria começar a imprimir dinheiro, o que levaria a uma volta de crises de inflação.

Por isso, é provável que vejamos uma combinação entre a cenoura e o porrete contra a classe trabalhadora.

Resgate sueco dos anos 90

A Suécia tem sido usada como exemplo de um resgate de bancos bem sucedidos, uma inspiração para o modelo atual. Mas o exemplo sueco não é nada inspirador para os trabalhadores.
Em 1982, o governo social-democrata, diante da crise econômica, fez uma grande desvalorização da coroa sueca. Isso foi uma escolha consciente de abandonar o estímulo ao consumo interno do keynesianismo, ao invés de apostar nas exportações. Uma desvalorização não só significa ajuda à exportação, como restringe o consumo interno (tudo que é importado fica mais caro quando a moeda perde em valor).
Outra medida importante foi diminuir o controle do setor financeiro e do fluxo de capital. Isso foi implementado em 1985 e levou a um aumento de crédito e de preços imobiliários. Em 1990 a bolha começou a estourar, o que precipitou outra bolha futura. O PIB caiu três anos consecutivos (1991-1993). Entre 1990 e 1993, o desemprego cresceu de 1,7% para 8,2%. Durante 1992-2000, 1,8 milhões de pessoas (40% da força de trabalho) passaram por um período de desemprego, metade desses por pelo menos dois anos.
Em 1992, a coroa sueca sofreu com a crise monetária na Europa. Na tentativa de segurar o valor da coroa, o banco central chegou a elevar os juros para 500% (!) durante um período. Isso fez com que muitos perdessem suas casas, incapazes de pagar os juros. O governo de direita lançou um pacote, com apoio dos socialdemocratas, atacando as aposentadorias, auxílio-doença, auxílio-desemprego etc. Quando os socialdemocratas ganharam as eleições em 1994, eles lançaram um enorme pacote de cortes nos gastos, gabando-se de serem os campeões mundiais de cortes. Os gastos públicos, como resultado disso, caíram de 70% do PIB para 50% em 2007.
As grandes empresas se recuperaram rapidamente da crise e começaram a fazer enormes lucros. De um lado, a desvalorização da coroa tinha o efeito de uma grande liquidação nos preços de exportação. De outro, as empresas aumentaram a carga de trabalho rapidamente onerando os trabalhadores, sem recontratar os que tinham perdido os empregos durante a crise. Foi um sistema muito eficiente de redistribuição de riqueza inversa. O custo de grande parte da força de trabalho tinha sido transferido para o estado, que bancava o auxílio-desemprego.
Os dividendos para os acionistas aumentaram de 50 bilhões de coroas em 2001 para 250 bilhões em 2007. Isso representava mais que o gasto total com saúde pública na Suécia (183 bilhões de coroas no mesmo ano). Esses dividendos ficavam com uma minoria. Os 10% mais ricos têm 96% das ações do país.
Os bancos que entraram em crise foram salvos. O governo nacionalizou um banco e o fundiu ao banco estatal, o que hoje é Nordea e auxiliou a fusão de dois outros, o que hoje é Swedbank. A parte podre do banco estatal foi separada, o estado gastou quase US$ 11 bilhões para zerar as perdas. Depois, partes do banco estatal foram privatizadas. Nos últimos anos, os bancos tiveram lucros recordes e a Suécia foi usada como exemplo de intervenção bem sucedida.
Porém, isso não evitou que os bancos entrassem em uma nova crise. Swedbank tinha bilhões de seu capital no Lehman Brothers, que fez concurso. Os bancos suecos também tem grandes interesses nos países bálticos, que caíram de crescimento acima de 10% para recessão a em um ano.
E agora a história de repete. O governo sueco lança um novo mega-pacote para salvar os bancos. O pacote inclui garantia de financiamento aos bancos e institutos financeiros de até US$ 205 bilhões – o equivalente a 50% do PIB!