A crise do capitalismo moderno e a luta dos trabalhadores

Faz quase um ano que a crise econômica mundial se tornou inegável, com a quebra do banco Lehman Brothers dia 15 de setembro de 2008. Até aquele momento os governos faziam de tudo para dar a impressão que não haveria crise. Agora vemos uma equivalente maré de propaganda declarando o “fim da crise”. Mesmo se o ritmo da queda da crise desacelerou, a crise – e os ataques aos trabalhadores – está longe de acabar.

É importante para socialistas fazer uma avaliação sóbria sobre a crise, para avaliar o terreno da luta de classes. Um ponto de importância específica é avaliar como a montanha russa econômica afeta a consciência dos trabalhadores.

 
Pior crise desde os anos 30

Mesmo que as perspectivas mais otimistas sobre um fim iminente da crise estejam corretas, essa crise já se qualifica como a mais longa e profunda desde a Grande Depressão de 1929-33.

Temos que ver com cautela os dados recentes, que foram interpretados de maneira bastante otimista. Dados que mostram uma queda menos aguda nos últimos meses, ou até com certa recuperação comparado com o mês ou trimestre anterior, ainda estão muito abaixo do nível de um ano atrás.

 
EUA, queda menos acelerada

Vemos isso nos dados recentes dos EUA. Os dados preliminares do segundo trimestre, apontam para uma queda do PIB de 1%, comparado com o primeiro trimestre. Essa é uma queda bem menos acentuada se comparado com o primeiro trimestre (-6,1%) e o quarto trimestre (-5,7%). Mas se comparamos o segundo trimestre com o mesmo trimestre do ano passado a queda é de 3,9%.

O jornal britânico Financial Times aponta para isso: “Localize a suposta melhora: 0, -1,9, -3,3, -3,9. Essa é a progressão no ritmo trimestral de crescimento da economia dos Estados Unidos nos quatro últimos trimestres, com relação aos períodos comparáveis um ano antes.”

O segundo trimestre foi o quinto trimestre negativo seguido do PIB dos EUA (comparando com o trimestre anterior), o período mais longo de contração da economia desde que os dados começaram a ser computados em 1947.

O que salvou a economia estadunidense de uma queda maior foram os gastos do governo federal, que aumentaram em 10,9%. O maior aumento foi com gastos militares em 13,3%. O consumo privado, que corresponde a 70% do PIB, caiu no segundo trimestre para -1,2%.

Um dado que ajudou a animar o espírito dos mercados financeiros foi que o desemprego nos EUA teve uma ligeira queda em julho (9,4%) comparado com junho (9,5%). Essa foi a primeira queda do desemprego desde abril 2008.

A razão pela qual o nível de desemprego caiu foi um grande aumento das pessoas que desistiram de procurar emprego em julho (422 mil), e que por isso não estão incluídos nas estatísticas. Em julho ainda foram perdidos mais postos de trabalho do que foram criados, mesmo se a queda foi bem menor que nos meses anteriores. Isso reflete o fato de que as pessoas estão sem trabalho por mais tempo do que antes, e por isso aumenta o número dos que desistem. A média de tempo em que as pessoas ficaram sem emprego aumentou para 25 semanas (6 meses), o período mais longo desde o início das estatísticas em 1948.

De dezembro 2007 e julho 2009 sumiram 6,7 milhões de empregos nos EUA e agora há 15 milhões de desempregados oficialmente (não incluindo quem desistiu de procurar emprego, quem é imigrante clandestino, etc.).

 
Longe de recuperação no setor imobiliário

A crise atual foi desencadeada com a queda dos preços de imóveis dos EUA. O aumento dos preços dos imóveis foi usado para sustentar o aumento de crédito e consumo. Até quem não tinha renda comprovada podia no em fim entrar na onda de consumo, com os bancos correndo atrás de novos clientes. O estouro da bolha imobiliária criou um efeito inverso, limitando o consumo.

No primeiro semestre desse ano, 1,5 milhões de famílias foram despejadas, por não conseguir pagar seus empréstimos. Porém, nos últimos meses começaram a vir dados apontando para uma queda menor. Em maio, o preço médio das casas (segundo o índice Case-Schiller) subiu 0,5% comparado com abril (a primeira alta desde 2006), mas ainda está 17,1% abaixo de 2008 e 32% abaixo do pico de 2006. As vendas de casas novas subiram 1% em junho comparado com maio, maior alta em 8 anos, mas ainda é 21,3% mais baixo que em junho 2008.

 
Recuperação temporária possível

Mesmo em um período de crise, momentos de recuperação são possíveis. Nos EUA, as empresas cortaram drasticamente os investimentos. O investimento das empresas continuaram a caíram em 40% no primeiro trimestre e 9% no segundo. Ao invés de produzir, venderam o que tinham no estoque. Mas as vendas não chegaram a cair para zero. Sempre se vende algo, e os estoques acabam esvaziando. Por isso as indústrias tem que começar a produzir de novo, e partindo de um nível mais baixo, pode retomar um certo crescimento.

A indústria automobilística dos EUA é um bom exemplo disso. A indústria automobilística cortou sua capacidade de produção em 46% nos últimos 7 trimestres. Mas no fim de julho houve uma recuperação nas vendas de carros, impulsionadas por um programa do governo, chamado “cash for clunkers” (“grana por ferro-velho”). Quem compra um carro novo mais eficiente pode receber US$ 4,5 mil do governo por seu carro antigo. Na última semana de julho foram comprados 250 mil carros sob este programa, gastando em uma semana tudo que estava previsto até 1° de novembro (US$ 1 bilhão). Os congresso dos EUA decidiu recentemente colocar mais US$ 2 bilhões no programa.

Esses são fatores que agora possibilitam previsões de uma expansão do PIB no terceiro trimestre nos EUA. Isso é bem possível, a questão é se será uma retomada sustentável do crescimento. Os efeitos dos programas do governo vão passar, ao mesmo tempo que o desemprego continua alto e a renda não cresce. Os bancos são mais relutantes em emprestar e os consumidores estão priorizando amortizar antigas dívidas. Tudo isso aponta para que o consumo privado continue devagar nos EUA. Dados do Fed (Banco Central dos EUA) mostra que o volume de crédito tomado pelas famílias voltou a cair em junho, a nona queda em 11 meses.

 
Europa

A Europa segue o mesmo padrão de dados contraditórios. A queda no PIB tem sido mais acentuada que nos EUA, com um ritmo menor de queda no segundo semestre.

A Grã Bretanha está entre os mais afetados dos países ricos. No segundo trimestre, o PIB caiu em 5,6% comparado com 2008, a maior queda desde o início deste levantamento em 1955. Foi o quinto trimestre negativo seguido.

A Alemanha festejou o aumento das exportações em junho, 7%, comparado com maio, mas o nível ainda está 22,3% abaixo de junho 2008. Ao mesmo tempo, a produção industrial caiu para 0,1% em junho.

A Itália foi levantada como mais um exemplo de sinais positivos. O PIB caiu “só” 0,5%, mas foi o quinto trimestre negativo seguido.

Alguns países, principalmente os países bálticos, estão em profunda crise. O pior caso no momento é a Lituânia, que teve uma queda de 22,4% do PIB no segundo semestre.

O desemprego continua a subir na Europa. Entre os 16 países da Zona do Euro, o desemprego oficial foi 9,4% em junho. Na União Européia inteira o desemprego atingiu 8,9%, o que corresponde a 21,5 milhões. 3,7 milhões perderam seus empregos durante a crise. A pior situação é na Espanha, com 18,1% de desempregados (33% entre os jovens).

 
Risco de crise deflacionária

Em junho e julho houve deflação na Zona do Euro (quedas de preços, o oposto de inflação). Um fator importante tem sido a queda no preço do petróleo (que atingiu o auge em maio do ano passado, com US$ 145 por barril). Mas se os preços continuam a cair, numa situação de aumento de desemprego, PIB em queda (o FMI prevê que o PIB da Zona do Euro continue a cair em 0,3% no ano que vem) e sem muita margem para reduzir os juros já rebaixados, o risco é que a economia atole em uma crise deflacionária.

Esse é um círculo vicioso de queda de preços, queda de consumo (fica mais vantajoso segurar o consumo, já que tudo fica mais barato amanhã), queda de renda (com aumento de desemprego e tentativa dos empresários em compensar a queda dos preços reduzindo os salários), que leva a mais queda de preços… Pode ser bastante difícil sair de uma crise dessa, como vimos no exemplo do Japão por mais de uma década desde os anos 90.

 
Retomada na China salva o dia?

O Banco mundial ajustou em junho sua previsão para o crescimento da China esse ano de 6,5% para 7,2%. No segundo trimestre o crescimento (comparado com o mesmo período em 2008, a China não faz comparação com o trimestre anterior) foi de 7,9%, depois de um crescimento de 6,1% no primeiro trimestre.

Boa parte desse crescimento é devido ao grande pacote de estímulo do governo e um enorme crescimento de crédito. No primeiro semestre os bancos dobraram a quantidade de novos empréstimos, para 7,37 trilhões de yuan (US$ 1,1 trilhões). Esse enorme crescimento de crédito levou vários economistas a fazer sérios alertas.

Um exemplo, é Derek Scissors, pesquisador da Heritage Foundation em Washington, que diz (segundo Folha de S. Paulo, 28 de julho):

“A recuperação econômica chinesa está sendo construída sobre um sistema bancário resgatado do naufrágio. Dezenas de bilhões, e talvez centenas de bilhões, de dólares em empréstimos não serão pagos… Nos últimos anos o crescimento de 15% anual de empréstimos sustentou um expansão do PIB de 10%. No primeiro semestre desse ano uma alta de 33% resultou num crescimento de 7%… As políticas chinesas deixaram de ser insustentáveis em longo prazo e agora são insustentáveis e por mais de um ano”.

Sem dúvida a China continua a estabelecer uma posição central na economia mundial. Esse ano a China deve ultrapassar os EUA como o maior mercado de carros do mundo, com expectativa de vendas de 11 milhões de unidades. A China também deve ultrapassar a Alemanha como o maior exportador do mundo.

Mas as contradições crescem no país e a China pode se tornar um foco de revoltas sociais. O aumento do desemprego aumentou as tensões sociais. O ministério do trabalho alertou que em junho havia 3 milhões de estudantes formados e 4 milhões de trabalhadores migrantes que não conseguiram emprego. O dado oficial de 4,3% de desempregados nas cidades não inclui esses dois grupos.

Além disso, duas revoltas regionais no último período contra opressão de grupos étnicos minoritários (tibetanos e uigures).

 
Queda no comércio mundial

Em julho a Organização Mundial de Comércio previu que o comércio mundial vai diminuir em 10% esse ano, a maior queda em 70 anos, mesmo se a queda no comércio está desacelerando.

O Economista chefe da International Energy Agency alerta que a recuperação da economia mundial está em risco se o petróleo continua a manter o preço acima de US$ 70 o barril. Falta de investimentos aumenta o problema. Um especialista em commodities do Bank of America diz que a queda nos preços de commodities no ano passado tiveram um efeito maior que os pacotes de estímulo do governo. A economia mundial hoje é muito mais frágil e não sustenta o mesmo aumento de preços das matérias primas como foi o caso até 2008.

 
Intervenção maciça evitou colapso

A crise só não foi pior pela intervenção maciça dos estados para amenizar os efeitos da crise. Somente a ajuda dos governos para salvar os bancos e o setor financeiro custou US$ 10,8 trilhões. Além disso os governos tem implementado pacotes de ajuda para sustentar o consumo e as indústrias.

Somado aos efeitos da crise em forma de queda na arrecadação de impostos e aumento dos gastos públicos (seguro desemprego, etc.) isso levou a um forte crescimento dos déficits orçamentários e das dívidas públicas. O FMI calcula que os países mais ricos do mudo vão ver suas dívidas públicas crescerem de 74,8% do PIB para 119,7% em 2014. A estimativa para que 2014 á dívida pública chegue a 239% do PIB, 132% na Itália, 112% nos EUA e 99,7% na Grã Bretanha. Em quanto os juros permanecem baixos, essas dívidas podem ser administradas, mas qualquer aumento dos juros pode ter grandes efeitos no futuro.

A experiência da crise do Japão dos anos 90 é que os pacotes de gastos do governo tinham um efeito temporário, com surtos de crescimento, para depois cair de novo. Por outro lado, um excesso de endividamento acaba colocando um limite na capacidade dos governos de enfrentar novas crises com novos pacotes gigantescos.

 
Qual cenário?

A questão colocada é exatamente qual cenário que está colocado para o futuro. Uma queda dramática foi evitada com a intervenção dos governos em escala inédita na história, fora das grandes guerras. Mas não se trata de uma crise de curto prazo. A crise é muito mais do que um “ajuste”, devido a “excessos” do mercado financeiro. Se trata de uma crise do modelo econômico neoliberal que dominou o mundo desde a crise mundial dos meados dos anos 70. Também se trata de uma crise da “globalização”, com o modelo de divisão mundial de trabalho com um pólo consumidor (principalmente os EUA), sustentando um consumo a base de crédito, e um pólo produtor (principalmente a China), com mão de obra super-barata.

Esses problemas fundamentais da crise não foram revolvidos. Houve uma grande queima de capital financeiro, mesmo se boa parte das dívidas podres privadas foram transformadas em dívidas públicas. Parte do capital especulativo, fictício, queimado pôde rapidamente retornar, já que os governos têm disponibilizado grandes quantidades de crédito barato. Na China o valor das bolsas de valores dobraram no primeiro semestre desse ano, levando a temores de novas bolhas especulativas.

O outro problema que a crise deveria “resolver” é o excesso de capacidade de produção. Mesmo com as grandes demissões e fechamentos de fábricas, existe ainda um excesso de capacidade de produção em vários setores. No exemplo da indústria siderúrgica, a China tem um excesso de capacidade de produção de aço de 160 milhões de toneladas por ano, o equivalente a produção total nos EUA e Rússia combinada!

A economia mundial continua com os mesmos desequilíbrios, e qualquer ajuste pode levar a novas crises, por exemplo, o colapso do dólar. Isso aponta para que possamos estar diante de uma série de crises, como foi nos anos 70, que vai terminar com o capitalismo achando um novo equilíbrio temporário ou com os trabalhadores conseguindo acabar com o sistema.

 
Efeitos políticos da crise e a resposta dos trabalhadores

A crise foi uma enorme derrota ideológica para o modelo neoliberal. No momento da queda do Lehman Brothers muitos colocaram que isso era a “queda do muro de Berlim” do neoliberalismo. Sem dúvida, o efeito político tem sido grande, mas a falta de alternativa clara coloca limites para o que poderia ser uma crise política de grande porte e um avanço para uma alternativa dos trabalhadores.

As eleições para o parlamento europeu foi um exemplo claro disso. Vários governos tiveram uma forte queda de votos, mas sem uma expressão clara de uma alternativa. Em vários países a direita conseguiu se fortalecer.

Na Grã Bretanha o Labour (Partido Trabalhista) teve sua pior votação desde 1910 (quando ainda não havia direito pleno de votos para os trabalhadores). Além disso estourou um grande escândalo no parlamento, envolvendo gastos irregulares dos parlamentares (com casos de parlamentares até construindo piscina privada com dinheiro do parlamento). Mesmo assim o governo não caiu e os protestos tem sido limitados. Isso se deve a falta de perspectiva de uma alternativa. Hoje, derrubar o governo seria antecipar uma volta ao poder de um governo dos conservadores (Tories), algo que não inspira a mobilização.

Em vários países, novas formações de esquerda tiveram resultados abaixo do esperado: na França (Novo Partido Anticapitalista), na Alemanha (Die Linke – A esquerda) e Grécia (Syriza). Em todos esses casos a tendência dos partidos tem sido de não colocar uma alternativa socialista clara e também não tem conseguido inserir o partido nas lutas do dia a dia dos trabalhadores.

Somente em dois países a esquerda teve a capacidade de capitalizar nas eleições: o Bloco de Esquerda em Portugal e o Partido Socialista na Irlanda (seção do CIT), que conseguiu eleger Joe Higgins ao parlamento europeu. O exemplo da Irlanda mostra como é possível construir uma figura pública que combina uma intervenção e apoio concreto nas lutas do trabalhadores, uma alternativa socialista clara e métodos que difere da casta corrupta de “políticos” (Joe Higgins como deputado sempre viveu com salário de trabalhador).

Mesmo nos EUA podemos ver que a crise tem um efeito político. Barack Obama hoje tem um nível de popularidade inferior ao que Bush tinha depois de sete meses no cargo.

 
Lutas e resistência ainda incipiente

No começo desse ano vimos exemplos importantes de lutas, como as duas greves gerais na França. A tendência geral tem sido lutas menores, muitas vezes desesperadas e com métodos radicalizados. Na própria França houve vários casos em que trabalhadores ameaçados de demissão sequestraram seus patrões.

Na ilhas britânicas houve vários casos de ocupações de fábricas, como também a ocupação da fábrica de janelas e portas em Chicago no final do ano passado. Na Itália, a fábrica de Lambretta de Milão foi ocupada recentemente. Na Índia 290 trabalhadores ocuparam uma fábrica da Hyundai (montadora coreana) no final de julho.

Os dois casos mais dramáticos no último período foram dois casos de luta que envolveu milhares de trabalhadores na Coréia do Sul e na China.

Na Coréia do Sul, trabalhadores da fábrica de motores de carros da Ssangyong resistiram as demissões em massa com uma ocupação da fábrica que durou 77 dias (22 de maio a 06 de agosto). Os 600-700 trabalhadores resistiram a várias tentativas de invasão por parte da polícia. Nos dia 22-24 de julho, a central sindical KCTU declarou uma greve geral em apoio a ocupação. Mas sem perspectiva política para luta, que deveria incluir a estatização da fábrica sob controle dos trabalhadores, o sindicato acabou assinando um acordo ruim.

Na China 30 mil trabalhadores (10 mil ativos e 20 mil aposentados) resistiram a privatização de uma siderúrgica na província de Jilin. No dia 24 de julho, 3 mil trabalhadores invadiram a fábrica e acabaram matando o chefe que presidia a privatização, após dele anunciar que 25 mil dos 30 mil iam perder seus empregos. Os trabalhadores ocuparam a fábrica e só saíram quando o governo provincial anunciou que a privatização seria cancelada.

Na África do Sul houve duas grandes greves vitoriosas recentemente. 70 mil trabalhadores da construção civil saíram em greve, paralisando a construção das arenas da Copa do Mundo de 2010. 150 mil trabalhadores municipais também saíram em greve. Nos dois casos os trabalhadores conseguiram aumento dos salários compensando a inflação em alta.

Esses exemplos mostram a capacidade de luta dos trabalhadores, mas mostram também a fragmentação atual das lutas. São lutas isoladas, e mesmo as lutas mais generalizadas, como as greves gerais, são realizadas sem uma perspectiva e alternativa clara, servindo mais como uma válvula de escape aplicada pelas direções sindicais.

As direções das organizações de massas não trabalham para unificar as lutas, já que isso requer colocar uma alternativa política que eles não tem. Ainda vai levar tempo para os trabalhadores conseguirem construir novas direções, aprendendo as lições das lutas, tirando conclusões políticas generalizadas. Dois fatores vão ser importantes para isso: o ritmo da crise e a atuação dos socialistas.

Os socialistas não desejam crises. Quem sofre mais com as crises são os trabalhadores. Sabemos também que o sistema capitalista não cai sozinho em uma “crise final”.

É errado achar que há uma ligação automática entre crise profunda e lutas. É comum que o início abrupto de uma crise leve a uma inércia inicial. Demissões em massa levam a um medo generalizado no trabalhador de ser o próximo a ser demitido.

Nessa crise os patrões trabalharam esse fator conscientemente, colocando que vale a pena fazer sacrifícios agora, para salvar os empregos, e que depois haverá uma retomada do crescimento como nos últimos anos.

Pode levar certo tempo para os trabalhadores superarem o medo inicial e desmascarar a propaganda patronal. Isso é reforçado se os trabalhadores não têm organizações sindicais e políticas fortes que podem contrariar essa propaganda. A tendência tem sido o contrário, das organizações de massas sendo dirigidas por direções que se adaptaram ao sistema e não querem arriscar suas boas relações com governos e patrões fazendo lutas que eles não vêem perspectiva.

Nos EUA só foi em 1934 que os trabalhadores conseguiram começar a ir para a ofensiva, após quatro anos de profunda crise. Uma nova geração de jovens trabalhadores saíram para a luta e surgiu uma nova central sindical que rapidamente organizou milhões de trabalhadores. O papel dos socialistas nessas primeiras lutas foi fundamental.

Por outro lado, a amenização da crise pode trazer de volta a confiança dos trabalhadores na possibilidade de lutar, especialmente se as empresas conseguem fazer novos lucros enquanto o desemprego continua alto. Os trabalhadores verão como que os sacrifícios só foram para eles, enquanto os lucros vão para os patrões.

Nos EUA os grandes bancos, que receberam centenas de bilhões de dólares de ajuda do governo, continuaram a dar bilhões de dólares de bônus para os altos executivos. Os maiores bancos voltarão a lucrar, mas pagando mais em bônus para os executivos que o lucro total. No Brasil vimos como a Embraer, após demitir 4,2 mil trabalhadores, conseguiu aumentar o lucro no segundo trimestre em 31%. Tudo isso vai ser material explosivo em uma retomada das lutas.

 
Brasil

Os fatores colocados na situação mundial também estão colocados para o Brasil. O país não está no epicentro da crise, mas foi fortemente afetado pela crise financeira e queda no comércio mundial.

A queda na produção mundial foi uma das mais acentuadas do mundo. Mesmo com uma certa recuperação nos últimos meses, a queda da produção industrial no primeiro semestre foi de -13,4%, o pior resultado desde o começo da série do IBGE em 1976.

No primeiro semestre o número de empregos na indústria caiu em 5,1%. Desde outubro 500 mil empregos foram perdidos na indústria. Em junho a queda continuava, mesmo sendo menor (-0,1%), pelo nono mês seguido.

O governo reagiu inicialmente implementando vários pacotes para sustentar o mercado financeiro. O Banco Central e o BNDES disponibilizou centenas de bilhões de reais ao mercado. O governo federal gastou R$50 bilhões do orçamento contra a crise, 3,2% do PIB.

Isso tem tido um efeito real em amenizar os efeitos da crise, como a redução do IPI. Mas esses efeitos podem acabar. As venda de carros caíram 5,6% em julho, comparado com junho. As vendas de carros foram recordes em junho, por causa de compras antecipadas por causa do IPI. A redução do IPI foi prorrogado, mas o nível de junho não foi sustentado.

Todas essas medidas tem tido um efeito nas contas públicas. A dívida pública subiu para 1,434 trilhões em junho. A dívida pública cresceu de 37,7% do PIB em novembro de 2008 para 43,1% em junho de 2009.

Em junho, pelo segundo mês seguido, as contas do governo fecharam no vermelho. A meta do superávit primário foi reduzida de 3,8% para 2,5% devido à crise. O resultado caiu de 4,33% em outubro de 2008 (o acumulado dos últimos 12 meses) para 2,04% em junho. O primeiro semestre foi o pior desde 2001.

A política do governo é de fazer tudo para sustentar o crescimento para não atrapalhar as eleições em 2010. Se o governo conseguir fazer isso, vai ser pelo preço do risco de uma crise mais profunda após as eleições.

Nos últimos meses houve um novo influxo de capital no país, que ajudou a elevar o real e a bolsa de valores. O índice de ações da Bovespa e o real ficou entre os que mais subiram em valor no mundo nesse primeiro semestre. O aumento no valor do real pode ter um efeito nocivo muito mais forte do que no ano passado, quando o comércio mundial ainda crescia, para a indústria. Um real fortalecido tornam as mercadorias brasileiras mais caras.

A Vale já sofreu com o aumento do real esse ano. O real e a crise ajudou a derrubar o lucro da Vale em 81% no segundo semestre (comparado com o primeiro). O preço mundial do ferro caiu, e os dólares que a empresa recebe vale menos, quando convertidos em real. Se essa situação não se reverte a Vale pode voltar a demitir (esse ano a Vale demitiu cerca de 2 mil trabalhadores).

A tendência é que o Brasil fique mais dependente ad exportação de matérias primas, e menos de manufaturados. Essa tendência segue o aumento do peso da China, que esse ano se tornou o principal parceiro comercial do Brasil, comprando 15% das exportações do país. Em 2003, 32,5% das exportações do Brasil para China eram manufaturados. Em 2008, a proporção caiu para 10,6%. Por outro lado, a exportação de veículos caiu em 50% em julho, comparado com julho 2008, segundo a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores)

A retomada de consumo é baseada em aumento do crédito. Mesmo com a crise o crédito para consumo continuou aumentando, de 34,2% do PIB em janeiro 2008 para 43,7% em julho. A renda do trabalhador caiu pelo quinto mês consecutivo em junho, com 0,3% em relação a maio. Comparado com junho 2008 cresceu com 3%, graças à inflação mais baixa e ao reajuste maior do salário mínimo.

Também aqui no Brasil foi celebrada uma queda no desemprego. Segundo a IBGE, o desemprego nas seis regiões metropolitanas caiu de 8,8% para 8,1% em junho. Mas como nos EUA, grande parte disso é devido ao aumento da desistência das pessoas em procurar emprego.

 
Construção de uma alternativa socialista

Desde o naufrágio político do PT como uma ferramenta de luta para os trabalhadores, estamos em um processo de reorganização da esquerda combativa. Essa tarefa se torna ainda mais urgente com a crise. Vemos como a falta de uma esquerda forte que consegue unificar as lutas e colocar uma alternativa socialista, é um fator que atrasa a retomada das lutas. Essa reorganização da esquerda passa por um projeto político, colocando a necessidade do PSOL tirar todas as lições do fracasso do PT. Passa também pelo processo importante de construção de uma Nova Central, sindical e popular. A capacidade da esquerda em superar o sectarismo e divergências, para construir uma verdadeira alternativa que pode construir a unidade nas lutas, não vai ser um fator secundário nos próximos anos.

Mesmo se as lutas ainda estão em um estágio incipiente, temos que nos preparar para um período tormentoso. É uma crise que ocorre contra uma situação em que não há uma alternativa de massas ao capitalismo. Com todos os problemas, nos anos 30, ou nos anos 70 ainda havia a referência da União Soviética e centenas de milhões que acreditavam que o socialismo era possível. A ausência desse fator pode atrasar o efeito da crise no âmbito político e das lutas. Mas a retomada das lutas vai colocar uma retomada da consciência socialista. 

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