Brasil: 4º país no ranking mundial de acidentes do trabalho

Crédito: Fátima Queiróz

Cansado? Estressado? Você está sofrendo de capitalismo! As coisas vão mal. Em todas as dimensões de nossa vida sentimos isso. Com nossa própria saúde e de nossos familiares não é diferente. Parece impensável, ou mesmo um luxo, vislumbrar um mundo em que o trabalho não tenha uma dimensão adoecedora na vida das pessoas como hoje.

Mesmo quando vemos sentido no nosso trabalho, somos obrigados a lidar com jornadas extensivas e intensivas, diante da diminuição dos postos de trabalho, da pressão por metas, de falta de subsídios necessários. A sensação de estafa mental e/ou física consome. Isso se agrava quando o trabalho é apenas uma fonte de renda em que não se vê realização ou sentido. Esse sofrimento é naturalizado e sufocado por nós mesmos, em especial diante da ameaça de desemprego.

Isso não é um problema (apenas) seu. Isso é um problema da nossa classe, a classe trabalhadora.

Um acidente de trabalho a cada 48 segundos no Brasil, segundo o Ministério do Trabalho. É nesses marcos que celebramos mais um dia 28 de abril, dia mundial em memória das vítimas de doenças e acidentes de trabalho. Apesar de, estatisticamente, o trabalho matar anualmente mais do que guerras como a da Síria, ou mais do que a AIDS anualmente, estes números seguem crescendo silenciosamente, com medidas aquém de responder a esse cenário revoltante.

É notório que as recentes medidas do governo golpista Temer acentuaram os riscos e tendem a agravar o problema. Em abril de 2017, a lei da terceirização (Lei 13.429) foi sancionada por Michel Temer. Instituições como o Dieese e a Fundacentro realizaram pesquisas que comprovam como a terceirização eleva os riscos de acidentes e mortes no trabalho. Uma pesquisa do Dieese sobre o Setor Elétrico constatou que a cada 10 ocorrências de acidentes de trabalho, 8 eram com trabalhadores terceirizados.

A Reforma Trabalhista também é fruto de muitas pesquisas de como impacta a saúde dos trabalhadores e foi aprovada em 2017. No dia 23 de abril deste ano, a MP de Temer que suavizava alguns pontos da drástica contrarreforma trabalhista caiu. Isso implica, por exemplo, que grávidas e lactantes podem trabalhar em local de mínima ou média insalubridade. Outro elemento é a jornada de 12 horas de trabalho com 36 horas de descanso pode ser negociada diretamente entre trabalhador e patrão, em qualquer setor de trabalho. Tais medidas que fragilizam o trabalhador e as relações trabalhistas, fragilizam para além da saúde em si, o próprio direito ao seu cuidado com a saúde.

Com a instabilidade no emprego, é compreensível que uma pessoa prefira trabalhar doente a procurar um serviço de saúde para tratamento. Menor ainda a chance de arriscar denunciar os fatores nocivos no ambiente de trabalho para garantir intervenção e melhorar as condições. Por isso, “desindividualizar” as doenças e acidentes do trabalho e tornar um problema coletivo é algo muito importante!

“Sobrecarga e estresse”

Os sindicatos, sobretudo combativos, recebem muitas denúncias. Aldiclésio Maia, dirigente e ativista sindical da saúde, em Mossoró (RN), alega que as principais queixas que chegam ao sindicato são problemas posturais ligados a sobrecarga de trabalho, hipertensão, diabetes devido ao estresse, problemas cardiovasculares, problemas respiratórios, agressões psicológicas que sofrem por parte de acompanhantes e assédio moral. Além disso, ressalta: “as principais reclamações são a sobrecarga de trabalho, o estresse”.

Para o enfermeiro, isso está diretamente atrelado com a precarização dos serviços de saúde: “é triste e lamentável quando nós nos deparamos em situações que precisamos fazer um atendimento de qualidade e nós não temos. Quando vai fazer a urgência, quando vai fazer o atendimento, falta o material básico para salvar a vida que precisa de um socorro imediato”, diz.

Basta dedicar-se algum tempo ouvindo relatos como de Aldiclésio, que notamos que em boa parte das categorias encontra-se facilmente trabalhadores com histórias para contar de fatores nocivos do trabalho, que geram sofrimento cotidiano. Recentemente, a Previdência forneceu os dados das 20 principais causas de afastamento relacionado ao trabalho em 2017. O primeiro que aparece no ranking relacionado a transtorno mental está em 15º, e é categorizado como “reações ao ‘stress’ grave e transtorno de adaptação”. De nome no mínimo emblemático, fica entre nós a dúvida se a dificuldade de “adaptação” a um ambiente como o descrito por Aldiclésio é sinal de transtorno ou de saúde. Ou melhor, perguntamos: são os trabalhadores que devem se tratar para se “adaptar” a ambientes como esse, ou o ambiente de trabalho que deve ser modificado?

Retrocessos da saúde pública

Os retrocessos da saúde pública, os entraves para melhores condições de saúde são reflexos de uma sociedade que explora uns para o benefício de outros. O que mais vemos hoje são notícias dos incríveis saltos tecnológicos que nossa sociedade atingiu em uma velocidade monstruosa. Por que isso não se converte em melhores condições de vida para a maioria? Hoje, mais de 80% da riqueza do mundo está nas mãos de 1% da população.

Mais do que riqueza, esse pequeno setor é quem concentra hoje poder de decisões. Para eles, as tecnologias e novas transformações que virão do trabalho serão formas de aumentar a produção e eficiência, às custas dos trabalhadores e com o apoio de governos como de Temer.

Em tempos de crise aguda fica mais evidente o confronto entre os nossos interesses (viver) e o interesse da minoria que concentra o poder (lucrar). Apesar de chamarmos tudo que estamos vivendo de “retrocesso”, cabe aqui uma reflexão: nada mais moderno, no capitalismo, do que precarizar o trabalhador para garantir mais lucro, visto que se trata de uma tendência mundial. A China não se desenvolveu como potência sem sangue nas mãos: segundo a OIT, o país ocupa o 1º lugar no ranking mundial.

A resposta está nas mãos dos trabalhadores!

Mesmo com imensas dificuldades e fragilidades, a única saída para uma vida digna para a maioria está nas mãos da classe trabalhadora. A articulação entre trabalhadores e pesquisadores comprometidos com a classe é fundamental para obter avanços. É importante que, via sindicato e coletivos nos locais de trabalho, articulando com pesquisadores, as trabalhadoras e os trabalhadores organizem as suas demandas. Partir do sofrimento cotidiano, de como são sentidos os efeitos nocivos no dia a dia do trabalho pode ser um potencial instrumento de mobilização.

Coletivizar essas queixas hoje individualizadas e conseguir construir, também a partir delas, ações para o sindicato e coletivos de trabalhadores e assim intervir no ambiente de trabalho é um desafio para o conjunto da classe. Para Daniel Lucca, psicólogo que trabalha em sindicato, em São Paulo, para além de atendimento psicológico, o profissional da saúde pode “auxiliar tecnicamente atuação do sindicato, dar um respaldo técnico para ter mais força”.

No início de abril, aconteceu em Santos o Seminário Internacional sobre trabalho Portuário e Sindicalismo em Tempos de Crise. A pesquisadora e professora da UNIFESP – Campus Baixada Santista, Fátima Queiroz, foi articuladora desse encontro em conjunto com a FUNDACENTRO e a FESPSP, e comenta: “A pressão por produção com número reduzido de trabalhadores e cansativas jornadas tem conformado um palco de acidentes de trabalho, sofrimento mental diante das rígidas organizações de trabalho, acrescido de assédio moral, fomentando tensões entre os trabalhadores com a enganosa premissa da ‘saudável’ competitividade. Compreendendo esse quadro, os pesquisadores e estudiosos das condições de trabalho tem (ou devem ter) como compromisso a luta dos trabalhadores.”.

Luta dos sindicatos

Sobre o evento, complementa dizendo que reuniu trabalhadores dos portos do Brasil, Chile, Uruguai, Argentina, Portugal e Espanha e pesquisadores do Brasil, Chile, Alemanha e Portugal no qual “compartilhou-se conhecimentos na direção de solidariedade, na discussão entre trabalhadores sobre seu trabalho”. Também reforça “os estivadores têm demonstrado à sociedade sua capacidade de congregar trabalhadores no nível mundial com a constante construção do International Dockworker Council (Conselho Internacional dos Estivadores)”.

A experiência de Daniel e de Fátima demonstram que temos o que fazer e que há iniciativas acontecendo. Para além de experiências locais e específicas, a Central Sindical e Popular – Conlutas possui um Setorial de Saúde do Trabalhador que já teve três encontros nacionais. O 28 de abril é uma oportunidade para reforçar essa reflexão e engajar mais e mais trabalhadores nessa luta de forma independente, autônoma e com a radicalidade que ela exige. Esta é a única forma para avançarmos de fato e nós da LSR estamos engajados nisso.

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