Crise política sem fim
Vivemos um momento de impasse após o recuo das lutas contra os ataques de Temer que tiveram o seu auge de março a junho. A crise política continua, mas o governo ilegítimo consegue se reerguer após cada pancada, igual ao boneco “João Bobo”, devido à falta de alternativa política e de um golpe de misericórdia vindo das lutas.
Porém, não se trata de um impasse inócuo. Apesar de frágil, bombardeado de acusações de corrupção e sem nenhum apoio popular, o governo Temer continua a lançar mão de ataques contra o povo trabalhador. É urgente reconstruir uma unidade nas lutas para barrar novos ataques, mas também a construção de uma alternativa política que supere os erros do petismo, erros esses que abriram o caminho para o marasmo atual.
Nas últimas semanas, a crise política ganhou novos elementos que atingiram vários setores. O judiciário e principalmente a Procuradoria Geral da República sofreram um baque com a revelação do papel de Marcello Miller, que fez parte da equipe de Rodrigo Janot, na ajuda para que os irmãos Batista da JBS conseguissem um acordo de delação realmente “premiada”.
Embora Temer tenha comemorado esses fatos que colocam dúvidas sobre o papel da PGR, novos fatos complicaram a sua situação. A apreensão dos 51 milhões de reais com a impressão digital de Geddel em um apartamento foi seguida pelo relatório da Polícia federal identificando o “quadrilhão do PMDB da Câmara” que, junto com a delação de Funaro, criou a base para a segunda denúncia de Janot contra Temer, oficializada em 14/09, mesmo dia que a PF fez uma ação conta o ministro da agricultura, Blairo Maggi.
Temer gastou bilhões na compra “legal” de votos no Congresso através das emendas parlamentares para se safar da primeira acusação de Janot. A avaliação era que a segunda denúncia sairia mais barato, com o questionamento da delação dos irmãos Batista, mas a cotação pode subir novamente com as novas revelações contra Temer.
O PT também levou novas pancadas, com Janot oficializando uma denúncia contra a cúpula do partido, mas principalmente com o depoimento de Palocci, culpabilizando Lula. Palocci, preso há um ano, ainda está encaminhando seu acordo de delação premiada, o que pode trazer mais acusações contra a direção do partido.
Apesar de cronicamente instável, o governo Temer conseguiu passar pelo pior momento de crise logo após a publicação da gravação de Joesley, quando o PSDB chegou a cogitar de abandonar o governo. Naquele momento, logo após a forte greve geral de 28 de abril, a pressão das ruas, junto com a instabilidade política, fez com que fosse seriamente discutido no interior da classe dominante a alternativa de sacrificar Temer, para achar outro caminho que mantivesse a agenda de ataques. A campanha aberta da Rede Globo contra Temer foi o principal sintoma disso.
Porém, com o recuo das lutas, o governo conseguiu se manter, apesar da situação continuar volátil. Novas crises podem recolocar a queda antecipada do governo na ordem do dia.
Retomada econômica, para quem?
Depois da crise mais profunda e longa da história, a economia dá sinais de lenta e fraca recuperação, mesmo se a expectativa é que o crescimento continue abaixo de 1% esse ano. Os juros e a inflação caíram, mas o desemprego continua altíssimo, em cerca de 13 milhões e a situação social é calamitosa. A pequena queda no desemprego tem se dado principalmente pelo aumento do trabalho informal e a maioria dos novos empregos são de salários baixos.
Por outro lado, vemos como a bolsa de valores já bateu o recorde de 2008, impulsionada pela política de Temer que ataca os trabalhadores, perspectiva de novas privatizações a preço de bananas, além da queda dos juros.
Sem um avanço significativo nas lutas e a construção de uma alternativa política pra valer, o risco é grande de que se repita no Brasil o fenômeno comum dos últimos tempos no mundo, que a retomada de crescimento vai para os bolsos dos mais ricos.
Novos dados do World Wealth and Income Database, que mede a desigualdade no mundo, mostra que a desigualdade no Brasil não caiu mesmo no período de crescimento durante os governos do PT. Isso confirma o que já colocamos antes. A medidas limitadas de redistribuição de renda (Bolsa Família, aumento real do salário mínimo) não afetaram os mais ricos, o capital. Foi uma redistribuição entre a classe média e os que recebem salários mais altos para os trabalhadores com salários mais baixos. Enquanto isso, 61% da expansão da renda em 2001 e 2015 foi para os 10% mais ricos, que no Brasil tem uma renda mais alta, em média, que os 10% mais ricos da França! Esses dados mostram os limites das medidas dos governos do PT e como a situação facilmente pode piorar, especialmente com o enfraquecimento dos direitos dos trabalhadores com a contrarreforma trabalhista (mas também a lei antiterrorista de Dilma, que a direita agora se aproveita para atacar os movimentos).
Por que houve um recuo das lutas?
Essa pergunta é fundamental, porque a resposta que se dá a ela tem uma implicação política profunda. Não concordamos com aqueles que tentam culpar “o povo”. O apoio às mobilizações e às greves gerais, mesmo daqueles que não saíram às ruas, foi de uma grande maioria. Um fator central que segurava a atuação mais ativa de muitos era a incerteza de que a luta era pra valer, se a direção do movimento estava disposta a travar uma luta séria, para que o sacrifício de tempo e principalmente desconto de salário em um momento muito apertado, valeria a pena.
Todos os elementos que levaram ao ascenso das lutas de março a junho ainda continuam presentes: a raiva com os ataques, o governo ilegítimo e corrupto, os efeitos nefastos da crise, etc. A situação continua potencialmente explosiva. Mas as lutas tem que ter algo que vai além da vontade espontânea de protestar para se manter e ser vitoriosa. É necessário programa e estratégia para as lutas, isso requer organização e uma direção que conquista a confiança das massas. Vimos como a explosão de lutas em junho 2013 só se manteve por algumas semanas, em falta de uma alternativa que poderia mostrar o caminho para a continuidade da luta de forma unificada.
Nesse ano, o principal organizador foram as centrais sindicais. Porém, as grandes centrais, que foram forçadas pela pressão da base a organizar a greve de 28 de abril, jogaram um papel de desmontar a greve geral de 30 de junho, com todos os sinais que deram foram para confirmar o que as pessoas mais temiam: “não é pra valer dessa vez”. Centrais de direita como Força Sindical e UGT não queriam derrubar o governo Temer e por isso não queria jogar peso na luta, somente pressionar para obter algumas concessões.
Mas também as centrais como CUT e CTB, que são de oposição ao governo Temer, não jogaram o devido peso. O centro da estratégia dos ex-governistas é apostar na saída institucional, o “Lula 2018”. No último período isso tem ficado mais claro ainda. Enquanto o governo Temer continua a anunciar ataques, como o grande pacote de privatizações, como da Eletrobras, a Câmara discute uma contrarreforma política, e ainda há a ameaça de ser votada a contrarreforma da previdência, os movimentos ligado ao PT jogam todo o seu peso em construir a figura de Lula, sem mobilizar para a luta, como na caravana no Nordeste. E a CTB, ligado ao PCdoB, participa de uma iniciativa junto com a FIESP, Força Sindical, UGT, NCST e CSB para elaborar um manifesto para “retomada do crescimento”, que inclui redução de impostos para as empresas e apoio às Parcerias Público-Privadas, que foi apresentada ao governo Temer no dia 12 de setembro!
Vivemos uma ressaca das lutas nesse momento, uma sensação de que “lutamos muito, mas não levamos”. A continuidade dos ataques, que inclui os efeitos nefastos da política de austeridade, por exemplo com atrasos de salário do funcionalismo, falta de verbas na saúde e nas universidades federais e outros, junto com a crescente barbárie da crise social, com casos de violência contra mulheres, negros e negras, LGBTs, indígenas, sem terra, etc., força inúmeros setores a lutarem, porém novamente de forma fragmentada e mais fragilizada. Não há falta de lutas importantes e exemplos positivos, como a nova grande ocupação urbana do MTST, “Povo Sem Medo”, em São Bernardo do Campo, que em poucos dias cresceu para 6,5 mil famílias. Porém, isso ainda não é suficiente para reverter o clima de recuo das lutas.
O “dia de lutas” realizado em 14/09 (para alguns setores no dia 15/09), principalmente entre metalúrgicos e funcionários públicos, foi também muito aquém do necessário e menor que os protestos em março.
Novos ataques, como uma ameaça de votação da reforma da previdência, podem esquentar novamente as lutas, mas não é garantido. Para superar essa situação, é necessário unificar as lutas, construir uma agenda unificada, que possa trazer a confiança de uma luta pra valer.
Alternativa política
Porém, com a falta de perspectiva de retomada de luta no curto prazo no patamar de março-junho e a proximidade das eleições do ano que vem, é natural que uma camada crescente aposte suas esperanças em uma saída através das eleições. Precisamos dar uma resposta a esse anseio, mas mostrando que essa alternativa política tem que ser construída com base nas lutas hoje. O que os movimentos ligados ao PT estão fazendo é diferente. Estão menosprezando a luta, priorizando a construção de uma alternativa institucional que não será substancialmente diferente do que foi construído durante os governos Lula e Dilma, baseando sua “governabilidade” em acordos com partidos da ordem e grandes empresários, não na mobilização popular. A fala de Lula que não vai revogar as contrarreformas de Temer, os encontros com Renan e outros, durante a caravana no Nordeste, etc., mostrou que nada mudou, nada se aprendeu, da trajetória que abriu o caminho para a crise atual.
Muitos vão querer apostar em uma candidatura de Lula para barrar a ameaça do retorno dos tucanos ou mesmo a vitória do Bolsonaro. Porém, a aposta eterna de um “mal menor”, não é sequer uma garantia contra essas ameaças, como mostrou o exemplo do Trump, onde uma candidatura mais a esquerda de Bernie Sanders provavelmente teria saído vitoriosa. A aposta do “mal menor” da Clinton levou ao “mal pior” de Trump. Além disso, com a delação de Palocci, cresce a possibilidade de que a candidatura de Lula seja barrada na justiça.
Precisamos construir uma Frente de Esquerda Socialista, que una a atuação importante do PSOL no parlamento com os movimentos sociais combativos e partido de esquerda, que unifique PSOL, PCB e PSTU, MTST, CSP-Conlutas, Intersindical e outros. Uma candidatura ligada à luta que consiga unificar a coerência política e de luta a um programa anticapitalista, que mostra que não somos mais do mesmo, pode captar a imaginação de uma grande parcela da população, especialmente da juventude, minando o espaço de voto de protesto em figuras como Bolsonaro. Temos que mirar nos exemplos de crescimentos de alternativas como Bernie Sanders nos EUA, Jeremy Corbyn na Grã Bretanha, Podemos na Espanha etc. No PSOL está sendo discutido o nome de Chico Alencar, que expressa essa coerência política, mas devemos estar abertos para alternativas como Guilherme Boulos, que traz também uma forte ligação ao movimento que esteve na frente das principais mobilizações contra o governo Temer e a construção da plataforma programática “Vamos”, que devemos lutar para que seja uma plataforma anticapitalista e socialista, visando desde hoje a construção da esquerda “pós-Lula”.