Crítica do filme: Corpo Elétrico
Corpo Elétrico é um recorte marcado e reflexivo da realidade de um jovem de 23 anos trabalhador nordestino e LGBT. Elias, protagonista, é o fio que envolve toda a trama, nos apresentando as demais personagens e nos levando para dentro de seus espaços de convívio social. Com um olhar forte, ele nos coloca próximo do proletariado e da vida de uma classe trabalhadora que luta e sonha. Sem perceber, de maneira sutil, saímos de sua cama junto de seus parceiros para dentro da fábrica onde trabalha. É assim durante todo o filme.
Somos transportados de espaço e colocados entre as personagens. Os diálogos são tão reais e concretos que não é necessária entrelinhas, muitas questões conseguem ser abordadas com pouco, novamente com uma delicada sutileza, seja a relação ilusória de intimidade com o patrão, as dificuldades de quem mora na periferia e o que significa ser LGBT dentro do espaço de trabalho.
Não há antagonistas. O antagonismo parte das dificuldades da vida de cada personagem, e para Elias, uma maneira de superar seus medos e anseios, são suas relações pessoais. Tampouco há sérios conflitos. A trama é embebedada de uma fórmula que não mostra o estigma da violência nem uma hipersexualizacao, geralmente o modo como se representa os homossexuais nos filmes, mas demostra os momentos bons de Elias com seus amigos e suas pequenas aventuras. O diretor procura outros referenciais, que fogem dos corpos marginalizados dos LGBT’s, retratando os momentos positivos das personagens.
“ O que a gente exclui e evita é o fatalismo. É esse desejo mórbido do espectador em ver esses corpos violentados, vitimizados e agredidos. Devemos puxar esse tapete para chegar em outro lugar de representação e imagem. A gente vai passar o resto da vida reproduzindo imagens que sacrificam esses corpos? Eu não vou fazer esse jogo”, disse o diretor em uma entrevista para o portal Jornal do Commercio.
A sexualidade é abordada a partir do corpo masculino, colocado também de maneira real, fugindo de padrões branco/musculoso. A liberdade sexual torna-se quase poética, na relação dos corpos entrelaçados nas cenas construindo um jogo de sombras e detalhes.
Os corpos negros e a personalidade afeminada tornam-se mais um forte protagonista. O longa encarna uma necessária representatividade, reafirmando esse espelho da realidade. Marcelo Caetano bota na cara da sociedade as “drags” e “bixas” sobre motos reluzentes que querem ganhar o mundo com sua arte e trabalho. É sobre se mostrar, estar em vista e não mais escondidas. É sobreviver sendo quem se é.
O trabalhador operário também é uma grande chave do filme. Mulheres, homens, imigrantes trabalhadores da fábrica se juntam para se divertir após o expediente, mostrando pontos em comum na questão de classe. E por que não, fazer uma alusão a uma união também política?
Somos envolvidos aos poucos, com Elias nos contando seus sonhos e sua forte relação com o mar. A representatividade real é um ponto centralizador, trazendo a firmeza e a concretude do longa, que não aborda problemáticas e não cria vilões ou mocinhos.
A necessidade de se produzir filmes desse gênero é o de abrir espaços para a voz e a vida dos LGBT´s, fora dos padrões irreais que vem sendo representados há décadas nos filmes e telenovelas. A constante violência, a precarização do trabalho e a evasão escolar, principalmente de pessoas trans, a solidão e a dificuldade nas relações nos mostram as fragilidades e o quanto é importante a luta por direitos. A situação se torna ainda pior quando pensamos nos LGBT´s negrxs e da periferia, que morrem também por serem pobres e vítimas de um sistema capitalista que exclui e explora esses corpos. O cinema consegue ter um papel importante e ser um disparador para reflexões sobre esses temas.
Corpo Elétrico traz o debate, sendo um filme que por si só evoca pensar na realidade. Primeiro longa metragem de Marcelo Caetano, este consegue ser inovador dentro do circuito e produzirá boas discussões, dando mais força às produções audiovisuais brasileiras do gênero. O nome do filme foi inspirado no poema “Eu canto o corpo elétrico” de Walt Whatman.