A ascensão do Militant: Trinta anos do Militant 1964 – 1994
Rússia, Trotsky e o colapso do stalinismo
Enquanto isso, internacionalmente grandes eventos na URSS abalavam o regime stalinista de Gorbachev. Os eventos na Armênia indicavam que “nunca antes, pelo menos em seu quintal, a elite burocrática que domina a sociedade russa tinha enfrentado um desafio em tal escala.” (1)
O movimento de massas na capital armênia de Yerevan obrigou imediatamente o ‘liberal’ Gorbachev a por a Glasnost (abertura) em ponto morto. Correspondentes estrangeiros foram impedidos de visitar a área, numa tentativa desesperada de suprimir todos os informes. Gorbachev representou a ala da burocracia que via a necessidade de liberar e fazer reformas de cima na tentativa de impedir uma revolução de vinda de baixo. Mas o Militant previu que tais métodos produziriam os resultados que eles tentavam evitar. Num sistema totalitário, pequenas concessões podem abrir as comportas para a revolução.
No seu livro Perestroika, publicado apenas seis meses antes dos eventos armênios, Gorbachev pode dizer atrevidamente:
A revolução e o socialismo não podem ir adiante com opressão nacional e desigualdade e sem assegurar progresso econômico, intelectual e cultural para todas as nações e nacionalidades. (2)
Contudo, o sangrento conflito entre armênios e azerbaijanos sobre a questão de Nagorno-Karabakh (o enclave armênio no Azerbaijão) mostrou a mentira desta afirmação. Ao invés, a elite burocrática que dominava a Rússia e a União Soviética não apenas falhou em resolver a questão nacional mas na verdade garantiu através de seu totalitário controle que ela reaparecesse de uma forma agravada.
A abordagem da burocracia na questão nacional fugia da posição sensível e corajosa de Lenin nesta questão. Isso foi demonstrado pelos eventos na Armênia no começo de 1988. O Militant disse que “Os eventos na Armênia mostram que os protestos nacionais irão se fundir e se fortalecer pela resistência ao governo burocrático.” (3)
Os levantes em 1988 foram preparados por demonstrações e reuniões em outubro do ano anterior. Eram inicialmente sobre a questão de Nagorno-Karabakh mas se desenvolveram num movimento exigindo o fechamento de perigosas instalações químicas e de uma estação nuclear.
A revolta armênia foi a primeira indicação desde os levantes na Polônia de um processo que eventualmente levaria à completa derrubada do stalinismo. À medida que o movimento se desenvolvia a burocracia russa ficou dividida. Isso era personificado pelo próprio Gorbachev que na verdade defendia maiores mas “legais” privilégios para a elite que dominava a sociedade russa. Nós comentamos:
70 anos depois da revolução russa, e além disso com o capitalismo à beira de uma nova recessão, uma ala da burocracia agora olha para o ‘mercado’ como uma solução. Um dos conselheiros políticos de Gorbachev condenou “o conceito de socialismo estatal” como um “erro stalinista”. (4)
O próprio Gorbachev, no início, era um representante da burocracia procurando uma base popular. Contudo, os eventos no próximo ano veriam a situação fugir ao controle terminando com a destruição do stalinismo em 1989-90.
Ally Pally Rally
Em 1988 o inicio de mudança nos estados stalinistas formou o centro do Comício Nacional do Militant, que desta vez se realizou no Alexandra Palace. Refletindo o enorme crescimento do apoio ao Militant, este foi o maior comício, com quase 8 mil participando. Os apoiadores do Militant excediam 10 mil em número, com milhares contados como simpatizantes:
“Uma resposta ensurdecedora aos rumores de que os marxistas trabalhistas estão em retirada. Aqui havia um exército em marcha para o socialismo”. (5)
Em aproximadamente duas horas a multidão lotou o vasto hall. Os oradores apareceram na plataforma com música, pirotecnias, bandeiras vermelhas e um enorme retrato de Leon Trotsky que foi posto atrás do palco. Um tema importante foi a luta para defender a causa socialista a qual Trotsky devotou sua vida. O tamanho do comício foi mostrado com as 506 crianças na creche, mais do que em muitas escolas. A confiança e entusiasmo dos presentes foram de novo demonstrados na coleta gigante de £51.725.
Falando no comício além de mim, Ted Grant, John Macreadie, o MP de esquerda Ron Brown, Janice Glennon (pela juventude), estava Veronika Volkov, a bisneta de Leon Trotsky. Ela estava no comício no lugar de seu pai Esteban Volkov, o neto de Trotsky, que não pode estar presente devido a doença de sua esposa.
Esteban fala
Contudo, numa transmissão telefônica via satélite do México, Esteban Volkov falou ao comício:
Leon Trotsky foi um homem de generosidade inesgotável, sempre bem-disposto a dividir parcos recursos com camaradas com problemas econômicos. Ele mantinha um vivo interesse neles e em todos os seus amigos próximos… Mesmo em seus últimos momentos de consciência (após o golpe do assassino)… ele foi capaz de fazer uma brincadeira sobre seu cabelo precisar de corte, tentando mitigar o profundo sofrimento de sua corajosa e inseparável mulher, Natalya, que ficou ao seu lado até o último momento. Um grande teórico marxista e revolucionário, sua dedicação aos interesses da classe trabalhadora e sua fé no futuro comunista da humanidade fizeram dele um dos mais indomáveis e heróicos revolucionários da história… No refluxo da maré revolucionária, ele manteve o farol do marxismo-leninsmo brilhando alto. Trotsky deixou uma valiosa contribuição ao arsenal da teoria marxista e da metodologia da classe trabalhadora.
Esteban Volkov citou o testamento de seu avô: “A vida é bela, que as gerações futuras a limpem de todo o mal, opressão e violência, e que desfrutem dela plenamente.” (6)
O impacto do comício foi, mais uma vez, registrado amplamente na imprensa capitalista.
1989 foi um ano decisivo nos acontecimentos mundiais. Seria associado com o colapso do stalinismo, que o Militant, como a maior tendência trotsquista na Grã-Bretanha e uma das maiores a nível mundial, confiantemente previu.
Super-Poderes
Depois da II Guerra Mundial duas superpotências despontaram na arena mundial, a Rússia stalinista e o imperialismo americano. A burocracia soviética e o capitalismo ocidental se assentavam em sistemas sociais mutuamente antagônicos mas também se apoiavam um no outro contra a ameaça de revolução da classe trabalhadora. O cerco militar da União Soviética (os arsenais nucleares do imperialismo eram indubitavelmente usados pela burocracia russa para atar as mãos da classe trabalhadora), era um fator na prevenção de um movimento da classe trabalhadora para a derrubada da burocracia; os trabalhadores temiam abrir as portas para uma intervenção imperialista.
Neste período a perspectiva de uma contra-revolução capitalista estava “virtualmente descartada”. O desenvolvimento das economias planejadas, mesmo durante o boom de 1950 a 1975, excedeu o crescimento do mundo capitalista. A burocracia jogou um certo papel em copiar a técnica do oeste capitalista e desenvolver a infraestrutura de uma economia moderna, mas com enormes despesas.
O stalinismo neste período jogou um papel relativamente progressivo, completando tarefas que historicamente o capitalismo provou ser incapaz de resolver na Rússia; desenvolver a indústria e a ciência e técnica, mas com custos duas ou três vezes maior que o capitalismo. Este tem o controle do mercado, da competição, numa escala nacional e internacional. Mas a casta incontrolável que dominava as economias planificadas consumia uma enorme quantidade dos excedentes e portanto minava as vantagens do plano até mesmo quando este se desenvolvia muito mais rápido do que o capitalismo. Mas uma vez que a sociedade na URSS desenvolveu um certo nível de produção e técnica, i.e. Tornou-se uma economia moderna, os velhos métodos de governo da burocracia se tornaram incapazes de funcionar. De um freio relativo a burocracia se tornava mais e mais um freio absoluto a qualquer progresso destas sociedades. A tendência do stalinismo de recorrer a zigue-zagues, indo da esquerda para a direita, de um expediente a outro, não o livrou de um impasse histórico.
Erupções periódicas de descontentamento de massas eram expressão de sua instabilidade inerente. Como vimos, todos os movimentos anteriores aos anos 80 nos regimes stalinistas mostraram algumas das características do que Trotsky percebia que poderia ser uma revolução política – A Hungria de 1956 sendo a forma clássica. As massas exigiam democracia, a eliminação dos privilégios da burocracia, e um fim dos regimes totalitários unipartidários e a defesa da economia planejada. Até mesmo o movimento na Polônia em 1980-81, enquanto havia pronunciadas características pró-capitalistas, no geral ainda via a si mesmo como contra a burocracia, mas preservando os ganhos da economia planejada.
Polônia
O esmagamento do movimento do Solidariedade em dezembro de 1981 por Jaruzelski teve um efeito decisivo na consciência da classe trabalhadora polonesa. Tão desacreditado era o Partido “Comunista”, o partido da elite privilegiada, que a contra-revolução stalinista ocorreu através da elite militar, personificada por Jaruzelski. Junto com o boom dos anos 80 isso minou completamente a idéia que a doença da sociedade polonesa pudesse ser curada em base de um movimento contra a burocracia apenas. As idéias pró-capitalistas ocuparam uma posição minoritária no movimento de 1980-81. Mas com o seu esmagamento, a prisão dos trabalhadores do Solidariedade, um período maior de estagnação e regressão da economia polonesa, levou estas idéias pró-capitalistas a se tornarem a tendência predominante dentro das fileiras tanto da intelligentsia quanto da classe trabalhadora. Parecia não haver nenhum caminho baseado no stalinismo, mesmo em sua versão “reformada”. O crescimento dos anos 80, particularmente o período de 1985-1990, contrastava favoravelmente nas mentes das massas com a terrível situação nos estados stalinistas.
Os processos em curso na Polônia existiam, em menor ou maior grau, em todos os regimes stalinistas no Leste Europeu e na União Soviética. Contudo, as ilusões no “mercado” eram mais pronunciadas na Polônia e num primeiro estágio isto se tornou claro para nós, depois que alguns camaradas visitaram o país. A mais visível expressão disso foi a aprovação dada a Thatcher em sua visita à Polônia em 1988. Apoio aberto à cabeça de ponte ideológica da reação capitalista, especialmente pelos trabalhadores de Gdansk, trouxe algo como um choque para os que, como o Militant, olhavam para a revolução política como o resultado mais provável de qualquer movimento contra o regime.
Uma das dificuldades para os marxistas em avaliar corretamente o clima nos estados stalinistas era o caráter totalitário destes regimes. A reunião de uma força considerável, capaz de avaliar o sentimento das massas, era difícil, se não impossível, devido às prisões persistentes da polícia e à severa repressão. Este foi o caso até mesmo naqueles regimes, como a Polônia e em algum grau a Hungria, onde o controle dos stalinistas estava sendo consideravelmente afrouxado. Mesmo então não era possivel correlacionar o que mais tarde provou ser uma avaliação imprecisa da atmosfera das massas nestes estados que se desenvolvia nos anos 80. Além disso, a consciência era muito confusa, especialmente em países como Alemanha Oriental e a União Soviética.
O movimento contra o regime nestes países inicialmente continha elementos de revolução política. Num primeiro momento, o sentimento das massas procurava uma mudança democrática mas nas bases de uma economia planejada. Contudo, uma vez que o controle do stalinismo foi afrouxado as massas eram capazes de avaliar a situação totalmente, a extensão dos privilégios obscenos da elite foram revelados, o que teve um efeito decisivo em sua consciência. Estas sociedades não estavam apenas estagnadas mais sim retrocedendo. Os “bombeiros” do boom do mundo capitalista com suas condições de vida nos anos 80 contrastavam favoravelmente nas mentes das massas com a estagnação e o apodrecimento do stalinismo. Estes regimes estavam estagnados ou até mesmo em retrocesso por uma grande parte da década de 70 e dos 80.
Enfrentando uma nova situação
Após os eventos na Polônia o Militant, pela menos a maioria de sua direção, tentou atrasadamente, mas honestamente, enfrentar esta situação. Um tanto de forma hesitante a “possibilidade teórica de uma contra-revolução burguesa” nos estados stalinistas foi posta.
Numa reunião internacional na Bélgica em dezembro de 1988 dos correligionários do Militant, eu, de acordo com o que depois se tornou a maioria da direção do Militant, Lynn Walsh, Tony Saunois, Bob Labi, Clare Doyle e Peter Hadden, da Irlanda do Norte, levantou a possibilidade de uma contra-revolução burguesa. Nem Ted Grant ou Alan Woods falaram na discussão mas privadamente Ted Grant revelou que estava em desacordo com minha análise.
Nós fomos a única tendência trotsquista internacionalmente que começou no final dos anos 80 a colocar esta possibilidade teórica. Após o colapso do stalinismo e rumo ao “mercado”, Militant também foi a única tendência a analisar corretamente prenunciar como os eventos se desenvolveriam e mostrar as limitadas possibilidades do capitalismo nestes países.
O que dissemos
Um exame das colunas do Militant no ano crucial de 1989 atesta isso. A Hungria foi mais fundo no caminho da restauração capitalista e os desdobramentos lá foram totalmente analisados. A declaração de Pozgay, representando a burocracia húngara, mostrou o caminho em que ela estava se movendo: “O modelo socialista escolhido ou forçado em 1948-49… provou ser falso em sua totalidade.” (7)
Apesar disso, a conclusão que tiramos neste estágio era que a restauração capitalista era o mais improvável cenário na Hungria e no resto dos estados stalinistas. Os eventos na Rússia mostraram que os elementos de uma contra-revolução política estavam amadurecendo. Isso foi mostrado em particular nas eleições aos “Sovietes”, que revelaram o ódio da burocracia.
Cartazes deixaram claro o sentimento geral: “Não o povo para o socialismo mas o socialismo para o povo”; “Abaixo os privilégios especiais para políticos e burocratas”; “Servidores do povo devem ter que ficar nas filas”.
Neste estágio. Uma pesquisa de opinião mostrou que “apenas 3% votariam num partido capitalista nas eleições multipartidárias”.(8) Isso era uma resposta ao que diziam na época e desde então que um retorno ao capitalismo, em especial na União Soviética, era pré-determinado. Em meados dos anos 80 não apenas a classe trabalhadora mas a massa da intelligentsia olhava para reformas, a remoção de privilégios da burocracia, mas a retenção da economia planificada. Sobre o resultado das eleições, nós dissemos que demonstravam
Um anseio ao retorno ao sistema de democracia operária que existia após a revolução de 1917 sob Lenin e Trotsky, antes que fosse suprimida brutalmente pela contra-revolução burocrática. (9)
Gorbachev originalmente chegou ao poder como representante da ala “reformista” da burocracia, não um agente consciente do imperialismo. Yeltsin, como os subsequentes eventos demonstraram, era um representante mais aberto e consciente daquela camada da burocracia que acreditava que sua posição privilegiada apenas poderia ser mantida nas bases do desmantelamento da já fortalecida economia planificada e um movimento rumo ao capitalismo, mascarado como “democracia”.
Tal era a rapidez dos desenvolvimentos nos estados stalinistas que por todo ano de 1989 o Militant foi obrigado a reexaminar constantemente e reavaliar sua análise. Em julho o jornal colocou a questão: “Pode o capitalismo ser restaurado na Polônia?”(10) Após a visita de Thatcher, o presidente americano Bush também exibiu o que de fato se tornou uma triunfal procissão pelas ruas de Gdansk. A multidão gritava “Fique conosco, fique conosco!” O líder do Solidariedade Lech Walesa declarou: “Vamos construir a América aqui no Leste Europeu.” Jaruzelski, desmoralizado com a ineficiência de sua contra-revolução militar stalinista, de fato admitiu num livro a falência do “socialismo”: O capitalismo, de acordo com ele, era o único caminho para a Polônia. Ele falou em termos ardentes sobre a derrota que Thatcher impôs aos mineiros britânicos. Em vista destes acontecimentos, o Militant, a maioria de sua direção, declarou francamente que:
O stalinismo na Polônia, Leste Europeu e URSS exauriu todas as possibilidades de um desenvolvimento verdadeiro das forças produtivas. Estagnação completa e até mesmo regressão em alguns campos (mesmo em comparação com o capitalismo no Ocidente) é evidente. Sob o capitalismo os limites ao desenvolvimento das forças produtivas são a posse privada de um lado e as limitações do estado-nação de outro. A indústria, através dos grandes monopólios, ultrapassou os estreitos limites do ‘mercado local’ e olha para o mercado mundial como base de suas operações. Nos estados stalinistas a posse privada foi abolida. Mas a vasta escala de desperdício, e descontrole, que é inevitável sob um regime totalitário dentro dos confins de um estado-nação, limita a utilização plena de uma economia planificada. Tanto o capitalismo quanto o stalinismo enfrentam as maiores crises de sua história. Mas comparadas com a podridão e estagnação do Leste Europeu as economias da Europa Ocidental, Japão e América no atual boom de oito anos e meio parecem ser mais bem sucedidas. Em todos os estados stalinistas uma ala da burocracia vislumbra o que se assemelha a “bombeiros econômicos”, como Trotsky colocou, no capitalismo Sem dúvida se o capitalismo mundial experimentar outro boom no nível de 1950-1975 a possibilidade teórica de um retorno ao capitalismo no Leste Europeu e na URSS não pode ser descartada. Mesmo então a restauração capitalista pode vir contra a resistência da classe trabalhadora… Um selvagem programa de austeridade também pode começar pontuando uma contra revolução capitalista triunfante. Mas a resistência dos trabalhadores pode também ser maior. (11)
A única coisa errada com essa análise é a cautela excessiva com os processos se desenvolvendo nos estados stalinistas. Tal era a podridão do stalinismo que não foi um boom econômico mundial estrutural mas o “falso” boom dos anos 80 que agiu como um imã para os trabalhadores destes países. Contudo, mesmo no final de 1989 os sinais vindos da antiga União Soviética eram confusos.
Terry Fields fez uma visita de sucesso na URSS, especialmente nas áreas mineiras. Os líderes mineiros da Sibéria escreveram em agosto para Terry Fields, Pat Wall e Dave Nellist explicando que eles “compartilham os principios que Lenin propunha para a criação de um democrático estado operário”. Esta foi uma resposta à carta enviada pelos MPs aos trabalhadores quando eles saíram em greve em julho. (12)
China – etapa do centro
A iminência de uma revolução política, ou a percepção disto, nos estados stalinistas foi reforçado pelos eventos tumultuosos na China em abril, Maio e Junho. O líder chinês Deng Xiaoping justificou as reformas da elite chinesa – descentralização e maior dependência dos mecanismos de mercado – proclamando: “Ficar rico é glorioso.” (13)
Inicialmente as reformas produziram resultados espetaculares na agricultura e indústria. Mas estes tiveram vida curta à medida que o crescimento na agricultura diminuiu e um certo aquecimento começou a se desenvolver na economia no final dos anos 80. Os trabalhadores foram golpeados pelos efeitos negativos das reformas. As condições de vida aumentaram durante algum tempo do rápido crescimento, especialmente nos setores rurais e privados, mas houve um grande aumento da inflação, escassez e desemprego. Mais de 50 milhões de “andarilhos” procuravam trabalho desesperadamente. Mostramos que
Mesmo nos períodos mais dinâmicos as economias planejadas burocraticamente sempre sofreram do problema de desequilíbrios na balança… Deng diz que, “não há contradições fundamentais entre um sistema socialista e a economia de mercado”. Mas mercados são essencialmente não-planejados, atraindo recursos aos campos mais lucrativos sem considerar as necessidades totais da economia e minando a efetividade de um planejamento central (14)
Face ao retrocesso de seu programa de reforma Deng começou a vacilar Os defensores da linha dura do centralismo burocrático, tal como Li Peng, foram para a ofensiva contra líderes como Zhao Ziyang, o secretário geral do Partido Comunista. A inevitável corrupção e nepotismo, associados com a restauração parcial do mercado, acenderam o descontentamento das massas, que foi inicialmente refletido no movimento entre os estudantes. As camadas médias da sociedade, especialmente os estudantes, são sempre um termômetro dos profundos processos na sociedade. O descontentamento dos estudantes resultou em manifestações em janeiro de 1988, que levou à demissão do secretário geral Zhao Ziyang, em junho do mesmo ano. Os estudantes denunciavam a corrupção, exigiam direitos humanos, pediam a libertação dos dissidentes presos. Os linha-duras, temendo que este movimento pudesse resultar em protestos de trabalhadores, denunciaram Zhao e a ala reformista. Esta luta fracional dentro da liderança chinesa abriu as portas para o movimento dos estudantes, ao começo de uma revolução política e o subseqüente massacre da praça Tiananmen.
Os estudantes se reuniam atrás da ala burocrática de Zhao como um meio de democratizar o regime. Em abril e começo de maio, Beijing foi convulsionada com três grandes manifestações com mais de 100 mil, a última no dia do aniversário das grandes manifestações estudantis de 4 de maio de 1919. Os estudantes mostravam grande iniciativa
ao construir seu próprio comitê coordenador do campus, envolvendo 30 colégios e universidades em Beijing. Eles viraram as costas aos domesticados sindicatos estudantis legais, que estigmatizavam os novos comitês ‘ilegais’. (15)
Seus alvos eram o nepotismo, especialmente a “juventude dourada”, os filhos dos altos burocratas. Por exemplo, o filho de Deng encabeçava uma organização de “caridade” que era cercada pelo fedor da corrupção. Seus genros ocupavam importantes posições na lucrativa agência estatal de armas. Os filhos do premier Li Peng e do secretário do partido Zhao tinham posições proeminentes em uma das zonas econômicas especiais. Isso contrastava com as esquálidas condições de vida dos estudantes, vivendo principalmente nos campus, quatro ou seis se apertando em pequenos quartos.
Quando eles marcharam aos milhares cantavam a Internacional. É verdade que ao lado disso havia uma imitação da “Estátua da Liberdade” na Tiananmen Square, que sem dúvida mostrava a confusa consciência, que era inevitável no primeiro período após a saída da noite negra do totalitarismo. Mas seus slogans mostravam que os estudantes procuravam a direção de uma revolução política: “Vida longa à liberdade, vida longa à democracia… Abaixo com a tirania e a ditadura.” (16)
Além disso, mostravam um instinto seguro ao procurar se ligaram aos trabalhadores, que os saudavam quando passavam pelas fábricas, escritórios e sítios de construção: “Vida longa aos Trabalhadores!” gritavam os estudantes “Vida longa aos estudantes!” era a resposta dos trabalhadores.
Face a esse movimento de massas a ala linha dura da burocracia, que Deng se juntou com seu terror, tentou ganhar tempo para preparar as forças para esmagar o movimento. Mas cada movimento dos estudantes era maior que o último e sem dúvida provocaria uma onda revolucionária por toda a China. Quando Gorbachev visitou a China em 15 de maio um milhão, talvez dois milhões, saíram às ruas de Beijing. O movimento se espalhou de um ponto da china a outro, Guangzhou, Shanghai e muitas outras cidades foram contagiadas. Os trabalhadores e mesmo o exército confraternizavam abertamente com os estudantes.
Depois que Gorbachev se foi enormes destacamentos de tropas com tanques começaram a se mover para Beijing. Milhões de estudantes e trabalhadores saíram para encontrá-los, barrando seu avanço. Em 20 de maio um esquadrão da tropa de choque atacou uma barricada mas foi repelida. Outros policiais se passaram para o lado dos manifestantes:
Apesar da declaração de Li Peng da lei marcial, unidades chave do exército retrocederam depois de ficar face a face com as massas. O comandante do 38° Exército, que tinha uma filha estudante entre os manifestantes na praça, anunciou que não implementaria as ordens de intervir. (17)
O chefe do exército declarou que o exército não se moveria contra trabalhadores estudantes na praça Tiananmen. Todas as condições estavam postas para a derrubada da burocracia. Sua direção estava suspensa no ar, com a própria burocracia e o exército divididos do topo à base. Foi reportado que seis dos sete comandantes militares regionais se recusaram em 20 de abril a atender uma reunião chamada em Beijing para planejar uma estratégia de ataque aos manifestantes. Mas o que faltava na situação era uma liderança com objetivos claros e demandas que pudessem ligar o movimento estudantil com o dos trabalhadores. O tempo é essencial numa revolução. Falhar em agarrar uma oportunidade quando o tempo está pronto pode significar que a oportunidade revolucionária pode facilmente escapar pelos dedos. Engels resumiu a essência da situação quando disse que há períodos de anos, algumas vezes 20 ou mais, que parecem ser apenas um dia na vida da sociedade. De outro lado, há dias em que os eventos de 20 anos parecem ser comprimidos. Pobre daquele partido revolucionário que falha em agarrar a oportunidade que se apresenta em tais períodos.
A classe trabalhadora russa provavelmente teve a oportunidade em 1917 em setembro, outubro e novembro de tomar o poder. Com o voto democrático dos sovietes (conselhos operários), em nome deles os bolcheviques tomaram o poder em 25 de outubro. Um atraso deste partido poderia significar que a oportunidade poderia ser perdida e não ocorrer de novo sem a contra-revolução primeiro levantar sua cabeça e esmagar a revolução. Uma situação similar, com as mesmas oportunidades, existia na China em abril, maio e junho de 1989.O que estava envolvido não a uma revolução social para alterar o caráter da economia ou mudar a posse dos meios de produção, mas uma revolução política para mudar a “superestrutura”, substituir o regime totalitário pela democracia dos trabalhadores.
Gradualmente, a linha dura da burocracia representada por Li, e Deng, reuniu as forças para esmagar o movimento dos estudantes. Até onde a elite estava preparada para ir foi mostrada por Deng que brutalmente insinuou futuras vitimas: “Na China, um milhão de pessoas ainda é um número pequeno.”(18)
Os primeiros a se mover contra os estudantes e trabalhadores na praça Tiananmen chegaram no sábado, 3 de junho. Ao amanhecer 10 mil jovens e desarmados soldados marcharam pelo Changan Boulevard até a praça. Eles foram rapidamente bloqueados e cercados pela multidão de mais de 20 mil pessoas, que começaram a formar barricadas. “Para casa! O exército do povo deve amar o povo!” gritava a multidão. Muitos dos soldados voltaram e fugiram, enquanto estudantes e trabalhadores confraternizavam com outros. Mas Li e Deng começaram a construir uma força de 100 mil soldados em torno de Beijing. No domingo, 4 de junho, eles foram empregados para realizar o infame massacre da praça Tiananmen.
Steve Jolly, [militante do CIO] da Austrália, foi convidado pelo Militant e nossos correligionários internacionais a ir para Beijing para cobrir estes históricos eventos e para levar a solidariedade dos apoiadores do Militant. Ele falou para uma reunião de massas na praça Tiananmen onde apresentou um programa para a democracia dos trabalhadores que recebeu apoio entusiástico das massas estudantis reunidas lá. Ele foi uma testemunha do massacre da praça Tiananmen; seu relato é mais vivido que qualquer outro que apareceu na imprensa burguesa:
No dia seguinte ao massacre na praça Tiananmen o chamado para uma greve geral foi escrito com sangue nas paredes e janelas de toda cidade. Antes do derramamento de sangue todos sabiam que o exército estava prestes a atacar. Os estudantes e trabalhadores paravam ônibus e caminhões. Caminhoneiros levantavam barricadas.
No lado sul da cidade eu vi um comboio de 40 caminhões do exército que tinha parado. Trabalhadores e jovens rogavam aos soldados lá dentro. Outros foram trazidos para o ataque. Estudantes que estavam comigo disseram-me para ir, à medida que as tropas estavam prontas para o ataque. Eu marchei junto com eles. Um trabalhador com quem eu falei disse-me que estava usando um sobretudo da sorte. Ele o manteve consigo. Depois do ataque seus quatro amigos estavam todos mortos. Eu vi um tanque esmagar 20 pessoas no chão… Eu falei para grupos de trabalhadores e jovens, explicando as 4 demandas de Lenin para a democracia operária, eleições para todos os oficiais sujeitas a revogação, nenhum oficial deve receber mais do que o salário médio de um trabalhador qualificado, o povo armado e não um exército permanente… Depois do ataque eles entusiasticamente as apoiaram. Alguns gritavam: “O povo precisa ser armado para a insurreição.” (19)
À medida que os estudantes chineses eram alvejados pelo Exército de Libertação Popular “socialista, eles cantavam a Internacional. Seis estudantes, um após o outro, avançaram rumo ao exército, cada um apanhando e levantando a bandeira vermelha que tinha caído das mãos de seus camaradas mortos. Por todo o mundo houve uma enorme onda de solidariedade aos heróicos estudantes e trabalhadores de Beijing.
Solidariedade
Na Grã-Bretanha uma demonstração de milhares se reuniu na Chinatown londrina. Os únicos oradores do movimento trabalhista britânico foram os MPs Tony Benn e Dave Nellist que foram recebidos entusiasticamente.Dave Nellist saudou o magnífico movimento dos trabalhadores, estudantes e camponeses chineses como um “farol para os trabalhadores de todo o mundo… Deng e Li Peng não terão sucesso em reprimir as demandas pela democracia socialista.”(20)
Ele também chamou pela implementação das 4 demandas de Lenin pela democracia operária. A demonstração, que chegou a 5 mil pessoas em seu pico cantava a Internacional à medida que marchava para a Embaixada Chinesa.
O mundo capitalista, sua imprensa e mídia, deram uma cobertura extensiva aos eventos de Tiananmen. Contudo, seus verdadeiros sentimentos foram expressos no programa de TV Newsnight por Ted Heath, antigo primeiro ministro Conservador e por Henry Kissinger, o braço direito de Nixon no Vietnã.
Heath declarou:
Os estudantes e trabalhadores chineses não querem o tipo de democracia que nós advogamos… Eles estavam cantando a Internacional. (21)
Kissinger queixou-se que era uma infelicidade que o movimento de massas tenha manchado o fim da carreira de Deng. Para constar, ambos se opunham ao derramamento de sangue. Mas mais importante para eles era a manutenção do comércio e outras relações com a burocracia chinesa. Talvez a contribuição mais nauseante tenha vindo de Gerald Kaufman, porta voz das relações internacionais Trabalhista, que declarou que “pelo que pude entender o governo chinês queria tomar o controle da praça, embora eles tenham ido imensuravelmente longe demais em reaver o controle.” (22)
O esmagamento do movimento de Tiananmen teve um profundo efeito internacionalmente e dentro da própria China. A contra-revolução stalinista não levou a um amplo período de consolidação do regime. Dada a derrocada social que era iminente no Leste Europeu e na União Soviética, a China também estava destinada a se mover em direção ao mercado.
A elite chinesa privilegiada foi cuidadosa em evitar os “erros” de Gorbachev. Aceitaram totalmente a necessidade de se mover em direção à restauração do capitalismo mas também se precaveram contra a democratização. Eles corretamente temiam que concessões democráticas pudessem abrir os portões para uma nova Tiananmen que poderia derrubá-los. Apesar do enorme crescimento econômico e a existência de setores puramente capitalistas, como a província de Guandong, novas “Tiananmens” estão sendo preparadas. Num primeiro momento elas provavelmente não tomarão a forma do movimento de 1989 que exigia demandas por uma revolução política desde o inicio. O esmagamento do movimento de 1989 e outros eventos minaram temporariamente a atração do socialismo para uma ampla camada da classe trabalhadora e do campesinato chinês. As massas em áreas como as de Guandong, já experimentam o barbarismo, inevitável quando o capitalismo e restaurado. Movimentos já estão sendo tomados em direção à criação de sindicatos tipo “Solidariedade”
Leste Europeu
Mas os eventos na China também tiveram um profundo efeito em determinar a consciência das massas no Leste Europeu e na União Soviética em 1989-90.
A restauração do capitalismo, Militant agora admitia, não era apenas uma “possibilidade teórica” mais uma possibilidade – se não uma probabilidade. Comentando os eventos na Hungria e Polônia nós declaramos em outubro de 1989:
Um importante setor da burocracia húngara tirou a conclusão que um meio caminho nunca terá sucesso e está preparada para ver o capitalismo ser restaurado. Eles apóiam a contra-revolução.
Alguns dos burocratas polacos também aceitaram que era necessário restaurar o capitalismo:
Mesmo agora, 90% dos novos negócios criados na Polônia estão nas mãos da nomenclatura – os burocratas. Se o capitalismo voltar eles estão determinados a botar suas mãos encardidas nos lucros.
Mas a Alemanha Oriental viu um movimento de massas – “poder popular” – que não apenas derrubou a oligarquia stalinista, mas levava à restauração do capitalismo. Isso deu um poderoso impulso às forças pró-capitalistas no resto da Europa Oriental e na União Soviética. Contudo, o movimento convulsivo nos últimos três meses de 1989 na Alemanha Oriental era sem dúvida na direção de procurar a derrubada da elite privilegiada, mas também pela manutenção da economia planejada. Como na China, a cantoria da Internacional era ouvida em praticamente toda demonstração.
Militant comentou em outubro:
“Os trabalhadores e jovens querem o fim do governo burocrático. Eles estão tencionando para um programa de democracia operária com economia planificada.”
Na segunda 16 de outubro, 120 mil tomaram o centro de Leipzig, a maior demonstração única na história do estado. Uma reportagem ocular publicada no Militant, de uma manifestação de jovens em Berlim Oriental, declarou:
Os jovens marcharam direto para eles (a policia), gritando: “Vocês são a policia do povo. Nós somos o povo. Quem vocês estão protegendo?”
Eles cantavam a Internacional e então começaram a cantar uma música das lutas contra os fascistas, chamada “A Frente Unida dos Trabalhadores”. Suas palavras tiveram um efeito particular na polícia: “Vocês pertencem à frente unida dos trabalhadores também, porque vocês são trabalhadores!” A polícia simplesmente parou e afastada à medida que os jovens passavam. Nos pubs soldados conscritos discutiam abertamente com os trabalhadores e jovens. Um grupo estava discutindo a perspectiva de ao seu regimento ser ordenado atirar nos manifestantes.Um conscrito exclamou: “Eles podem ordenar mas jamais atiraremos no povo. Se eles fizerem nós, ao invés disso atiraremos nos oficiais.”
Honecker, o líder stalinista, foi derrubado e substituído por Egon Krenz. Este falhou completamente em satisfazer os trabalhadores e jovens. Um trabalhador colocou: “Queremos todos, todos, todos eles removidos.” Em Leipzig havia marchas semanais que dobravam de tamanho até alcançar 300 mil. De novo estas manifestações ecoavam o som da Internacional. Posto temporariamente à frente do movimento estava um grupo da intelligentsia, em torno da organização “Novo Fórum”. Militant declarou:
Os instintos das massas devem agora ser concretizadas através da agitação de comitês de soldados ligados aos comitês de trabalhadores – os conscritos serão mais do que receptivos.
Num dado momento a burocracia alemã oriental, na figura de Krenz, até contemplou seus primos stalinistas chineses, querendo afogar o movimento em sangue.Contudo, foi revelado depois que Gorbachev e a burocracia russa conteve as ordens de Krenz, temendo que um massacre pudesse resultar num movimento como a da Hungria em 1956, que na situação que prevalecia poderia se espalhar pelo resto da Europa Oriental e na própria União Soviética.
Nos últimos meses de 1989 o movimento contra os regimes stalinistas no Leste Europeu se movia numa velocidade acelerada. Na Alemanha Oriental ele se desenvolveu em meses, na Tchecoslováquia em semanas e na Romênia em dias. Após a abertura do Muro de Berlin um grande setor da população alemã oriental especialmente a juventude, votou com seus pés contra o regime stalinista. Eles saíram pelas fronteiras para fitar as janelas das lojas e comparar sua existência monótona com os altos padrões de vida do Ocidente.
As atrações do capitalismo pareciam ser esmagadoras. Este sentimento foi reforçado pelo fedor da corrupção stalinista, Foram revelados para todos as mansões secretas da elite no interior do país, seus palácios e vida de luxo. Tudo isso emergiu abertamente no fim de 1989.
Contudo, o fluxo da população oriental para o Oeste ameaçava desestabilizar totalmente a posição do capitalismo alemão ocidental. Portanto ao invés da população alemã oriental vir até o “Mercado” (a moeda alemã ocidental), os estrategistas capitalistas da Alemanha Ocidental decidiram levar o “Mercado” até eles. No leste havia dúvidas, hesitação e oposição à idéia de reunificação capitalista com o Oeste, mas uma vez que os políticos capitalistas deste prometeram que isso abriria as portas para as “condições de vida ocidental” para a população da Alemanha Oriental, esta oposição se evaporou.
Contudo, as reportagens do Militant claramente demonstravam que os elementos da revolução política, mais do a volta ao capitalismo, predominavam no movimento na Alemanha Oriental no primeiro período. Os slogans levantados em Leipzig em 14 de novembro eram “Eleições livres! Abaixo com todos os privilégios dos SED!” Em outras manifestações, os slogans eram “Formar conselhos de trabalhadores” e “Todo o poder aos conselhos”. Além disso, uma pesquisa mostrou que 74% na Alemanha Oriental se opunham à reunificação com a Alemanha Ocidental.
Contra-revolução de veludo
Seguindo os passos dos levantes revolucionários na Alemanha Oriental o movimento na Tchecoslováquia se desenvolveu em novembro e dezembro numa velocidade emocionante. Em 17 de novembro, 10 mil pessoas, principalmente estudantes, marcharam pelas ruas de Praga para se encontrar com os cassetetes da polícia. E dentro de uma semana toda Praga estava ressoando o som de meio milhão de pares de pés em marcha. Não eram apenas os estudantes, intelectuais e trabalhadores profissionalizados – a classe trabalhadora industrial, subjugada por 20 anos, estava lá. Até mais do que a Alemanha Oriental, a classe trabalhadora começou a por sua marca na situação com uma greve geral, embora por duas horas. O Militant comentou:
Enquanto as massas sabiam o que não queriam, estava menos claro o que elas queriam.
Panorama geral
Havia dois lados do movimento que varreu a Europa Oriental em 1989. De um lado, a economia planificada começou a ser liquidada. Isso fortaleceu o capitalismo acima de tudo na esfera ideológica. Permitiu às classes possuidoras internacionalmente conduzir uma campanha em torno das virtudes de seu sistema. Mas de outro lado mostrou um vivo exemplo de movimento de massas “do povo” que poderiam reduzir a pó regimes que pareciam ser invulneráveis.
1989 também viu a desintegração do stalinismo não apenas em sua “base caseira” mas em seus postos avançados como um todo. Uma expressão disso foram os acontecimentos no Afeganistão. Internacionalmente, a burocracia russa se moveu de uma posição de apoio à criação do stalinismo (isso, é, estados operários deformados) em Cuba, Etiópia etc, para nos meados da década de 70, para um ponto de vista oposto quando apareceu a questão da Nicarágua. O regime Sandinista sem dúvida poderia ter se movido na direção de um estado operário, após a derrubada de Somoza em 1979. Mas ele foi ativamente desencorajado disso não apenas pela burocracia russa, mas também por Castro em nome da elite cubana. Este criou ele próprio um estado operário deformado em 1960 sem primeiro receber a benção e a ratificação prévia da burocracia russa. Contudo, a existência de um estado operário cubano deformado, no nariz do imperialismo americano, fortaleceu a burocracia russa sob Khrushchev. Eles estavam muito felizes de subscrever financeiramente o regime cubano.
Mas as crescentes dificuldades econômicas da burocracia russa, junto com outros fatores, produziram uma mudança de abordagem no tempo da revolução nicaragüense: “Uma Cuba é suficiente”, era sua palavra de ordem.
Eles interviram originalmente no Afeganistão por razões estratégicas e outras. Eles queriam criar um estado “pára-choque” amigável em suas fronteiras, um que se assentaria nas mesmas fundações sociais que eles. Mas o ponto de vista da burocracia sofreu uma mudança no curso dos anos 80, especialmente com a chegada ao poder de Gorbachev. O imperialismo americano despejou armas e recursos para apoiar os “Mujaheddin” esfarrapados e totalmente dependentes. Dados a preparação da burocracia russa para defender os ganhos da “revolução” afegã, o Militant originalmente descontou a possibilidade de que os Mujaheddin pudessem ganhar. Contudo, dado a reconciliação da burocracia russa com o imperialismo dos EUA mais os crescentes custos de financiar o regime de Kabul, Gorbachev reavaliou sua posição. O colapso do regime de Kabul e um período seguinte de caos se tornaram uma possibilidade distinta.
Afeganistão – desacordos no Militant
Uma estimativa do que poderia acontecer foi um motivo de fricção entre a maioria do Corpo Editorial, dirigida por mim e Lynn Walsh e a minoria de Ted Grant e Alan Woods. A percepção de Woods e Grant de que o regime de Najibullah estava firmemente escorado no poder e que não poderia ser desalojado, evaporava em face da evidência das cenas de TV e da imprensa a cada dia. Enquanto os Mujaheddin não poderiam “ganhar” no sentido de tomar o poder e governar o Afeganistão de um modo estável, apesar de tudo a retirada da burocracia russa e um período seguinte de caos estava à mostra. Lynn Walsh e eu insistimos que o Militant lidasse com isso em suas análises na situação no Afeganistão.
A isso resistiu Ted Grant. A visão da maioria prevaleceu e foi refletido no material que apareceu no Militant. Em fevereiro de 1989 nós comentamos: “Para a enorme surpresa dos governos capitalistas ocidentais, todas as forças russas serão retiradas do Afeganistão antes de 15 de fevereiro.” Falávamos que:
Estórias exageradas de propaganda sempre foram uma característica das reportagens do Afeganistão, e isso sem dúvida continuará. Apesar de tudo, o quadro de caos e colapso aprofundado que emerge das reportagens da televisão e dos jornais capitalistas sérios é muito consistente para ser ignorado.
Najibullah, numa tentativa desesperada de conciliar o imperialismo, agora que a burocracia russa está puxando o tapete debaixo dele, foi forçado a abandonar a etiqueta “marxista”. Comentando sobre isso o Militant declarou:
A retirada russa, sob estas circunstâncias, é uma derrota para a burocracia. Isso foi admitido, implicitamente, em recentes declarações de Gorbachev e do ministro das Relações Exteriores Shevardnadze. As fileiras dos soldados russos estão sendo levadas sem qualquer sentido de ‘realização revolucionária’. (23)
Gorbachev decidiu claramente que, dados os amplos objetivos políticos globais da elite russa, não vale a pena segurar o Afeganistão. Contudo, o Militant não tirou disso a conclusão que os esfarrapados grupos tribais e religiosos que fizeram a “resistência afegã” eram capazes de se unirem num movimento nacional coerente com objetivos comuns. Alertamos que um período de caos e guerra civil entre os diferentes grupos muçulmanos poderia fazer com que o país retrocedesse ao tradicional feudalismo entre os diferentes grupos religiosos e étnicos. A conclusão tirada era que
O que quer que aconteça, parece inevitável agora que as mudanças revolucionárias inauguradas em 1978-79 irão retroceder em grande medida no Afeganistão. A responsabilidade deste retrocesso está no stalinismo que não tem nada em comum com o marxismo genuíno ou o internacionalismo. (24)
Esta análise foi veementemente objetada pela tendência Grant/Woods. Eles demonstraram mais uma vez uma atrofia de pensamento ao se recusar a enfrentar os novos problemas postos pela podridão do stalinismo e seus efeitos tanto dentro dos estados stalinistas quanto numa escala mundial.
Consequências na África do Sul
Sua incapacidade também foi revelada em outro conflito que estourou nas fileiras do Militant na questão dos eventos na África do Sul. Ted Grant se recusou a admitir que o regime do apartheid pudesse se retirar da Namíbia. Infelizmente eles convenceram os dirigentes do Congress Militant (nossos correligionários sul-africanos) a adotar uma posição similar. A ele se opuseram uma vez mais eu, Lynn Walsh, Dave Cotterill e outros. Em dezembro de 1988 na conferência mundial na Bélgica mencionada antes, Dave Cotterill argumentou que o regime do apartheid poderia se retirar da Namíbia por causa de várias mudanças importantes que estavam ocorrendo. Acima de tudo, as mudanças que ocorriam dentro da burocracia russa presenteavam o regime de de Klerk com uma “janela de oportunidades” para executar uma retirada estratégica sem por em risco a posição da classe dominante Sul-africana ou os interesses do imperialismo.
No passado, o regime sul-africano usou de brutal repressão militar na Namíbia. Com sua intervenção em Angola e Moçambique isso surgiu do medo que uma série de estados operários deformados fossem criados em suas fronteiras. Se a estes fossem permitido ter sucesso e se estabilizarem, isso inevitavelmente levaria ao reforço dos movimentos oposicionistas da classe trabalhadora sul-africana. Até mesmo quando eles foram forçados a se retirar de Angola, A África do Sul, com a conivência e apoio financeiro do imperialismo sustentou as forças contra-revolucionárias da Unita. Eles também perseguiam uma implacável política de desestabilização em Moçambique, com desastrosas consequências econômicas e sociais para aquele país, sentidas até o presente. Face a uma ameaça similar na Namíbia, o regime de de Klerk poderia continuar sua política de repressão.
Mas o novo fator crucial na situação era a mudança na posição da elite burocrática russa. Ela estava mais preocupada com seu próprio poder, prestígio e rendimentos do que os interesses das massas oprimidas do terceiro mundo. Dada a sua fraqueza econômica, a burocracia de Gorbachev estava cortando seus gastos internacionalmente e pressionando antigos “aliados” a aceitar a continuação do capitalismo. Isso foi o pré-requisito para o acordo Namibio.
As políticas “socialistas” do SWAPO, o movimento de guerrilha, foram dispensadas a favor de uma “economia mista”, isto é, o capitalismo. Desde que chegou ao poder em novembro de 1989 o SWAPO justificou inteiramente as esperanças postas nele pelo imperialismo e de Klerk. Longe de implementar um programa radical de nacionalização e reformas para beneficiar as massas, eles perseguiram a política oposta de manter a “propriedade privada”. Os investimentos do imperialismo foram garantidos e a repressão tem sido usada contra os movimentos da classe trabalhadora (tais como os mineiros), para defender e melhorar suas situação..
A falência em reconhecer o novo elemento na situação levou Ted Grant e Alan Woods a cometer erros de perspectivas tanto em relação à Namíbia quanto mais seriamente na África do Sul. Se suas visões tivessem persistido teriam desorientado seriamente os membros e apoiadores do Militant tanto na Grã-Bretanha e numa escala internacional.
Todos os fatores que acordo Namibio estavam presentes na África do Sul, só que maiores. A repressão não estava funcionando na situação diferente que o país vivia. Pelo fim do século ou pouco depois estimava-se que haveria 50 milhões de negros na África do Sul e 5 milhões de brancos. Todas as políticas do apartheid estavam colapsando à medida que os negros se moviam para as grandes cidades ignorando completamente e anulando as “leis de passe” e os cruéis “Atos dos Grupos de Área”. Ao mesmo tempo, as mudanças na União Soviética tiveram um efeito similar, se não maior, na direção do CNA, do que na direção do SWAPO. Temendo uma revolução vinda de baixo, de um modo muito em voga nesta época. o regime de de Klerk procurava reformas vindas de cimas. Em negociações secretas com Mandela, mesmo antes deste deixar a prisão, De Klerk chegou a um acordo para iniciar negociações levando a eleições em base a “uma pessoa, um voto”, mas não a um genuíno “governo da maioria”.
Indiferente às mudanças que estavam tendo lugar, Ted Grant desconsiderou completamente tal possibilidade. Ele teimosamente defendeu a posição anterior do Militant. Ele sustentava que não havia possibilidade de eleições, ou sufrágio universal, ou o desmantelamento do apartheid dentro dos limites do capitalismo. A marcha dos eventos, especialmente após a libertação de Mandela, confirmou completamente a posição dos que se opunham a ele. A maioria rearmou teoricamente e ideologicamente o Militant nestas questões. A incapacidade de fazer isso teria minado as forças do marxismo na complicada situação que se desenvolveu no final dos anos 80 e começo dos 90.
1 Militant 889 25.3.89 2 Mikhail Gorbachev, “Perestroika”, P118 3 Militant 889 25.3.89 4 Militant 897 20.5.88 5 Militant 902 24.6.88 6 ibid 7 Militant 935 10.3.89 8 Militant 938 31.3.89 9 ibid 10 Militant 954 21.7.89 11 ibid 12 Militant 958 1.9.89 |
13 Militant 940 14.4.89 14 ibid 15 Militant 944 12.5.89 16 ibid 17 Militant 946 26.5.89 18 Militant 948 9.6.89 19 ibid 20 ibid 21 ibid 22 ibid 23 Militant 931 10.2.89 24 ibid |