Tsunami na Ásia – Capitalismo global agrava a tragédia
Todos os habitantes da região e dezenas de milhões por todo o mundo estão chocados e confusos pelos acontecimentos nas costas do Oceano Índico na manhã de 26 dezembro.
Ao redor do globo, expressa-se um enorme sentimento de condolências e um desejo de fazer algo para ajudar. As pessoas acham que algo deve ser feito, não só para enterrar os mortos e cuidar dos sobreviventes, mas também prevenir qualquer repetição desta destruição tão generalizada. Perguntamo-nos: “Porquê este enorme número de vítimas? Porque não existe nenhum sistema de advertência? Qual será o futuro para os milhões afetados? Como podem as suas vidas ser não só reconstruídas, mas melhoradas?”.
Como o Financial Times escreveu no dia 29 de dezembro: “O número de turistas estrangeiros apanhados pelo tsunami causado pelo terremoto de domingo assegurou a atenção mundial a um desastre que, de acordo com as Nações Unidas, foi sem igual levando em consideração a grande área devastada e a quantidade de países atingidos”. Isto contrasta totalmente com a escassa cobertura dada exatamente um ano atrás em relação ao terremoto iraniano de 26 de Dezembro de 2003 em Bam, quando dezenas de milhares também morreram de forma cruel e repentina.
Entre mortos, desaparecidos, feridos e desalojados estão milhares de turistas. Tinham vindo da Europa e de outros lugares passar as férias em “paraísos terrestres” aparentemente ‘calmos’ na Tailândia, Maldivas e Sri Lanka. Na manhã de 26 dezembro, foram lançados, em questão de minutos, num verdadeiro inferno na terra.
Escala das vítimas
O número de mortes para a região dobrou num dia – terça-feira, 28 dezembro – para mais de 60 mil. Em 29 de dezembro eram mais de cem mil. Mais da metade dos mortos até agora registrados são da região do Aceh, na ilha de Sumatra e uma parte significativa está no Sri Lanka. Um alerta do departamento meteorológico da Tailândia, que soube o que estava para acontecer uma hora antes da chegada do tsunami, foi retido com medo do que poderia acontecer à industria do turnismo. Hoje não resta muita coisa dessa industria.
Mais da metade de todas as vítimas são crianças, incapazes de nadar, muito fracas para se agarrar a uma árvore ou aos pais.
‘Desastre natural’
Em meio aos números do pesadelo, brilham exemplos de heroísmo e abnegação humanos. A solidariedade humana exibida tem sensibilizado e inspirado, em contraste com a brutalidade canina da sociedade que conhecemos sob o capitalismo.
Entre relatos de Aceh (na Indonésia) e do Sri Lanka há exemplos de inimigos de longas décadas em guerras de liberação nacional, transcendendo a sua hostilidade e cooperando no salvamento e operações de assistência. Surgem esperanças de que um ‘desastre natural’ possa trazer a paz que os governos capitalistas não puderam afiançar durante décadas, mas estas só serão asseguradas se as pessoas forem capazes de trabalhar juntas para garantir o seu futuro.
É compreensível que a pergunta “Por que isso tinha que acontecer?” esteja na mente de milhões. Será que a escala incalculável deste sofrimento humano seria inevitável? Se não, quem devemos culpar?
Haverá uma explosão social?
Em países europeus como a Suécia, com mais de 2 mil cidadãos mortos, e nos países mais severamente atingidos, este desastre é o 11 de Setembro em letras grandes. Nada será o mesmo depois disso.
Como as guerras, as catástrofes naturais expõem as prioridades dos governantes, levando toda uma camada da sociedade, especialmente entre a juventude, a questionar e a tentar mudar o sistema. Por isso, as catástrofes podem ter conseqüências revolucionárias. Em 1883, um tsunami causado pela explosão vulcânica da ilha de Krakatoa, na costa leste de Sumatra, levou a população a se insurgir contra o colonialismo holandês (culpando o deus dos exploradores pelas 40 mil mortes). Um terremoto na Nicarágua, em 1972, destruiu os últimos vestígios de apoio ao velho regime, minado pela corrupção e pela incapacidade de reconstruir a capital, Manágua.
Chandrika Kumaratunge, presidente do Sri Lanka, explicava aos jornalistas no dia do desastre “Nós não estamos equipados para lidar com um desastre desta magnitude”. Ela também admitiu que o governo é incapaz de lidar com a enorme operação de assistência humanitária necessária. Países nos quais terremotos e maremotos são um risco devem estar equipados com sistemas de advertência prévia. O custo é irrisório se comparado com as perdas e custos em salvamento e assistência na escala que agora é necessária.
Os governos sueco e britânico, na tentativa de ocultar os números de seus cidadãos mortos na tragédia e de sua própria incompetência em resposta, têm ganhado o merecido escárnio de muitos dos seus eleitores.
Ano passado, na Espanha, o partido de Aznar foi punido nas eleições por mentir sobre os bombardeios em Madri. O comportamento desses governos irá ter repercussões em longo prazo.
Os capitalistas e imperialistas que tentam impor políticas neoliberais contra os trabalhadores e os pobres destes países deveriam pôr alguma fração dos ganhos obscenamente adquiridos para os proteger. É o caso dos EUA, que gastam apenas 0.14% do seu PIB em assistência internacional, menos, em proporção, que qualquer outra nação modernizada.
A ilha de Diego Garcia, aparentemente tão vulnerável quanto outras ilhas no Oceano Índico, escapou sem qualquer vítima. Isto porque os EUA têm uma base da Força Aérea nessa ilha e que está ligada diretamente ao Comando dos EUA no Pacífico, no Havaí, que sabia do terremoto horas antes que o tsunami atingisse as costas da ilha. Apenas meia hora de antecedência do alerta daria bastante tempo para fugir dos efeitos da onda. Como um perito em pesquisa de catástrofes escreveu no “ The Independent ”: “Premeditação e ação prática podem fazer a diferença entre um acontecimento natural e um desastre natural”.
Tsunami econômico
Que conclusões tiram os marxistas? O Tsunami econômico do capitalismo e do imperialismo é mil vezes mais assassino que qualquer fenômeno natural. A mão invisível do mercado não só está por trás da escala completamente evitável do massacre do pior maremoto do mundo, como de muitos outros menos conhecidos.
Os seus representantes lamentam os inocente mortos no Sri Lanka e Tamil Nadu hoje. Mas, como uma carta ao “The Independent” lembra seus leitores em 29 dezembro: “de acordo com a OMS, quase 30 mil crianças com menos de 5 anos morrem diariamente de doenças evitáveis e tratáveis e que são responsáveis por 70% destas mortes.” Esse massacre diário é evitável com a provisão das mais básicas necessidades que o capitalismo retém.
O governo dos EUA gasta mais que o resto de todo o mundo em armamento. O seu orçamento para financiar a ocupação do Iraque no próximo ano é calculado pelo Christian Science Monitor (citado pela Newsweek ) entre 212 e 232 bilhões, isto representa mais de 4 milhões de dólares por semana!
Houve uma resposta enorme em muitos países para os apelos de organizações de caridade, mostrando o sentimento de profunda condolência e solidariedade que surgiu. A generosidade de milhões de pessoas ao redor do mundo, muitos deles de poucas posses – pensionistas, estudantes, trabalhadores querendo viajar aos locais do desastre para ajudar – está sendo incrível. Isso também é uma resposta contundente às idéias racistas.
Em contrapartida, a palavra “pão duro” está sendo largamente usada para descrever os grandes políticos, governos e multinacionais, com relação às suas respostas aos apelos de ajuda. George Bush, um dos políticos mais ricos do mundo e que declarou oferecer apenas 10 mil dólares para as vitimas do tsunami, gastou mais de 50 milhões em uma festa para comemorar o seu segundo mandato como presidente dos EUA, algo como se fosse uma coroação!
Mas muitos temem que tais doações não cheguem às pessoas mais necessitadas. Sindicatos e outras organizações de trabalhadores nos países doadores têm que tentar assegurar o despacho rápido de ajuda. Nos países atingidos, os representantes dos trabalhadores têm que intervir para assegurar que os donativos e a ajuda à reconstrução sejam distribuídos com justiça. Veja-se a demora da assistência a alcançar o Aceh, com mais de 40 mil mortes registradas, por causa do bloqueio ao acesso feito pelo governo e exército indonésios.
No pobre Tamil Nadu, podemos esperar uma repetição do que o jornalista Peter Popham chama a “manobra astuciosa de partidos locais e de políticos para assegurar bons assentos no “comboio do desgosto”. Haverá, sem dúvida, mais ajuda às vítimas do desastre melhores relacionadas do que às castas mais baixas e famílias ‘dalit’ que são até roubadas de meios para ganhar a vida.
Reafirmamos que não se pode admitir nenhuma discriminação na distribuição de ajuda com base de nacionalidade, religião ou posição política.
Também dizemos: deve haver o máximo controle democrático sobre toda a ajuda e programas de emergência por comitês de trabalhadores e pessoas pobres eleitas em cada área e em nível nacional.
A organização dos trabalhadores é a chave para a sobrevivência
Os trabalhadores são a única força que pode mobilizar-se para lidar com as crises reais que surgem localmente e internacionalmente provocadas pelo domínio capitalista.
Primeiro, na questão imediata da catástrofe do Tsunami, os trabalhadores organizados devem ter o controle sobre as operações de salvamento e reconstrução, devem marcar o ritmo estabelecendo controle democrático sobre o trabalho de assistência e reconstrução, e não deixar as decisões nas mãos de autoridades e burocratas corruptos e egoístas.
No Sri Lanka os sindicatos e partidos de esquerda têm que exigir o fim dos preparativos de guerra e que todo o dinheiro destinado para armamento seja empregado em programas de recuperação e de reconstrução.
É preciso cancelar a dívida externa e não apenas dilatar os prazos de pagamento.
O futuro do Sri Lanka
O Sri Lanka sofreu um dos mais severos golpes (provavelmente secundado pelo Aceh) infligidos pelo Tsunami. Claro que 20 anos de guerra civil levaram dez vezes mais vidas do que esse número e deixou todo o Norte com solo improdutivo, com pouca ou nenhuma infra-estrutura.
A região norte do Sri Lanka, a área do povo tamil é a menos capaz de lidar com um’ desastre natural’ e que tem recebido menos publicidade sobre o destino dos seus cidadãos. Perigos adicionais são as minas terrestres descobertas pelas ondas e o dano causado nas terras agrícolas pela água salgada que poluiu os campos.
Como nós explicamos antes, são grandes as esperanças de que a unidade na adversidade possa prevalecer. Em outros países da região, também há o apelo de uma resposta unida, independente de classes sociais, partidos ou antagonismos individuais.
Desde o 11 de setembro nós temos visto um aumento da presença americana na região, sob o argumento de guerra ao terrorismo. Agora, depois da devastação, os marines e navios de guerra estão chegando ao Sri Lanka e outros países alegando a necessidade de ajuda humanitária. Um marine americano revelou a um repórter que era estranho estar jogando pacotes de comida em Aceh. Apenas uma semana antes ele estava jogando bombas no Iraque.
Mas Bush está decidido a usar a tragédia para tirar vantagem da situação e ganhar mais prestigio, inclusive entre os muçulmanos em casa, e aumentar a presença militar americana na região.
Em sua chegada a Jacarta, capital do mais populoso país islâmico do mundo, ele declarou que os muçulmanos de lá, como os de todo o mundo, terão “uma oportunidade de ver a generosidade americana, os valores americanos em ação… e eu espero como resultado de nossos esforços… que esse sistema de valores seja reforçado”. A ajuda americana deverá também, ele acrescentou, “secar completamente os charcos de insatisfação de que se nutrem as atividades terroristas!”.
Isso é utopia. Como um correspondente da BBC, Jonathan Head, sublinhou, os dignitários estrangeiros que visitaram a região não têm nenhuma idéia da extrema pobreza e atraso das condições de vida da maioria da população. Poucos também sabem das décadas de luta dos Acehneses – contra os colonialistas holandeses, os invasores japoneses, e a opressão nacional do governo de Jacarta.
O porta-voz do Exército dos Tigres Tamil, Thamilchelvan, enviou uma declaração acusando a presidente do Sri Lanka e o exército de agravar deliberadamente as tensões que existem no país, especialmente nos campos de refugiados.
Apesar do brilhante exemplo dos trabalhadores Tamis e Singaleses mostrando uma instintiva solidariedade em face do desastre, os políticos, visando os seus próprios interesses, estão criando uma situação onde as hostilidades militares podem se reiniciar, com um custo enorme para a população.
O Partido Socialista Unificado (USP, seção do CIO no Sri Lanka) patrocina há muito tempo a luta pelos direitos democráticos nacionais do povo de língua Tamil na ilha do Sri Lanka.
Após o desastre do maremoto, é ainda mais vital dar ênfase à necessidade de unidade entre os trabalhadores pobres e pelos plenos direitos de igualdade de tratamento e autodeterminação para qualquer grupo minoritário.
O USP tem feito campanha contra o retorno à guerra civil e para que os povos Singalês, Tamil e os muçulmanos trabalhem em conjunto para solucionar os seus problemas.
Devem ser vertidos todos os esforços e recursos em reconstruir as vidas e casas das pessoas da ilha e a economia, mas isto significa o rompimento com o domínio da elite governante.
Apelo à solidariedade
Pedimos a qualquer um que simpatize com o que dizemos para nos contatar para discutir os nossos pontos de vista e para aderir à nossa Internacional.
Pedimos também qualquer colaboração para ajudar os nossos companheiros no Sri Lanka. O CIO e o USP ficam agradecidos pelas contribuições já feitas.
A necessidade imediata é de recursos para militantes do USP alcançarem as áreas mais afetadas pelo desastre. É vital, na ausência de qualquer comunicação, descobrir a situação dos militantes do partido e trazer materiais de purificação de água, comida e ajuda médica para eles. Alguns estarão até mesmo sem um teto e muitos estarão olhando o partido como suporte e ânimo para continuarem em face de grandes perdas pessoais.
Uma necessidade não sem importância é de recursos para a produção do jornal do partido e novos panfletos e cartazes que tratem do desastre, as suas causas e as saídas. Neles o USP levará a mensagem do partido e do CIO aos trabalhadores e jovens do Sri Lanka que estão lutando para entender o que aconteceu e o que precisa ser feito. O partido precisa também de ajuda nas suas campanhas para construir organizações unificads e representativas. Estas são vitais para assegurar que o programa de ajuda e reconstrução será dirigido às pessoas mais necessitadas, mas também para fazer campanha por um modo diferente, socialista de organizar a sociedade.