Escócia: a luta vai além do plebiscito

Amanhã, dia 18 de setembro, os eleitores da Escócia irão escolher, em um referendo, se o país se tornará independente do Reino Unido – o que poderá iniciar uma onda de movimentos separatistas em toda a Europa. Entretanto, mesmo com a independência, será preciso continuar a luta da classe trabalhadora contra a burguesia escocesa.

Autonomia e independência

A Escócia tem uma longa história de independência O Reino da Escócia surgiu ainda na idade média, no século IX, e durou como nação independente até 1707, quando foi incorporada ao Reino Unido. Os primeiros movimentos organizados em defesa de maior autonomia para a Escócia surgiram ainda no século XIX. Na década de 1920, o Partido Trabalhista britânico já levantava a bandeira do autonomismo – no caso, defendia o estabelecimento de um parlamento escocês, funcionando em paralelo ao parlamento britânico.

Nos anos 40, após a Segunda Guerra, circulou a Convenção Escocesa (Scottish Covenant), um manifesto que pedia uma assembleia escocesa. O documento foi assinado por dois milhões de pessoas – dentro de uma população total de cinco milhões de pessoas na Escócia.

A partir dos anos 1950, o grupo que passa a tomar a iniciativa na discussão por autonomia é o Partido Nacional Escocês (Scottish National Party, SNP). O partido, fundado em 1934, começa a ter algum peso eleitoral nos anos 1960 – e, para além da mera autonomia, o SNP traz o debate da completa independência da Escócia para o cenário político britânico.

“O petróleo é da Escócia!”

Nesse período, um grande argumento utilizado pelos políticos pró-união é que uma Escócia independente não teria como se sustentar, não seria economicamente viável. A Escócia, naquele período, era um país de forte tradição agrária e menos industrializado que a Inglaterra. Mas, no fim dos anos 1960 e começo dos anos 1970, acontecem as grandes descobertas de petróleo no Mar do Norte, na costa escocesa. Uma Escócia independente, portanto, poderia se manter com a renda desse petróleo e da indústria petroquímica. O SNP passa a defender esse cenário e cria o slogan “It’s Scotland’s Oil” (“o petróleo é da Escócia”).

Em 1979, aconteceu o primeiro referendo por autonomia para a Escócia, com a criação de um parlamento local. O “sim” ganhou com uma pequena margem, 51% contra 48%. Entretanto, a lei britânica exigia que, para a proposta ser aprovada, seria necessário que pelo menos 40% do eleitorado participasse do pleito. Mas só 32% dos eleitores foram às urnas. Ou seja, por causa das abstenções, o parlamento escocês não foi criado naquele ano. Apenas em 1997 aconteceu um novo referendo, Dessa vez, mais de 75% dos escoceses aprovou a criação de uma assembleia para o país.

Nas duas primeiras eleições, em 1999 e 2003, os Trabalhistas tiveram a maioria dos votos e, com isso, puderam formar o governo escocês. Em 2007, o SNP foi o mais votado e assumiu o governo – e, com isso, o debate pela independência voltou a tomar corpo. O SNP teve a maioria também nas eleições de 2011. Em março de 2013, o governo da Escócia propôs a realização de um plebiscito pela independência. A proposta foi aceita pelo parlamento britânico e a data marcada: 18 de setembro de 2014.

Independência: sim ou não?

A pergunta do referendo é bem direta: “A Escócia deve se tornar um país independente? Sim ou não?”. Todos os moradores da Escócia com mais de 16 anos podem votar, e basta uma maioria simples de votos (50% dos votos válidos, mais um) para a proposta ser aprovada.

O debate a favor e contra a independência, hoje, não gira mais só ao redor da questão do petróleo. Entre os argumentos a favor, estão a necessidade de autodeterminação dos escoceses, a criação de uma política de defesa independente e livre das armas nucleares britânicas e da OTAN. Uma Escócia independente teria pleno controle sobre seu orçamento e poderia realizar investimentos em áreas que o governo britânico atualmente negligencia, como energia limpa e renovável. A questão das políticas de austeridade contra a crise econômica também é importante. O SNP defende que uma Escócia independente não precisaria continuar as medidas que o governo britânico vem adotando, como cortes nas aposentadorias e nos serviços públicos.

As pesquisas de intenção de voto estão bem equilibradas. A maior parte apresenta resultados em torno de 45% a 49% a favor do “não”. Mas, desde dia 25 de agosto, depois de um importante debate na TV, o “sim” vem crescendo. Duas pesquisas, realizadas por institutos diferentes nos dias 5 e 11 de setembro, apontaram vitória do “sim”. Na última semana, as pesquisas voltaram a indicar vitória do “não”, por vantagens entre 4% e 7%. Entretanto, ainda existe um número grande de indecisos, entre 7% e 9%. Portanto, tudo pode acontecer.

As campanhas do “sim” estão sendo coordenadas principalmente pelo “Yes Scotland”, uma aliança entre o SNP, o Partido Verde da Escócia e o Partido Socialista Escocês. A campanha do “não” é liderada pelo grupo “Better Together” (“Juntos estaremos melhor”), formado pelos Trabalhistas, pelos Conservadores e pelos Liberais-Democratas, com o apoio de boa parte das federações industriais e sindicatos patronais do Reino Unido.

Já foram realizadas várias manifestações de apoio tanto ao “sim” quanto ao “não” com a presença de milhares de pessoas em várias cidades da Escócia. A campanha na internet e na TV também é intensa. Nas ruas, entretanto, a presença de material do “sim” é maior: adesivos, bancas, cavaletes, cartazes e faixas, sejam oficiais ou feitos pelos próprios apoiadores da campanha.

Segundo pesquisas, a maior parte das novas intenções de voto para o “sim” vem das classes trabalhadoras. Como o Partido Socialista – Escócia (Socialist Party Scotland, seção do CIT no país) já declarou em outras ocasiões, centenas de milhares de pessoas vêem o referendo como uma forma de atingir as elites e os políticos dos grandes partidos tradicionais que vêm implementando políticas de austeridade. Na ausência de movimentos de massa, o voto no “sim” torna-se um reflexo da insatisfação popular.

Uma vitória do “sim” abre muitos precedentes por toda a Europa. Em novembro, por exemplo, o governo da Catalunha, uma região autônoma da Espanha, irá organizar um referendo pela independência – o pleito já foi declarado como irregular pelo governo espanhol. Justamente por isso, líderes mundiais têm declarado apoio ao “não”. O presidente dos EUA, Barack Obama, pediu aos eleitores escoceses que votem contra a independência, pois isso arruinaria o “relacionamento especial” entre o Reino Unido e seu país. Li Keqiang, premier da China, também se posicionou contra – haja visto os problemas da própria China com movimentos separatistas no Tibete e na província de Xinjiang.

Uma alternativa socialista

O CIT e vários outros movimentos de esquerda têm deixado claro que a solução para o povo escocês não virá só com a independência – afinal, de que adianta votar por um Escócia independente, se o país continuar sob um governo burguês? O próprio SNP, que viria a liderar um eventual governo independente, certamente iria dar continuidade a boa parte das mesmas políticas econômicas neoliberais que o governo britânico já implementa.

Um governo escocês independente, mas ainda sob um sistema capitalista, não irá conseguir resolver os problemas da classe trabalhadora. É preciso apoiar o “sim”, mas lutar por uma alternativa socialista!

O Partido Socialista – Escócia está participando do movimento “Hope over Fear – Socialist Campaing for Independence” (“Esperança contra o medo – Campanha Socialista pela Independência”). Uma série de comícios organizados por nossos companheiros vêm trazendo mais e mais participantes para debater nossas bandeiras socialistas, como a oportunidade de usar a independência da Escócia para garantir a qualidade de vida dos trabalhadores e nacionalizar a indústria de petróleo e gás e o sistema financeiro.

A nossa expectativa para o plebiscito de amanhã pode ser resumida na fala de Matt Dobson, militante do CIT, em um ato em Glasgow no último fim de semana: “Toda a classe trabalhadora do mundo está olhando para cá, para a nossa revolução democrática, para a revolução que vai acontecer nas urnas na quinta-feira. Somos gente que luta contra os cortes orçamentários, contra a austeridade. Isto não é nacionalismo, é socialismo.”

O CIT defende:

  • Nacionalizar, sob controle democrático dos trabalhadores, a indústria de gás e petróleo, o setor de energia renovável e os principais setores da economia escocesa. Essa medida liberaria bilhões para serem investidos em um grande programa de criação de empregos e de reconstrução dos serviços públicos.
  • Trazer os bancos e o setor financeiro para o controle democrático da classe trabalhadora.
  • Renacionalizar o gás, eletricidade, transporte e demais setores que foram privatizados.
  • Impostos para os ricos e para as grandes empresas. Aumento do salário mínimo e fim dos ataques aos serviços sociais.
  • Não à OTAN! Mísseis nucleares e todas as armas de destruição em massa fora da Escócia!
  • Abolir todas as leis anti-sindicato.
  • Reverter os cortes das medidas de austeridade. Por um governo escocês representando os trabalhadores e os pobres em defesa do emprego, do salário digno para todos os trabalhadores, das aposentadorias dignas e dos serviços públicos de qualidade.
  • Por um plano de produção socialista em uma Escócia independente como parte de uma confederação voluntária com Gales, Inglaterra e Irlanda, como primeiro passo para uma Europa Socialista.

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