Militares no Egito tentam consolidar seu poder com banho de sangue

     É urgente a ação independente dos trabalhadores para enfrentar os militares e o sectarismo Milhões pelo mundo, e especialmente no Oriente Médio, ficaram chocados com a morte de centenas de pessoas, em sua maioria desarmadas, na remoção brutal de dois acampamentos pró-Mursi em Cairo pelos militares.

     Embora considerável, as recentes manifestações de apoio ao presidente deposto Mursi não têm sido tão grandes quanto os gigantescos protestos anti-Mursi há dois meses. Na verdade, os acampamentos pró-Mursi, enquanto um elemento de irritação para o novo regime liderado pelo exército não representava nenhuma ameaça direta e imediata.

     O momento e brutalidade da ação militar foi fundamentalmente uma demonstração de força pelos generais, para servir como um alerta para intimidar seus adversários atuais ou futuros.

     É por isso que já há questionamento e oposição a este ataque organizado pelos generais corruptos que não têm nenhuma credencial “democrática”, inclusive daqueles que têm pouca ou nenhuma simpatia pelos objetivos da Irmandade Muçulmana. Há temores justificados que esta é uma tentativa de começar o reestabelecimento do “Estado de segurança” de Mubarak sob uma nova liderança. Este ataque aprofundou imensamente a polarização na sociedade, mas esta não é em linhas de classe, mas cada vez mais entre os pró ou contra as ações da direção das Forças Armadas.

     Há relatos de grupos de autodefesa, tanto pró e anti-Mursi, sendo construídos em diferentes partes do Cairo. Nossa proposta é que tais agrupamentos devem ser democráticos e unir-se como parte de um movimento do povo trabalhador mais amplo, não-sectário, com o objetivo de tomar o controle de suas vidas.

     Mas, se não houver nenhum movimento independente organizado pela classe trabalhadora, e se a batalha atual sobre o futuro do Egito for simplesmente travada entre os generais e as forças religiosas conservadoras, esses eventos ameaçam descarrilhar seriamente a revolução que começou em 2011. Organizações sindicais e dos trabalhadores genuínas são a única força capaz de unir todos os setores da sociedade em uma batalha contra ditadura e a exploração capitalista.

     Imediatamente após a remoção de Mursi como presidente, o CIT alertou que o sequestro pelos generais egípcios das gigantescas mobilizações de junho e julho, que chegaram a reunir 17 milhões de pessoas, preparava a base para eles tomarem o poder.

     A brutalidade do despejo dos acampamentos e da repressão sangrenta dos protestos posteriores, deu um vislumbre de como os generais gostariam de lidar com toda a oposição.

Ataques aos trabalhadores

     Agora são os manifestantes pró-Mursi que estão sendo esmagados, mas apenas dois dias antes do massacre nos acampamentos pró-Mursi do dia 14 de agosto, o regime havia investido contra uma ocupação dos trabalhadores da siderúrgica Suez Steel, prendendo dois dos líderes.

     Enquanto o ataque em Suez Steel mostrou o caráter de classe dos generais, não foi uma experiência nova para os trabalhadores no Egito pós-Mubarak. Anteriormente, o governo de Mursi também havia mostrado seu caráter capitalista, quando forças de segurança atacaram em fevereiro uma ocupação na fábrica de cimento Portland Cement, em Alexandria.

     Desde a remoção de Mursi do poder no dia 03 de julho, os líderes militares, sob comando do general al- Sisi, têm trabalhado para consolidar o poder em suas próprias mãos. Antigas unidades de segurança da era Mubarak foram reativadas. Dois terços dos novos governadores provinciais anunciados em 13 de agosto ou eram generais do exército ou da polícia, alguns com “histórico flagrante de hostilidade à Revolução de 2011” (conforme The Economist, em 17 de agosto).

     Um comentarista disse que “O que o Egito tem visto desde o golpe, foi o retorno sistemático do Estado policial e militar através de prisões arbitrárias, repressão da mídia e do disparos contra manifestantes […] O aparato de segurança está se vingando dos últimos dois anos, quando se sentiu ameaçado pela possibilidade de qualquer nova ordem que acabaria por responsabilizá-los por seus crimes. Desde o golpe, dá para sentir que tomaram o controle novamente e estão prontos para bater duro contra qualquer um que desafiá-los, independentemente da sua ideologia”(The Guardian, em 16 de agosto).

     Mas os militares não simplesmente encenaram um golpe, eles afirmaram falsamente que estavam agindo em nome do poderoso movimento contra o governo de Mursi. Os generais foram capazes de assumir o controle, porque, infelizmente, este magnífico protesto de milhões de pessoas não tinha seus próprios representantes e liderança independentes, capazes e dispostos a mostrar como esse movimento poderia tomar o poder.

     O fato dos militares tomarem o poder permitiu que os líderes da Irmandade Muçulmana se apresentassem como defensores da democracia, apesar de métodos cada vez mais autoritários, que estavam sendo usados durante a breve presidência de Mursi. Ao mesmo tempo, não pode haver dúvida de que entre aqueles que apoiaram a queda de Mursi, a crueldade de despejo dos acampamentos e da brutal repressão dos protestos, além do modo com que os generais estão consolidando seu poder, vão servir para levantar dúvidas e oposição. No entanto, isto não irá se desenvolver automaticamente em uma linha reta.

     O sectarismo crescente, mostrado nos ataques às igrejas da minoria cristã, porque os líderes cristãos são considerados apoiadores dos militares, pode significar que o exército será visto, por alguns, como uma proteção contra o conflito religioso e o desenvolvimento da violência jihadista. Mas isto não é o caso.

     Na verdade, a remoção de Mursi pelos militares e o apoio recebido de muitos governos estrangeiros, em si, vai abastecer guerrilha islâmica e a atividade terrorista, se os apoiadores dos partidos islâmicos de direita tirarem a conclusão de que a estratégia de conquistar o poder por meio de eleições da Irmandade Muçulmana falhou. O impacto desses eventos será sentido em todo o Oriente Médio, e além.

Pela organização independente dos trabalhadores e uma democracia socialista

     O perigo da situação é, como o CIT escreveu anteriormente, que no momento só “parece ser uma batalha liderada por um lado pela Irmandade Muçulmana conservadora e reacionária e outros líderes sectários e, por outro lado, pelos líderes das Forças Armadas”.

     Nesta situação, é absolutamente essencial que os esforços sejam redobrados para construir um movimento independente dos trabalhadores, que possa oferecer uma alternativa real aos trabalhadores e pobres, que hoje apoiam Mursi, por causa de sua própria oposição aos militares e à velha elite.

     Desde o início da revolução em 2011 vimos um enorme crescimento do movimento dos trabalhadores no Egito. As lutas dos trabalhadores, já importantes antes da derrubada de Mubarak, têm se desenvolvido imensamente. Houve um grande crescimento em sindicatos independentes, que passavam de 50 mil filiados quando Mubarak caiu, para mais de 2,5 milhões, além dos 4 milhões de filiados nos antigos sindicatos controlados pelo Estado. No último período temos visto, em média, 800 greves por mês, e não apenas sobre salários e condições de trabalho, mas também contra a gestão que vem da era Mubarak, contra privatizações e criminalização dos sindicalistas.

     No entanto, pouco se ouviu a voz independente do movimento dos trabalhadores desde a derrubada de Mursi. Pelo contrário, Kamal Abu-Eita, o presidente da central Federação Egípcia de Sindicato Independentes (EFITU), tornou-se ministro do Trabalho e começou pedindo o fim das greves. Não é a primeira vez na história que um líder sindical foi trazido para um governo capitalista, com o objetivo explícito de deter as lutas.

     Três centrais sindicais apoiaram oficialmente o chamado do general al-Sisi a uma manifestação, no dia 26 de julho, para mostrar apoio ao novo governo, embora tenha sido importante notar que, na executiva do EFITU, a proposta passou apenas depois de uma votação de 9 contra 5.

     Esta política de apoiar a cúpula militar é um caminho para o desastre dos sindicatos. As organizações de trabalhadores precisam ter seu próprio programa, independente e classista, para oferecer uma forma de evitar tanto a consolidação de um regime militar e a ameaça de crescente divisão sectária e violenta.

     Um tema urgente é a organização de comitês de autodefesa democráticos e não-sectários das comunidades e locais de trabalho, contra ataques do Estado e de sectários em todo o país.

     Os sindicatos, especialmente o EFITU, devem exigir que Abu-Eita deixe o governo e lance sua própria campanha contra a repressão, o sectarismo e o regime militar, em defesa dos direitos democráticos e para a realização de eleições livres imediatas para uma assembleia constituinte revolucionária, para que o povo egípcio possa decidir o seu próprio futuro.

     Não vai ser fácil para o general al-Sisi e seus colegas militares reestabelecer um “Estado de segurança” estável. A revolução egípcia ainda não acabou. A rápida desilusão e explosão de oposição ao governo de Mursi mostrou quão rapidamente a oposição pode se desenvolver.

     Enquanto os acontecimentos sangrentos dos últimos dias podem, compreensivelmente, levar à hesitação, devido a temores de repressão e do crescimento do sectarismo, isso não vai durar para sempre. A combinação de crise econômica e social profunda do Egito mais a força emergente do movimento dos trabalhadores, vai levar a lutas renovadas.

     As experiências dos trabalhadores, tais como o conflito em Suez Steel, sob esta nova versão do regime militar, bem como o sangrento esmagamento dos protestos, irá minar boa parte do apoio que foi dado inicialmente à expulsão de Mursi pelos militares. Isso pode criar oportunidades para ganhar apoio às políticas socialistas. Mas isso não é automático, as forças religiosas também estarão competindo pelo apoio daqueles que entram em oposição ao novo regime.

Nenhum apoio aos militares

     Organizações de trabalhadores e de esquerda não devem dar qualquer apoio a este regime militar, que nunca teve um caráter progressivo. Os militares removeram Mursi não apenas para defender seus próprios privilégios e interesses, mas também para cortar o movimento de massas anti-Mursi que estava crescendo, que poderia ter levado a um aprofundamento da revolução e um enfraquecimento do Estado capitalista. É por isso que o regime tem sido apoiado pelas potências ocidentais que, como Obama, agora só foi criticando muito suavemente a repressão brutal à oposição.

     Em eventos tumultuosos como estes, o movimento dos trabalhadores e revolução precisa de mais clareza do que nunca. Desde a derrubada de Mubarak em fevereiro de 2011, o CIT tem defendido que a revolução só poderia ser concluída com sucesso, no interesse do povo trabalhador, se o povo fazer valer seu direito de decidir o futuro do país. Nenhuma confiança deve ser colocado em figuras do regime ou seus amos imperialistas para governar o país ou executar eleições. É necessário eleições imediatas totalmente livres, controladas e garantidas por comitês de massa dos trabalhadores e dos pobres, para uma assembleia constituinte revolucionária que pode decidir o futuro do país.

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