Questão palestina em debate: libertação nacional e socialismo

Para os socialistas, adotar uma postura adequada para o Oriente Médio é vital para a luta anti-imperialista e anti-capitalista no resto do mundo.

Isso vale para a resistência na América latina, África e Ásia, mas também para a luta dos trabalhadores nos países centrais do imperialismo e no conjunto dos países capitalistas avançados.

No centro da definição dessa política adequada para esquerda mundial está a questão da relação entre a luta pela libertação nacional e a luta propriamente anti-capitalista e socialista.

A política tradicional da esquerda stalinista para os povos oprimidos pelo imperialismo separava de forma mecânica essas duas tarefas. Num primeiro momento seria necessário cumprir as tarefas democráticas e nacionais num combate aos setores mais reacionários da burguesia e o imperialismo. As tarefas socialistas só estariam colocadas para uma segunda etapa num futuro muito distante.

Segundo essa concepção, no cumprimento das tarefas democráticas, os trabalhadores deveriam aliar-se com os setores progressistas da burguesia nacional que estivessem em conflito com as alas mais reacionárias.

Essa política ‘etapista’ da revolução foi responsável pelo fracasso dos outrora poderosos Partidos Comunistas e outras organizações de esquerda no mundo árabe. As ilusões e alianças com dirigentes políticos nacionalistas e a recusa em adotar um programa socialista, que não deixasse de incorporar a defesa da libertação nacional, levou à derrota os processos revolucionários na região.

No espaço deixado por essa esquerda, o fundamentalismo islâmico político cresceu como referência anti-imperialista. Isso gerou inúmeras distorções. A revolução iraniana de 1978/79 é um claro exemplo de um processo revolucionário que poderia ter culminado com a derrubada do capitalismo e acabou resultando num regime teocrático islâmico reacionário.

Se as ilusões numa suposta burguesia nacional progressista significaram um desastre no passado, hoje em dia, com uma integração e subordinação ainda maior das burguesias locais ao grande capital globalizado, essa visão não encontra qualquer base na realidade. Só seve para pavimentar o caminho da conversão de ex-líderes de esquerda às receitas neoliberais e pró-imperialistas.

Visão etapista na questão palestina

No caso da luta palestina, essa questão assume um caráter dramático. A maior parte da esquerda na região e internacionalmente coloca como centro de sua política a defesa da criação de um Estado palestino único, ainda que seja com base no capitalismo, na região onde hoje existem o Estado de Israel e a Autoridade Nacional Palestina. Sob este Estado palestino burguês e democrático conviveriam palestinos e judeus em harmonia.

Essa política se materializa na palavra de ordem de uma ‘Palestina laica, democrática e não racista’ como eixo fundamental da política para os palestinos.

Muitos ainda denunciam a direção da OLP (Organização para a Libertação da Palestina) por ter abandonado essa política e ter passado a aceitar a existência de dois estados, um palestino e um israelense.

Diante disso, passam inclusive a ver um caráter progressivo nos movimentos políticos fundamentalistas islâmicos (como o Hamas) que não aceitam acordos com o governo israelense, como os tentados pela direção da OLP. Muitos se recusam inclusive a criticar as ações de terrorismo individual desses grupos.

Para eles também, não existe qualquer importância na luta de classes dentro do estado de Israel. Os trabalhadores israelenses teriam um caráter tão reacionário quanto seus patrões e não mereceriam atenção.

Dividir Israel em linhas de classe

Essa visão nos faz lembrar a linha etapista da esquerda reformista e stalinista. Além disso, ela não permite a construção de uma estratégia capaz de conduzir à vitória da luta palestina.

O balanço das experiências históricas da resistência palestina deixa claro que dividir Israel em linhas de classe é fundamental para derrotar as forças reacionárias da burguesia israelense e do imperialismo. Não existe perspectiva de vitória exclusivamente militar para o povo palestino. Qualquer ilusão em proclamar a necessidade da unidade dos estados árabes burgueses e reacionários num confronto militar contra Israel só conduzirá a novos reveses.

Isso significa, portanto, que é necessário construir laços de unidade e luta comum entre os trabalhadores palestinos e seus irmãos de classe israelenses. Este é o caminho da vitória para o povo palestino.

A luta dos trabalhadores judeus e árabes dentro de Israel contra seus patrões e o governo não é nenhum fato isolado ou exceção. Existe hoje um verdadeiro ascenso das lutas operárias e populares em Israel.
As ações de terrorismo contra alvos civis em Israel servem apenas para empurrar os trabalhadores judeus para os braços do governo reacionário de Sharon e da extrema direita israelense.

Por outro lado, as experiências de luta conjunta por salário, melhores condições de vida, educação, saúde e direitos democráticos dentro de Israel, ajudam a construir uma perspectiva de unidade de classe contra o governo.

Se essas lutas fossem travadas com a perspectiva de uma transformação radical da sociedade, um sistema econômico baseado no controle dos trabalhadores sobre a economia e que atendesse as reivindicações das massas, haveria um salto político importante no nível de consciência até mesmo dos trabalhadores israelenses.

Ainda assim, para que este salto na consciência se dê é preciso adotar um programa que garanta que não haverá supressão dos direitos nacionais e democráticos da população de Israel. Depois de 57 anos de existência do Estado de Israel, desenvolveu-se uma identidade nacional entre o povo israelense, incluindo a classe trabalhadora e os setores mais pobres. Nenhuma tática ou estratégia de luta anti-imperialista e anti-capitalista na região pode ignorar isso.

Também é preciso denunciar claramente os regimes árabes reacionários e suprimir qualquer ilusão de que possam jogar um papel progressivo na questão. O mesmo vale para o fundamentalismo islâmico.

Sob o capitalismo não há saída

A idéia de um Estado Palestino soberano convivendo com o Estado de Israel com base nesse sistema capitalista apodrecido é uma ilusão reacionária. No máximo, será possível um semi-Estado totalmente subordinado e dependente de Israel.

Por isso rejeitamos a solução burguesa dos dois estados com base numa sociedade capitalista que é parte da posição da direção da OLP e da Autoridade Nacional Palestina. Essa postura da burguesia árabe foi o pano de fundo de suas traições à luta palestina e sua capitulação ao imperialismo

Por outro lado, a idéia de que as massas trabalhadoras israelenses aceitarão conviver sob um Estado hegemonizado pelos palestinos nos marcos do capitalismo também não se mostra conseqüente.

Por isso, contra a idéia de uma Estado palestino burguês que substitua o estado de Israel levantamos a bandeira de uma Palestina socialista e um Israel socialista nos marcos de uma Confederação socialista dos povos do Oriente Médio.

A defesa de uma Confederação socialista que admita um certo grau de autonomia e independência para diferentes estados nacionais, mas que garanta uma unidade econômica e política da região baseada numa democracia dos trabalhadores e numa planificação econômica socialista é a única perspectiva capaz de oferecer uma saída real.

Nenhuma ilusão nos acordos

Na Palestina hoje, apesar de todos os anúncios que apontavam para uma nova fase nas relações com Israel depois da morte de Arafat, a perspectiva de paz ainda está muito distante. O governo de Abbas tenta aprofundar a capitulação de Arafat, mas não existem bases concretas para ir muito longe.

Nenhuma conquista substancial poderá ser alcançada. As massas palestinas continuam vivendo o drama da opressão nacional e social e não darão trégua por muito tempo.

O próprio regime de Sharon não pode ir longe demais nas concessões e retirada dos colonos de parte dos territórios palestinos ocupados. A tendência é o aprofundamento da crise do governo israelense e da Autoridade palestina.

Uma nova fase das lutas deve se abrir e surgirão novas oportunidades para uma alternativa classista e socialista que atenda as aspirações nacionais do povo palestino. 

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