Síria: existe uma alternativa à guerra civil?
Em todo o país ocorrem ataques indiscriminados por parte das forças do regime de Assad e suas milícias, represálias sectárias sangrentas por parte da oposição armada, uma onda de refugiados e catástrofes humanitárias. A segunda cidade, Aleppo, é o mais recente foco de combates entre as forças de oposição armadas e o exército sírio, com milhares de refugiados.
A batalha de Aleppo é importante para ambos os lados. Maior do que o capital, Damasco, ela é o principal centro econômico, com um setor industrial importante.
Como o resto da Síria, Aleppo é composta por um mosaico de grupos étnicos e religiosos. A maioria da população da cidade são muçulmanos sunitas ou curdos. Há também armênios e outros cristãos das igrejas maronita, ortodoxa sírias e ortodoxa grega. Muitos funcionários públicos na cidade são da seita alauíta do presidente Assad.
Movimento popular
A revolta de março 2011 na Síria começou como um movimento popular genuíno contra o estado policial de Assad, o desmoronamento do bem-estar social, altos níveis de pobreza e desemprego, e o governo da elite rica e corrupta. A ditadura de Bashar al-Assad respondeu à onda de protestos contra os 40 anos de regime ditatorial – amplamente visto como parte da “Primavera Árabe” – com dura repressão.
A brutal repressão de manifestantes levou alguns ativistas a pegar em armas. O Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores (CIT, a organização socialista internacional de que a LSR está filiada) defendeu a construção de comitês de autodefesa democráticos dos trabalhadores para proteger as comunidades e evitar uma divisão sectária étnico-religiosa.
Ao mesmo tempo, o CIT vinculava isso com a necessidade de um programa que exigia o fim da ditadura Assad e uma mudança democrática, social e econômica profunda.
Porém, um fator fundamental foi a falta de uma liderança independente da classe trabalhadora. Isso permitiu que figuras oposicionistas sectárias e pró-capitalistas parcialmente preenchessem o espaço político. Regimes árabes reacionários do Golfo Pérsico, junto com a Turquia, e com apoio do imperialismo ocidental, interveio com armas e dinheiro para a oposição.
Os EUA, a Grã-Bretanha e a França têm há muito tempo considerado o regime de Assad como um obstáculo para os seus interesses imperialistas na região. Uma parte fundamental de seus planos é enfraquecer o seu principal adversário na região, o Irã, que é um aliado do regime sírio. A queda de Assad poderia também fortalecer os regimes sunitas pró-EUA do Golfo Pérsico, além de enfraquecer o Hezbollah xiita baseado no Líbano e a posição do imperialismo russo na região.
O que começou como uma revolta popular na Síria está retrocedendo numa guerra civil, com as crescentes dimensões sectárias. O número de mortos é estimado agora em 20 mil. A Organização das Nações Unidas (ONU) acredita que 150 mil pessoas fugiram do país.
Hipocrisia do imperialismo
Mas as palavras de preocupação para com o povo da Síria dos políticos ocidentais são hipócritas. Apenas alguns anos atrás, a administração Bush enviou “suspeitos de terrorismo” para Damasco para serem torturados pelos bandidos de Assad. Agora, o presidente Obama afirma que ele quer ver a ditadura Bashar al-Assad substituída por “democracia”.
No entanto, com a bênção dos EUA, as autocracias reacionárias do Qatar e da Arábia Saudita estão armando e financiando os rebeldes sírios. O governo turco, um membro da Otan (aliança militar dominada pelos EUA), denuncia a opressão na Síria. Mas no próprio país, reprimem os meios de comunicação e os curdos.
Não há solução rápida
Embora possa ser apenas uma questão de tempo antes da queda de Assad, o conflito não mostra nenhum sinal de um final rápido. A deserção de algumas altas figuras militares e diplomáticas, incluindo o recém-nomeado primeiro-ministro Riad Hijab, deu a impressão de um regime em colapso em câmera lenta. No entanto, Assad não mostra nenhum sinal de renunciar.
Enquanto a oposição tem feito algum avanço e agora está supostamente usando armamento pesado, está dividida em vários grupos sem liderança política clara.
Além disso, o caráter reacionário e pró-capitalista, majoritariamente sunita, do Conselho Nacional Sírio, ligado ao Exército Livre Sírio e apoiado por governos da elite sunita do Golfo Pérsico, faz com que muitas das minorias alauítas, cristãs e curdas, bem como alguns sunitas, fiquem com temor do que viria em seguida da queda de Assad. A entrada de jihadistas estrangeiros de vários países está provocando divisões dentro da liderança da oposição.
Mesmo se Assad decida deixar o cargo ou for removido pela sua própria facção dominante, a sua máquina militar, dominada pela seita alauíta e seus aliados, poderiam continuar lutando. A Síria poderia enfrentar a terrível perspectiva de ser dividida em enclaves étnicos, como a ex-Iugoslávia, numa luta amarga por território durante anos. Isso lembraria a guerra civil do Líbano (que durou de meados dos anos 1970 aos anos 1990 – cerca de 200 mil morreram), mas em escala maior. O horror se agravaria se as armas químicas e biológicas do regime fossem usadas.
Uma conflagração sectária provavelmente envolveria outros países da região, como Turquia, Irã, Israel e países do Golfo Pérsico. O conflito sírio já se espalhou para o Líbano, onde o regime de Assad tem o apoio do Hezbollah, que é parte do governo de coalizão.
Intervenção ocidental
A ONU é incapaz de agir como um “mediador honesto” na crise síria. A impotência da ONU foi sublinhada com a renúncia de Kofi Annan (ex-presidente da ONU) que foi o enviado especial da Liga Árabe, em 2 de agosto, como mediador do conflito.
A organização está sob o controle das grandes potências do mundo, em particular dos membros do Conselho de Segurança, que estão profundamente divididos sobre a Síria.
Enquanto alguns políticos estadunidenses, britânicos e franceses têm discutido a ideia de uma intervenção militar ocidental contra o regime de Assad, os ataques da OTAN no ano passado na Líbia não podem ser simplesmente repetidos neste contexto.
A Síria tem uma população muito maior que a Líbia e o regime sírio tem à sua disposição um exército muito mais poderoso, melhor treinado e equipado. Um ataque arriscaria uma internacionalização do conflito, em particular como uma ação ocidental seria amplamente vista no mundo árabe como o reforço da posição regional de Israel.
Além de aplicar sanções contra Damasco e dar luz verde aos países do Golfo Pérsico para armar e financiar a oposição e para a Turquia fornecer apoio logístico, a Casa Branca também está secretamente dando apoio direto aos opositores. De acordo com um relatório da agência de notícias Reuters (01 de agosto de 2012), o presidente Obama assinou uma ordem secreta no início deste ano, que autoriza o apoio dos EUA para a oposição armada, incluindo a implantação da CIA e outras agências norte-americanas. O ministro do exterior britânico confirmou recentemente que a Grã-Bretanha também está dando apoio encoberto às forças anti-Assad.
Um regime pós-Assad, imposto pelo imperialismo, não traria estabilidade, nem democracia ou a prosperidade para a Síria. Seria um regime militar dominado pelo ocidente, envolvendo as forças reacionárias e pró-capitalistas.
No entanto, o papel das potências ocidentais e os regimes reacionários do Golfo Pérsico não justificam qualquer apoio ao regime de Assad. Ele não é uma espécie de “bastião” contra o imperialismo, como alguns da esquerda dizem.
Para os socialistas a alternativa foi apresentada durante as revoluções do ano passado na Tunísia e no Egito, bem como no início da revolta síria em 2011. Eles mostraram que é o movimento unido dos trabalhadores e jovens que podem remover déspotas e seus regimes, resistir ao imperialismo e lutar pela mudança social e política real. Houve 18 meses de revolução e contrarrevolução e o processo está longe de terminar.
Classe trabalhadora
Enquanto o sectarismo está em ascensão no Egito, a luta de classes também se intensifica com uma nova onda de greves e ocupações que varrem este país. Trabalhadores egípcios não estão esperando o novo governo para melhorar suas vidas. Eles estão construindo suas próprias organizações e agindo de forma independente. Este é o modelo a seguir!
Os trabalhadores e pobres na Síria enfrentam uma situação desesperadora com o perigo real de uma guerra étnica e sectária. Socialistas em todo o mundo devem fazer todo o possível para ajudar os trabalhadores da Síria para construir a unidade da classe para resistir e superar essas divisões.
Baseando-se em um programa para unir os trabalhadores, com políticas socialistas para a mudança profunda – com controle e gestão democrática dos trabalhadores sobre a economia para transformar as condições de vida, gerando empregos com um salário digno, educação gratuita de qualidade, saúde e moradia e assim por diante – um movimento desse tipo iria inspirar trabalhadores e jovens em toda a região, unindo-se para expulsar os tiranos e o imperialismo.
Isto levaria a uma luta por uma confederação voluntária e igualitária socialista do Oriente Médio, na qual os direitos de todas as minorias seriam garantidos.