Problemas para a economia brasileira
Apesar da economia brasileira também ter sofrido com a eclosão da crise mundial em 2008, a sensação foi de que, com a intervenção do governo de Lula, e depois Dilma, o pior foi evitado e o país retomaria um crescimento acelerado. Após a queda do PIB de 0,3% em 2009, houve uma retomada em 2010, com um crescimento de 7,5%.
O governo do PT usou esse fato ao máximo durante as eleições 2010, para mostrar que o país mudou, que a política do governo foi bem-sucedida e que o Brasil agora é uma nova potência mundial. Mas apesar de alguns avanços, as debilidades da economia brasileira começam a se revelar e os efeitos da crise estão ficando cada vez mais evidentes.
Crescimento para quem
Primeiro, é importante resgatar os limites da “redução da pobreza” e “distribuição de renda”. Houve sim uma melhora da situação das camadas com renda mais baixa nessa última década. O aumento do salário mínimo tem elevado a renda daqueles com salários mais baixos, e políticas compensatórias como a bolsa família também tiveram um efeito.
Mas o que ocorreu foi principalmente uma redistribuição de renda entre os assalariados, já que trabalhadores com salários num patamar maior, especialmente o funcionalismo público, têm sofrido uma política de arrocho salarial durante anos.
Porém, na relação entre trabalho e capital não vimos nenhuma redistribuição. Pelo contrário, os lucros bateram recordes e os mais ricos ficaram mais ricos ainda, com um brasileiro, Eike Batista, se qualificando entre os 10 mais ricos do mundo. Em 2011, entre as maiores economias, o Brasil foi o país onde houve o maior crescimento percentual do número de milionários.
A base do crescimento da última década
A indústria brasileira passou por duas décadas de baixo crescimento. Entre 1981-2003 o crescimento anual era de só 1,4%. De 2004 até 2010, o crescimento anual deu um salto para 5%. O principal motor por trás desse crescimento tem sido o avanço das exportações de matérias primas, principalmente para a China.
Em uma década (2001 a 2011) o volume de comércio do Brasil com a China cresceu de US$ 3,2 bilhões para US$ 77,1 bilhões. Mas 85% das exportações para China são de produtos básicos, principalmente minério de ferro, soja, petróleo e celulose.
Isso tem ocorrido em detrimento do resto da indústria. Em 2011 a parcela da indústria de transformação do PIB retrocedeu para 14,6%, voltando ao patamar dos meados dos anos 50.
No cenário favorável dos anos 2000, antes da crise, o Brasil conseguia chegar a um crescimento de cerca de 5% anuais. Junto com as políticas compensatórias e aumento do salário mínimo, diminuição do desemprego, aumento da formalização e um aumento do crédito, isso favoreceu um crescimento do consumo.
Mas o motor industrial da economia brasileira não acompanhava esse crescimento. Ao contrário. Se juntarmos o crescimento relativamente estável com os juros mais altos no mundo, e uma abundancia de capital especulativo no mundo, o Brasil começou a ter um influxo de dólares que valorizou o real. Isso tem elevado o preço das mercadorias industriais brasileiras se comparado com outros países, principalmente China.
A lógica que se autoalimentava era que o Brasil exportava matérias primas para China e importava produtos industrializados, em detrimento da indústria doméstica.
A política do governo em 2008
Quando a crise estourou em 2008, o Brasil não chegou a ser tão afetado como outros países. Um fator foi que não tivemos nenhuma crise bancária mais grave (já que os bancos já tinham passado por uma crise e restruturação nos anos 90 e também estavam bem gordos aproveitando os altos juros) e também nenhuma fuga de capital. O governo abriu as torneiras do crédito e estimulou o consumo com redução de impostos. Isso, junto com um aumento real das exportações para a China, garantiu a retomada da economia.
Essa foi uma situação totalmente diferente da crise em 1999, quando houve fuga de capital e o real despencou.
Mas em 2011 podíamos ver as contradições da economia. O real voltou a se valorizar, com o influxo de dólares, e chegou quase a bater o recorde de 2008, chegando a 1,60 reais por um dólar. Isso afetava a indústria, que começou a estagnar, mesmo com o aumento do consumo, ao mesmo tempo que a inflação estava acelerando e chegou a superar 7%. O governo respondeu puxando o freio, aumentando os juros e implementando medidas para dificultar a entrada de dólares.
O resultado foi que o PIB de 2011 só cresceu 2,7%, longe da meta de 4,5% do governo. O fato é que o Brasil teve o crescimento mais baixo da América do Sul no ano passado. Desde os meados do ano passado a economia tem estado quase estagnada. O desempenho da indústria e os investimentos continuaram fracos.
No início desse ano começamos a ver como o agravamento da crise na Europa e a desaceleração da China começaram a afetar a economia brasileira.
Em pouco tempo a situação cambial mudou. Em março esse ano o governo ainda implementava medidas para conter a entrada de dólares, o que a presidenta Dilma chamava de “tsunami financeiro”. Mas em maio houve um fluxo de dólares saindo do país e o real já perdeu quase 30 % do seu valor comparado ao dólar desde junho do ano passado. Isso não tem ajudado a indústria nacional, já que a principal concorrente, a indústria chinesa, ainda é mais barata. Além disso, as empresas começaram novamente reclamar das dificuldades de obter crédito no exterior, algo que tinha ficado mais caro com as medidas do governo.
Repetindo a dose de 2008
O ano de 2012 começou como o ano passado terminou. O PIB cresceu somente 0,2% no primeiro trimestre. O governo ainda mantém a meta de um crescimento de 4% para esse ano, mas isso só seria possível com uma forte retomada no segundo semestre e poucos acreditam nisso. Na verdade, muitos acreditam que o resultado será pior que em 2011. A média das previsões do mercado para o PIB de 2012 caiu para 2,3%. O banco Credit Suisse aposta num crescimento de somente 1,5%. Além do fraco desempenho para a indústria, o banco aponta que os investimentos só devem crescer 0,3% esse ano.
O governo Dilma agora tenta retomar as medidas de 2008: incentivo ao consumo com redução de impostos e dos juros, e aumento no crédito, especialmente para os investimentos em grandes obras. O governo também começou a revogar as medidas que dificultava a entrada de dólares.
A redução de impostos como IPI ajudam no consumo de certas mercadorias. Eletrodomésticos e materiais de construção continuam em alta. O IPI para automóveis foi reduzindo novamente, diante uma situação em que as montadoras estavam com seu estoques cheios e já reduziam a produção, com férias coletivas. A GM lançou um programa de demissão voluntária. Com a redução do IPI e dos juros, as montadoras estão apostando numa retomada das vendas. Os carros ficaram 2,6% mais baratos no último mês, a maior queda de preço desde 2008.
Endividamento impõe limites ao consumo
Mas o efeito deve ser mais limitado que em 2008. O endividamento e inadimplência têm aumentado, o que limita a capacidade das famílias a aumentar o seu consumo baseado no crédito.
A taxa de crédito/PIB tem aumentado constantemente na última década. Em 2002 o total do crédito privado correspondia 22% do PIB. No início de 2012 tinha crescido para 49,3% do PIB. Embora isso ainda seja um nível relativamente baixo comparado com o resto do mundo, temos que levar em conta os juros altíssimos.
Em março desse ano, 22,3% da renda familiar no país estava comprometido com pagamento de dívidas, comparado com 15,5% em janeiro 2005. Esse patamar é superior ao de, por exemplo, os EUA, onde o endividamento é visto como um entrave para a retomada do consumo.
Apesar do desemprego estar num patamar baixo historicamente (5,8% em maio nas 6 grandes regiões metropolitanas, segundo o levantamento do IBGE) a inadimplência já vem crescendo e estava em maio 21,4% acima do mesmo mês em 2011. Imaginem o que pode acontecer se o desemprego começar a subir.
A inadimplência de veículos bateu recorde histórico em abril. O calote nos cartões de crédito, a principal forma de endividamento no país (responsável por 32% das dívidas de pessoas físicas), também está em alta. 27% estão com pelo menos 90 dias de atraso no pagamento dos cartões. Apesar do alarde sobre o rebaixamento dos juros dos bancos, isso só tem afetado algumas linhas de crédito mais seguras, as quais muitos não têm acesso. Os juros dos cartões de crédito permanecem no mesmo patamar há mais de dois anos: 10,69% ao mês. Os juros médios estão no nível mais baixo desde 1995, mais ainda estão em 6,18% ao mês, o que em muitos países se paga ao ano!
Não é a toa que a parcela da população que dizem ter menos vontade de comprar casa ou carro comparado com 6 meses atrás aumentou para 40%.
Os investimentos públicos também têm seus limites. Se descontarmos a corrupção e burocracia que os tornam muito ineficientes, também temos que levar em conta que 90% dos investimentos no país vêm do setor privado, que não quer investir. O governo federal só faz 3% e os estados e municípios, os restantes 7%.
O Brasil ainda é vulnerável a choques externos
Apesar da propaganda oficial, o Brasil ainda tem uma economia bastante vulnerável. Muito se fala da grande reserva cambial sob posse do Banco Central, que ultrapassa US$370 bilhões.
Embora essa reserva dê um certo fôlego, existe fatores complicadores. A reserva tem crescido muito pelo fato que o Banco Central tem sido forçado a absorver o grande influxo de dólares para evitar que o real se valorize mais ainda. É um negócio ruim, já que esses dólares são investidos em grande parte em títulos estadunidenses, que rendem muito pouco e pagos com títulos da dívida pública brasileira, que pagam juros altos. É como sacar dinheiro no cartão de crédito para investir na poupança.
Ao contrário da China, esse acúmulo de capital não é devido um superávit constante com o resto do mundo. Embora o Brasil tenha um superávit comercial (exporta mais do que importa), e esse vem caindo com os problemas da indústria e a desaceleração na China, se levarmos em conta o balanço de pagamentos da conta corrente (incluindo pagamento de juros, remessa de lucros, turismo, etc.) o país tem um déficit crescente há anos. Isso só se sustenta por causa do influxo de capital especulativo (os dólares).
Temos um crescente chamado “passivo externo”. Isso é a quantidade de dinheiro que tem no país que pertence a estrangeiros. Há uma parte que está investida em capital fixo, como fábricas, minas, etc., e não saem do lugar facilmente. Mas a maioria é investido em títulos, ações e outras aplicações financeiras que podem ser retiradas rapidamente do país. Esse “passivo externo” cresceu de US$ 343 bilhões em 2002 para US$ 1,294 trilhão agora. Se houver uma fuga de capital, a reserva do Banco Central não vai ser mais do que moeda de troco para facilitar essa fuga!
Além disso, e também apesar da propaganda oficial, a dívida pública continua sendo um enorme problema, que absorve enormes recursos. A dívida pública real ultrapassou 3 trilhões de reais no final do ano passado, segundo dados oficiais coletados pela Auditoria Cidadã da Dívida, equivalendo a 78% do PIB. No orçamento federal desse ano, 47% está destinado ao pagamento de juros, amortizações e rolagem da dívida – 1,014 trilhão! Isso significa que a dívida pública consome 22% do PIB, em prol dos tubarões do sistema financeiro internacional e doméstico.
Aumento da luta de classes
Tudo isso aponta que temos de nos preparar para um período turbulento à frente. A pesar da propaganda ufanista do “país de mil maravilhas”, vemos como os governos se preparam para mais conflitos sociais. Não é a toa o crescimento da criminalização dos movimentos e lutas. Cada vez mais vemos como o direito a greve é atacado.
Já vimos também um crescimento significativo das lutas e greve nos últimos dois anos, como no setor privado, por parte dos trabalhadores que querem a sua parte dos superlucros e do crescimento. Muitos lutam pelos direitos mais básicos: trabalhadores nas obras do PAC se revoltam por falta de banheiros, ou pelo direito de visitar sua família pelo menos a cada três meses. Mas também no funcionalismo vemos um aumento das lutas, contra o arrocho salarial, contra o sucateamento dos serviços públicos, como as greves das universidades federais.
Mas essas lutas ainda são bastante fragmentadas e a esquerda ainda não tem conseguido construir instrumentos unitários suficientemente poderosos para conseguir romper o domínio dos aparatos governistas, como a CUT, Força Sindical ou a UNE. Isso, junto com a necessidade da construção de uma alternativa política socialista coerente, onde o PSOL é uma ferramenta importante mas ainda bastante incipiente – é a grande tarefa dos socialistas para se prepararem para as grandes batalhas, como já vemos em países da Europa ou mesmo na América Latina, que podem chegar ao nosso país mais cedo do que muitos pensam.