Eleições Parlamentares da Venezuela: Retrocesso para Chávez

A ameaça de contrarrevolução se fortalece!

Em 26 de setembro na Venezuela, uma nova Assembleia Nacional (Parlamento) foi eleita para os próximos 5 anos. As eleições para a Assembleia Nacional, que coincidiram com as eleições ao Parlamento Latino-Americano, ocorreram em um ambiente político profundamente polarizado, onde havia pouco espaço para outras alternativas além do governo Chávez e seus apoiadores ou a coalizão de oposição de direita (Mesa de Unidad – MUD). Os resultados representam um retrocesso para Chávez e são um alerta à classe trabalhadora e aos pobres. Pela primeira vez (excluindo o referendo sobre emendas constitucionais) em uma eleição desde que Chávez foi eleito, a oposição nacionalmente recebeu votos que chegam a 51% do total, comparado com os 49% para o PSUV e seus aliados.

O SR/CIT na Venezuela defendeu continuamente as reformas positivas do regime Chávez e ao mesmo tempo defendeu a necessidade de derrotar o capitalismo e substituí-lo por um planejamento socialista democrático da economia. Também nos opomos aos métodos corruptos, burocráticos e cupulistas usados pelo regime. Nesta eleição, defendemos a necessidade de derrotar a aliança de oposição direitista reacionária e pró-capitalista e apoiamos aqueles candidatos do PSUV que não são corruptos e estão preparados a defender os interesses dos trabalhadores.

Durante a campanha eleitoral, tanto o pró-socialista e esquerdista Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), partido de Chavez e do governo, quanto a MUD usaram populismo e manipulação para tentar ganhar apoio. O processo eleitoral modificado também foi uma importante característica da campanha e refletia os métodos burocráticos usados pelo regime. A oposição da MUD lançou uma ofensiva política “anticomunista” e oportunisticamente capitalizou sobre as fraquezas do governo. Enquanto isso, o PSUV tensionou suas forças para tentar recuperar a confiança perdida de muitos setores da sociedade. Essa perda de confiança foi um produto das políticas econômicas e sociais do governo nos últimos dois anos.

O Governo Chavez também se enfraqueceu como resultado da extrema burocratização e corrupção nas instituições públicas. Esses fatores deram à hipócrita e oportunista MUD a oportunidade de fazer avanços significativos e importantes nesta eleição. O SR/CIT alertou sobre essa ameaça à luta na Venezuela nos anos recentes, diferente de algumas outras forças (ver “Os Socialistas Revolucionários e a Revolução Venezuelana”, 21/06/2010, comentando sobre a Tendência Marxista Internacional e outras) que tentaram “embelezar” o caráter dos processos na Venezuela e negar a fraqueza no movimento bolivariano.

Na recente eleição, 17,5 milhões de pessoas poderiam votar na Venezuela e a taxa de participação projetada estava entre 55%-65%. O PSUV aspirava a manter sua maioria de dois terços na Assembleia Nacional. Isso lhe permitiria aprovar qualquer mudança legislativa ou constitucional que quisesse, sem a necessidade de negociar com a oposição. Ele precisava de 110 das 165 cadeiras para conseguir isso. O objetivo da Oposição era o oposto – ganhar um mínimo de 56 cadeiras, que lhe permitiria quebrar a maioria qualificada do PSUV e portanto forçar o Governo a negociar a legislação.

Dos 165 membros eleitos, incluindo 3 membros indígenas, 98 foram eleitos pela aliança eleitoral do PSUV-PCV (1 do PCV), e 65 foram eleitos pela aliança de oposição MUD mais 2 do PPT. Dos 24 Estados, o PSUV ganhou em 18 e a MUD em 6. No Parlamento Latino-Americano, o PSUV ganhou 7 assentos, a MUD 5 e 1 foi reservado para um membro indígena. 

O Patria Para Todos (PPT) deixou a aliança eleitoral Chavez/PSUV em uma divisão de direita com o slogan ‘Nem Chavista nem Oposição’. Lançou candidatos em todo o país em aliança com vários pequenos movimentos sociais, partidos e indivíduos. A Unidad Socialista de Izqueirda (USI), que reivindica ser trotskista e cujo principal líder é o sindicalista Orlando Chirino, foi uma das alianças do PPT.

Pano de fundo para a eleição

A atual Assembleia Nacional foi eleita em 2005 sem a participação da Oposição, que declarou que não tinha “condições” de participar. Isso ajudou a moldar as forças bolivarianas dentro da Assembleia Nacional. O PCV (Partido Comunista Venezuela), Podemos (Social-Democratas) e o PPT, em aliança com MVR (hoje PSUV) mantiveram o completo controle da Assembleia, com 147 dos 165 membros. Contudo, após divisões e saídas de indivíduos da aliança do PSUV, 18 desses assentos foram para a “oposição”. As eleições de 2005 tiveram uma alta taxa de abstenção, com apenas 25% da população participando, comparada com os 66% nesta eleição. 

Em 2006-2009 houve 4 outros processos eleitorais. Em 2006, as eleições presidenciais viram Chávez reeleito com 7,2 milhões de votos. Em 2007 ocorreu o referendo da reforma constitucional com o recém-criado PSUV. Essa foi a primeira derrota eleitoral de Chávez e iniciou uma ligeira queda na popularidade do governo e assinalou a primeira recuperação das forças da Oposição. Em 2008 houve eleições regionais e em 2009 o referendo da Emenda Constitucional, ambos os quais foram ganhos por Chávez com uma margem muito pequena. A eleição de 2008 viu o governo recuperar alguns votos, com 6,3 milhões, enquanto a oposição aumentava os seus para ganhar 5,1 milhões.

Nestas eleições parlamentares o PSUV ganhou 49% dos votos nacionais – 5,2 milhões de votos. A aliança da oposição, MUD, e o PPT, ganhou 51% dos votos, representando 5,4 milhões de votos. Embora esses importantes dados representem um reflexo da situação política atual da Venezuela, eles não são toda a história e o processo não está esgotado completamente, nem uma vitória da direita assegurada.

O PSUV se consolidou como o principal partido político do país, contudo, isso não foi suficiente para que ele superasse suas políticas reformistas e atingisse o “socialismo” via o parlamento. Ao mesmo tempo, o apoio dado ao MUD pela classe média e alta e de alguns setores da classe trabalhadora e pobres não é sólido. Ao contrário, representa um voto de punição e protesto contra as políticas do governo. O próprio MUD é também uma aliança instável de vários partidos de direita que pode se fragmentar e dividir. Contudo, essa eleição representa uma ameaça e ilustra o processo de desapontamento e desilusão que está se desenvolvendo. Isso torna a necessidade de se adotar políticas e medidas socialistas genuínas ainda mais urgente para impedir que a direita fortaleça sua posição no futuro.

Reforma Eleitoral

A direita teria saido ainda mais forte na Assembleia Nacional se não fosse uma mudança no sistema eleitoral. Essas eleições foram a primeira sob o novo sistema eleitoral, que foi mudado como resultado da reforma da Lei dos Processos Eleitorais, aprovada em 2009. Essa lei, entre outras coisas, modificou os distritos eleitorais em 8 estados. Destes, 5 fazem parte dos 9 estados com a maior população de eleitores. Com as mudanças, cada um dos 24 Estados possui um determinado número de membros eleitos, distribuídos em 87 distritos eleitorais. A representação proporcional mudou, deixando os partidos pequenos ou indivíduos enfraquecidos e na prática dando mais peso para as áreas rurais, onde Chávez possui um grau mais alto de apoio.

Os 9 Estados com a concentração mais alta de habitantes incluem as maiores áreas urbanas e representam 67% (11,2 milhões) do total nacional. Contudo, esses estados elegem entre eles apenas 87 membros da Assembleia, ou 53% do total de membros da Assembleia Nacional. Cinco desses estados foram ganhos pela Oposição, que ganhou assentos nas eleições regionais de novembro de 2008.

Os outros 15 estados representam 37% da população votante (5,8 milhões de pessoas) em áreas principalmente rurais. Contudo, sob a reforma da lei isso foi mudado para dar a esses estados representação de 47%, ou 78 membros da Assembleia Nacional.

A lei eleitoral de 2009 modificou a composição dos distritos eleitorais e aumentou o número de assentos nas áreas menos povoadas. Isso significa que os estados rurais elegem 47% da Assembleia Nacional comparados com os 53% nas áreas urbanas. A Oposição ganhou 68 assentos em 35 das zonas mais populosas. Os outros 22 foram ganhos nas áreas rurais ou menos povoadas. Enquanto isso, dos 98 membros do PSUV eleitos à Assembleia Nacional, 21 foram nas zonas urbanas e 77 das zonas rurais. 

A hipocrisia da direita

A direita tem montado uma campanha internacional e nacional, dizendo que obteve a maioria dos “votos populares” e lhe negaram os assentos correspondentes na Assembleia Nacional. Isso é hipocrisia da direita. Eles esquecem que mudanças no sistema eleitoral não são nada novas na Venezuela. Historicamente, o sistema eleitoral sempre foi mudado por quem quer que controlasse o Estado. Foi igual no passado, durante os 40 anos de hegemonia entre a Accion Democratica (AD) e os Democratas Cristãos (COPEI).

É a mesma AD, outrora a principal força política do país mas totalmente desgastada no período de 2000- 2006, que obteve os maiores votos entre a aliança eleitoral MUD, ganhando 23 membros na Assembleia, consolidando-se como o mais forte partido de oposição. 

Depois de 26 de setembro

Os resultados eleitorais confirmam nossa análise dos últimos quatro anos: que uma revolução socialista não pode ser atingida com reformas sociais e políticas feitas dentro do sistema capitalista. A política do ‘chavismo’, que “luta pelo socialismo do século 21”, sem empreender uma transformação fundamental da sociedade, não apenas falhou em derrubar o capitalismo mas é parcialmente responsável pelo fracasso dos movimentos revolucionários dos pobres e da classe trabalhadora da Venezuela.

O SR defende as reformas positivas que beneficiam as massas, mas elas não podem ser mantidas sob o capitalismo. Para defender e introduzir mais medidas para transformar as vidas das massas é preciso romper com o capitalismo. Sem o verdadeiro controle democrático do processo pelos trabalhadores e a comunidade então, como vimos, a burocracia e a corrupção ficarão mais e mais fortes e permitirão que as forças contrarrevolucionárias se reagrupem e se reorganizem.

Entretanto, nem tudo está perdido, a crise capitalista mundial é prova de que o capitalismo não é capaz de resolver sua própria crise inerente e que é incapaz de satisfazer as necessidades básicas da maioria. Nesta crise, tem sido a classe trabalhadora que paga. A crise global não apenas abriu uma nova etapa nos ataques neoliberais à classe trabalhadora como também gerou uma oposição de massas às políticas e reformas governamentais e novos movimentos de massas dos trabalhadores em muitos países. 

Na Venezuela vimos que apesar do governo radical popular de esquerda de Hugo Chávez suas reformas não tem sido o suficiente para impedir que sejam sentidos os efeitos da crise capitalista mundial ou para romper com o sistema capitalista. Contudo, há um alto nível de consciência de que não podemos retornar às políticas do passado e permitir que a Oposição volte ao poder.

Chavismo vs. Oposição

As forças políticas do chavismo e da oposição na Assembleia Nacional representam importantes desafios que definirão de um modo ou outro o futuro do processo bolivariano. O chavismo tem a vantagem de possuir um partido e também um líder, Chávez, para unificar suas tensões internas. Embora, obviamente, não haja garantias e futuras divisões e rupturas são possíveis.

O PSUV também precisa reconstruir sua popularidade em declínio nos últimos dois anos. Medidas populares, como o cartão de “viva bem”, não serão suficientes. Esse cartão oferece, via um acordo com a China, bens elétricos de preço baixo vendido aos pobres com crédito. Há altos níveis de dúvida e pessimismo em relação à habilidade do governo de lidar com a economia e a recessão. Não é certo que ele possa ganhar ou manter seu atual nível de apoio através de reformas sociais ao invés de mudanças estruturais do sistema. A acumulação de dívidas pelos pobres através desse sistema de crédito não oferecerá uma solução duradoura a seus problemas e apenas criará problemas mais profundos no futuro.

Igualmente, o MUD tem uma difícil tarefa. Como uma coalizão, muitos partidos têm sua própria agenda. Manter sua unidade a fim de enfrentar o governo na Assembleia Nacional será um desafio. Também a ausência de um líder unificado para desafiar Chávez dificultará a vida para eles – especialmente nas corridas para as eleições presidenciais de 2012. Como mencionado antes, as bases da oposição não são sólidas, muitas de suas promessas eleitorais foram igualmente tão populistas quanto as do PSUV e quando não as cumprirem, a classe média e a burguesia podem facilmente retirar seu apoio, enfraquecendo assim suas forças.

A habilidade do MUD de capitalizar a fraqueza do governo tem sido sua força. Contudo, ambas as forças políticas serão instáveis com a organização consciente da classe trabalhadora sob seu próprio partido político independente para construir o socialismo revolucionário e democrático.

A atual situação na Venezuela abrirá um novo período de confrontação política, na qual a classe trabalhadora pode superar sua fraqueza e a polarização quem tem levado alguns da esquerda revolucionária a tomar posições ultraesquerdistas ou oportunistas. Isso poderia catapultar um poderoso movimento revolucionário liderado pelos trabalhadores que pode romper a polarização existente e criar uma verdadeira saída socialista revolucionária e democrática.

As perspectivas na Venezuela estão abertas, embora a cada dia as forças revolucionárias estejam ameaçadas. O fracasso da Revolução Bolivariana também será um fracasso dos movimentos revolucionários que hoje estão emergindo em muitas partes do mundo. Chamamos todas as forças democráticas socialistas revolucionárias honestas a se juntarem na luta por um verdadeiro programa socialista democrático para levar as massas adiante e derrotar a ameaça da contrarrevolução.

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