Capitalismo em crise – uma explicação marxista
Crises dos anos 80 a 2001
1987
Entre 1985 e 1986 os EUA tentaram uma política de desvalorizar o dólar, e assim diminuindo o déficit comercial. Mas a queda do dólar iniciou um pânico geral nos mercados. Em outubro de 1987 houve grande queda nas bolsas. A bolsa de Nova Iorque caiu em 21% num só dia. Havia também uma crise de endividamento das empresas estadunidenses, que levantam recursos vendendo papéis comerciais de baixa qualidade e juros altos, os chamados “junk bonds” (títulos de lixo). A crise só foi evitada com uma grande intervenção do Japão e da Alemanha, dois países com grande superávit no comércio dos EUA. Mas o alivio só foi temporário, com a crise chegando em 1990.
No fim dos anos 80 os EUA tiveram mais uma crise financeira, dos bancos de Savings & Loans (Poupança e Empréstimos). Era um tipo de banco no qual você abria uma conta e poupava, para depois fazer um empréstimo para comprar uma casa. Nos anos 80 o governo tirou muitos dos regulamentos e os bancos começaram fazer negócios mais arriscados. Quando o esquema caiu, o custo total ficou em US$ 560 bilhões, do qual o governo dos EUA teve de bancar US$ 325 bilhões.
Japão
A crise dos anos 90 do Japão, a segunda maior economia do mundo, é um sinal de alerta do que pode acontecer com os EUA na crise atual.
Durante os anos 80, o governo japonês deixou a bolha crescer conscientemente, como um método barato para financiar a modernização dos setores de tecnologia de ponta.
Em 1989 estourou a bolha no mercado de ações. O índice Nikkei, que chegou a 38,957 pontos em dezembro de 1989, ainda está 78% abaixo desse nível até hoje (07/11).
A bolha imobiliária também chegou a níveis astronômicos. O terreno do Palácio Imperial em Tóquio, de 3,41 km2 tinha um valor, supostamente, maior que um valor equivalente ao de todos os imóveis do estado de Califórnia nos Estados Unidos! No distrito financeiro Ginza (equivalente à Avenida Paulista de São Paulo) um metro quadrado valia US$ 1,5 mi! A bolha imobiliária estourou em 1990. Hoje os preços imobiliários em média ainda estão 40% mais baixos.
A crise japonesa levou a uma “década perdida”, com um crescimento médio de 1% durante os anos 90. Entre 1993 e 1998 o governo japonês implementou 6 pacotes de estímulo à economia, totalizando US$ 651 bilhões, mas o resultado só foi temporários surtos de crescimento. A deflação fez com que as dívidas não diminuíssem, apesar dos pacotes de ajuda governamentais. Em 1994 cooperativas de crédito e bancos regionais entraram em crise, em 1997 grandes bancos estavam à beira da falência e houve um novo aperto de crédito em 1998. O Financial Times escreveu no começo de 2008 que a crise bancária do Japão foi uma das piores da história, com perdas de US$ 700 bilhões.
Na verdade o Japão entrou na crise numa situação mais favorável que os EUA hoje. O Japão teve o tempo todo um grande superávit no comércio e não tinha dívida pública no início. Isso dava mais espaço para lançar grandes pacotes de estímulo, o que acabou gerando uma enorme dívida pública, que em 2007 correspondia 190% do PIB. Os EUA entram na crise com grandes déficits no comércio, no orçamento federal e com uma dívida pública que já é 60% do PIB.
No total os EUA têm uma dívida externa (pública e privada), de US$ 13,7 trilhões (equivalente a 100% do PIB), já antes da crise, enquanto o Japão tem uma dívida de US$ 1,5 trilhões (35% do PIB), depois da “década perdida”. Isso mostra que o Japão mesmo bancou grande parte da sua crise, enquanto os EUA vão depender muito de financiamento externo.
Japão tinha também um alto nível de poupança entre os consumidores, o que dava uma margem para aumentar o consumo privado. Antes da crise os japoneses guardavam 15% da sua renda, e durante os ano 90 diminuiram essa cota para 5%. Quer dizer, eles aumentaram a parte da renda líquida que ia para consumo de 85% para 95%. Nos EUA os consumidores já têm uma poupança negativa, gastam além de sua renda, estão endividados e vão ser forçados a diminuir seu consumo.
A bolha imobiliária do Japão também tinha crescido mais lentamente que nos EUA. Os preços médios de casas nos EUA cresceram em 90% entre 2000 e 2006, comparado com os 51% no Japão entre 1985 e 1991.
Crise asiática 1997-98
No dia 02 de julho de 1997, a Tailândia foi forçada a desvalorizar o baht, o que desencadeou uma crise na região.
Durante os anos 90, sob pressão do FMI, os países do Sudeste Asiático tinham aberto suas economias, abandonando grande nível de protecionismo e intervenção estatal. A Tailândia, por exemplo, com apoio do FMI, abriu para especuladores investirem nos bancos com juros maiores do que dos juros americanos ou japoneses. Para dar credibilidade, o valor do baht foi fixado ao do dólar, eliminando o risco da moeda perder valor, o que iria afetar o valor dos depósitos. Entre 1994 e 1997 a quantidade de depósitos triplicou para US$ 56 bilhões.
Na Coréia do Sul, o sistema bancário tinha sido privatizado e desregulado durante os anos 90. Em 1994-1996 houve um influxo de US$ 45 bilhões de capital especulativo.
Porém, em 1995 o dólar começou a se valorizar, valorizando também as moedas do sudeste asiático. Isso atingiu as exportações e Tailândia chegou a ter um déficit na conta corrente equivalente a 8% do PIB. Isso levou ao estouro das bolhas imobiliárias e de ações. A crise se espalhou para Taiwan, Coréia do Sul, Hong-Kong, Indonésia, Malásia e Filipinas, e também arrastando Rússia e Brasil. Nos cinco países asiáticos mais afetados pela crise, houve uma fuga de capital de US$ 100 bilhões, equivalente a 10% do PIB.
Os economistas do FMI e do Banco Mundial faziam avaliações erradas o tempo todo.
Em novembro 1997 um relatório da FMI alegou que a Coréia do Sul estava “economicamente salva” por ter “fundamentos fortes” (já ouvimos essa antes!). Um mês depois, o FMI teve que fazer o seu maior pacote de resgate até esse momento para a Coréia do Sul. O programa do FMI para Tailândia para 1998 se baseava em uma estimativa de crescimento do PIB de 3,5%, na verdade o PIB caiu 10%.
A política do FMI foi catastrófica, exigindo uma austeridade nos gastos públicos, piorando a crise, ao mesmo tempo que a pobreza aumentava dramaticamente. Graças à política do FMI, o PIB da Indonésia caiu em 14%, os salários caíram em um terço e 15% dos trabalhadores perderam seus empregos. Em 1999 um relatório do FMI chegou a conclusão que tinha dado conselhos errados à Indonésia.
O FMI fez pacotes de resgates de US$ 17 bilhões para Tailândia, US$ 33 bilhões para Indonésia, US$ 55 para Coréia do Sul, US$ 22 bilhões para Rússia e US$ 41 bilhões para o Brasil. Eram pacotes recordes, também ligados a mais condições: cortes nos gastos públicos, abertura dos mercados para capital estrangeiro, etc. Um objetivo fundamental dos pacotes era salvar os bancos e os investimentos dos países ricos. O objetivo era também acalmar os mercados, algo que não conseguiam.
Movimentos contra o neoliberalismo
A ofensiva neoliberal gerou o seu próprio contra-ataque. Isso foi visto principalmente nos países mais pobres que mais sofreram com a política imposta pelo FMI, pelas privatizações e pelos cortes nos gastos sociais. Isso desencadeou poderosos movimentos, em que as massas derrubaram presidentes em um país após do outro: no Equador foram derrubados Bucaram em 1997, Mahuad em 2000 e Gutierrez em 2005; na Indonésia foi derrubado Suharto em 1998; Estrada nas Filipinas e Milosevic na Iugoslávia em 2001. A onda de protestos na Argentina em 2001 levou à rápida sucessão de 5 presidentes. Na Índia uma gigantesca greve geral uniu 50 milhões de trabalhadores em maio de 2003.
Na Bolívia, a “Guerra da água” em Cochabamba barrou a privatização da água e os protestos pela nacionalização do gás e do petróleo levaram à queda de Lozada em 2003 e de Mesa em 2005. Na Venezuela vimos a eleição do Hugo Chávez em 1998, mas também a eleição de Lula no Brasil em 2002, que refletiram essa rejeição popular ao neoliberalismo, assim como a eleição de Tabaré Vázquez no Uruguai em 2004, de Rafael Correa em 2006 e de Fernando Lugo em 2008.
As manifestações de massas que bloquearam a reunião da OMC em Seattle em 1999 foram o início de manifestações que se espalharam pelo mundo e perseguiram as reuniões de cúpula das instituições internacionais do capital: o G-8, o Fórum Econômico Mundial em Davos, o FMI, o Banco Mundial, a União Européia e etc. Os Fóruns Sociais Mundiais são expressão desse movimento. Milhões participaram desses movimentos, que juntou sindicalistas, ambientalistas, estudantes, e militantes de inúmeros movimentos sociais, de camponeses pobres e indígenas.
Bolha da informática, a “nova economia” e gigantes fraudes
Em 1998, o fundo hedge LCTM quase quebrou, o que levou os EUA à beira de uma crise financeira. O LCTM gerava grandes lucros durante 1995-1997, fazendo negócios utilizando pequenas diferenças entre juros em títulos de diferentes países. A margem de lucro para cada negócio é pequena, por isso precisava investir bastante capital. No início de 1998 o fundo tinha um capital de US$ 4,8 bilhões, mas investia US$ 120 bilhões, o que significa que pegava emprestado (alavancava) 25 vezes o valor do seu capital. Com a crise da Rússia em agosto de 1998, os títulos russos, onde o fundo tinha investido pesadamente, perderam rapidamente em valor e em setembro os ativos da LCTM só valiam US$ 600 mi, mas as dívidas eram de US$ 100 bilhões, 167 vezes o valor dos ativos! A LCTM foi salva por uma ação coordenada pelo banco central dos EUA, o Fed, injetando US$ 3,6 bilhões, para evitar que a quebra do LCTM precipitasse uma crise internacional.
A quase falência do LCTM aumentou o temor de que os EUA entrariam numa crise econômica, contagiado pela crise asiática. Mas os EUA foram salvos pelo fato de que houve uma grande fuga de capital dos países emergentes que foram afetados pela crise (Sudeste Asiático, Rússia, Brasil etc.), e esse capital, em busca de um porto seguro, se dirigiu aos EUA, apesar dos cortes de juros implementados pelo Fed. Esse influxo de capital, junto com os juros mais baixos, ajudou a sustentar o crescimento por mais um tempo.
Isso ajudou a inflar uma nova bolha: a bolha da informática. Em pouco tempo empresas que nunca tinham feito lucro tiveram seus valores inflados ao nível de grandes indústrias. Um exemplo é o site de vendas Amazon, que foi lançado na Nasdaq em 1997. Cada trimestre a empresa apresentava perdas maiores, mas o valor da ação só subia. No início de 2000 Amazon tinha um valor de mercado que superava todas as redes de livrarias dos EUA – juntas! A primeira vez que a empresa teve lucro foi no fim de 2001, mas até no fim de 2007 a empresa tem um déficit acumulado desde o início de US$ 1,58 bilhões.
O principal índice da bolsa eletrônica estadunidense Nasdaq, onde muitas ações de empresas de informática são negociadas, chegou a 5.132 pontos em março 2000. Quando o Fed aumentou os juros, a bolha estourou, com o índice caindo quase 80% até outubro 2002. As empresas de informática perderam no total US$ 5 trilhões em valor. O índice hoje (07/11) ainda está 68% abaixo do nível recorde.
O fato dos EUA terem escapado mais uma vez da crise, junto com a sobrevivência das empresas de informática, parecia desafiar a lei da gravidade. Tal otimismo levou ao lançamento da teoria da “nova econômica” baseada na informática, pela qual o capitalismo teria superado suas crises. Um dos negócios que atraíram grandes capitais era o comércio eletrônico, via internet (como Amazon). Mas esse negócio não tem como ter uma lucratividade muito maior do que as lojas comuns, a fonte do lucro é a mesma. A expansão do comércio eletrônico tem sido muito mais lento do que previsto naquele momento.
Nessa época foi revelado como várias empresas fraudavam amplamente suas finanças para parecer maiores e mais lucrativas do que eram, usando entre outras coisas o mercado de derivativos. O escândalo da Enron, uma companhia de energia estadunidense, foi a primeira de vários. Enron fez durante anos lobby para que o mercado de energia fosse desregulado nos EUA. A empresa lançou um mercado virtual de compra e venda de energia e começou vender até derivativos do tempo! Quer dizer, você poderia apostar se ia ficar quente ou frio, e qual seria o gasto de energia. A empresa ficou muito popular entre investidores e foi eleita a empresa mais inovadora pelo Fortune Magazine durante seis anos. O mais inovador foi sua prática contábil, que era tão complicada que poucos conseguiam entendê-la. Mas o objetivo era simples. Usando 3 mil empresas de fachadas para esconder os gastos da empresa, ela parecia ter um lucro muito maior do que era o caso. Em base de fraudes a empresa se tornou a sétima maior dos EUA. Quando a fraude foi revelada em 2001, a empresa perdeu todo o valor e faliu, o maior da história até aquela data. Milhares que tinham investido na Enron perderam tudo, incluindo grande parte dos 21 mil funcionários que tinham apostado suas aposentadorias nos fundos de pensão na empresa.
A falência do Enron foi seguida pela da Worldcom (a maior falência da história), que também tinha inflado seus lucros, assim como vimos nos escândalos da Parmalat (Itália), Elf (França), Marconi (Grã Bretanha), etc.
11 de setembro e nova crise
A economia dos EUA já estava com problemas em 2001 quando houve um novo choque: os ataques de 11 de setembro. Os ataques esfriaram o otimismo dos consumidores e levou a uma queda no PIB e aumento do desemprego.
Mais uma vez a receita do Fed foi a mesma, rebaixar os juros, que chegou a cair para 1% em 2003. O período de 2002-2006 foi provavelmente o período com o maior crescimento de bolhas especulativas da história do capitalismo, impulsionadas pelos juros baixos, créditos aparentemente infinitos e um período de crescimento de 5% ao ano.